domingo, janeiro 05, 2014

À flor da pele - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 05/01

Quando tento buscar na memória a menina que fui, não consigo me ver chorando. No colégio? Nunca. Em casa? Só de forma muito reservada e profunda no silêncio do meu quarto, jamais por fricotes infantis. Mesmo adolescente, com os hormônios em curto-circuito, tampouco lembro de abrir as torneiras. Era durona, não chorava nem quando havia sério motivo para tal aliás, bastava que algum parente distante tivesse morrido para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha de me emocionar.

Depois veio a idade dos namoros, e aprendi a chorar por dor de cotovelo e também por autopiedade. Meu choro era tão sentido, vinha de zonas tão secretas em mim que, mesmo quando o motivo do choro já havia se dissipado, eu continuava chorando pela simples emoção de estar testemunhando a minha tristeza reprimida que finalmente desaguava — eu chorava pela comoção que eu mesma me causava.

Chorei por amor e ainda vou chorar, porque é da natureza do amor despertar nossas fragilidades. Chorei no momento em que minhas filhas nasceram, porque o esforço e a intensidade da emoção do parto faz tudo vazar sem barragem que represe. E chorei de raiva nas poucas vezes em que me senti injustiçada. E só. Tudo choro emocional, mas com razão conhecida.

Porém acabou o tempo de estio, quando eu chorava tão de vez em quando que podia lembrar a data. Nos tempos que correm, as lágrimas também correm — muito! E se antes chorava por alguma emoção irreprimível como o nascimento de um filho ou por um sofrimento doloroso como a partida de um grande amor, ando chorando agora durante a Dança dos Famosos. Quando o Gabiru fez o gol que deu ao Inter o Campeonato Mundial de Clubes, chorei. Quando uma criança canta na festinha da creche: “Quero ver você não chorar/Não olhar pra trás...”, me debulho. Choro em formatura.

Choro em discurso de família. Chorei quando os Stones entraram no palco no Hyde Park e quando Paul McCartney cantou My Love no Beira-Rio. Choro com os fogos de artifício do Réveillon. Choro no trânsito. Choro quando os caixões são fechados, mesmo que eu não conheça quem esteja dentro. Choro ao ver qualquer pessoa chorando. Choro em apresentação de dança da Dullius. Choro em aeroporto. Choro no banho. E quando ouço Chão de Giz, do Zé Ramalho, daí não são apenas olhos marejados: transbordo. Essa música toca em alguma coisa que me cala fundo e ainda não sei o que é.

Dizem que ficamos mais amolecidos com a idade, mas eu achava que estavam se referindo às dobrinhas nos joelhos. Pelo visto, os sentimentos, com o tempo, também afrouxam. Melhor assim: deixam de empedrar e de nos enrijecer por dentro. Deslizam pela face e nos purificam: ficamos banhados, limpos, batizados.

Invenção da alegria - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 05/01

O que distingue uma coisa da outra é a capacidade de nos deslumbrar que as formas tenham


Fui ao Paço Imperial, aqui no Rio, para ver a exposição de Wilma Martins. Fazia muito tempo que não via seus trabalhos, mas guardara deles a melhor das impressões. Agora, nesta visita que fiz, aquela impressão se confirmou e, devo admitir, mostrou-se mais rica e fascinante.

Uma das boas coisas que ganhei nessa visita foi conhecer trabalhos anteriores da artista, suas gravuras em madeira, onde já se revelava particularmente criativa e original. Diante daquelas composições, onde a linha gravada e as relações de treva e luz nos fascinaram, só confirmei tratar-se de uma artista de rara originalidade.

Mas essa gravadora, que explorava um universo noturno e delirante, tornou-se depois a desenhista diurna, de desenho limpo e lúcido, que parece constituir o ápice de sua aventura estética.

Essa fase de Wilma está entre as melhores coisas que a arte brasileira produziu nestas últimas décadas. Isso se deve, creio eu, de um lado, ao despojamento da linguagem figurativa e, de outro, à imaginação poética que a faz trazer para o espaço doméstico --povoado de objetos próprios a esse espaço-- seres selvagens como corças, ursos, elefantes e, com eles, a floresta mesma. Ela opera uma subversão poética da realidade banal da casa. E tem mais, ali não aparecem os moradores, os habitantes do espaço doméstico; não, só os objetos.

O mais surpreendente, porém, nessas obras de Wilma, é o fato de que os objetos da casa são meros contornos, sem consistência real, enquanto os animais que ali surgem inesperadamente são coloridos e tratados conforme a linguagem realista da pintura convencional. Ou seja: o que é real --os objetos da casa-- é representado abstratamente, enquanto o que é sonho --as aparições da selva-- é tratado com realismo.

E o mais curioso é que, não muito depois, Wilma Martins passa a pintar paisagens, isto é, a natureza que se insinuava em seu universos gráfico de desenhista torna-se o tema exclusivo do quadro.

No mesmo Paço, numa sala do andar térreo, há outra exposição. Trata-se de uma instalação, com máquinas que produzem vento e um tubo de plástico ora inflado pelo vento que a máquina produz, fazendo desagradável barulho. Não se percebe ali qualquer preocupação com beleza e acabamento; pelo contrário, a impressão é de algo improvisado, feito de qualquer modo. Mas, afinal, que nos diz aquilo? Que o vento infla o plástico? Mas quem não sabe disso?

Não é por não se valer da linguagem da pintura, do desenho ou da escultura, que não se faz arte, pois arte pode ser também a invenção de linguagens novas ou inovadoras, que nos fascinam e encantam.

Este é o caso de Yayoi Kusama, artista japonesa que expõe atualmente no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio. Nascida em 1929, ela começou a criar na época da pop art, inspirada nos trabalhos de Andy Warhol. No entanto, ao contrário dos artistas daquela tendência, que tomavam por tema objetos, figuras e fatos banais da vida moderna, Yayoi nos arrasta a um deslumbrante universo de cores, formas e luzes.

E essa capacidade de deslumbrar está em tudo o que ela faz, até mesmo nas telas que pinta fora do que estamos habituados a ver. Isso, sem falar nas salas em que penetramos como se passássemos a outra dimensão do real. Não por acaso, filas intermináveis de visitantes se formam no CCBB para experimentar esse encantamento. A sala de luzes, com centenas de lâmpadas que mudam de cor a cada momento, parece levar-nos a um passeio pelo espaço cósmico, fervilhante de estrelas.

Mas a criatividade de Yayoi é inesgotável, já que, no oposto dessa sala noturna, há outra, diurna, constituída de dezenas de volumes brancos com pintas vermelhas, que se multiplicam refletidos nas paredes de espelho. O que significa isso? Não se sabe, mas não importa, não é preciso saber, uma vez que a obra é seu próprio significado. É que tudo tem expressão, seja um tubo de plástico, seja uma sala de luzes ou formas coloridas. O que distingue uma coisa da outra é a capacidade de nos deslumbrar que as formas tenham. Mostrar a banalidade é mostrar o óbvio. A arte é a superação da banalidade.

Sob o signo da incerteza - ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA

O GLOBO - 05/01

Há um embate surdo na cultura contemporânea entre o delírio do controle absoluto e a irrupção do imprevisível


Os rituais que marcam a passagem do Ano Novo vão na contramão do imediato, suspendendo, por uma noite, o frenético aqui e agora e estimulando desejos para “esse ano que vem”.

Quem deseja feliz Ano Novo reabilita o futuro e a esperança, contraria o eterno presente em que vive uma sociedade que aboliu a História, logo o passado, e o projeto, logo o futuro.

“Esse ano que vem” é a nossa fronteira onírica, o tapete que estendemos para nós mesmos na direção do amanhã. Nele cabe tudo que não foi, o amor não encontrado, o dinheiro não ganho, a obra adiada, o país tão sonhado e que não aconteceu.

As rosas brancas lançadas ao mar, que ao sabor da maré desaparecem ou voltam à areia, são desejos que vão ou não ser acolhidos por Iemanjá. Reabilitam o acaso e o imprevisível em um mundo que tudo controla e, para melhor controlar, tudo espiona. O sagrado em que se banha esta noite abre um parêntese cheio de mistério no mundo que se quer hiperprogramado, que anuncia o fim da privacidade, logo do indivíduo, preso e afogado em sua própria rede. Na noite de 31 de dezembro, quebra-se a onipotência com que a tecnologia programa os espíritos. Nessa noite o incontrolável é senhor.

Nosso tempo é feito de paradoxos: busca segurança e certezas que são desmentidas e nos confrontam com nossa vulnerabilidade. O algoritmo do Google traça com exatidão o perfil de cada um. As empresas a quem interessa saber quem são seus potenciais consumidores compram esse produto a peso de ouro.

O instrumento que serve ao controle serve também ao descontrole. Os segredos das grandes potências vêm sendo desvendados pelos hackers do Wikileaks que põem a nu a fragilidade de suas alianças.

Ao Estado americano interessa saber tudo sobre todos e cada um por supostas razões de segurança. Em ambos os casos o poder da computação é imenso. E, no entanto, todo o sistema de informações gerado pelas agências de espionagem não entrou na alma inquieta de um de seus espiões, um certo Snowden. A quintessência de um sistema de comando e controle foi vulnerável à ação de um jovem destemido de 29 anos que trabalhava na Agência Nacional de Segurança no Havaí. O estrago foi irremediável.

Edward Snowden concorreu com o Papa Francisco ao título de Pessoa do Ano da revista “Time”. Ganhou o Papa que, iluminado, com palavras de ternura, substituiu a condenação do pecado pela escuta e o acolhimento, abalando o rígido sistema de controle dos desejos mais íntimos que a Igreja exerce em troca da salvação das almas.

Os desígnios de uns poucos homens enguiçam máquinas poderosíssimas. De todos os sistemas complexos em que vivemos enredados, o mais complexo ainda é o ser humano com seus mistérios. Não sabemos o que reservamos ao ano que vem. Um gesto individual pode ter o impacto do bater de asas daquela borboleta que redireciona os ventos e desencadeia tempestades.

Há um embate surdo na cultura contemporânea entre o delírio do controle absoluto e a irrupção do imprevisível que explode em toda parte como um grito de desespero. Esse embate estará presente em 2014 no Brasil quando a bola rolar, as ruas falarem e as urnas se abrirem. A incerteza é o paradigma do nosso tempo.

No turbilhão de informações em tempo real quem reserva o tempo gratuito das lembranças para revisitar o ano que passou? Registrando freneticamente tudo que é vivido em trilhões de mensagens e fotos que substituem a memória, os fatos e gestos são logo esquecidos. Na areia de Copacabana os flashes dos celulares substituíram a brasa dos cigarros que antes se acendiam. Um réveillon — o mais belo do mundo — sem fotos on-line é como se não estivesse existindo.

Quem ainda convive consigo mesmo? Desmemoriados, temos nossas biografias registradas em gigantescos agregadores de dados que sabem sobre nós muito mais do que nós mesmos. Biografias autorizadas, já que fornecemos gratuitamente a Google e Facebook essas informações que valem mais do que o petróleo. Tucídides disse que o sucesso de uma tirania se mede pela felicidade dos escravos com a sua escravidão. Como é alegre a servidão às tecnologias virtuais!

Na tarde que precedeu o réveillon um imprevisível arco-íris abriu sua curva perfeita no céu e mergulhou no mar que quebrava no Forte de Copacabana, traçado quem sabe por Oscar Niemeyer que, saudoso, revisitava sua praia tão querida, o improvável encontro de um raio de sol com os pingos da chuva ficou ali como augúrio de que em 2014 surpresas iluminarão o cenário. Se forem encantadoras como o arco-íris, tanto melhor.

