ESTADÃO - 19/03
Aos escândalos de corrupção e ações de má gestão acrescentam-se dois fatores que tornam o governo insustentável: o repúdio das ruas e o comportamento indecoroso dos mais poderosos entre seus integrantes. Neste último quesito, o homem que presidiu o País por oito anos e volta agora para presidi-lo de fato, deu o empurrão que faltava.
O palavreado chulo usado nas conversas telefônicas dele com amigos e correligionários choca, mas não surpreende. É apenas algo mais grosseiro, obsceno, arrogante e sexista que o linguajar usado em público, inclusive enquanto presidente da República. Aquele que se mostra por inteiro nas gravações da Polícia Federal é o mesmo de sempre. Desde o tempo em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e ainda assinava Luiz “Ignácio” e sem a incorporação do apelido ao sobrenome.
A ausência de decoro não se expressa apenas na falta de civilidade idiomática, mas também no modo de agir. E aqui falamos da presidente Dilma Rousseff e sua deliberação ação para proteger Lula da prisão. Suas negativas não resistem à recomendação para que ele assinasse o termo de posse na Casa Civil antecipadamente e o usasse em “caso de necessidade”. Dilma alegou que se tratava de uma precaução para o caso de o ministro nomeado não poder comparecer à cerimônia de posse.
Se fosse verdade, a presidente é quem usaria o documento. A aludida “necessidade” seria dela; de formalizar a posse do ministro. No entanto, Dilma transfere o uso à conveniência de Lula. Óbvio: para o caso de o juiz Sérgio Moro acatar o pedido de prisão preventiva feita pelo Ministério Público de São Paulo. Ademais, não consta que o mesmo não tenha sido pedido a Jaques Wagner, que assumiria a chefia de gabinete da Presidência estando ausente da posse. O ex-chefe da Casa Civil naquele dia fazia aniversário e estava em Salvador.
Evidenciada a fraude, queira o bom senso que o Palácio do Planalto não tenha feito uso de documento falso ao exibir o termo de posse assinado apenas pelo ministro nomeado. Sem a assinatura da presidente o papel não teria validade. Se a ideia era deixar a parte burocrática em ordem, a firma de Dilma deveria necessariamente constar da documentação.
É também a respeito desse tipo de atitude - que, diga-se, não é nova - que se insurge parcela significativa da sociedade, contra a qual a presidente Dilma se colocou na quinta-feira ao qualificar os protestos como “gritaria de golpistas”. Abandonou o tom conciliador e os apelos à moderação, preferindo aderir à provocação. Apresenta-se, desse modo, em estado de completa submissão ao antecessor que transformou em sucessor “in pectore”, transferindo a ele as decisões de governo e aderindo à tática de confrontação proposta por ele.
Preferiu dar um “não” às ruas que, em contrapartida, exigem um “sim” à sua renúncia.
sábado, março 19, 2016
O retrato falado - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 19/03
O pior dos diálogos foi Lula interferir na atuação da Receita Federal. Qualquer pessoa pode ser flagrada em conversas inconvenientes se o telefone for gravado, mas o que se ouve nos diálogos de Lula vai além disso e mostra a intenção de cometer ilegalidades. O telefonema para o ministro da Fazenda, por exemplo, é um dos absurdos. Ele queria usar a Receita Federal em seu favor e contra supostos inimigos. Isso é intolerável no estado democrático.
Não chega a ser surpreendente o palavreado chulo, o machismo, o preconceito das conversas em que o presidente se sentia à vontade com seus interlocutores. O retrato falado de Lula é assim mesmo. O problema não são os maus modos do ex-presidente, mas sim as tentativas de uso do Estado em seu proveito e proteção. "Era preciso você chamar o responsável e falar 'que porra é esta?"", ordenou Lula ao ministro da Fazenda, se referindo à Receita. E o que diz o ministro? Nada. O que ele deveria dizer: lembrar que os auditores fiscais têm autonomia, que não se usa a máquina para proteger alguns, e para perseguir outros. Afinal, o ex-presidente havia sugerido ao ministro acompanhar o que a Receita fazia junto com a Polícia Federal, avisando que o Instituto Lula mandaria para ele as informações sobre a atuação dos fiscais. A nota do Ministério da Fazenda diz que nada recebeu do Instituto. Isso é insuficiente. O que se esperava do ministro é que ele reagisse em defesa dos órgãos dos quais é superior hierárquico apenas temporariamente. O Fisco tem que ser neutro, ele é guardião do sigilo fiscal dos contribuintes, ele coleta o dinheiro coletivo que financiará as políticas públicas. A Receita Federal é um órgão do Estado. Não é do PT.
O ministro diz: "conta com a gente para o que der e vier". Espera-se que seja apenas uma manifestação de solidariedade por afinidade partidária. De um militante falando para o líder do partido, e que "gente" seja ele, pessoalmente, e não o Ministério da Fazenda que esteja sendo oferecido para apoio tão amplo. Lula continua "você precisa se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto". O ministro avisa que "eles fazem parte". Quer dizer que a Receita integra a Operação Lava-Jato. Lula diz que se "eles fizessem isso com meia dúzia de grandes empresas resolvia a arrecadação do estado". Diante dessa proposta de uso da Receita, o ministro diz "uhum". Depois de mandar que o ministro chame o responsável para admoestá-lo com palavrões, ele dá a lista dos que gostaria que fossem alvos, "a Globo, o Instituto Fernando Henrique, SBT, Record" e solta outra das suas palavras favoritas. O ministro em resposta pede que Paulo Okamoto envie para ele os papéis do Instituto. Lula reclama que uma investigação contra a "Veja" está parada desde 2008. E usa outra palavra ofensiva aos agentes da Receita. O ministro disse que mandou apurar a razão de haver "velocidade diferente" de investigação.
O pior dos diálogos foi Lula interferir na atuação da Receita Federal. Qualquer pessoa pode ser flagrada em conversas inconvenientes se o telefone for gravado, mas o que se ouve nos diálogos de Lula vai além disso e mostra a intenção de cometer ilegalidades. O telefonema para o ministro da Fazenda, por exemplo, é um dos absurdos. Ele queria usar a Receita Federal em seu favor e contra supostos inimigos. Isso é intolerável no estado democrático.
