terça-feira, junho 20, 2017

O liberalismo moderno se transformou numa nova inquisição - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 20/06

Será que um cristão pode fazer política? Não falo de um fundamentalista que pretende aplicar os preceitos bíblicos a toda a sociedade. Falo de um cristão "moderado", que sabe distinguir os princípios morais que regem a sua vida e os valores seculares que regem a vida da comunidade.

Falo, enfim, de um cristão que conhece o preceito bíblico de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César –uma distinção crucial para a emergência do liberalismo e, claro, inexistente no Islã. Haverá lugar para essa criatura?

Maquiavel tratou da questão com brutalidade: não, não há. Para recuperar a influente interpretação de Isaiah Berlin sobre o florentino, o cristianismo é uma religião estimável, até admirável. Mas funciona apenas para os assuntos privados.

Na esfera pública, exige-se ao príncipe certas virtudes que obviamente colidem com a mensagem bíblica. Virtudes "pagãs", digamos assim, embora eu sempre tenha duvidado dessa conclusão de Berlin. Lemos Maquiavel e só por piada as "virtudes pagãs" dos seus tratados poderiam ser partilhadas por Cícero. As "virtudes" de Maquiavel são um capítulo novo na história da política e não uma nostalgia clássica. Mas divago.

Ou não divago. Porque a pergunta inicial aflorou nos últimos dias com a demissão de Tim Farron, o líder dos Liberais Democratas no Reino Unido.

Já tudo foi escrito sobre as eleições britânicas. O colapso dos conservadores, a espantosa ressurreição dos trabalhistas. Mas que dizer do destino de Tim Farron?

Leio no "Wall Street Journal" um artigo de Sohrab Ahmari que relata esse destino. Tim Farron, cristão evangélico, tem visões conservadoras sobre certos temas sociais. Como a homossexualidade. Como o aborto. Comecemos pelo primeiro. Será a homossexualidade um pecado?

A pergunta foi feita em 2015 e Tim Farron respondeu: "Todos somos pecadores". Não foi suficiente uma tal exibição de humildade. Durante a campanha, o fantasma regressou e Farron tentou enterrá-lo. Não, a homossexualidade não é um pecado, disse ele.

Também não foi suficiente. Se a homossexualidade não era um pecado, por que motivo Tim Farron demorou tanto tempo a reconhecê-lo?

Sem falar do aborto. Em 2007, parece que o "Guardian" encontrou uma frase de Farron na qual ele declarava que "o aborto é errado". Essa espantosa declaração, nunca antes vista na história da humanidade, provocou a tempestade respectiva.

Pergunta: as opiniões de Farron estão certas ou erradas?

Um fanático formula essa pergunta. Mas ela não faz sentido do ponto de visto político. A pergunta certa é saber se os valores religiosos de Tim Farron se sobrepõem aos consensos democraticamente estabelecidos no Reino Unido.

O próprio Farron foi claro: voltar a proibir o aborto seria um plano "impraticável". E abolir o "casamento gay" não estava na agenda.

Nada feito. Como escreve Sohrab Ahmari, não era suficiente que o aborto ou o casamento gay estivessem liberados. Tim Farron deveria aplaudir ambas as leis, prescindindo das suas convicções mais íntimas. Foi o fim de uma carreira.

Eis a suprema perversão do liberalismo moderno. Tempos houve em que a proposta liberal procurava separar a política da religião. Não cabe ao Estado legislar sobre a alma dos homens, escrevia John Locke. Em matérias de consciência, o indivíduo é soberano. De igual forma, não cabe à alma dos homens determinar os destinos da "polis".

Hoje, o caso de Tim Farron apenas mostra como o liberalismo moderno se transformou numa forma de religião. E de inquisição: quem discorda da cartilha é um herege que merece a fogueira das vaidades progressistas. A política não é uma arena de consensos entre visões distintas do bem comum. É um tribunal onde os pecadores devem confessar os seus crimes (de joelhos) e abraçar a Verdade (com maiúscula).

O problema desta visão medieval das coisas não está apenas na "intolerância" que ela revela. Muito menos na quantidade de "homens vazios" que ela promove: criaturas destituídas de qualquer vida interior, que debitam como se fossem robôs o "software" da moda.