Feliz Ano Novo.

Formiguinhas - FABIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 05/01

Aí você acorda às 3 da manhã morrendo de sede e com a boca seca, percebe que não deixou na mesinha de cabeceira aquele copo de água salvador da madrugada e tem que se levantar como um zumbi e ir até a cozinha torcendo para isso não tirar seu sono em definitivo. E, de repente, você está lá, tomando a água mais gostosa do mundo quando repara, iluminada pela luz da geladeira, que na parede há uma filinha de formigas vindas não se sabe de onde e tomando não se sabe qual rumo. São microformiguinhas, inofensivas, mas que fizeram da sua casa uma rota alternativa. Você procura entender para onde vão e vai seguindo com o olhar aquela trilha. Depois volta para saber de que pequeno buraco veem esse (qual o coletivo de formigas?) mundo de insetinhos. Não há o que fazer. Você volta a dormir.

Nos dias que se seguem, você tenta de tudo: coloca cravo da índia nos cantos da cozinha porque sua vó lhe disse que era bom. Pó de café. Passa álcool nas paredes. Joga inseticida no começo e no fim. Tapa o buraco com Durepoxi. Só falta atear fogo na casa. E o que acontece no dia seguinte? Elas voltam. Elas dão um jeito, fazem um malabarismo qualquer e continuam usando sua cozinha de passagem. E elas são infinitas.

Nem adianta perder o seu dia esmagando uma a uma com seu maldoso dedão, porque elas não acabam. E depois de tentar de tudo, inclusive de tentar conviver com elas pacificamente, você resolve tomar uma atitude. Aquela atitude que você deveria ter tomado desde aquela primeira noite. Se mudar de casa? Não. Chamar um dedetizador. Ele vem, você paga um X que você não queria pagar desde o início, porque achou que resolveria do seu jeito, ele dá o "jeito" dele e no dia seguinte o que acontece? As formiguinhas não estão mais lá. Simples assim.

No Brasil, todos nós sabemos de onde vêm as formiguinhas e para onde vão. É conhecido por qualquer brasileiro de onde entra a droga no País e qual o seu destino final. Sabemos quem são os políticos corruptos e como eles fazem para roubar. Sabemos quem são as autoridades sempre subornadas, como são subornadas, qual o esquema delas e como funciona seu mecanismo. Sabemos quem são as torcidas organizadas, quem são os assassinos que vão aos estádios para arranjar briga, inclusive sabemos a data, hora e o local das confusões. Sabemos que a educação vai mal. Sabemos que os hospitais não têm infraestrutura. Sabemos que a polícia é mal paga. Sabemos em que ruas ficam as cracolândias. Sabemos quais são os lugares perigosos da cidade. Sabemos onde moram os bandidos. Sabemos que a tributação no País é a maior do mundo. Sabemos que o dinheiro pago com os impostos é muito e, misteriosamente, não dá conta de resolver nenhum problema.

Sabemos que cartórios são inúteis e verdadeiros cartéis. Sabemos que tudo é superfaturado e sabemos o porquê. Aqui, o governo acompanha as formiguinhas com olhares muito atentos, mas ninguém se dá ao trabalho de levantar a bunda do sofá, pegar o telefone e ligar pra uma dedetizadora.

Carisma - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 05/01

Até hoje se especula se a história do Brasil teria sido diferente se a personalidade do Jango fosse diferente, e ele tivesse vontade suficiente para chefiar uma resistência ao golpe de 64


Eu estava vendo o ditador norte-coreano Kim Jong-un na TV e pensei no Jango Goulart. Não que houvesse qualquer semelhança física ou política entre os dois, mas tanto Kim como Jango nos fazem especular sobre essa coisa misteriosa chamada carisma — que Jango não tinha e o pequeno e rechonchudo Kim tem muito menos. Claro, Kim herdou a ditadura do seu pai, que herdou do seu avô. Não precisava de carisma para chegar onde chegou, bastava o nome. Mas Jango fez uma carreira política importante que culminou na Presidência da República, apesar da evidência de não ter muito gosto pela política ou pelo poder, e nenhum carisma. Também teve um pai político — Getúlio Vargas — mas conquistou sua liderança no embate e no voto, mesmo com zero de carisma. Até hoje se especula se a história do Brasil teria sido diferente se a personalidade do Jango fosse diferente, e ele tivesse vontade suficiente para chefiar uma resistência ao golpe de 64. Muito se falou, no rescaldo do golpe, num inexistente “esquema do Jango” que deteria os golpistas. Hoje se sabe que o “esquema” pode até ter existido, o que faltou foi a decisão do Jango de inspirar uma reação, com o risco de deflagrar uma guerra civil. Foi o momento em que um pouco de carisma teria mudado tudo.

Outro caso notório de um político que foi longe sem carisma é o de Richard Nixon, que chegou à presidência dos Estados Unidos, e à reeleição, apesar do seu ar soturno e da sua absoluta falta de atrativos pessoais. Nixon fez a sua carreira como caçador de comunistas durante a Guerra Fria, e ganhou o apelido de “Tricky Dick” e uma reputação que justificava o apelido de pouco confiável. Mesmo assim só não completou dois mandatos na presidência porque foi derrubado pelo escândalo de Watergate. Faltava a Nixon o que sobrava, por exemplo, em John Kennedy. Houve um famoso debate eleitoral entre os dois em que, na opinião de todos, Kennedy arrasou com Nixon. Revendo-se a gravação do debate, depois, chegou-se à conclusão de que Nixon, na verdade, vencera. O que convencera as pessoas da vitória de Kennedy fora sua aura de juventude e capacidade de liderança, além da cara limpa em contraste com a cara sombria do adversário. Ganhou o debate o carisma do Kennedy, não o Kennedy.

O que é, afinal, carisma? O Aurélio diz que é a atribuição a alguém de qualidades específicas de liderança, derivada de sanção divina, mágica ou diabólica. Em suma, um mistério. Você nem sempre sabe quem tem, mas sabe imediatamente quem não tem.

Tudo certo com seu santo? - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S.Paulo - 05/01

Acho que quase todo mundo faz alguma coisa para que o ano-novo seja propício. Há os que se vestem de branco e lançam oferendas ao mar, os que tomam banhos de descarrego e ainda os que adotam providências para mim sempre meio confusas - enfiar um nhoque na orelha, encher a cueca de sementes de romã, misturar uma nota de cem dólares na salada e comê-la, botar um prato de lentilhas embaixo do travesseiro, não compreendo bem, tento aprender, mas esqueço logo tudo. Entretanto, que eu saiba, são relativamente poucos os que, no início do ano, procuram o alto patrocínio de um santo. E um bom santo padroeiro é mais que meio caminho andado para o contentamento e a prosperidade. Seu esquecimento não diz bem de nossa prudência e revela deplorável desleixo para com as tradições nacionais.

Conseguir o amparo e a assistência de um bom santo não costuma ser difícil, mesmo se tratando dos mais solicitados e ocupados. Santo é santo e aí, quando o pecador arrependido chega a ele suplicando uma colher de chá, ele pode até fazer umas exigências preliminares, mas não nega a ajuda, seria contra a caridade cristã e o Espírito Santo está de olho nele. Em Itaparica, apenas os mais antigos lembram algumas poucas ocasiões em que um santo não aceitou determinado caso, mas, quando isto acontecia, ele passava a questão para um colega de santidade, com mais experiência na matéria. Dizem que finado Edésio Testa Grande, uma certa feita, tantas e tais desgraceiras confessou a São Lourenço, que o santo ficou vermelho de vergonha, se levantou e disse: "Seu Testa Grande, o senhor me compreenda uma coisa, eu vou lhe dar um cartão para o senhor procurar Santo Agostinho, que na juventude foi ladrão, mentiroso, escandaloso e femeeiro e, assim mesmo, nunca chegou aos pés do senhor e, se ele não resolver seu caso, ninguém mais resolve". E se sabe que Santo Agostinho, depois de muito trabalho e vários embargos infringentes, conseguiu livrar Testa Grande do inferno, mas não de 800 anos de purgatório em regime fechado, o que foi considerado leve por quem conheceu esse dito Edésio Testa Grande.

Certamente cometerei injustiças e pecarei por omissão, mas me arrisco a citar, assim de cabeça, alguns dos santos mais requisitados e prestigiados lá do Recôncavo, como João, José, Pedro, Luzia, as Teresas, Jorge, Roque, Bárbara, Rita, Judas Tadeu, Benedito, Efigênia e tantos outros. Propositadamente, deixei de fora Antônio, pois acho que ele merece destaque especial em nossa História, até porque era português e participou diretamente em diversos episódios dela. Claro, não se vai negar a grandíssima importância de um Pedro, um João, uma Teresinha, um José ou uma Rita, todos eles muito festejados e cheios de afilhados e devotos, mas Antônio foi oficial das forças armadas portuguesas, onde uma vez, por não se esforçar devidamente no combate, foi rebaixado, acho que lhe revogaram a patente de capitão. E ainda tomou vários esbregues de seu xará Antônio Vieira, que nem por ser xará aliviava a borduna.

Ele se redimiu esplendidamente dessa falha momentânea e prestou assinalados serviços na guerra contra os invasores holandeses. Mas, mesmo assim, as descomposturas do Padre Vieira ainda repercutem no coração dele, de forma que, quando se oferece a ocasião, ele aparece para mostrar serviço contra os holandeses, como fez no dia em que Vavá Paparrão passou a noite sozinho na Ilha do Medo e surgiu uma porção de fantasmas de holandeses para ali assombrar. Paparrão era capoeirista afamado, mas a luta era desigual e foi então que ele gritou "valei-me, meu Santo Antônio!" e o santo na mesma hora despencou lá de cima, já baixando o sarrafo nos holandeses. Quem testemunhou diz que o chão da Ilha do Medo amanheceu coalhado de cadáveres de almas holandesas. Atualmente, Antônio acumula seu cargo permanente de protetor dos pobres com a prestação de serviços para encontrar coisas perdidas e, principalmente, para o fornecimento de maridos. Ainda está para nascer aquela que fica para titia depois de fazer boas novenas para Antônio, sem nunca esquecer a missa dele no dia 13 de junho. Nos raríssimos casos em que o pedido não é atendido, as pretendentes pegam suas imagens do santo e as põem de cabeça para baixo no nicho até que apareça um marido, não falha nunca.

Mas, como já disse acima, muitos outros santos prestam diligente atendimento a seus devotos e os que cito estão longe de ser todos. Luzia, por exemplo, até hoje tem a fonte dela em Salvador, para quem quiser lavar os olhos e ficar logo enxergando melhor que um gavião. Jorge e Cristóvão, que andaram abalados com a notícia de que a Igreja duvidava de sua existência, receberam manifestações de solidariedade de todos os cantos e continuam firmes, o primeiro matando o dragão da maldade e ajudando os desempregados, e o segundo dando apoio aos viajantes. E, consultando um santoral de confiança, o distinto leitor ou a encantadora leitora não terá dificuldade em encontrar um ou mais santos dispostos a ajudar, a partir deste ano-novo. Podem ter certeza de que, por trás de cada trajetória de sucesso, estão um ou mais santos de grande valia e muita gente esconde o jogo, não diz a ninguém qual é seu santo. Descobriu-se recentemente que até Zecamunista também tem santo protetor. Confrontado com a surpreendente revelação, ele não a desmentiu, como se esperava. Tem santo padroeiro, sim, só estranha isso quem não conhece o materialista baiano. É o padroeiro dos ateus, um irlandês chamado Oteram, de que pouca gente ouviu falar, porque seus devotos costumam ser muito discretos e só o mencionam quando a necessidade aperta.