Não chega a ser surpreendente o palavreado chulo, o machismo, o preconceito das conversas em que o presidente se sentia à vontade com seus interlocutores. O retrato falado de Lula é assim mesmo. O problema não são os maus modos do ex-presidente, mas sim as tentativas de uso do Estado em seu proveito e proteção. "Era preciso você chamar o responsável e falar 'que porra é esta?"", ordenou Lula ao ministro da Fazenda, se referindo à Receita. E o que diz o ministro? Nada. O que ele deveria dizer: lembrar que os auditores fiscais têm autonomia, que não se usa a máquina para proteger alguns, e para perseguir outros. Afinal, o ex-presidente havia sugerido ao ministro acompanhar o que a Receita fazia junto com a Polícia Federal, avisando que o Instituto Lula mandaria para ele as informações sobre a atuação dos fiscais. A nota do Ministério da Fazenda diz que nada recebeu do Instituto. Isso é insuficiente. O que se esperava do ministro é que ele reagisse em defesa dos órgãos dos quais é superior hierárquico apenas temporariamente. O Fisco tem que ser neutro, ele é guardião do sigilo fiscal dos contribuintes, ele coleta o dinheiro coletivo que financiará as políticas públicas. A Receita Federal é um órgão do Estado. Não é do PT.
O ministro diz: "conta com a gente para o que der e vier". Espera-se que seja apenas uma manifestação de solidariedade por afinidade partidária. De um militante falando para o líder do partido, e que "gente" seja ele, pessoalmente, e não o Ministério da Fazenda que esteja sendo oferecido para apoio tão amplo. Lula continua "você precisa se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto". O ministro avisa que "eles fazem parte". Quer dizer que a Receita integra a Operação Lava-Jato. Lula diz que se "eles fizessem isso com meia dúzia de grandes empresas resolvia a arrecadação do estado". Diante dessa proposta de uso da Receita, o ministro diz "uhum". Depois de mandar que o ministro chame o responsável para admoestá-lo com palavrões, ele dá a lista dos que gostaria que fossem alvos, "a Globo, o Instituto Fernando Henrique, SBT, Record" e solta outra das suas palavras favoritas. O ministro em resposta pede que Paulo Okamoto envie para ele os papéis do Instituto. Lula reclama que uma investigação contra a "Veja" está parada desde 2008. E usa outra palavra ofensiva aos agentes da Receita. O ministro disse que mandou apurar a razão de haver "velocidade diferente" de investigação.
Nada nesse diálogo é "republicano". O que está acontecendo na conversa é uma tentativa clara de uso da máquina de fiscalização e controle tributários. E lamentavelmente não encontra no interlocutor uma pessoa que lembre como a Receita Federal precisa ser num país democrático. Isso eleva os temores do que pode ter sido tratado pelos dois no encontro pessoal que tiveram depois.
Lula ainda não havia sido nomeado ministro. Era, nos momentos dos diálogos, um ex-presidente. Mas manda Jaques Wagner, então chefe da Casa Civil, que diga a presidente para falar com a ministra Rosa Weber, do STF, sobre a ação que ela julgaria. Mostra que tinha expectativa de ter um procurador-geral submisso e grato. Em outro diálogo fica claro o motivo da escolha do ministro da Justiça, Eugênio Aragão. "Fico pensando que o Aragão deveria cumprir o papel de homem naquela porra". Assim ele se refere ao ministério mais antigo do Brasil, criado antes da independência. E o papel "de homem" é obviamente controlar a Polícia Federal. Afinal, diz, "ele parece nosso amigo". Parece mesmo. Em cada conversa se vê uma pessoa influente, muito influente, pela qual os ministros aguardam ao telefone e que chamam de "presidente" e da qual recebem ordens diretas de interferir no funcionamento do Estado em seu benefício e contra os seus inimigos. É o que assusta, e não as previsíveis grosserias.
Lula ainda não havia sido nomeado ministro. Era, nos momentos dos diálogos, um ex-presidente. Mas manda Jaques Wagner, então chefe da Casa Civil, que diga a presidente para falar com a ministra Rosa Weber, do STF, sobre a ação que ela julgaria. Mostra que tinha expectativa de ter um procurador-geral submisso e grato. Em outro diálogo fica claro o motivo da escolha do ministro da Justiça, Eugênio Aragão. "Fico pensando que o Aragão deveria cumprir o papel de homem naquela porra". Assim ele se refere ao ministério mais antigo do Brasil, criado antes da independência. E o papel "de homem" é obviamente controlar a Polícia Federal. Afinal, diz, "ele parece nosso amigo". Parece mesmo. Em cada conversa se vê uma pessoa influente, muito influente, pela qual os ministros aguardam ao telefone e que chamam de "presidente" e da qual recebem ordens diretas de interferir no funcionamento do Estado em seu benefício e contra os seus inimigos. É o que assusta, e não as previsíveis grosserias.
FANTASMINHA CAMARADA - DEMÉTRIO MAGNOLI
Folha de SP - 19/03
Sergio Moro traçou um plano para "criminalizar a política". A senha de agitação, enunciada por Jaques Wagner, sintetiza um paralelo fabricado na usina de propaganda lulopetista. O paralelo assume como pressuposto que a Operação Mãos Limpas, conduzida na Itália, tenha provocado a ascensão de Silvio Berlusconi –e, por extrapolação, profetiza trajetória similar de um Brasil oficial abalado pela Lava Jato. A História serve aí, tipicamente, como muleta para a luta política: Berlusconi é o fantasminha camarada inventado para insuflar uma campanha contra Moro.
A extrapolação peca por impertinência. Mesmo se o pressuposto fosse verdadeiro, inexistiria motivo para acreditar que o Brasil seguirá o rumo da Itália, pois fenômenos históricos semelhantes tendem a produzir desdobramentos distintos, quando as circunstâncias são diferentes. Antes de tudo, porém, o pressuposto é falso: Berlusconi não resultou da Mãos Limpas, mas da interrupção dela. Nisso, precisamente, encontra-se uma lição para o Brasil.
Na Mãos Limpas, os juízes de Milão desvendaram as redes de corrupção estabelecidas entre políticos e empresários, que configuravam um sistema estável de intercâmbio de contratos públicos por subornos. O escândalo destruiu a ordem política vigente desde o final da Segunda Guerra Mundial. A Democracia-Cristã (DC), maior partido do país, perdeu metade de seus votos em 1992 e implodiu dois anos mais tarde. O Partido Socialista, fundado um século antes, desapareceu junto com a DC. Mas o ciclo de poder de Berlusconi, que se estendeu, com intervalos, de 1994 a 2011, derivou da derrota final da operação anticorrupção, bloqueada por um pacto tácito entre o próprio Berlusconi e o Partido Democrático da Esquerda (PDS), sucessor do Partido Comunista Italiano.
À frente de uma coalizão conservadora, Berlusconi venceu as eleições de março de 1994, mas seu gabinete caiu em dezembro, derrubado por revelações da Mãos Limpas. Nas eleições de abril de 1996, triunfou a coalizão liderada pelo PDS, que governou até 2000, por meio dos gabinetes de Romano Prodi e Massimo D'Alema.