O problema é mais vasto: aqueles que destroem a consciência individual em nome do "bem coletivo" estão a destruir a última barreira contra o poder arbitrário. Uma barreira de que eles podem precisar um dia se o pêndulo do fanatismo mudar de direção.


Fera ferida, Janot ataca. É o cara que ressuscitou o PT e concedeu a liberdade a Joesley - REINALDO AZEVEDO

REINALDO AZEVEDO - REDE TV/UOL

Janot está perdendo o juízo e o senso de ridículo. Apostou alto na sua recondução ao cargo. Se a Blitzkrieg tivesse dado certo, ele se imporia como solução de continuidade e “estabilidade” ao próximo mandatário. Mas deu errado.



É, meus caros, é quando as feras estão feridas que elas são mais perigosas. É o caso de Rodrigo Janot. Não dá para associá-lo a um leopardo ou a algum outro felino. Mas a natureza esconde feras às vezes insuspeitadas. Poucos sabem, mas o maior assassino de humanos na natureza é o hipopótamo. Tem aquele ar aparentemente abestado, inofensivo quase. Mas quê… Quando abre aquela bocarra, expõe presas destruidoras.

“Está comparando o procurador-geral da República com um hipopótamo, Reinaldo?” Não! Mas ferido ele está, inclusive na sua vaidade. E agora decidiu nos tratar a todos como jumentos ou como ruminantes. Aquele que tem a obrigação funcional e moral da ponderação — afinal, o órgão que comanda detém o poder da investigação (até hoje, arrancado no berro, sem previsão constitucional) e da denúncia. Não, eu não o comparo com um hipopótamo, mas é fato que sua mordida é poderosa. Especialmente num momento em que políticos se acovardam e em que setores da imprensa decidem endossar métodos típicos de Estado policial.

O doutor decidiu agora, como naquela música de Fábio Junior, dividir o mundo em duas metades da laranja. Mas, à diferença das “duas forças que se atraem” e do “sonho lindo de viver”, o que se tem, na mente de Janot, são forças antagônicas, que se repelem: na sua cabeça, há “os inimigos da Lava Jato” e os “amigos”. Os segundos endossam tudo o que fazem o procurador-geral e seus menudos de faces rosadas e ternos escuros; os primeiros, bem…, o doutor não reconhece matizes: seriam todos sócios da lambança.

Na abertura, nesta segunda, de um seminário no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília, o procurador-geral mostrou as presas. Disse:


“Basta de hipocrisia! Não há mais espaço para a apatia. Ou caminhamos juntos contra essa vilania que abastarda a política ou estaremos condenados a uma eterna cidadania de segunda classe, servil e impotente contra aqueles que deveriam nos representar com lealdade”!


É discurso de político, não de procurador-geral. E digo mais: esse sotaque é tipicamente fascistoide. E serve a fascistas de esquerda ou de direita. Sempre que alguém vem com esse papo de “chega de hipocrisia!”, podem acreditar: está querendo endosso a algum ato truculento ou está fazendo tabula rasa de diferenças relevantes. Aliás, lá vamos nós para o extremo da abjeção, mas é preciso que se diga. Os nazistas costumavam pedir o “fim da hipocrisia” ao perseguir judeus. Afinal, eram ou não eram os “banqueiros da bancarrota” da República de Weimar? Integravam ou não o establishment de algumas das instituições mais importantes da Alemanha falida? Então, chega de hipocrisia e Holocausto para eles! “Está comparando Janot com um nazista, Reinaldo?” Não! Estou cobrando que ele não discurse como se fosse um.

Igualmente políticas tem sido as falas de todos os procuradores. Para o procurador-geral, hipócritas são todos os seus críticos e todos aqueles que não adotam a sua agenda e os seus métodos. E esses tais hipócritas, por sua vez, se dividiriam em dois grupos. Disse ele:


“Há pessoas que acusam o Ministério Público e a Lava Jato de abuso. Afirmam que o Brasil está se tornando um Estado policial de exceção. Só dois tipos de pessoas adotam e acolhem esse discurso. Os primeiros nunca viveram em uma ditadura. Eu vivi. Não conhecem, por experiência própria, o que representa uma vida sem liberdade; militam, portanto, na ignorância”. Já os outros, segundo disse, são “os que não têm compromisso verdadeiro com o país. A real preocupação dessas pessoas é com a casta privilegiada da qual fazem parte”.