- Vocês acham que os ateus iam ficar sem a cobertura de um santo? - disse Zeca. - Ateu também é filho de Deus.

Em Úbeda - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O Estado de S.Paulo - 05/01

John Barth é um escritor americano com um gosto pela literatura experimental, autorreflexiva e metafórica, que, acho eu, pode ser chamada de pós-moderna - embora quase tudo, hoje, possa ser chamado de pós-moderno. Entre os seus ídolos literários estão Jorge Luiz Borges. Italo Calvino, Vladimir Nabokov, Samuel Beckett e, surpreendentemente, Machado de Assis. Escrevi "é" e fiquei na dúvida. Seria "era"? Consultei o google para saber se Barth está vivo. Ou o google está desatualizado ou ele, com 83 anos, ainda respira.

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Eu tinha lido alguns romances dele e há pouco encontrei uma coleção dos seus ensaios e palestras, recém-publicada. Numa das palestras Barth lembra a história do cerco das tropas do rei Alfonso VI pelos mouros aos pés da Sierra Morena, Andaluzia, no século 11, e a chegada tardia do legendário El Cid à frente de reforços, para salvá-las. Irritado, o rei teria perguntado a El Cid a razão da sua demora, ao que o Campeador teria respondido: "Andava pelas colinas de Úbeda". Desde então a frase se incorporou ao idioma espanhol, e diz-se de quem se desvia do seu objetivo, esquece seu propósito ou se distrai, que "se marcha por los cerros de Úbeda". Barth inclui nesta definição a digressão de palestrantes que abandonam o assunto da sua palestra como quem divaga pelas colinas de Úbeda.

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Na mesma palestra Barth lembra a história de Calipso, a ninfa do mar que atrasa a volta de Ulisses para casa e o detém por sete anos, na Odisseia de Homero. O nome "Calipso" vem da mesma raiz grega de "kalupsein", que quer dizer "encobrir" (e também é da raiz de "apocalipse", o inverso de encobrir, "revelação", como sabe qualquer leitor da Bíblia). Calipso encobre, com seu encanto, o objetivo de Ulisses, que é voltar das ruínas de Troia para os braços de Penélope. Segundo Barth, ela pode ser chamada de Deusa da Digressão. Nos seus braços o herói da Odisseia encontra a sua Úbeda, e nela fica por sete anos.

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Todos nós conhecemos "los cerros de Úbeda", por onde andamos em devaneios, ou quando é absolutamente necessário mudar de assunto. Em Úbeda adiamos tudo o que precisa ser feito, não pensamos no que nos atormentaria e desfrutamos do doce prazer da indefinição: em Úbeda só se passeia, nada se decide. Ou, como nos casos de El Cid e de Ulisses, Úbeda é onde se perde tempo. Há quem nasça e passe toda a vida na sua Úbeda particular, longe da realidade, sem se dar conta. E há os que escolhem ficar em Úbeda em vez de encarar as durezas da vida.

*

El Cid, apesar do bucólico desvio que atrasou sua chegada, acabou chegando, e pondo os mouros a correr. Ulisses, no fim de sete anos nos braços de Calipso, finalmente decidiu que era hora de ir para casa. Tanto El Cid quanto Ulisses teriam chegado vigorados ao seu destino depois da sua passagem por Úbeda, El Cid no campo de batalha para salvar o rei, Ulisses na cama da paciente Penélope. O que serviria de exemplo para cronistas que passam longas temporadas em Úbeda, dedicando-se a frivolidades inconsequentes, para vez que outra acabar com a digressão, dar um mergulho na realidade e escrever para valer.

Amarrados ao púlpito - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 05/01

SÃO PAULO - O filósofo Daniel Dennett é frequentemente citado, ao lado de Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens, como um dos quatro cavaleiros do ateísmo, que ganharam a alcunha por terem lançado, entre 2004 e 2007, best-sellers com críticas à religião.

Os quatro livros são interessantes, mas nunca achei que Dennett se encaixasse bem na imagem. Enquanto Dawkins, Harris e Hitchens adotam um tom francamente militante, até panfletário, Dennett oferece uma obra muito mais nuançada.

Essa impressão foi reforçada agora com o lançamento de "Caught in The Pulpit: Leaving Belief Behind" (capturados no púlpito: deixando a crença para trás), em que Dennett e Linda LaScola lançam luzes sobre o problema dos pastores, padres, rabinos e outras lideranças religiosas que perdem a fé e se veem no dilema entre manter a integridade intelectual, o que implicaria renunciar a seus postos, ou ir torcendo as palavras e suas próprias crenças, para continuar exercendo suas funções e, assim, preservar casamentos, amizades, posição social e aposentadorias.

O livro surgiu a partir de um estudo modesto em que cinco clérigos que viviam esse processo foram entrevistados. A coisa logo evoluiu para um site onde ministros em vias de perder a fé podem trocar experiências sob anonimato e daí para a obra.

Além de boas histórias humanas, o texto de Dennett e LaScola mostra que a religiosidade vem nos mais diferentes formatos e sabores. Há desde os ultraliberais, para os quais a Bíblia é um conjunto de alegorias expostas em linguagem poética, que nunca devem ser tomadas pelo valor de face, até aqueles mais conservadores que afirmam que cada palavra das Escrituras deve ser interpretada literalmente. Como observou um dos entrevistados, nem todo religioso nega a evolução biológica. Esse abismo nas fileiras dos que creem é algo que a nova literatura sobre a religião muitas vezes deixa escapar.

Onde deixei os meus culhões? - OSSAMI SAKAMORI

http://ossamisakamori.blogspot.com.br/

Acordei brabo hoje! Que País de m... é isto? Falamos, falamos, inclusive este que escreve, mas não tomamos atitude nehuma. Viramos todos covardes! Não somos exemplo para ninguém. Muito menos para os nossos descendentes. Somos uma vergonha para os antepassados! Sou o primeiro da fila para me incluir.

Nós que não fazemos parte do contingente de analfabetos funcionais, mais de 55 milhões, em idade adulta, acovardamos. Falamos, falamos, falamos... em redes sociais, em roda de amigos, nos blogs como eu faço, mas não tomamos atitudes!

Sim, estou é puto comigo! Infelizmente, estou no meio desta turma, a nossa, que falamos o que seria bom para o País, mas não tomamos atitudes. Nós sabemos achar o vilão da história. Elegemos que serão os políticos o nosso alvo. Mas assim não vai dar! Eles, políticos, nem estão aí. Eles vendem até a alma para poderem se reeleger! Mas, os culpados de eles estarem no poder, somos nós, os eleitores, os pseudos elites. Não me excluo, deste contingente de pessoas. Não, não me excluo. Sou igualzinho a todos que estou a referir.

Que País de m... esta? Deixamos a quadrilha de arrombadores de cofres públicos tomarem a conta do País. Eles estão agindo, não mais na calada da madrugada, mas no pleno luz do dia! Do QG da Papuda! E ninguém toma atitude! Os poucos que tomam, são marcados! Conheço alguns destes baluartes! São homens dignos e corajosos que excluo-os da minha lista, da lista que faço parte! Tenho vergonha, perante estes, a minha condição de inércia. Não tenho contribuído nada para a mudança!

Creio, o País é uma m... porque sou uma m... ! Sou covarde, como tanto quanto outros, formadores de opinião, do pseudo elite, da pseuda burguesia. Pior, sou mais um, desses que criticam o "status quo", mas nada faço de concreto para promover a mudança. Fico, como se fosse intelectual, atrás do PC (leia-se computador), escrevendo. Escrevendo, acho que mais para desintoxicar o meu fígado, do que para mudar o País.

Poxa! Lutei, embora não clandestinamente, para redemocratização do País, nos tempos de chumbo, do regime militar. E eu estou cá, inerte, no conforto do ar condicionado, escrevendo... escrevendo. Letras vis, letras mortas, que nada servem. Letras pronunciados por um mudo, que sou eu, para uma platéia de silêncio, que são os alienados. Somos os guerrilheiros do ar condicionado! Só me resta rir, de mim próprio, da minha condição de covarde!

Este ano é decisivo para o futuro da minha pátria, que imagino seja pátria de vocês, também. Propugno a mudança. Coloco algumas idéias, mas fico nisso. Como se minha missão tivesse terminado. Como querer lavar a alma, lavando as mãos com algumas linhas de pensamentos. Sim, sou mais um covarde! Até quando vou ficar escondendo os meus culhões? Não, não pode ser por muito tempo. Preciso honrar o que está debaixo das minhas calças!

Vamos à luta, vamos! Vem comigo, vem?

PS: Culhões: sentido figurado de coragem.

As plataformas 'fictas' - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 05/01

Em sua mensagem de fim de ano aos brasileiros a presidente Dilma Rousseff responsabilizou "alguns setores" por uma "guerra psicológica" que retrai, inibe e retarda investimentos no País. Dilma não identificou esses "setores", mas sua equipe econômica se encarrega de fazê-lo sempre que divulga algum resultado desfavorável às metas e aos desejos do governo: são analistas, empresários, economistas, investidores, a imprensa e quem mais se ocupe em avaliar a conjuntura da economia. Na última quinta-feira foi o caso do resultado da balança comercial, o pior em 13 anos. A ele vamos voltar no final deste texto.

São os empedernidos "pessimistas" os verdadeiros culpados pelo déficit nas contas públicas, pela retração dos investimentos, pelo baixo crescimento econômico, pela inflação alta, pela degradação da balança comercial, pelos maus resultados da Petrobrás e da Eletrobrás, pelo fracasso em licitações públicas, etc., etc. Nessa procissão dos contra certamente estão incluídos dois conselheiros de Dilma (já eram de Lula) que com ela costumam trocar ideias: os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Delfim Netto, que têm criticado publicamente a inflação, o desempenho externo, os truques para fechar as contas públicas, ações do governo na Petrobrás, etc., etc.

Talvez por enfrentar uma chefe impiedosa, cobradora, centralizadora e dona da palavra final, talvez por limitações e inexperiência em gestão econômica, ou por tudo isso junto, a equipe de Dilma Rousseff tem incorrido em vários erros nestes últimos três anos. Mas alguns deles - abaixo listados - foram importantes para criar um clima de crescente desconfiança entre investidores e governo e que determinou o mau desempenho econômico nos últimos três anos, prejudicado pelo que ela chamou de "guerra psicológica".

O governo até criou alguns programas setoriais no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estimular a produção, mas não cuidou de definir um programa maior para demarcar um rumo para o País, deixando investidores desorientados.

A estratégia de dar prioridade ao consumo acreditando que o investimento viria a reboque deu errado. O governo somente foi cuidar do investimento em infraestrutura em 2013 e, mesmo assim, tropeçando em erros que retardaram projetos.

O maior desses erros foi a excessiva intervenção do governo em decisões próprias do investidor e que são fundamentais para ele decidir entrar ou não no negócio. Exemplo: depois do fiasco em várias licitações para construção de rodovias, finalmente o governo desistiu de tabelar o lucro e deixou os concorrentes disputarem entre si a menor taxa de retorno. Com isso obteve resultados até melhores, mas conseguiu atrasar o investimento em rodovias em quase três anos.

Aliás, as miúdas interferências do governo em decisões privadas foram-se acumulando no tempo e concorreram para gerar um clima de desconfiança e insegurança nos empresários, que prejudicou a economia.

Por não ser horizontal, a política de recuperação econômica pós-crise de 2008 gerou distorções sérias e contribuiu para taxas medíocres de crescimento na gestão Dilma, ao premiar setores industriais com redução de impostos e punir outros que acabaram prejudicados nas vendas.