Naquela etapa decisiva, os governos de esquerda sabotaram as investigações judiciais que ameaçavam os negócios mafiosos de Berlusconi. Para proteger seus próprios corruptos, e sob o pretexto de evitar a "criminalização da política", a maioria parlamentar passou leis meticulosamente destinadas a antecipar a prescrição de crimes e procrastinar julgamentos. O pacto de conveniência entre a esquerda e a direita travou a Mãos Limpas, anestesiou a sociedade e preparou a cena para a magra vitória de Berlusconi nas eleições de 2001.
A tese de que a Mãos Limpas conduziu à hegemonia de Berlusconi é tão falsa quanto a de que a revolução popular contra a ditadura de Hosni Mubarak, no Egito, em 2011, gerou a ditadura de Abdel al-Sisi, implantada em 2013. No segundo caso, sublima-se o fracasso do governo eleito da Irmandade Muçulmana; no primeiro, apaga-se a ofensiva contra a Mãos Limpas deflagrada pelo governo de esquerda. Num e no outro, a narrativa recortada e remontada serve à finalidade de oferecer um colchão intelectual de legitimidade aos que exercem o poder.
São, ademais, narrativas essencialmente conformistas. Os serviçais intelectuais de Al-Sisi tentam persuadir os egípcios de que o autoritarismo é um tributo aceitável, a ser pago em nome da ordem pública. Os serviçais intelectuais do lulopetismo pretendem convencer-nos de que a corrupção sistêmica é o preço inevitável da democracia. A "massa" nas ruas foi qualificada como "conservadora" e "reacionária" pela filósofa palaciana Marilena Chauí. Os adjetivos, porém, descrevem apropriadamente a política lulista. Berlusconi conservou a velha Itália dos privilégios e negócios escusos. Nosso Berlusconi é Lula, essa sentinela do Brasil patrimonialista.
Sergio Moro traçou um plano para "criminalizar a política". A senha de agitação, enunciada por Jaques Wagner, sintetiza um paralelo fabricado na usina de propaganda lulopetista. O paralelo assume como pressuposto que a Operação Mãos Limpas, conduzida na Itália, tenha provocado a ascensão de Silvio Berlusconi –e, por extrapolação, profetiza trajetória similar de um Brasil oficial abalado pela Lava Jato. A História serve aí, tipicamente, como muleta para a luta política: Berlusconi é o fantasminha camarada inventado para insuflar uma campanha contra Moro.
A extrapolação peca por impertinência. Mesmo se o pressuposto fosse verdadeiro, inexistiria motivo para acreditar que o Brasil seguirá o rumo da Itália, pois fenômenos históricos semelhantes tendem a produzir desdobramentos distintos, quando as circunstâncias são diferentes. Antes de tudo, porém, o pressuposto é falso: Berlusconi não resultou da Mãos Limpas, mas da interrupção dela. Nisso, precisamente, encontra-se uma lição para o Brasil.
Na Mãos Limpas, os juízes de Milão desvendaram as redes de corrupção estabelecidas entre políticos e empresários, que configuravam um sistema estável de intercâmbio de contratos públicos por subornos. O escândalo destruiu a ordem política vigente desde o final da Segunda Guerra Mundial. A Democracia-Cristã (DC), maior partido do país, perdeu metade de seus votos em 1992 e implodiu dois anos mais tarde. O Partido Socialista, fundado um século antes, desapareceu junto com a DC. Mas o ciclo de poder de Berlusconi, que se estendeu, com intervalos, de 1994 a 2011, derivou da derrota final da operação anticorrupção, bloqueada por um pacto tácito entre o próprio Berlusconi e o Partido Democrático da Esquerda (PDS), sucessor do Partido Comunista Italiano.
À frente de uma coalizão conservadora, Berlusconi venceu as eleições de março de 1994, mas seu gabinete caiu em dezembro, derrubado por revelações da Mãos Limpas. Nas eleições de abril de 1996, triunfou a coalizão liderada pelo PDS, que governou até 2000, por meio dos gabinetes de Romano Prodi e Massimo D'Alema.
Naquela etapa decisiva, os governos de esquerda sabotaram as investigações judiciais que ameaçavam os negócios mafiosos de Berlusconi. Para proteger seus próprios corruptos, e sob o pretexto de evitar a "criminalização da política", a maioria parlamentar passou leis meticulosamente destinadas a antecipar a prescrição de crimes e procrastinar julgamentos. O pacto de conveniência entre a esquerda e a direita travou a Mãos Limpas, anestesiou a sociedade e preparou a cena para a magra vitória de Berlusconi nas eleições de 2001.
A tese de que a Mãos Limpas conduziu à hegemonia de Berlusconi é tão falsa quanto a de que a revolução popular contra a ditadura de Hosni Mubarak, no Egito, em 2011, gerou a ditadura de Abdel al-Sisi, implantada em 2013. No segundo caso, sublima-se o fracasso do governo eleito da Irmandade Muçulmana; no primeiro, apaga-se a ofensiva contra a Mãos Limpas deflagrada pelo governo de esquerda. Num e no outro, a narrativa recortada e remontada serve à finalidade de oferecer um colchão intelectual de legitimidade aos que exercem o poder.
São, ademais, narrativas essencialmente conformistas. Os serviçais intelectuais de Al-Sisi tentam persuadir os egípcios de que o autoritarismo é um tributo aceitável, a ser pago em nome da ordem pública. Os serviçais intelectuais do lulopetismo pretendem convencer-nos de que a corrupção sistêmica é o preço inevitável da democracia. A "massa" nas ruas foi qualificada como "conservadora" e "reacionária" pela filósofa palaciana Marilena Chauí. Os adjetivos, porém, descrevem apropriadamente a política lulista. Berlusconi conservou a velha Itália dos privilégios e negócios escusos. Nosso Berlusconi é Lula, essa sentinela do Brasil patrimonialista.
Brigar com a Justiça - IGOR GIELOW
FOLHA DE SP - 19/03
BRASÍLIA - Dilma Rousseff parece convencida de que brigar com a Justiça é uma porta de saída razoável para a crise terminal de seu ex-governo, que conseguiu o feito de ser rejeitado pelo PRB. Boa sorte.
Além de apelar ao "vira-latismo" tanto criticado pelo PT, ao dizer que nos EUA um grampo presidencial daria cadeia, ela erra no mérito.
O uso da comprometedora gravação entre Dilma e Lula em inquérito pode ser contestado pela tecnicidade do horário em que o registro ocorreu, e politicamente a motivação do juiz Sergio Moro é clara e questionável. Mas só: Dilma não foi alvo de grampo, e sim Lula –que está bem enrolado em outros áudios disponíveis.
Sinal mais importante ainda é a entrevista do novo titular da Justiça, Eugênio Aragão, publicada nesta edição da Folha. Nela, o ministro admite que vai enquadrar a Polícia Federal caso sinta "cheiro de vazamento", uma crítica indireta à Lava Jato.