Então vamos tirar o procurador-geral para uma contradança argumentativa. O homem que deu passe livre e carimbou um “nada consta” na biografia de Joesley Batista vem falar de pessoas que seriam críticas da Lava Jato porque comporiam uma casta privilegiada? Com a devida vênia, doutor, lave essa bocarra! O senhor não tem moral para posar de verdugo dos poderosos. Não quando a gente olha a pena que pegaram alguns dos maiores criminosos do país Aliás, não precisamos de verdugos. Queremos pessoas públicas que honrem as leis da democracia e do Estado de Direito.

Em segundo lugar, que papo é esse de herói contra a ditadura? O senhor??? Eu, que sou cinco anos MENOS VELHO do que a excelência com vocação para santidade e que efetivamente combati a ditadura; que tive problema “com uzômi” aos 16 anos; que levei porrada da polícia, bem, eu não me lembro de nenhum paladino da justiça chamado Rodrigo Janot. Combateu a ditadura com quem? Em que lugar? Na companhia de quais pessoas? Participou de quais eventos importantes da luta pela restauração da democracia?

Janot está perdendo o juízo e o senso de ridículo. Apostou alto na sua recondução ao cargo. Se a Blitzkrieg tivesse dado certo, ele se imporia como solução de continuidade e “estabilidade” ao próximo mandatário. Mas deu errado. Agora, o que ele quer é alimentar teorias conspiratórias na esperança de emplacar a candidatura de Nicolao Dino, o único que aceitou uma semiadoção, que vai disputar a eleição para a lista tríplice da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). O presidente da República não é obrigado a indicar nenhum dos três.

Janot vai deixar a PGR, e a luta contra a corrupção vai continuar. E que se torne mais forte do que antes. E ela será tanto mais eficaz quanto mais respeitar a lei.

O homem que garantiu a Joesley a vida de um cidadão de bem não tem nada a cobrar de ninguém.

De resto, lembro dois críticos dos desmandos — e não das virtudes — do MPF: Reinaldo Azevedo e o ministro Gilmar Mendes. O primeiro viu uma conversa com uma fonte ser covardemente usada na guerra política. O tiro saiu pela culatra. O outro, ora vejam, é acusado de crime de responsabilidade por aliados de Janot. Dará errado também.

O fim melancólico de Janot é a derrota de quem, contando com todas as faculdades do Estado de Direito para fazer a coisa certa, preferiu, por excesso de ambição, recorrer a instrumentos do arbítrio para fazer a coisa errada.

Um Joesley impune é a sua obra-prima, junto com o PT ressuscitado.

Infelizmente, embalada por picaretas, mistificadores e especuladores, parte dos conservadores, da direita, do pensamento antipetista colaborou para essa patuscada.

Vamos ver como saímos agora do enrosco.


O que o sr. Joesley não disse - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 20/06

O Brasil quer saber por que o empresário preservou os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo


Nada de novo apresentou o senhor Joesley Batista em sua rumorosa entrevista à revista Época, na qual o dono da JBS se disse vítima de políticos corruptos. A mesma estratégia foi tentada por outros empresários implicados nos sucessivos escândalos que, desde a infausta era lulopetista, infortunam o Brasil. Digno de nota, contudo, foi o esforço do senhor Joesley Batista para livrar o ex-presidente Lula da Silva de qualquer responsabilidade direta pelo surto de corrupção. O empresário, cuja trajetória de sucesso está ligada a generosos benefícios estatais obtidos durante os governos petistas, limitou-se a atribuir a Lula e ao PT, genericamente, a “institucionalização da corrupção” no País, mas assegurou, pasme o leitor, que nunca teve alguma “conversa não republicana” com o chefão petista, a quem, segundo deu a entender, mal conhecia. Em compensação, o presidente Michel Temer, este sim, é o chefe “da maior e mais perigosa organização criminosa deste país”.