A política de concentrar bilhões de reais do BNDES em empresas campeãs nacionais resultou errada: não gerou as tais multinacionais brasileiras, nem empregos, faltou dinheiro do banco para outras empresas e ainda deixou um enorme passivo para o BNDES. O grupo de Eike Batista é apenas um deles.

Mas o maior dos erros de seu governo - que Dilma atribuiu aos pessimistas da "guerra psicológica" - tem sido a falta de transparência na divulgação de dados e indicadores que desmoralizam metas e desempenho do governo. É a chamada "contabilidade criativa", inventada pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin - que de criativa não tem nada, são truques primários que nunca enganaram ninguém, mas causaram enormes prejuízos à credibilidade do governo e à imagem do País no exterior. O mais recente exemplo foi o resultado do comércio exterior, divulgado na quinta-feira.

Plataformas - A equipe de Dilma criou a expressão "exportação ficta" - no Aurélio "ficto" significa "fingido, suposto, falso, ilusório" - para designar operações de "venda" de sete plataformas de petróleo que, mesmo sem nunca terem saído do País, adicionaram US$ 7,735 bilhões à receita com exportações em 2013, evitando fechar o saldo comercial no vermelho e ajudando no superávit de US$ 2,561 bilhões - o menor em 13 anos. Calcula-se que sem a "ajuda" das plataformas a balança comercial teria fechado com um déficit de US$ 5,173 bilhões. Como nas contas públicas, em vez de atacar o problema pela raiz, o governo recorre à pajelança para tentar esconder o que é ruim. Como não consegue, culpa a "guerra psicológica".

O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, explica que essas operações fazem parte de um regime aduaneiro chamado Repetro, pelo qual o proprietário da plataforma no Brasil a vende a outra empresa no exterior e, em seguida, a aluga a uma operadora no Brasil. Dessa forma, o equipamento nunca atravessa a fronteira, mas é contabilizado como exportação. Como se trata de um produto caro e valioso, ajuda muito a inflar a receita cambial. Em 2013, por exemplo, cada plataforma gerou, em média, US$ 1,105 bilhão de receita. Quem está envolvido na operação aplaude, porque é aquinhoado com vantagem fiscal.

A questão é que não há nenhuma transparência na divulgação dos dados sobre tais operações. Desconfia-se que, na condição de proprietária, a Petrobrás vende a plataforma à sua própria subsidiária no exterior, que a aluga à mesma Petrobrás que a vendeu. Assim, a plataforma não sai do lugar onde já explora petróleo e gás. Godinho reconhece que muitas operações são feitas dentro do grupo Petrobrás, diz que não são todas, mas não identifica nenhuma outra empresa, não informa quem vendeu, quem alugou, tampouco o preço de venda e os valores de aluguel. Garante que tais operações cumprem a regra internacional, mas diz não conhecer nenhum outro país que a adote. Ou seja, transparência zero.

"Não vai ter Copa" - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/01

Manifestações marcadas para começar no dia 25 podem embaralhar previsões para este 2014


"NÃO VAI TER COPA" é o mote de protestos marcados para o dia 25 de janeiro, em todas as capitais, ou pelo menos nas "capitais da Copa". Seria um ensaio da reestreia dos protestos, iniciativa de alguns daqueles grupos que desencadearam as manifestações de 2013.

Como tais grupos são desarticulados e dispersos, é difícil saber o que articulam. Muito menos é possível saber se vai haver repeteco da articulação esdrúxula, acidental e mesmo indesejada entre pequenos grupos de esquerda e massas indignadas mas apolíticas, o grosso de quem foi às ruas.

A Copa é, óbvio, um prato cheio de desperdício, politicagem autoritária, incompetência e outros acintes. A depender do gosto do freguês manifestante, não vai ser difícil contrastar essa despesa perdulária e arbitrária com algum motivo de revolta com a selvageria social e a inércia política brasileiras.

Vai colar? O 25 de janeiro pode ser um fiasco, ao menos em termos midiáticos, pois os ponta de lança da onda inicial de junho, os estudantes, ainda estarão de férias. Mas não convém especular com hipóteses fáceis.

Junho de 2013 não apenas começou como se desenvolveu e terminou de modo imprevisto, com ondas de choque se espraiando em direções diversas, um miniBig Bang político-social.

Houve os notórios, midiáticos e então subitamente submersos Black Blocs, mas muito mais. Houve revoltas contra a violência polícial em bairros paulistanos de "classe média baixa", um dia bastiões de voto conservador. Houve séries de protestos de associações de gente deserdada da periferia, a bloquear estradas e avenidas nos fundões da cidade. Não há como saber se mesmo um 25 de janeiro fraco vai reanimar brasas dormidas ou revelar novas organizações.

Pode haver fastio: muita gente pode ter se desencantado com a inconsequência prática dos protestos; de resto, revolução permanente não é o estado habitual de gente alguma, exceto em cataclismos históricos raros, seculares. A tentativa de repeteco de 2013 pode, assim, não colar.

Pode haver oportunismos: as manifestações fizeram estrago sério no prestígio de governos. O tumulto nas ruas pode ser obviamente um instrumento para avariar, ao menos, o prestígio de quem quer que esteja no poder, mas de petistas em especial. Repetir 2013 pode ser arma eleitoral.

O leitor, que é perspicaz, pode refutar tudo isso com um "especulativo, protesto", como se diz em filme de tribunal americano. Mas há de concordar que são demasiadamente ricas para não serem exploradas as oportunidades políticas e politiqueiras de um ano de Copa com eleição e eventual tumulto de rua transmitido pelo mundo inteiro.

Enfim, o caldo socioeconômico pode estar mais azedo e contribuir para os protestos; ou os protestos podem azedar o caldo.

A tendência básica do ano é de tudo crescendo mais devagar ou na mesma: renda, emprego, consumo, inflação. Há riscos de tumultos no câmbio, de o Congresso aprovar coisas como renegociação de dívidas de Estados e municípios ou de o Supremo dar uma tunda nos bancos no caso dos reajustes das poupanças dos planos econômicos velhos. Tudo isso intoxicaria o ambiente econômico e, assim, ânimos políticos, ao menos entre as elites.

Aniversários redondos - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/01

É muito aniversário redondo num ano só: 50 anos do golpe militar, 30 anos da campanha das Diretas, 20 anos do Plano Real. Pauta para os jornais, para os promotores de seminários e bom para a reflexão. Há ainda os aniversários de dores e alegrias no esporte: 20 anos da morte de Ayrton Senna, 20 anos da vitória na Copa de 94, o nosso Tetra. Oito anos depois, repetimos o feito.

No dia que mais choveu no Rio de Janeiro, em 2013, eu tinha um debate em São Paulo sobre resistência à ditadura. Ainda bem que desafiei o mau tempo e o abre e fecha do aeroporto porque foi um encontro que me permitiu uma conversa com jovens, bem jovens mesmo, que não viram nada do que lembramos em 2014. Nasceram depois de tudo.

A conversa no CCBB era sobre a ditadura militar. Um quis saber por que tanto esforço pela democracia, se ela era “apenas” isso. Falou-se em “política podre.” Outra me perguntou por que não soubera na escola nada daquilo que era mostrado na exposição. Era o “Resistir é Preciso”, do Instituto Vladimir Herzog, que, depois de ter passado por Brasília, foi para São Paulo e chega em fevereiro ao Rio. É impactante, principalmente a sala escura dos mortos e desaparecidos.

O passado passou tão depressa que nem vimos direito e mal tivemos tempo de contar aos mais jovens o que era viver no meio de uma ditadura e com a inflação fugindo ao controle. O presente é tão intenso, com prisão de mensaleiros, alguns deles ex-militantes contra a ditadura, que tudo fica embaralhado na cabeça do jovem.

A luta contra o regime militar não absolve os mensaleiros, os erros do presente não apagam o passado. A democracia não é garantia de governo perfeito, mas é a chance de votar regularmente para manter ou mudar o governo; conforme queira a maioria. É a possibilidade de debater, criticar o governo, influenciar nas decisões tomadas e exigir transparência.

É desafiador falar aos muito jovens. Eles não têm que acreditar em nós, os que vimos a ditadura. E o melhor é que apontem as falhas dos governos democráticos, duvidem dos mais ve- lhos e queiram mais.

Eram jovens da periferia de São Paulo, que têm muitas aspirações. Que bom que têm. Empilhei todos os avanços que a
democracia conseguiu: estabilização da economia, redução da pobreza, universalização do ensino fundamental. E eles não acharam que é o bastante. Ótimo.

Quem estava na Praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984 teve muita sorte. Foi o mais bonito de todos os comícios porque pegou até os organizadores de surpresa. Quantos mil? Ninguém jamais soube, mas não dava para se mexer naquela multidão compacta. Parecia um corpo só, uma voz só. Nos outros, houve mais gente, mas aquele foi o mais inesquecível. A surpresa da Sé começou no amarelo onipresente dos vagões do metrô. Ali se soube que a ditadura estava derrotada, ainda que ela tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente; direito que exerceremos este ano pela sétima vez consecutiva.

O governo militar foi todo ruim. Não houve a parte boa na economia, como dizem seus defensores. A inflação entregue pelos militares já tinha contratado a escalada que iria consumir a primeira década democrática. Os erros econômicos dos governos civis foram responsabilidade de quem os cometeu, principalmente o violento Plano Collor, mas foi a indexação generalizada e a leniência com a inflação que produziram a tragédia econômica que foi vencida pelo Real.

Há 20 anos o Brasil viveu um ano difícil, com várias emoções misturadas. O Plano Real foi diferente porque foi lançado depois de bem explicado e com direito a meses de treino da URV: de março a julho. Na meio desse trabalho de transição para a mudança do padrão monetário, o país viveu a dor da morte de Ayrton Senna e a vitória na Copa do Mundo. O fundo da tristeza e a alegria no campo dos esportes, enquanto o país se esforçava para entender a nova ordem econômica e monetária. Naquele ano houve ainda eleição presidencial.

Este ano também será intenso. De lembrar tudo isso, refletir sobre cada lição, de sediar uma Copa do Mundo e de votar novamente. Nos momentos mais tensos será bom lembrar o quanto o Brasil melhorou, quantas vezes ganhou, o legado de todas as pessoas que perdemos em muitas lutas. E dizer aos muito jovens que por maiores defeitos que tenha democracia, ela traz consigo os elementos para sua correção.

Educação e produtividade - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 05/01

Saber bem as 4 operações e ler com rapidez, por exemplo, torna mais produtivo o trabalhador


Nesta primeira coluna do ano, volto ao tema recorrente das últimas semanas. Trata-se da centralidade da educação na melhora da produtividade do trabalho. O leitor pode ter certeza de que a insistência no tema não é exagero: é uma das questões mais relevantes para o Brasil em sua justa ambição de convergir para o nível de desenvolvimento das nações mais avançadas.

Em três colunas anteriores, apresentei a forma como a academia tratou o tema, desde as contribuições iniciais no fim dos anos 50 de Theodore Schultz, Gary Becker e Jacob Mincer até os trabalhos recentes de Eric Hanushek e tantos outros.

Apontei três momentos. Primeiro, um esforço para mostrar que a associação de maiores salários com maiores níveis de escolaridade é causal: maiores escolaridades aumentam a produtividade do trabalhador, o que aumenta seu salário.

Segundo momento, a tentativa de documentar que sociedades que se empenham em elevar os níveis de escolaridade da população apresentam aceleração em suas taxas de crescimento. Adicionalmente tentei documentar que, nas experiências históricas desde a revolução industrial, o investimento em educação precede a aceleração do crescimento.