Corretíssimo, do ponto de vista formal. A questão subjacente, contudo, é perturbadora. Estaria Aragão com mandato para tentar colocar freio na Lava Jato? Não, diz ele, apesar da crítica ao modelo Mãos Limpas de uso da delação premiada adotado pela operação. Até aí, opinião é livre e, com fundamentos sólidos, sempre bem-vinda.
Além disso, mesmo que buscasse tolher a operação, o governo teria poder limitado para tanto. A Lava Jato é um sucesso sem precedentes, mas não é um monólito. São procuradores, policiais, agentes da Receita, técnicos do Judiciário e, enfim, juízes envolvidos.
Com o respaldo popular que tem, é irrefreável, para bem e para mal. Qualquer tentativa de interferência causaria reação incontrolável.
-
As manifestações governistas não empolgaram ninguém além da militância e agregados de sempre. Previsível: elas dizem respeito a um passado, não ao presente ou ao futuro.
BRASÍLIA - Dilma Rousseff parece convencida de que brigar com a Justiça é uma porta de saída razoável para a crise terminal de seu ex-governo, que conseguiu o feito de ser rejeitado pelo PRB. Boa sorte.
Além de apelar ao "vira-latismo" tanto criticado pelo PT, ao dizer que nos EUA um grampo presidencial daria cadeia, ela erra no mérito.
O uso da comprometedora gravação entre Dilma e Lula em inquérito pode ser contestado pela tecnicidade do horário em que o registro ocorreu, e politicamente a motivação do juiz Sergio Moro é clara e questionável. Mas só: Dilma não foi alvo de grampo, e sim Lula –que está bem enrolado em outros áudios disponíveis.
Sinal mais importante ainda é a entrevista do novo titular da Justiça, Eugênio Aragão, publicada nesta edição da Folha. Nela, o ministro admite que vai enquadrar a Polícia Federal caso sinta "cheiro de vazamento", uma crítica indireta à Lava Jato.
Corretíssimo, do ponto de vista formal. A questão subjacente, contudo, é perturbadora. Estaria Aragão com mandato para tentar colocar freio na Lava Jato? Não, diz ele, apesar da crítica ao modelo Mãos Limpas de uso da delação premiada adotado pela operação. Até aí, opinião é livre e, com fundamentos sólidos, sempre bem-vinda.
Além disso, mesmo que buscasse tolher a operação, o governo teria poder limitado para tanto. A Lava Jato é um sucesso sem precedentes, mas não é um monólito. São procuradores, policiais, agentes da Receita, técnicos do Judiciário e, enfim, juízes envolvidos.
Com o respaldo popular que tem, é irrefreável, para bem e para mal. Qualquer tentativa de interferência causaria reação incontrolável.
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As manifestações governistas não empolgaram ninguém além da militância e agregados de sempre. Previsível: elas dizem respeito a um passado, não ao presente ou ao futuro.
Maioria definida - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 19/03
O processo histórico em curso não é favorável ao PT e a Lula. As manifestações de ontem pelo país, notadamente a da Avenida Paulista em São Paulo, definiram bem os limites das forças em disputa. O petismo tem ainda uma base nada desprezível, mas que se torna insuficiente como instrumento político quando comparada à que foi às ruas no domingo passado em repúdio ao governo.
Há lados bem definidos em diversos segmentos da sociedade, e o PT, que se acostumou com a dominação das ruas e das redes sociais, sente na pele a perda dessas importantes plataformas de proselitismo político.
Não houvesse os crimes de que Dilma é acusada, acrescidos agora do desvio de finalidade da nomeação do ex-presidente Lula para seu Ministério, não haveria motivos para o pedido de impeachment.
No presidencialismo, um mau governo não é um governo que deve ser derrubado, embora isso possa acontecer nos países em que há o sistema de recall, isto é, chamar novamente os eleitores às urnas para confirmarem a permanência ou não do eleito.
Essa seria a única maneira de retirar um presidente do Planalto, fora o impeachment, instrumento mais traumático, mas não menos democrático. Instalada a comissão na Câmara, dentro de regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal que dificultariam as ações dos oposicionistas se o governo tivesse um mínimo de apoio no Congresso, o processo deve ganhar ritmo próprio e refletir a maioria que está nas ruas pedindo a saída da presidente Dilma.
A nomeação do ex-presidente Lula, que parecia uma jogada de mestre, mostrou-se um erro estratégico de efeitos devastadores para o governo, pois não tinha nenhum planejamento por trás a não ser a blindagem de Lula contra as ações do juiz Sérgio Moro.
A revelação de conversas privadas de Lula com diversos interlocutores deixou a nu uma personalidade autoritária e narcisística, desacostumada a ser desautorizada. O medo de ir para a cadeia fez Lula cometer diversos erros, que o levaram a destruir todas as pontes que poderiam levar o governo Dilma a uma situação mais confortável no Congresso.
Lula, se conseguisse assumir o cargo de chefe da Casa Civil, o que fica cada vez mais difícil diante da decisão de ontem do ministro Gilmar Mendes, chegaria para as negociações políticas enfraquecido por suas análises dos potenciais interlocutores. O único homem capaz de incendiar o país, o homem mais honesto do mundo, vai sendo desmontado pela realidade, que está mostrando que nem ele é o líder que pensava que era, e que os adversários temiam, nem tampouco tem a honestidade dos varões de Plutarco.
Seu exército não chega a ser o de Brancaleone, o aparelhamento da máquina do Estado em diversos níveis ainda coloca a seu dispor uma estrutura que pode deslocar milhares de pessoas para as ruas, em um dia de semana, com ônibus, merendas e pontos liberados em repartições de diversas prefeituras petistas.
Consegue mobilizar seus "peões" para defendê- lo na porta de casa e "dar porrada nos coxinhas" que quiserem se aproximar. Os grampos telefônicos feitos com autorização da Justiça acabaram dando razão aos promotores paulistas que pediram sua prisão preventiva, ou pelo menos ao juiz Sérgio Moro, que recomendou a condução coercitiva se Lula reagisse.
Ele estava preparado para isso, quando revela que chamaria deputados para estarem na sua casa quando a polícia chegasse, ou quando o então chefe da Casa Civil diz ao telefone para o presidente do PT, Rui Falcão, que a solução seria cercar a casa de Lula e "sair na porrada".
No mais puro estilo do sindicalismo mafioso, a corriola de Lula mostra-se pronta para o que der e vier, mas recua quando sua verdadeira feição, e a de seu líder, são reveladas. Ou quando seus "exércitos" mostram- se menos eficientes que os brasileiros que vão às ruas espontaneamente para protestar contra sua nomeação para fugir da Justiça de primeira instância, jogando tudo não na leniência do STF, mas na lentidão do processo devido à sobrecarga de trabalho dos juízes. O mensalão levou nove anos para ser concluído, por exemplo.