Manda o bom senso que se procure compreender o contexto em que os acontecimentos se dão, antes de lhes atribuir ares de fato verídico. No caso de Joesley Batista, desde sempre está claro que a palavra deste senhor deve ser recebida com muitas reservas, pois não são poucos os interesses em jogo – os dele próprio e os daqueles que o patrocinaram durante os governos petistas.

A entrevista aparece no momento em que se questionam os termos de sua delação premiada à Procuradoria-Geral da República. Como se sabe, o empresário não passará um único dia na cadeia depois de ter gravado clandestinamente uma conversa com Michel Temer, na qual o presidente, na interpretação do Ministério Público, teria se confessado corrupto. Ao reafirmar suas acusações a Temer, nos termos mais duros, Joesley Batista parece mais interessado em justificar o generoso perdão que recebeu do procurador-geral da República, Rodrigo Janot – embora tenha, ele próprio, confessado centenas de crimes, que, em circunstâncias normais, lhe renderiam uma longa temporada na cadeia.

Na entrevista, o senhor Joesley Batista não se limitou a acusar Michel Temer. Sua intenção era demonstrar que “o problema (da corrupção) é estrutural, é pluripartidário”. Por essa razão, o empresário resolveu grampear o senador Aécio Neves, a quem ele chama de “número 2”, sendo que o “número 1” é Temer. Joesley Batista disse que precisava “fazer uma ação indiscutível para o entendimento da população e do Ministério Público”, isto é, armar um flagrante contra Aécio. O empresário, é claro, disse que sua missão era esclarecer que todos os políticos com os quais lidou são igualmente corruptos: “Se o Brasil não entendesse que o 2 era igual ao 1, o Brasil ia achar que a solução era substituir 1 por 2. Mas o 2 é do mesmo sistema”. Talvez o senhor Joesley Batista acredite que o País, em vez de questionar suas intenções, tenha de lhe ser grato.

Ao mesmo tempo, o senhor Joesley Batista espera que todos acreditem quando ele diz que teve contatos apenas esparsos com Lula da Silva e que só conversou sobre o pagamento de propinas para o PT com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Naquela época, aparentemente o senhor Joesley Batista não se incomodava com a corrupção no governo, pois não gravou nenhuma conversa comprometedora com os petistas que o achacavam. E isso talvez se explique pelo fato de que, durante os governos petistas, a JBS saiu de um faturamento de R$ 4 bilhões em 2005, ano em que recebeu seu primeiro financiamento camarada do BNDES, para R$ 183 bilhões em 2016. O banco estatal de desenvolvimento tornou-se sócio da JBS, com 21% de participação, atrelando-se ao senhor Joesley Batista por razões que somente Lula da Silva pode explicar. O empresário, é claro, jura que “as relações com o BNDES foram absolutamente republicanas”.

Mas o senhor Joesley Batista terá a oportunidade de esclarecer na Justiça todos esses aspectos obscuros de suas acusações. Conforme nota oficial, o presidente Michel Temer decidiu processar o empresário, obrigando-o a explicar por que preservou, na delação e na entrevista, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo”. O Brasil também quer saber.


MBL LANÇA CAMPANHA PARA ACABAR COM SEMIABERTO E ENDURECER PUNIÇÕES


GAZETA DO POVO - PR -19/06
O Movimento Brasil Livre (MBL) lança hoje uma campanha pela aprovação do projeto que endurece as condições para a progressão de penas e acaba com o regime semiaberto. Pela proposta, que já está em tramitação na Câmara, para ter direito a progressão a pessoa que cometeu o delito deve ter cumprido pelo menos dois terços da pena, além de passar pela avaliação de uma comissão interdisciplinar para verificar se o apenado tem, de fato, condições de ir para o sistema aberto.

No caso de crime hediondo, o movimento defende que seja necessário o cumprimento de quatro quintos da pena. Atualmente, a legislação penal brasileira permite que a progressão seja concedida após o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, além do atendimento do critério de bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento em questão. No caso de crime com menor potencial ofensivo, o apenado deve cumprir dois quintos da pena para depois ter direito à progressão.