Num terceiro e mais recente momento, foi possível mostrar que a variável importante para determinar a relação entre crescimento econômico e educação não é a quantidade de educação (escolaridade média), mas, sim, a qualidade, medida pelo desempenho de estudantes em provas padronizadas.

Resolvi voltar ao tema ao ler a reportagem no jornal "O Estado de S. Paulo", de 26 de dezembro, divulgando trabalho de meus colegas Regis Bonelli e de Julia Fontes, publicado no volume "Ensaios Ibre de Economia Brasileira".

O estudo argumenta que a passagem do bônus demográfico e a forte redução do desemprego indicam que, para crescermos além de 1% ao ano, que é a taxa de expansão da população em idade de trabalhar, a produtividade do trabalho terá de aumentar.

Se quisermos crescer à taxa anual de 3%, por exemplo, a produtividade do trabalho terá de se elevar à taxa de 2% ano. Se quisermos crescer 4%, a produtividade do trabalho terá que crescer à taxa de 3%, e assim por diante.

Como argumentei em três colunas de dezembro, os dois temas, educação e crescimento econômico, estão profundamente ligados.

A dificuldade que temos de reconhecer essa ligação deve-se a uma visão muito estreita do papel da educação.

Por exemplo, é óbvio que médicos ou engenheiros têm que estudar. É óbvio que um torneiro mecânico tem que estudar. O mesmo aplica-se a dentistas ou pilotos de avião ou comandantes de navio cargueiro.

É menos óbvio o papel da educação em atividades não especializadas. No entanto qualquer pessoa que entrou em uma drogaria nos Estados Unidos se espanta com uma loja tão grande sendo tocada com tão poucos trabalhadores.

Ocorre que uma boa educação básica aumenta a produtividade do trabalho mesmo nas tarefas mais simples. Alguém que sabe bem as quatro operações, lê com rapidez e tem alguma cultura geral será um melhor balconista de drogaria.

No limite, como ocorre nos Estados Unidos, um trabalhador em uma drogaria consegue fazer o trabalho de vários balconistas brasileiros. Possivelmente o salário será bem maior.

O que vale para o balconista de drogaria aplica-se ao empregado doméstico, à secretária etc.

O Brasil dos anos 20 até os anos 50 conseguiu construir uma indústria relativamente diversificada sem contar com um sistema público de ensino fundamental inclusivo. O ensino profissional voltado para algumas tarefas tapou o buraco.

Essa experiência passada bem-sucedida contribuiu para que tivéssemos dificuldade em enxergar o papel da educação.

Está nos atrapalhando agora que temos que fazer a transição de uma economia de renda média para economia de renda alta e de enfrentar o desafio de elevar a produtividade no setor de serviços.

Chamar o encanador três vezes em casa para reparar o mesmo serviço com inúmeros retrabalhos não o torna mais rico e dificulta o crescimento da economia como um todo.

A indústria baqueia - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 05/01

Nos últimos três anos, o governo Dilma acreditou em que estivesse adotando as melhores políticas de incentivo à indústria. Os resultados foram medíocres. Em 2011, a indústria cresceu apenas 0,3%, seguido de desempenhos também ruins em 2012 (-2,7%) e 2013 (+1,6%).

O diagnóstico geral esteve reconhecidamente equivocado. Não foi por falta de consumo interno que a indústria se ressentiu e segue se ressentindo. A indústria enfrenta dois problemas graves conjugados: falta de competitividade e incapacidade de inserção na rede global de suprimentos.

Quase sempre que são chamadas a opinar, um bom número das cabeças preocupadas com o futuro da indústria avisa que, com esse câmbio, com o real valorizado perante o dólar, não há setor produtivo que consiga prosperar. É uma meia-verdade. O buraco fica ainda mais embaixo.

A indústria brasileira não tem competitividade por duas principais razões: primeira, porque enfrenta um custo Brasil insuportável, na medida em que quase tudo é mais caro por aqui. Até há alguns anos, o governo tratava de compensar com mais câmbio - mais desvalorização do real - esse baixo poder de fogo, mas esse é um recurso limitado porque importações de máquinas, de matérias-primas e de peças mais caras em reais também asfixiam uma indústria que precisa inserir-se mais profundamente nos mercados. Em segundo lugar, porque tanto o governo Lula quanto o governo Dilma não deram importância à abertura de mercados para a indústria, uma vez que descuidaram da negociação de acordos comerciais. Hoje, a maioria dos concorrentes do Brasil está amarrada a acordos de comércio e, por eles, as prioridades vão para indústrias de outros países.

Não foi apenas com mais câmbio que o governo tentou dar mais força para a indústria. Desonerou as folhas de pagamentos, providência que deve ter beneficiado o setor em cerca de R$ 40 bilhões; reduziu impostos para a indústria de veículos, de materiais de construção, de aparelhos domésticos e de mobiliário; derrubou os juros básicos, a fim de azeitar o crédito; criou reservas de mercado por meio da extensão do estatuto do conteúdo local para um grande número de setores, especialmente o dos fornecedores de equipamentos de petróleo; e impeliu o BNDES para empurrar com créditos subsidiados os campeões do futuro.

Assim, o resultado decepcionou porque uma política industrial só funciona quando há confiança e os fundamentos da economia estão equilibrados.

Os próximos anos serão atrozes para a indústria. Apenas o setor de veículos enfrentará em 2015 uma capacidade ociosa de cerca de 1,5 milhão de unidades. Ao longo deste ano toda a indústria deverá enfrentar o aumento da competição da indústria americana (e de outros países) que será fortemente beneficiada com uma redução substancial dos custos da energia, graças à revolução do xisto.

Há sinais de que os dirigentes, afinal, parecem ter acordado para a necessidade de um choque capitalista que recoloque a indústria nos grandes negócios globais. O problema é saber se haverá disposição para fazer o que tem de ser feito, sobretudo em 2014, ano eleitoral.

Debate sem censura - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 05/01

Entramos em 2014 com o noticiário carregado pelo debate eleitoral antecipado por governo e oposição. É a oportunidade para travar um bom debate sobre como assegurar nos próximos anos as taxas de crescimento prevalentes na década passada. Mas traz também o risco de o debate econômico ser dominado totalmente pelo debate eleitoral.

Há hoje peculiar convergência entre partes divergentes na análise das razões do crescimento da década anterior e o papel da situação econômica internacional. Interessa a muitos, por razões opostas, atribuir à economia internacional a forte expansão da década passada ou o baixo crescimento atual. Outra distorção conveniente é apontar a implementação de um modelo de incentivo ao consumo e o boom das commodities como responsáveis pelo crescimento de 2003 a 2010. Os fatos, porém, divergem das versões.

Os termos de troca (valor médio das mercadorias exportadas pelo Brasil) começaram a subir o suficiente para influenciar a economia a partir de 2006/2007, e o boom ocorreu em 2009/2010, após as medidas anticrise adotadas por outros países.

Foi o forte ajuste monetário e fiscal a partir de 2003 que estabilizou a economia e estabeleceu condições para a expansão econômica. A estabilidade propiciou a alta do crédito e do investimento, deprimidos pelos anos de instabilidade (monetária, fiscal e cambial). O desemprego elevado proporcionou mão de obra à economia em expansão.

Nos primeiros anos, o câmbio desvalorizado beneficiou as exportações de manufaturados, até que o impressionante aumento dos saldos comerciais, do investimento e da credibilidade da política econômica ocasionou gradual valorização do real.

Este ciclo durou até a crise de 2008 e 2009, quando houve, aí sim, a primeira mudança importante de modelo no período, com uso de política fiscal para estimular o consumo e avanço dos bancos públicos. Importante notar neste contexto que todas as medidas monetárias e cambiais adotadas pelo Banco Central em 2008 e 2009 foram revertidas já em 2010, com normalização da liquidez e da política monetária.

A compreensão correta de eventos fundamentais e tão próximos temporalmente do debate atual é essencial para a recuperação do crescimento. Por isso é preciso neste momento travar o debate econômico baseado nos fatos, independentemente do debate eleitoral, que passa pelos temas econômicos com distorção natural e inevitável.

A manutenção da realidade histórica no conhecimento coletivo é fundamental para traçar o rumo de uma política econômica que restaure o nível de crescimento e leve o Brasil a patamar compatível com o potencial do país.

O exemplo de Michael Bloomberg - ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/01

Prefeito de Nova York gastou US$ 650 milhões do próprio bolso e a mulher de Volcker alugava quarto em casa


Depois de governar a cidade de Nova York por 12 anos, o bilionário Michael Bloomberg pegou o metrô e foi para casa. Além de uma grande administração, deixou um exemplo. Durante o tempo em que ocupou a prefeitura gastou US$ 650 milhõesdo próprio bolso. 

Sabia-se que voava em jatinhos e helicópteros de sua propriedade (alô, Sérgio Cabral). Sabe-se agora que seu gosto por aquários no gabinete custou-lhe US$ 62,4 mil. O café da manhã e almoços frugais para a equipe saíram por US$ 890 mil. Uma viagem ao exterior custou US$ 500 mil (alô, Cid Gomes). Seu salário na prefeitura era de um dólar por ano.

Com uma fortuna avaliada em US$ 31 bilhões, Bloomberg gasta como quer. Já deu um bilhão à universidade onde estudou. (No ano seguinte à sua formatura, quando era um duro, deu cinco dólares.) Começou a vida no papelório, deixou a Salomon Brothers com US$ 10 milhões e fundou o império de meios de comunicação que leva seu nome.

Para quem gosta de depreciar o Brasil, ele seria um exemplo de políticos que faltam por aqui. É verdade, mas o casal Clinton está milionário e suas origens são semelhantes às de Bloomberg, sem que tenham produzido um só parafuso. Lyndon Johnson endinheirou-se na política e seus mensalões fariam corar o comissariado petista.

A diferença entre o serviço público americano e o brasileiro está no exemplo. Indo-se para o século 19, Dolley Madison, mulher do presidente James Madison, a primeira locomotiva social de Washington, morreu em absoluta pobreza, eventualmente ajudada por um escravo liberto que trabalhara para ela na Casa Branca. Em 1979, quando Paul Volcker foi nomeado presidente do Federal Reserve Bank, perdeu 50% de sua receita e foi morar numa quitinete de estudante em Washington. Sua mulher ficou em Nova York e equilibrou as contas alugando um quarto de seu apartamento.

No Brasil foram muitos os milionários que passaram por governos. Nenhum soltou a bolsa da Viúva. Em muitos casos as fortunas foram acumuladas por inexplicáveis multiplicações ocorridas durante o exercício dos cargos. Exemplo como o de Bloomberg, nem pensar.

CASA CIVIL

Está dura a competição dentro do comissariado pela substituição de Gleisi Hoffmann na chefia da Casa Civil.

A doutora Dilma tem dois nomes sobre a mesa: Carlos Gabas, ministro interino da Previdência Social, e Aloizio Mercadante, titular da Educação.

Um ascendeu dentro da máquina do serviço público para a qual entrou em 1985, por concurso. O outro emergiu do aparelho partidário, tendo sido fundador do PT, elegendo-se deputado e senador.

Se um dos dois for escolhido, a decisão terá dado o tom de um eventual segundo mandato da doutora Dilma.

O PENTE DE RENAN

O senador Renan Calheiros pagou R$ 27,4 mil à FAB pelo uso indevido do jatinho que o levou de Brasília ao Recife para um implante de 10.118 fios de cabelo. Isso dá R$ 2,70 por fio, deixando-se de lado os serviços médicos do procedimento.