O processo histórico está em curso, e não é favorável ao PT e a Lula.
O processo histórico em curso não é favorável ao PT e a Lula. As manifestações de ontem pelo país, notadamente a da Avenida Paulista em São Paulo, definiram bem os limites das forças em disputa. O petismo tem ainda uma base nada desprezível, mas que se torna insuficiente como instrumento político quando comparada à que foi às ruas no domingo passado em repúdio ao governo.
Há lados bem definidos em diversos segmentos da sociedade, e o PT, que se acostumou com a dominação das ruas e das redes sociais, sente na pele a perda dessas importantes plataformas de proselitismo político.
Não houvesse os crimes de que Dilma é acusada, acrescidos agora do desvio de finalidade da nomeação do ex-presidente Lula para seu Ministério, não haveria motivos para o pedido de impeachment.
No presidencialismo, um mau governo não é um governo que deve ser derrubado, embora isso possa acontecer nos países em que há o sistema de recall, isto é, chamar novamente os eleitores às urnas para confirmarem a permanência ou não do eleito.
Essa seria a única maneira de retirar um presidente do Planalto, fora o impeachment, instrumento mais traumático, mas não menos democrático. Instalada a comissão na Câmara, dentro de regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal que dificultariam as ações dos oposicionistas se o governo tivesse um mínimo de apoio no Congresso, o processo deve ganhar ritmo próprio e refletir a maioria que está nas ruas pedindo a saída da presidente Dilma.
A nomeação do ex-presidente Lula, que parecia uma jogada de mestre, mostrou-se um erro estratégico de efeitos devastadores para o governo, pois não tinha nenhum planejamento por trás a não ser a blindagem de Lula contra as ações do juiz Sérgio Moro.
A revelação de conversas privadas de Lula com diversos interlocutores deixou a nu uma personalidade autoritária e narcisística, desacostumada a ser desautorizada. O medo de ir para a cadeia fez Lula cometer diversos erros, que o levaram a destruir todas as pontes que poderiam levar o governo Dilma a uma situação mais confortável no Congresso.
Lula, se conseguisse assumir o cargo de chefe da Casa Civil, o que fica cada vez mais difícil diante da decisão de ontem do ministro Gilmar Mendes, chegaria para as negociações políticas enfraquecido por suas análises dos potenciais interlocutores. O único homem capaz de incendiar o país, o homem mais honesto do mundo, vai sendo desmontado pela realidade, que está mostrando que nem ele é o líder que pensava que era, e que os adversários temiam, nem tampouco tem a honestidade dos varões de Plutarco.
Seu exército não chega a ser o de Brancaleone, o aparelhamento da máquina do Estado em diversos níveis ainda coloca a seu dispor uma estrutura que pode deslocar milhares de pessoas para as ruas, em um dia de semana, com ônibus, merendas e pontos liberados em repartições de diversas prefeituras petistas.
Consegue mobilizar seus "peões" para defendê- lo na porta de casa e "dar porrada nos coxinhas" que quiserem se aproximar. Os grampos telefônicos feitos com autorização da Justiça acabaram dando razão aos promotores paulistas que pediram sua prisão preventiva, ou pelo menos ao juiz Sérgio Moro, que recomendou a condução coercitiva se Lula reagisse.
Ele estava preparado para isso, quando revela que chamaria deputados para estarem na sua casa quando a polícia chegasse, ou quando o então chefe da Casa Civil diz ao telefone para o presidente do PT, Rui Falcão, que a solução seria cercar a casa de Lula e "sair na porrada".
No mais puro estilo do sindicalismo mafioso, a corriola de Lula mostra-se pronta para o que der e vier, mas recua quando sua verdadeira feição, e a de seu líder, são reveladas. Ou quando seus "exércitos" mostram- se menos eficientes que os brasileiros que vão às ruas espontaneamente para protestar contra sua nomeação para fugir da Justiça de primeira instância, jogando tudo não na leniência do STF, mas na lentidão do processo devido à sobrecarga de trabalho dos juízes. O mensalão levou nove anos para ser concluído, por exemplo.
O processo histórico está em curso, e não é favorável ao PT e a Lula.
A outra corrupção - CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 19/03
Os julgamentos por suspeitas de corrupção têm impedido a avaliação do governo Lula/ Dilma na transformação da estrutura socioeconômica do Brasil. Nenhum governo chegou ao poder com tantas promessas de mudar a realidade brasileira e nenhum esteve tanto tempo à frente da nação, à exceção de Vargas.
Mas, ao olhar ao redor, a avaliação não é positiva.
O Bolsa Família, iniciado no governo anterior com o nome de Bolsa Escola, distribuindo anualmente 0,5% do PIB, deve ser aplaudido por seu caráter de rara generosidade das elites governantes, mas não tem sido um programa transformador. A transformação seria emancipar o povo da necessidade de bolsa, e o governo Lula/ Dilma não avançou neste propósito.
Em um país com a memória da escravidão, o governo Lula/Dilma fez o gesto louvável de criar instrumentos para incluir pobres e descendentes de escravos no ensino superior, com cotas, Prouni, Fies, além de abrir mais 14 universidades federais. Criar mecanismos para que os filhos de alguns pedreiros ingressem na universidade é um gesto positivo, mas não tem, em si, caráter transformador da estrutura social. A transformação viria de reformas no sistema educacional, para fazer com que todos os filhos de todos os pedreiros tivessem condições de disputar vaga no vestibular com a mesma chance que os filhos de seus patrões.
O governo Lula/ Dilma não fez avançar a consciência cívica e política: acomodou as massas e cooptou os movimentos sociais, como CUT e UNE; abriu as portas das lojas para grupos que antes estavam marginalizados, mas não os abrigou como cidadãos plenos; aumentou o número de consumidores, não de cidadãos. Ao abandonarem propostas transformadoras, os partidos progressistas e os movimentos sociais agem como exabolicionistas que, ao chegar ao poder, contentam-se em emancipar alguns escravos e reduzir o sofrimento dos outros, sem fazer a Abolição.
No futuro, além da nódoa ética sobre o PT e demais partidos da base de apoio e suas avaliações dos 13% de século do governo Lula/Dilma mostrarão a perda de uma grande oportunidade histórica, um partido com propostas transformadoras chegar ao poder, com um líder carismático de origem popular, vencer quatro eleições seguidas, e abandonar o pudor e o vigor transformador.
O governo Lula/Dilma encontrou um país dividido, social e politicamente, agravou a divisão política e, no lugar de derrubar o muro que nos divide socialmente, apenas jogou algumas migalhas para os excluídos, e não cumpriu as promessas de realizar as reformas estruturais.