A campanha promovida pelo MBL vai começar com um vídeo de exposição com dados sobre o regime semiaberto e a taxa de condenados que progridem de regime e voltam a cometer crimes. Além disso, o grupo incentivará a população a telefonar para gabinetes dos líderes congressistas e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que o projeto seja pautado o mais rapidamente possível. Uma equipe do MBL, em Brasília, ficará incumbida de ir de gabinete em gabinete cobrar uma posição dos deputados. Caso a proposta vá para votação, o movimento pretende fazer mobilizações nas dependências da Casa.

“Nossos critérios para a progressão de regime estão entre os mais frouxos no mundo. Ao mesmo tempo, o que os dados das secretarias de segurança de diversos estados do país mostram é que a maioria dos que progridem voltam a cometer crimes”, disse Kim Kataguiri, do MBL. “Na prática, o criminoso cumpre um sexto da pena e já está livre para voltar a roubar, matar. Temos muitos presos? Temos, mas o fato é que, hoje, a maioria dos condenados que vão para a cadeia nunca deveriam ter saído dela, daí a importância de revermos o semiaberto e os critérios para a progressão de regime”, acrescentou.

A iniciativa merece aplausos e apoio ativo por parte da população ordeira. Sabemos que a impunidade é o maior convite ao crime, não as tais “desigualdades sociais”, como alega a esquerda. Pobreza não precisa ser sinônimo de bandidagem. Ninguém mata a sangue frio uma vítima inocente porque precisa comer. Estamos falando de marginais da pior espécie, reincidentes, quase sempre casos perdidos. Não serão recuperados com “educação”, como acreditam os filhos de Rousseau.

O primeiro grande problema é a enorme quantidade de crimes não resolvidos, o que gera o clima de impunidade total. O segundo problema maior é quando se consegue pegar o marginal, mas ele pouco tempo depois já está solto, de volta às ruas. É acabar com essa molezinha absurda que o MBL pretende com essa campanha. E não consigo imaginar uma pessoa decente sendo contra o arrocho da punição para bandidos perigosos.

O podcast Ideias mais recente, comigo, com Leandro Narloch e Alexandre Borges, foi justamente sobre a impunidade e o ambiente de “justiçamento”, tomando como base o caso do garoto que teve a testa tatuada. A sensação de impunidade ajuda a explicar o pulo da civilização para a barbárie quando cada um resolve fazer “justiça” com as próprias mãos.

A iniciativa do MBL, repito, merece total apoio. Liguem, mandem mensagens, atormentem a vida dos deputados, pois é esse exercício de cidadania que os brasileiros de bem precisam aprender a fazer com maior frequência. Os nossos representantes precisam saber o que queremos. Enquanto a esquerda organizada faz barulho com suas ONGs de “direitos humanos”, nós ficamos apenas lamentando nos bares e no Facebook.

Chega! Vamos mostrar que queremos esses marginais atrás das grades, não soltos pelas ruas do nosso país, que já tem 60 mil assassinatos por ano!

Governador-geral da República - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 20/06

Janot trata formalmente o encontro, entre pessoas em pleno exercício de seus direitos políticos, como evidência de ameaça à ordem pública



Aécio Neves é — ainda — um homem livre. Investigado, mas livre. Senador suspenso, mas cidadão livre.

Sim. É verdade. Nunca me enganou. Não me enganava quando, posando de vítima, acusava os petistas de abuso de poder econômico em campanha eleitoral. Não me enganará agora, abusador que também foi. Mas esse é juízo pessoal. Não há, porém, qualquer condenação a Aécio Neves — sujeito livre, portanto.

Escrevo isso, essa obviedade repetida, porque alarmado com as licenças que Rodrigo Janot se concede. O procurador-geral da República — que não raro subjuga o Supremo — é hoje a única autoridade que faz o que quer neste país. Ou haverá outra forma de compreender a ousadia, golpe nas liberdades individuais, de que reforce o pedido de prisão preventiva contra Aécio usando uma foto — divulgada pelo próprio senador — em que este aparece em reunião com integrantes de seu partido?

É isto mesmo: Janot trata formalmente o encontro — entre pessoas em pleno exercício de seus direitos políticos — como evidência de ameaça à ordem pública, exemplo de “uso espúrio do poder político”. É escandaloso. Porque, ora, é possível — não serei eu a botar a mão no fogo por ele — que haja ações do senador para obstruir as investigações contra si; mas tais certamente não estarão representadas naquela imagem.