Toda vez que o doutor ajeitar a cabeleira, deverá contar os tufos que saírem no pente. A cada 268 fios que caírem, terá perdido o equivalente a um salário mínimo.

INFRAERO INVICTA

A Infraero é invencível. Em dezembro de 2012, quando os aeroportos do Rio viraram umas saunas, ela dizia que o sistema de ar-refrigerado seria consertado no dia seguinte.

Agora que o Galeão passou pelo mesmo problema, ela informou que o ar-refrigerado funcionava normalmente, salvo nas áreas onde há obras, pois lá ele está desligado.

Tem solução. Basta desligar a refrigeração do presidente da Infraero quando há passageiros que pagam suas taxas no calor.

NO MURO

A entrada do PSDB no governo de Eduardo Campos é um fato maior do que parece. O tucanato pernambucano é liderado por Sérgio Guerra, ex-presidente do partido, e há algum desconforto no PSDB nordestino com a disposição mostrada por Aécio Neves em relação à sua candidatura.

TARSO XIAOPING

O comissário Tarso Genro produziu um interessante artigo intitulado "Uma Perspectiva de Esquerda para o Quinto Lugar". É uma reflexão em torno da sua visão para o futuro do Brasil, com ambiciosas referências ao modelo político e econômico da China. Espremendo, resulta no seguinte: "O 'levantar âncoras' poderá ser uma nova Assembleia Nacional Constituinte, no bojo de um amplo movimento político -por dentro e por fora do Parlamento- inspirado pelas jornadas de junho: com partidos à frente sem aceitar a manipulação dos cronistas do neoliberalismo, abrigados na grande mídia".

O doutor diz que "se quiséssemos enquadrar nas categorias do marxismo tradicional o que ocorreu na China após os anos sessenta, poder-se-ia dizer que a Revolução Cultural como forma específica de revolução política 'permanente' foi sucedida por uma 'Nova Política Econômica' (a NEP leninista), de longo prazo, que tende a se tornar economia 'permanente'." Comparar a revolução do companheiro Deng Xiaoping com a NEP de Lênin é uma licença poética. Uma, houve. A outra, teria havido. Lênin lançou-a em 1921, sofreu o primeiro derrame em maio de 1922, saiu do ar sete meses depois e morreu em 1924. Em 1928 a NEP foi abandonada, e o Estado leninista marchou para a "revolução cultural" de Stálin.

MORENGUEIRA NO PLANALTO

Em ano de campanha acontecem coisas estranhas. No lusco-fusco das festas de fim de ano acontecem coisas ainda mais estranhas. O repórter André Borges revelou que o Ministério dos Transportes alterou o edital do leilão de 2.100 linhas de ônibus interestaduais. Na sua versão inicial, cada consórcio deveria ser liderado por empresas experimentadas no setor, podendo agregar fundos de investimento ou mesmo empresas estrangeiros. A mudança, permitida pelo Planalto, mudou a canção. Nela entrou "Piston de Gafieira", imortalizada pelo velho Moreira da Silva:

"Quem está fora não entra

Quem está dentro não sai"

Engessaram o leilão, cristalizando o oligopólio do sistema de transportes interestaduais. Bloquearam a entrada de estrangeiros e impediram que o setor seja oxigenado por capitalizações do mercado financeiro (com suas auditorias). Os transportecas justificam a mudança dizendo que ela privilegia as empresas com experiência. Nada mais verdadeiro. Em matéria de experiência, a crônica desse setor confunde-se com as trevas das concessões de serviços públicos. Em 1994, o deputado Camilo Cola, dono da Itapemirim, tinha patrimônio de US$ 154 milhões e declarava R$ 10 mil de renda mensal.

Desde 1993 o governo promete leiloar as concessões de linhas de transportes interestaduais. Passaram-se 21 anos e nada. As empresas, felizes, rodam com autorizações especiais do governo. Vale lembrar que os concessionários de transportes públicos lidam com grandes pacotes de dinheiro vivo.

Tempo de previsões - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 05/01

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”, diz o Eclesiastes. É tempo das previsões. Não consigo deixar de trazer aos meus pacientes leitores as previsões que economistas, analistas, pais e mães de santo, videntes, cartomantes, quiromantes, leitores de borra de café e de entranhas de animais, jogadores de búzios e palpiteiros em geral de minha inteira confiança elaboraram para 2014.

Vamos começar pelos economistas. Aliás, escaldados, os mais prudentes já desistiram há muito tempo de fazer previsões econômicas para o Brasil com prazo superior a uma semana. Explico: o Banco Central publica semanalmente um boletim chamado Focus, nos quais cerca de 100 especialistas do mercado financeiro, grandes empresas e meio universitário reveem suas projeções da semana anterior. Assim, o risco de erros grosseiros diminui sensivelmente; mas a utilidade de fazer projeções para qualquer coisa que dependa do que irá acontecer nos próximos meses também diminui. Um exemplo: em janeiro de 2013, o Focus previa crescimento da produção industrial de 3,2%, balança comercial com US$ 15 bilhões de superávit e dólar a R$ 2,10. O produto industrial vai crescer a metade disso, o superávit comercial não passará de US$ 2,5 bilhões e o dólar encostou em R$ 2,40. Quem apostou nas previsões iniciais descobriu que, como regra geral, o governo Dilma continuará a se inspirar em Groucho Marx, que costumava perguntar aos seus incrédulos interlocutores: “Que você prefere: acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”

Se tivesse preferido acreditar nos próprios olhos, teria descoberto que o país não está crescendo; ao contrário, quando o PIB cresce menos do que a população, ela está empobrecendo. E que não é verdade que o mundo todo também não está crescendo: a economia americana terá um aumento superior a 4% em 2013, a economia europeia já saiu da recessão, a asiática vai bem, obrigado, e a latinoamericana só não vai bem porque a Argentina e a Venezuela vão de mal a pior, enquanto o Brasil anda de lado.

Teria descoberto também que a balança comercial e as contas externas, que o doutor Meirelles deixou pingando azeite, com superávits colossais e reservas internacionais crescentes, já estão voltando à velha rotina: em 2013, o Brasil gastou US$ 80 bilhões a mais do que gerou e logo, logo, estaremos colocando a culpa dos apertos cambiais brasileiros nos gringos, esses malditos...

De resto, as previsões repetem os anos passados: José Sarney prometerá abandonar a vida pública em 2025 para abrir caminho para a renovação da política nacional; as obras para a Copa do Mundo não ficarão prontas e custarão duas vezes e meia mais do que era previsto; a transposição do Rio São Francisco será adiada mais uma vez; dezenas de pessoas morrerão por falta de UTIs, centenas de outras morrerão nos corredores de hospitais à espera de uma vaga e milhares pernoitarão em filas para conseguir uma consulta especializada ou um exame para o segundo semestre de 2015. Milhares de dólares e reais serão encontrados em cuecas e meias em aeroportos e balas perdidas matarão vários inocentes.

Ah, e é claro: as universidades públicas entrarão em greve por tempo indeterminado; quando a greve acabar, os professores e funcionários fingirão repor os dias parados e compensar o atraso do calendário escolar. Se os alunos sairão mais ignorantes ou não das universidades, é outra conversa.

Abstinência programada - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 05/01

O aumento do IOF em 1,5 mil por cento e a suspensão das desonerações de impostos marcam o fim da política econômica expansionista, iniciada em 2008, base da sustentação eleitoral dos governos Lula e Dilma.

O governo começa a ter de sacrificar posições, como a de preservar integralmente a aprovação da classe média, para não arriscar perdas na faixa do eleitorado mais importante numericamente.

Por isso, um IOF maior, que tira o humor do eleitor mais bem informado, e pouca ou nenhuma alteração em desonerações concedidas a setores como o de eletrodomésticos.

Carros mais caros, sem qualquer contrapartida na chamada mobilidade urbana, também danificam o patrimônio eleitoral da presidente Dilma Rousseff nos grandes centros urbanos, em que pese a distância que ainda separa os atos de seus efeitos.

O país entra no ciclo da abstinência, que o governo administra homeopaticamente para graduar a retirada da anestesia consumista.

O endividamento das famílias e a inflação em viés de alta, fatores até aqui negligenciados pelo governo Dilma por conveniência eleitoral, impuseram a rendição antes do início formal da campanha.

Não são, certamente, o resultado e o timing esperados pelo governo, embora o primeiro fosse óbvio e o segundo uma arriscada aposta que empurra a conta de truques e maquiagens para 2015.

Jornais estrangeiros já registram esse momento, com o enfoque de uma vida mais cara para a classe média brasileira em 2014.

Lembram a insustentabilidade, este ano, da administração de preços feita pelo governo, em 2013, como no caso da energia elétrica e dos transportes públicos.

No exterior, a camisa de força imposta à Petrobrás é também contabilizada como uma bomba-relógio incontornável.

A empresa fez duas correções nos preços dos combustíveis em 2013, lembram especialistas, mas precisará ir além disso para viabilizar seu Plano de Investimentos.

O governo deveria se preocupar com um aspecto inerente aos processos de correção de rumos: a economia cobra maior velocidade na arrumação da casa do que se levou para desorganizá-la.

Como tudo é feito para que o mal ocorra em 2015, a conta lá será grande para quem vencer.

Como resume o ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, a conjuntura não permite otimismos: inflação alta, manipulação de preços, crescimento baixo, desequilíbrio fiscal, endividamento das famílias "são males cuja superação vão requerer ciência, tempo e determinação, temperados pela boa política".

O caldeirão dos 'nervosinhos' - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 05/01

BRASÍLIA - O ano começou fervendo, com sensação de 50 graus no Rio, previsões tórridas na economia e borbulhas na política. Caldeirão perfeito para Copa e eleições.

Mantega tratou de jogar água na fervura anunciando na primeira semana do ano que, ufa!, o governo deve fechar 2013 superando a meta do superavit fiscal em R$ 2 bilhões.

Segundo ele, o anúncio, que costuma ser no final de janeiro, foi antecipado para "acalmar os nervosinhos". Cá para nós, também foi para contrabalançar outros resultados: o Brasil teve o menor saldo comercial em 13 anos; o melhor investimento de 2013 foi o dólar, que entrou 2014 em forte alta; e, segundo manchete do UOL na sexta, o valor da Petrobras encolheu pela metade desde 2010.

E vem aí o anúncio do pibinho, com agentes do governo, e de fora do governo, tremendo diante da perspectiva de rebaixamento do Brasil nas agências de risco. Sem falar nas críticas sobre os jeitinhos e as plataformas de petróleo para reduzir o estrago (inclusive político) do resultado da balança comercial.

Na política, o PMDB ataca o parceiro PT, repetindo um script manjado em ano eleitoral. Os ministérios do PT seguram as emendas peemedebistas, os do PMDB ameaçam retaliar com a mesma moeda, todos se xingam em público. Tudo isso no calor das disputas estaduais. Aliados em Brasília, os partidos de Dilma e do seu vice Temer estão em guerra em Estados como Rio, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão e Amazonas.

E vem aí a reforma ministerial, ateando fogo à base aliada e com os palanques desmontando o tripé feminino do Palácio do Planalto: Gleisi Hoffmann concorre ao governo no Paraná, Ideli Salvatti vai para o Senado em Santa Catarina. Os substitutos deverão ser homens e do PT. Mas a guerra com o PMDB continua.

Dilma e Mantega vão precisar de bem mais que RS 2 bilhões a mais de superavit para acalmar tantos e tão esquentados "nervosinhos".