O perigo é que as forças do pós-Lula/ Dilma não façam o que eles não fizeram; porque juízes prendem políticos e limpam a política por um período, mas não derrubam a "cortina de ouro" que divide o Brasil; julgam a corrupção no comportamento dos políticos, mas não a corrupção nas prioridades das políticas.
Os julgamentos por suspeitas de corrupção têm impedido a avaliação do governo Lula/ Dilma na transformação da estrutura socioeconômica do Brasil. Nenhum governo chegou ao poder com tantas promessas de mudar a realidade brasileira e nenhum esteve tanto tempo à frente da nação, à exceção de Vargas.
Mas, ao olhar ao redor, a avaliação não é positiva.
O Bolsa Família, iniciado no governo anterior com o nome de Bolsa Escola, distribuindo anualmente 0,5% do PIB, deve ser aplaudido por seu caráter de rara generosidade das elites governantes, mas não tem sido um programa transformador. A transformação seria emancipar o povo da necessidade de bolsa, e o governo Lula/ Dilma não avançou neste propósito.
Em um país com a memória da escravidão, o governo Lula/Dilma fez o gesto louvável de criar instrumentos para incluir pobres e descendentes de escravos no ensino superior, com cotas, Prouni, Fies, além de abrir mais 14 universidades federais. Criar mecanismos para que os filhos de alguns pedreiros ingressem na universidade é um gesto positivo, mas não tem, em si, caráter transformador da estrutura social. A transformação viria de reformas no sistema educacional, para fazer com que todos os filhos de todos os pedreiros tivessem condições de disputar vaga no vestibular com a mesma chance que os filhos de seus patrões.
O governo Lula/ Dilma não fez avançar a consciência cívica e política: acomodou as massas e cooptou os movimentos sociais, como CUT e UNE; abriu as portas das lojas para grupos que antes estavam marginalizados, mas não os abrigou como cidadãos plenos; aumentou o número de consumidores, não de cidadãos. Ao abandonarem propostas transformadoras, os partidos progressistas e os movimentos sociais agem como exabolicionistas que, ao chegar ao poder, contentam-se em emancipar alguns escravos e reduzir o sofrimento dos outros, sem fazer a Abolição.
No futuro, além da nódoa ética sobre o PT e demais partidos da base de apoio e suas avaliações dos 13% de século do governo Lula/Dilma mostrarão a perda de uma grande oportunidade histórica, um partido com propostas transformadoras chegar ao poder, com um líder carismático de origem popular, vencer quatro eleições seguidas, e abandonar o pudor e o vigor transformador.
O governo Lula/Dilma encontrou um país dividido, social e politicamente, agravou a divisão política e, no lugar de derrubar o muro que nos divide socialmente, apenas jogou algumas migalhas para os excluídos, e não cumpriu as promessas de realizar as reformas estruturais.
O perigo é que as forças do pós-Lula/ Dilma não façam o que eles não fizeram; porque juízes prendem políticos e limpam a política por um período, mas não derrubam a "cortina de ouro" que divide o Brasil; julgam a corrupção no comportamento dos políticos, mas não a corrupção nas prioridades das políticas.
Quem te viu, quem te vê... - PLÁCIDO FERNANDES
CORREIO BRAZILIENSE - 19/03
Quando os brasileiros ainda não sabiam direito quem era Lula, em 1988, o discurso: "No Brasil, é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; quando um rico rouba, vira ministro". Vinte e oito anos depois, a realidade: acuado pelas investigações da Operação Lava-Jato, que desmontou o bilionário esquema de ladroagem de dinheiro na Petrobras, e um dia depois de a maior manifestação da história do país pedir a prisão dele e o impeachment de Dilma, Lula reage da maneira mais desastrada possível. Decide virar ministro para escapar da cadeia. Petistas desdenham dos protestos: "Golpistas".
Quem estudou história sabe que, antes de chegar ao poder, o PT pediu o impeachment de praticamente todos os presidentes legitimamente eleitos. O partido prometia ética na política e o fim do saque aos cofres públicos. Hoje, depois do mensalão e do petrolão, o esquema de PC Farias parece café pequeno. E, aí, quem tem bom senso se pergunta: "Era tudo golpismo?" Quando Collor foi destituído, era esse o discurso de Lula: "Pela primeira vez na América Latina, o povo brasileiro deu a demonstração de que é possível, o mesmo povo que elege um político, destituir esse político. Eu peço a Deus que nunca mais esqueça essa lição".
Como se sabe, o povo não esqueceu. Estão aí as multidões nas ruas a fazer história. Mas Lula, sim, esqueceu. Ou finge que esqueceu o que disse. Hoje, quando o povo na rua pede o fim de um governo suspeito de ter sido eleito com dinheiro roubado dos cofres públicos, e isso, sim, é golpe na democracia, o discurso do petista é outro.
Vamos à realidade agora. Em conversa com um irmão, Genival, às vésperas da maior manifestação de todos os tempos no país. Lula fala sobre o "respeito" e o "tratamento democrático" que dará aos brasileiros, caso façam protesto em frente ao prédio onde mora: "Vai ter um monte de peão na porta de casa pra bater nos coxinhas. (...) Eles vão tomar tanta porrada que nem sabem o que vai acontecer". Essa face, do verdadeiro Lula, foi captada por escuta autorizada pela Justiça.
Houve um tempo, todos sabem, em que o petista, no discurso, defendia a publicidade até de escutas clandestinas. "O culpado não é quem divulgou", disse em entrevista, em 2010, ao defender o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange. Hoje, Lula, Dilma e o PT condenam o juiz Sérgio Moro por ter tirado o sigilo das gravações em que, segundo a PF, tramam a obstrução das investigações da Lava-Jato, supostamente apostando na cumplicidade de ministros do STF. Que se faça justiça e triunfe a democracia. Nenhum cidadão que se preza tem bandido de estimação. Ninguém está ou deveria estar acima da lei. Um partido que chama todo mundo de ladrão comete crime quando se torna governo e não manda investigar as maracutaias que denunciava.
Quando os brasileiros ainda não sabiam direito quem era Lula, em 1988, o discurso: "No Brasil, é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; quando um rico rouba, vira ministro". Vinte e oito anos depois, a realidade: acuado pelas investigações da Operação Lava-Jato, que desmontou o bilionário esquema de ladroagem de dinheiro na Petrobras, e um dia depois de a maior manifestação da história do país pedir a prisão dele e o impeachment de Dilma, Lula reage da maneira mais desastrada possível. Decide virar ministro para escapar da cadeia. Petistas desdenham dos protestos: "Golpistas".