Note o leitor que, na investida de Janot, muito mais que um movimento contra Aécio Neves, vai explícita a criminalização da atividade política. É da ordem da barbárie difundir uma reunião entre políticos como conspiração contra a democracia. Mas essa generalização — que a todos iguala por baixo — serve a um projeto. A reabilitação do PT, especificamente a de Lula, só está em curso porque se enterrou a política na lama.

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Escolhido por Dilma Rousseff e reconduzido ao cargo por ela, Janot é hoje — mérito consequente de muita determinação — o homem mais poderoso do Brasil, trabalhador incansável por fazer justiça, guerreiro cujo entusiasmo por acusar poderosos é outro desde que o PT saiu do Planalto.

Está aí um patriota a quem o impeachment liberou.

Senhor da agenda que pauta — e paralisa — a vida pública no país, há semanas tem o presidente sob a ameaça de uma denúncia ao Supremo, com cujo ritmo brinca como se fosse João Gilberto com o tempo de uma canção. Nesse período, diariamente, vaza-se à imprensa que talvez a cousa seja formalizada amanhã, mas que, bem, pode ser na semana que vem. Depende. Depende — digo eu — do momento. Do momento político. De um em que Michel Temer se encontre vulnerável.

Na luta purificadora contra a desgraça da política, causa que atualiza jacobinos em janotistas, Janot se permite desviar do timing da Justiça — que é o próprio compasso do estado de direito — para aplicar a estratégia do lutador que calcula os golpes round a round, toureando o adversário, à espera da brecha por meio da qual encaixar o soco. Uma hora ela aparece. O país aguarda em suspensão. É para nocautear o vampiro, afinal. Ninguém gosta dele. Logo, aplaude-se. Até o dia em que esses métodos se voltarem contra um dos nossos. Aí, será o quê? Estado policial?

Normal também se tornou que, como num folhetim, surjam — diariamente — novas supostas revelações contra o presidente, vendidas (e compradas) como comprometedoras antes mesmo de que se possa examiná-las. Não importa. Normalizou-se entre nós que se condene — a conta-gotas, numa narrativa cuja técnica única é a sobreposição de acusações — antes de se investigar.

Nesta fase raçuda, a Procuradoria-Geral da República — que se alçou a quarto poder — atua com paixão sem precedentes, razão pela qual recorre a expedientes que os legalistas, esses ultrapassados, consideram heterodoxos. Por exemplo: admitir e veicular como prova uma gravação não periciada. Qual é o problema?

Os detalhistas prejudicam o Brasil. Essa é a verdade. Não entendem que o mandato de Janot termina em setembro e que ele é o primeiro procurador-geral da República da história que quer deixar um legado. Qual é o problema?

Qual é o problema, aliás, no acordo firmado com os donos da JBS, tornados inimputáveis, se em troca o que falam puder derrubar o presidente? É aceitável — no justiçamento — improvisar e queimar etapas do processo legal, se há uma meta maior a ser alcançada. Se para incriminar Temer, por que se apegar a formalismos? Se for possível apeá-lo da Presidência, que mal haverá na licença poética que o faz bandido protagonista do conjunto corruptivo — de matriz e condução petista — que modelou o império dos Batista? Mesmo sabendo que o campeão nacional em que se anabolizou a JBS foi bombado durante os governos do PT, que gravidade haverá no recurso seletivo ficcional que põe Lula e Dilma (e o BNDES) numa nota de rodapé dessa trama?

Não sem aviso, chegamos ao momento em que um tipo como Joesley Batista diz que Temer é líder da “maior e mais perigosa organização criminosa deste país” — e fica tudo por isso mesmo. Ai, ai...

Os desconfiados — teóricos da conspiração — atrapalham o Brasil. Essa é a verdade.

Dificilmente, contudo, atrapalharão o movimento orgânico dos que militam para que Janot se candidate a senador em 2018, pelo Estado de Minas Gerais, na vaga a ser aberta por Aécio Neves. Mas pode ser a governador. Será pelo PT? Ou disfarçaremos numa linha auxiliar? Rede?

Carlos Andreazza é editor de livros