Pequenas lições para 2014 - GAUDENCIO TORQUATO

O ESTADÃO- 05/01

O ano que se inicia será um dos mais competitivos das últimas décadas. Principalmente na esfera da política. As razões apontam para o esgotamento do nosso modelo de fazer política, a partir de velhas práticas de campanhas. O desenho é carcomido pela poeira do tempo: são raros perfis identificados com mudanças; formas de cooptação eleitoral se inspiram nos eixos históricos do fisiologismo e do corporativismo, sendo tênue o engajamento do eleitor pela via doutrinária; eleitos, via de regra, acabam distanciando-se das bases, deixando de lado compromissos assumidos; a representação parlamentar, em função do poder quase absoluto do presidencialismo, torna-se deste refém, obrigando-se a repartir com o Poder Executivo funções legislativas; em decorrência da ausência de programas doutrinários, imbricam-se interesses de lideranças e partidos, não se distinguindo diferenciais entre eles, condição essencial para qualificar o voto. A impressão final é a de que o retrato desfigurado está a merecer urgente retoque, se não em todas as nuances da moldura, pelo menos em partes que ofereçam aparência asséptica ao edifício político. Fichas sujas, por exemplo, não podem continuar no mapa eleitoral.

Os ingredientes que entrarão na composição da nova tintura hão de absorver a química de setores e categorias mais participativas, exigentes e dispostas a enfrentar a resistência de defensores de obsoleta arquitetura política. É oportuno lembrar que a pirâmide social não mais se assemelha a um triângulo estático. Os lados que o integram, a partir da base, mostram-se dispostos a sair da letargia, depois de décadas convivendo com a batelada de vírus políticos. Os movimentos sociais e a ocupação das ruas, no ano que findou, sinalizam a intenção de reencontrar o tempo perdido. A coletividade parece descer do céu da abstração para ser uma força na paisagem, fazendo valer sua determinação, princípios e valores voltados para qualificar a vida política. O curto dicionário abaixo poderá servir de baliza para milhares de candidatos na tentativa de aprimorar suas relações com a comunidade nacional.

Estado e Nação
O Estado, infelizmente, está bastante distante da Nação com que os cidadãos sonham. A Nação é a Pátria que acolhe os filhos, que se irmana na fé e na esperança de um futuro melhor; é o habitat onde as pessoas constroem os pilares da existência, constituem o lar, prezam antepassados, cultivam tradições. O Estado é a entidade técnico-jurídica, com seu arcabouço de Poderes, pressionada por interesses díspares e dividida por conflitos. Aproximar o Estado da Nação, formando o espírito nacional, constitui a missão basilar da política. Essa meta precisa ser o centro da agenda do homem público.

Representação
A representação política é missão, não profissão. É a lição de Aristóteles. Resgatar o verdadeiro papel da política – trabalhar pela polis - significa clarificar o papel do representante, as demandas das comunidades, as soluções para a melhoria dos padrões da vida social. A política não é um balcão de negócios. As angústias urbanas se expandem na esteira do crescimento populacional. As periferias não constituem massa de manobra para exploração por parte de siglas, líderes popularescos e oportunistas. Carecem de ações de efeito duradouro, não de quinquilharias e coisas improvisadas. Migalhas poderão alimentar o povo por certo tempo, nunca por todo tempo. Um representante do povo preocupa-se com metas, programas permanentes, medidas estruturantes.

Identidade
A identidade é a coluna vertebral de um político. É a soma de sua história, de seu pensamento, percepções e feitos. Um erro, que o tempo corrigirá, é construir a imagem incongruente com a identidade. Camadas exageradas de verniz corroem perfis. Dizer a verdade dá credibilidade. Os novos tempos condenam a hipocrisia, a simulação. Corretos são conceitos como lealdade, fidelidade, coerência, sinceridade, honestidade pessoal e senso do dever.

Discurso
O discurso deve abrigar propostas concretas, viáveis, simples. E, sobretudo, factíveis. A população dispõe de entidades que a representam. Resta ao político procurar tal universo. O povo quer um discurso sincero. Promessas mirabolantes, planos fantásticos, obras faraônicas, de tão banalizadas, já não despertam interesse. Até as monumentais arenas esportivas entram na lista de suspeições.

Grito das ruas
O grito das ruas se faz ouvir nos espaços dos Poderes em todas as instâncias. Expressam a vontade de uma nova ordem social e política. Urge abrir os ouvidos e a mente para interpretar o significado de cada movimento. Quem não fizer esse exercício, sairá do cenário. Uma linguagem comum se forma nos centros e fundões do país. O povo sabe distinguir oportunistas de idealistas.

Sabedoria
Sabedoria não significa vivacidade; mescla aprendizagem, compromisso, equilíbrio, busca de conhecimentos, capacidade de convivência, racionalidade. Não é populismo. Espertos que procurarão vender “gato por lebre” poderão ser cozidos no caldeirão do voto.

Transparência
A era do esconderijo está agônica. Esconder (mal) feitos é um perigo. A corrupção, mesmo dando sinais de sobrevida, é atacada em muitas frentes. Grandes figuras foram (e continuarão a ser) punidas. Denúncias sobre negociatas agora são objeto da lupa dos sistemas de controle. O público e o privado começam a ter limites controlados.

Simplicidade
Despojamento, eis um apreciado conceito. Lembrem-se do papa Francisco. Ser simples não é arrumar crianças no colo, comer cachorro quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. Simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens.

Lição final de José Ingenieros: “cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial”.

A busca do novo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/01
O chamado Triângulo das Bermudas da política brasileira, formado pelos estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, reúne 42% do eleitorado nacional e, diante das mudanças na geografia política do Norte e do Nordeste, deve ser o centro das batalhas decisivas da eleição presidencial de 2014.
Minas e São Paulo têm forte predominância do PSDB estadual, mas o PT vem ganhando força em São Paulo, com a recente vitória para a prefeitura da capital que, paradoxalmente, pode mostrar-se uma fragilidade para a candidatura de Alexandre Padilha, com a administração criticada de Fernando Haddad até o momento.

No Rio e em São Paulo, a ex-senadora Marina Silva teve grandes votações em 2010, e pode atuar como ativa apoiadora de Eduardo Campos, no caso de vir a ser confirmada como sua candidata a vice.

Se em 2010 a presidente Dilma elegeu-se com uma votação espetacular no Norte e no Nordeste, onde tirou mais de 11 milhões de votos de diferença para o candidato tucano no segundo turno, este ano há alterações importantes que indicam que a votação naquelas regiões pode ser diluída entre os três principais adversários, mesmo que ela continue com vantagens.

Com a candidatura de Eduardo Campos pelo PSB, a oposição está mais forte no Nordeste, além de Pernambuco, enquanto o PSDB deve ter melhor desempenho na Bahia, devido à aliança com o DEM do prefeito de Salvador ACM Neto em aliança com o PMDB local, e no Amazonas, devido à liderança do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.

Nesses estados, Dilma teve quase seis milhões de votos de diferença a seu favor, o que não deve acontecer este ano. Em Minas e em Pernambuco, o PSB e o PSDB já acertaram alianças com palanques duplos nos dois estados, o que retira a força da candidatura Dilma.

O Rio, onde a presidente teve uma vitória com 3,7 milhões (43,8%) no 1º turno, e 4,9 milhões (60,5%) no 2º, a situação continua sendo amplamente favorável ao governo federal, mesmo que o governador Sérgio Cabral esteja enfraquecido politicamente.

A reeleição de Dilma tende a ter o apoio não apenas do PMDB local como dos possíveis candidatos Garotinho, do PR, Marcelo Crivella do PRB, e do PT com o senador Lindbergh Farias. PSB e PSDB estão à procura de um candidato que represente o novo na política, na tentativa de explorar a grande rejeição que atinge todos os favoritos. O ex-prefeito Cesar Maia deve ser, como candidato do DEM, o único oposicionista com algum peso.

O senador Aécio Neves articula a candidatura do treinador da seleção brasileira de vôlei Bernardinho, dentro dessa tentativa de apresentar ao eleitor carioca uma alternativa nova. Ao mesmo tempo, coloca em sua balança a possibilidade de que um racha entre o PT e o PMDB de Cabral possa provocar uma dissidência informal que leve parte da máquina partidária a trabalhar em favor de sua candidatura.

O PSB tem em Marina Silva seu principal trunfo no Rio, onde ela obteve uma grande votação em 2010. Por isso, a candidatura própria é a alternativa, podendo optar pelo deputado federal Alfredo Sirkis, ex-PV que se filiou ao PSB, ou o ex-ministro da Cultura de Lula, Gilberto Gil.

O deputado federal Miro Teixeira, que esteve com Marina na formação do Rede Sustentabilidade e se filiou ao PROS, é uma alternativa tanto para o PSB quanto para o PSDB, mas ambos os partidos temem que compromissos do PROS com o governo federal impeçam uma aliança oposicionista. Miro Teixeira tem conseguido autonomia no estado para fazer alianças e se mantém como uma peça importante no xadrez político do Rio, com a simpatia de Marina.

Uma eventual candidatura do ministro Joaquim Barbosa a uma vaga para o Senado pode ser fator novo na disputa, influenciando a corrida pelo governo do Rio. Há pequenos partidos oferecendo legenda para o presidente do Supremo disputar o governo estadual, mas nada indica que esteja inclinado a mais essa aventura, como classificou o ex-presidente Fernando Henrique a possibilidade de Barbosa vir a ser candidato à Presidência da República.

A campanha da moda - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 05/01

Todo o falatório em torno de PIB de 1% ou de 2% nada significa diante da queda do desemprego a apenas 4,6%


Quem não discute gosto anda na moda, que é um modo de não ter gosto (próprio, ao menos). Até por solidariedade aos raros que não se entregam à moda eleitoreira de dizer que 2013 foi um horror brasileiro e 2014 será ainda pior, proponho uns poucos dados para variar.

Com franqueza, mais do que a solidariedade, que tem motivo recente, é uma velha convicção o que vê importância em tais dados. Um exemplo ligeiro: todo o falatório em torno de PIB de 1% ou de 2% nada significa diante da queda do desemprego a apenas 4,6%. Menor que o da admirada Alemanha. Em referência ao mesmo novembro (últimos dados disponíveis a respeito), vimos as manchetes consagradoras "EUA têm o menor desemprego em 5 anos: cai de 7,3% para 7%". O índice brasileiro, o menor já registrado aqui, excelência no mundo, não mereceu manchetes, ficou só em uns títulos e textos mixurucas.

Mas o índice não pode ser positivo: "O índice caiu porque mais pessoas deixaram de procurar emprego". Se mais desempregados conseguiam emprego, como provava o índice antes rondando entre 5,6% e 5,2%, restariam, forçosamente, menos ou mais desempregados procurando emprego? PIB horrível, falta de ajuste fiscal, baixa taxa de investimentos, poucas privatizações, coitado do país. E, no entanto, além do emprego, aumento da média salarial, a ponto de criar este retrato do empresariado de São Paulo: a média salarial no Rio ultrapassou a dos paulistas.

A propósito: com as alterações do Bolsa Família pelo Brasil sem Miséria, retiraram-se 22 milhões de pessoas da faixa dita de pobreza extrema. Com o Minha Casa, Minha Vida, já passam de 1 milhão as moradias entregues, e mais umas 400 mil avançam para a conclusão neste ano. A cinco pessoas por família, são 7 milhões de beneficiados com um teto decente, água e saneamento.

Sobre dados assim e 2014, escreve o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale: "Infelizmente, veremos mais promessas de ampliação do Bolsa Família e do salário mínimo, que, no frigir dos ovos, é o que tende a reeleger a presidente". Da qual, aliás, acha que em 2014 "deverá se apequenar ainda mais". Da mesma linhagem de economistas --a que domina nos meios de comunicação--, Alexandre Schwartsman dá à política que produziu aqueles resultados o qualificativo de "aposta fracassada", porque só deu em "piora fiscal, descaso com a inflação e intervenção indiscriminada, predominando a ideologia onde deveria governar o pragmatismo".