Quem estudou história sabe que, antes de chegar ao poder, o PT pediu o impeachment de praticamente todos os presidentes legitimamente eleitos. O partido prometia ética na política e o fim do saque aos cofres públicos. Hoje, depois do mensalão e do petrolão, o esquema de PC Farias parece café pequeno. E, aí, quem tem bom senso se pergunta: "Era tudo golpismo?" Quando Collor foi destituído, era esse o discurso de Lula: "Pela primeira vez na América Latina, o povo brasileiro deu a demonstração de que é possível, o mesmo povo que elege um político, destituir esse político. Eu peço a Deus que nunca mais esqueça essa lição".
Como se sabe, o povo não esqueceu. Estão aí as multidões nas ruas a fazer história. Mas Lula, sim, esqueceu. Ou finge que esqueceu o que disse. Hoje, quando o povo na rua pede o fim de um governo suspeito de ter sido eleito com dinheiro roubado dos cofres públicos, e isso, sim, é golpe na democracia, o discurso do petista é outro.
Vamos à realidade agora. Em conversa com um irmão, Genival, às vésperas da maior manifestação de todos os tempos no país. Lula fala sobre o "respeito" e o "tratamento democrático" que dará aos brasileiros, caso façam protesto em frente ao prédio onde mora: "Vai ter um monte de peão na porta de casa pra bater nos coxinhas. (...) Eles vão tomar tanta porrada que nem sabem o que vai acontecer". Essa face, do verdadeiro Lula, foi captada por escuta autorizada pela Justiça.
Houve um tempo, todos sabem, em que o petista, no discurso, defendia a publicidade até de escutas clandestinas. "O culpado não é quem divulgou", disse em entrevista, em 2010, ao defender o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange. Hoje, Lula, Dilma e o PT condenam o juiz Sérgio Moro por ter tirado o sigilo das gravações em que, segundo a PF, tramam a obstrução das investigações da Lava-Jato, supostamente apostando na cumplicidade de ministros do STF. Que se faça justiça e triunfe a democracia. Nenhum cidadão que se preza tem bandido de estimação. Ninguém está ou deveria estar acima da lei. Um partido que chama todo mundo de ladrão comete crime quando se torna governo e não manda investigar as maracutaias que denunciava.
Moro não poderia ocultar as gravações - MIRO TEIXEIRA
O GLOBO - 19/03
Criou-se a grande armadilha. Escalaram o Lula como bode expiatório da Lava Jato
Moro iniciou a maior reforma política das últimas décadas. Criou-se a grande armadilha. Escalaram o Lula como bode expiatório da Lava Jato. Contra as ruas pró- Moro, planejaram as ruas pró-Lula, em mais uma tentativa de desqualificar a Justiça. É um truque.
Os recursos às decisões de Moro feneceram nas instâncias superiores. A gravação da presidente Dilma, de viva voz, a oferecer a Lula um papel para que ele utilizasse em caso de necessidade, ainda não instrui qualquer processo. Até Lula pareceu surpreender-se com tal iniciativa.
Em poucas palavras, a presidente da República, heroína da democracia e até então resguardada pela sua história de integridade pessoal, colocou-se acima da Constituição e a ofendeu mais do que qualquer presidente civil da história do Brasil.
Incidente inédito, não surge de vozes enlouquecidas de golpistas. É da voz suave da Presidente que se revela a violação de princípios como da moralidade e da impessoalidade. Ofendeu a República. Perdeu a qualidade para presidir o País. O impeachment avança.
Sobre seu uso processual falarão advogados, Ministério Público e Juízes, nos ritos permitidos pela democracia garantista dos direitos dos réus e também das vítimas: o povo.
Mas a reação social e institucional foi sintetizada pelo Ministro Celso de Mello, em resposta aos agravos de Lula. Palavras que serviram para ensejar apressado pedido de desculpas. Se nula a gravação, dela não se ocuparia a Suprema Corte do País. "Esse insulto ao Poder Judiciário traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação, firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes ". (Transcrito de O GLOBO).
A resposta valida a divulgação do conteúdo gravado, à qual estava obrigado o Juiz Sérgio Moro ou lá quem a tenha feito, por dever de ofício, em respeito à obrigação de publicidade de atos criminosos. Ocultá-la poderia ser considerado crime de prevaricação.
Miro Teixeira é deputado federal (Rede/RJ)
Criou-se a grande armadilha. Escalaram o Lula como bode expiatório da Lava Jato
Moro iniciou a maior reforma política das últimas décadas. Criou-se a grande armadilha. Escalaram o Lula como bode expiatório da Lava Jato. Contra as ruas pró- Moro, planejaram as ruas pró-Lula, em mais uma tentativa de desqualificar a Justiça. É um truque.
Os recursos às decisões de Moro feneceram nas instâncias superiores. A gravação da presidente Dilma, de viva voz, a oferecer a Lula um papel para que ele utilizasse em caso de necessidade, ainda não instrui qualquer processo. Até Lula pareceu surpreender-se com tal iniciativa.
Em poucas palavras, a presidente da República, heroína da democracia e até então resguardada pela sua história de integridade pessoal, colocou-se acima da Constituição e a ofendeu mais do que qualquer presidente civil da história do Brasil.
Incidente inédito, não surge de vozes enlouquecidas de golpistas. É da voz suave da Presidente que se revela a violação de princípios como da moralidade e da impessoalidade. Ofendeu a República. Perdeu a qualidade para presidir o País. O impeachment avança.
Sobre seu uso processual falarão advogados, Ministério Público e Juízes, nos ritos permitidos pela democracia garantista dos direitos dos réus e também das vítimas: o povo.
Mas a reação social e institucional foi sintetizada pelo Ministro Celso de Mello, em resposta aos agravos de Lula. Palavras que serviram para ensejar apressado pedido de desculpas. Se nula a gravação, dela não se ocuparia a Suprema Corte do País. "Esse insulto ao Poder Judiciário traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação, firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes ". (Transcrito de O GLOBO).
A resposta valida a divulgação do conteúdo gravado, à qual estava obrigado o Juiz Sérgio Moro ou lá quem a tenha feito, por dever de ofício, em respeito à obrigação de publicidade de atos criminosos. Ocultá-la poderia ser considerado crime de prevaricação.
Miro Teixeira é deputado federal (Rede/RJ)
Hora de fixar responsabilidades - BOLÍVAR LAMOUNIER
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ESTADÃO - 19/03
Comecemos pelo começo. Primeiro a sra. Dilma Rousseff, com sua desumana incompetência, teve um papel decisivo na política econômica dos últimos cinco anos, que arrasou o País e jogou centenas de milhares de famílias na rua da amargura.