"Infelizmente" e "aposta fracassada" para quem? Para os 22 milhões que saíram da pobreza extrema, os 7 milhões que receberam ou receberão um teto em futuro próximo, os milhões que obtiveram emprego, os milhões ainda mais numerosos que tiveram melhoria salarial?

E, claro, ideologia existe só no que se volta para os problemas e possíveis soluções sociais. Quem se põe de costas para o que não interesse à elite financeira e ao poder econômico, não o faz por ideologia, não. Por esporte, talvez.

Foi a esse esporte, quando praticado orquestradamente nos meios de comunicação, que Dilma Rousseff se referiu como uma "guerra psicológica", e gerou equívocos críticos. Não se trata de "expressão antidemocrática", nem própria dos tempos da ditadura. É a denominação, técnica ou científica, como queiram, de métodos de hostilidade não militares, diferentes das campanhas por não serem declarados em sua motivação e seus fins, e buscando enfraquecer o adversário por variados tipos de desgaste.

Não é o caso da pregação tão óbvia no seu propósito de prejudicar eleitoralmente Dilma Rousseff. E prática tão evidente que, já no início de artigo na Folha, o empresário Pedro Luiz Passos definiu-a como "o negativismo que permeia as análises sobre a economia brasileira, em contraste com a percepção de bem-estar especialmente da base da pirâmide de renda". Ou seja, há um negativismo, intenção de concentrar-se no negativo, real ou manipulado, e a desconsideração do que deu à "base da pirâmide" social alguma percepção de bem-estar.

O elemento essencial na existência de uma nação é o povo. Não é o território, não é o Estado, ambos inexistentes em várias formas de nação ao longo da história e ainda no presente (os curdos, diversos povos nômades, povos indígenas). O PIB e os ajustes feitos ou reivindicados nunca fizeram nada pelos brasileiros que são chamados de povo. A cliente do PIB, dos gastos governamentais baixos e dos juros bem altos são os que compõem a mínima minoria dos que só precisam, para manter o país, do povo.

Fazendo o diabo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 05/01
A composição do primeiro escalão de governo objetiva colocar na administração pública os melhores quadros disponíveis para que o Executivo se desincumba, da maneira mais eficiente possível, de suas enormes responsabilidades de planejamento e execução de projetos e programas em todas as áreas. Assim, habilitação para o planejamento técnico, capacidade de gestão e um mínimo de representatividade e habilidade políticas são as qualificações necessárias para qualquer candidato a um cargo de ministro de Estado. E, nas condições de temperatura e pressão em que vivemos, é extremamente desejável que o candidato preencha também o quesito honestidade, que não pode ser considerada qualidade, mas obrigação.
É o que o senso comum parece recomendar. Mas não é o que a presidente Dilma Rousseff tem em mente, segundo informam os jornais.

Com a troca de ministros necessária para substituir aqueles que se desincompatibilizarão para serem candidatos em outubro, o governo petista pretende contemplar com Ministérios quatro novos partidos que aliciou mais recentemente para a base aliada, que contaria com 12 legendas. Isso garantirá um aumento de 50% no tempo de exposição no rádio e na TV que a candidatura petista à Presidência já tem assegurado. Com as novas adesões, PT e aliados disporão de quase metade (48,9%) do tempo em todos os blocos da propaganda dita gratuita. Esses blocos têm a duração de 25 minutos. Se conseguir o que almeja, Dilma disporá de 12 minutos em cada um. Um recorde na história das eleições presidenciais.

Nessas condições, a reforma ministerial esperada no máximo até março levará para o primeiro escalão do governo petista - como, na verdade, em grande medida já ocorre - não exatamente homens públicos técnica, gerencial e politicamente credenciados a bem exercer sua missão, mas, prioritariamente, pessoas que carreiam segundos e minutos para a propaganda eleitoral da presidente candidata. Isso pode vir a se tornar um problema maior para um governo que já enfrenta enormes dificuldades técnicas e gerenciais para cumprir as metas de suas iniciativas prioritárias. É praticamente impossível encontrar obras federais em andamento dentro do prazo, o que implica, quase sempre, revisão de custos para cima.

Além do prejuízo para o andamento das realizações governamentais provocado pela incompetência técnica e gerencial de uma máquina partidariamente aparelhada, outro enorme ônus que recai diretamente sobre os ombros de todos os brasileiros, indistintamente, é o altíssimo custo de uma corrupção endêmica que só não é encontrada onde não é procurada. É claro que a corrupção no governo não é invenção do PT, que se criou politicamente combatendo-a com dureza e prometendo moralizar a prática da política no dia em que chegasse, ao poder. Em recente evento em São Paulo, Dilma deixou-se fotografar tendo como papagaio de pirata um sorridente Paulo Maluf ali mesmo vaiado todas as vezes em que teve seu nome mencionado. É a melhor ilustração daquilo em que o pragmatismo petista transformou uma praga que se comprometera a dizimar.

Mas a montagem desse novo Ministério pró-eleitoral não deverá criar problemas de consciência para a chefe do governo, que não se pejou, logo em seu segundo ano de governo, de anular quase que completamente a "faxina" com a qual, um ano antes, havia aliviado o primeiro escalão governamental dos principais alvos de denúncias de corrupção - todos eles, sugestivamente, herdados de seu antecessor. Gomo esse expurgo era um perigoso ponto fora da curva na trajetória de pragmatismo político imposto ao País pelo novo PT de Lula, este mesmo se incumbiu de fazer ver à sucessora desobediente que as novas diretrizes petistas deveriam ser respeitadas por todos, sem exceção. E não se falou mais nisso.

Essa próxima reforma ministerial poderá dar uma boa ideia do que Dilma queria dizer quando admitiu que, na hora da eleição, faz-se "o diabo".

Contágio sírio - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/01
Como pavio de pólvora, a violência do Oriente Médio chegou ao Líbano. Beirute sofreu sete violentos ataques no segundo semestre de 2013. Somados mortos e feridos, as vítimas ultrapassam duas centenas, entre as quais a brasileira Malak Zahwe. A situação da antiga Fenícia pode ser vista, ao mesmo tempo, como sintoma agudo e novo fator no quadro de instabilidade que desenha um crescente no mapa do Oriente Médio - do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico.
A linha de fratura que se destaca - do Líbano ao Paquistão, passando por Síria, Iraque e Irã -, é a do confronto secular entre muçulmanos sunitas e xiitas. Os primeiros formam a corrente predominante no islã que prevaleceu historicamente. Os segundos construíram a identidade ao longo dos séculos em torno do martírio, da opressão, da crença na redenção futura.

Na guerra civil síria, o choque entre sunitas e xiitas, com figurino e cenário sujeitos a ligeiras variações locais, se traduz no enfrentamento de duas potências que rivalizam por influência regional: Arábia Saudita e Irã. Ambas, conscientes de que se movimentam no tabuleiro regional à sombra de um poder maior (Israel), se veem como rivais possíveis de serem efetivamente desafiados.

Chama a atenção que, no Líbano, um saudita seja o suspeito de coordenar o ataque terrorista contra a embaixada iraniana, em novembro, com saldo de 23 mortos. A representação fica no subúrbio sul de Beirute, onde se concentra a população xiita - que forma, isoladamente, a maior das comunidades religiosas do país. Nos últimos meses, atentados se sucederam nessa área, reduto do Hezbollah (pró-iraniano), o núcleo político do atual governo libanês.

Sunitas radicais (jihadistas), alguns próximos à Al-Qaeda, multiplicam a presença no Líbano, com apoio direto ou tácito da Arábia Saudita e dos políticos locais aliados ao reino. É o caso da família do ex-premiê Saad Hariri, cujo pai, o também ex-premiê Rafik Hariri, foi morto em 2005, em atentado atribuído à inteligência síria. Ministro de Saad Hariri morreu em atentado semelhante, agora em dezembro.

No plano imediato, os confrontos no Líbano foram desatados pelo envolvimento de sunitas e xiitas locais na guerra síria. Unidades do Hezbollah, treinadas e armadas pelo Irã, tiveram papel decisivo nas vitórias militares cruciais para a sobrevivência da ditadura Assad. Igualmente, os sunitas radicais libaneses tornaram-se "plataforma" de recrutamento e envio de jihadistas de diversas nacionalidades para as fileiras anti-Assad.

O Líbano, assim, se apresenta como o sintoma mais agudo do contágio que o conflito sírio pode provocar na vizinhança. O Iraque, outro vizinho marcado pela violência sectária entre sunitas e xiitas (mais uma vez, com a presença do Irã, da Al-Qaeda e dos aliados sauditas), assiste também à ressurgência do fenômeno. Em cada um desses países, o conflito sírio tem agido como gasolina atirada a uma fogueira. E, de maneira reversa, a radicalização sectária em cada um deles tem realimentado a guerra síria - na qual as partes em confronto se veem "representadas" e com a qual passam a identificar-se.

Otimismo primário - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/01

Ministro da Fazenda anuncia cumprimento de meta do governo federal para superavit, o que só remenda um fraco desempenho fiscal


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, quis iniciar 2014 com uma nota otimista. Anunciou anteontem que o governo federal cumpriu sua meta de superavit primário, antecipando em quase um mês o anúncio do resultado das contas do ano passado.

O resultado primário é a diferença entre receitas e despesas, excluídos os gastos com os juros da dívida pública.

O ministro, porém, não fez mais do que confirmar que o governo conseguiu, na undécima hora, remendar um desempenho fiscal na melhor das hipóteses sofrível.

Pelo menos 45% da meta de superavit federal foi preenchida graças a receitas extraordinárias, como os recursos obtidos com o leilão do campo de petróleo de Libra e o refinanciamento de débitos tributários. Como verbas dessa natureza são imprevisíveis por definição, não emprestam grande credibilidade e confiabilidade à administração das contas públicas.

O resultado fiscal deste ano foi inferior ao de 2012, que por sua vez já fora relaxado em relação ao de 2011. Ainda pior, nesses anos cresceu a dependência de receitas extraordinárias, para nem mencionar os truques contábeis.

O gasto do governo cresceu mais uma vez em velocidade maior que a da expansão do PIB. Apesar do aumento da despesa, não se destinaram mais recursos ao incremento da infraestrutura, sem o que não melhora a eficiência produtiva --infelizmente, um padrão na Presidência de Dilma Rousseff.

Tampouco fugiu à rotina a contradição entre o desempenho federal na área da despesa e a intenção declarada de conter preços.

O governo gasta mais, em especial com ações que têm impacto direto no consumo. Mas o faz num quadro econômico de inflação no teto da meta, baixo desemprego e deficit externo crescente, sinais evidentes de esgotamento da capacidade produtiva --e, pois, de maior risco de alta nos preços.

Gasta mais, de resto, quando o Banco Central promove campanha de alta de juros justamente para evitar ao menos o descontrole inflacionário. Obviamente, a política fiscal não faz sentido. Não dá conta nem de normalizar a situação macroeconômica de curto prazo.

Por muitos anos estará fora de cogitação a hipótese de um deficit zero ou próximo disso, quando então o governo poderia mudar seu padrão de financiamento, ora dependente de dívida refinanciada a taxas de juros altíssimas.

O ministro, ainda assim, pretendeu brindar o ano com otimismo. Trata-se de uma era de expectativas decididamente reduzidas para comemorar que o país não tenha chegado a uma situação fiscal crítica ou calamitosa.