Segundo, valeu-se ardilosa e fraudulentamente de seu poder de nomeação para homiziar na Casa Civil o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, já sabidamente arqueado sob o peso de vários indícios criminais. Ao nomeá-lo, conseguiu a proeza de ignorar as estipulações constitucionais vigentes duas vezes num mesmo dia.
Terceiro, ao embarcar na manobra para nomear Lula, a senhora presidente cuspiu no rosto dos 3,5 milhões de brasileiros (idosos, jovens, crianças...) que participaram do protesto do último domingo, dia 13 – e, por implicação, no dos mais de 100 milhões que ficaram em casa, mas certamente apoiaram o movimento. A multidão foi às ruas com o objetivo de apoiar o juiz Sergio Moro, a Operação Lava Jato e a Polícia Federal. Ou, o que dá na mesma, para exigir o impeachment ou a renúncia da presidente Dilma Rousseff e o aprofundamento das investigações e as devidas sanções criminais contra o ex-presidente Lula, pelas razões que todos conhecemos.
Nas primeiras décadas do século passado, época de capangas e jagunços, era comum fugitivos da Justiça se acoitarem no interior de fazendas, mas, quanto eu saiba, os mais altos cargos da administração pública nunca foram utilizados com essa finalidade. Ato contínuo – e com o evidente propósito de disfarçar o real sentido da nomeação –, a presidente empossou Lula numa Presidência de facto, transferindo-lhe atribuições que são de sua exclusiva responsabilidade. Para o bem geral da Nação, ela poderia, evidentemente – e, a meu ver, deveria –, renunciar ao cargo, mas não pode, vigente o regime presidencialista, transferir todo o núcleo dos instrumentos de poder que o eleitorado lhe entregou em outubro de 2014.
É mister registrar que a pretensa nomeação de Lula teve como pano de fundo a homologação pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, da delação premiada do senador Delcídio Amaral, a revelação do envolvimento do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, numa tentativa de comprar o silêncio do mesmo senador e a divulgação, na quarta-feira à noite, das gravações de conversas de Lula com Dilma Rousseff. Na delação Lula é citado um sem-número de vezes, e a própria presidente passa a ser alvo de uma possível investigação por tentativa de obstrução da Justiça. O ministro Mercadante apresentou-se como autor solitário da tentativa de subornar Delcídio – uma representação no melhor estilo “me engana que eu gosto”. As gravações comprovam além de qualquer dúvida a verdadeira intenção de Lula ao assumir a Casa Civil; novidade, se é que se trata de novidade, foi a linguagem chula, própria da escória moral da sociedade, a que ele frequentemente recorre para expressar seus pensamentos.
A nomeação haverá, pois, de ser considerada nula, de um lado, pelo evidente desvio de finalidade de que se revestiu, a criação de um valhacouto para Lula; de outro, pela farsesca demonstração de humildade da presidente, que deveria, sim, reconhecer a sua incompetência, mas não como um mero complemento cênico da desastrada operação que aquiesceu em realizar. A situação de momento pode, portanto, ser resumida em três pontos:
1) Ao “acovardado” (termo empregado por Lula) Supremo Tribunal Federal cabe invalidar o quanto antes o referido ato de nomeação; 2) ao Congresso Nacional, apressar o processo de impeachment, inexistindo já, a esta altura, a alternativa de permanência da presidente no cargo; 3) tendo os dois pontos anteriores como pano de fundo a mobilização da sociedade numa escala jamais vista no País, de norte a sul e leste a oeste.
A ninguém é dado o direito de ignorar que o clima psicológico do País é tenso; a responsabilidade por mantê-lo dentro de limites aceitáveis é de todos, mas Lula e Dilma são inegavelmente os indivíduos com maior capacidade de entornar o caldo. Afinal, foi ela que, exatos três dias depois da maior manifestação popular da História brasileira, entregou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil ao multi-inquirido Lula, cogitando de transformá-lo num superministro, na verdade, um presidente de facto.
Pessoa de poucos estudos, Dilma com certeza nunca entendeu a diferença entre a legitimidade e a simples legalidade do poder. Nunca entendeu que um governo que se queira legítimo precisa observar certos requisitos não necessariamente insculpidos na lei, mas também fundamentais, entre eles o comedimento; o respeito pela vontade de grandes parcelas da sociedade – mais ainda quando expressa de forma ordeira e pacífica, como ocorreu no dia 13; e um compromisso com a veracidade, mormente quando o País vive uma atmosfera tensa, propícia a posicionamentos acirrados.
Dilma Rousseff educou-se politicamente em certos meios de esquerda, na política estudantil e na organização marxista-leninista em que militou; e certamente foi influenciada pelos cânones da política sindical, da qual proveio seu mentor, para não dizer seu inventor, Luiz Inácio Lula da Silva. Sem menosprezar as virtudes que os meios estudantil e sindical possam ter como ambientes de educação política, é neles perceptível um certo anti-institucionalismo, um desprezo pelas regras do jogo democrático e, no lado contrário da moeda, uma clara tendência a valorizar atributos ligados à esperteza, à malícia e ao cinismo, superestimando uma concepção meramente tática e instrumental da atividade política.
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ESTADÃO - 19/03
Comecemos pelo começo. Primeiro a sra. Dilma Rousseff, com sua desumana incompetência, teve um papel decisivo na política econômica dos últimos cinco anos, que arrasou o País e jogou centenas de milhares de famílias na rua da amargura.
Segundo, valeu-se ardilosa e fraudulentamente de seu poder de nomeação para homiziar na Casa Civil o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, já sabidamente arqueado sob o peso de vários indícios criminais. Ao nomeá-lo, conseguiu a proeza de ignorar as estipulações constitucionais vigentes duas vezes num mesmo dia.
Terceiro, ao embarcar na manobra para nomear Lula, a senhora presidente cuspiu no rosto dos 3,5 milhões de brasileiros (idosos, jovens, crianças...) que participaram do protesto do último domingo, dia 13 – e, por implicação, no dos mais de 100 milhões que ficaram em casa, mas certamente apoiaram o movimento. A multidão foi às ruas com o objetivo de apoiar o juiz Sergio Moro, a Operação Lava Jato e a Polícia Federal. Ou, o que dá na mesma, para exigir o impeachment ou a renúncia da presidente Dilma Rousseff e o aprofundamento das investigações e as devidas sanções criminais contra o ex-presidente Lula, pelas razões que todos conhecemos.
Nas primeiras décadas do século passado, época de capangas e jagunços, era comum fugitivos da Justiça se acoitarem no interior de fazendas, mas, quanto eu saiba, os mais altos cargos da administração pública nunca foram utilizados com essa finalidade. Ato contínuo – e com o evidente propósito de disfarçar o real sentido da nomeação –, a presidente empossou Lula numa Presidência de facto, transferindo-lhe atribuições que são de sua exclusiva responsabilidade. Para o bem geral da Nação, ela poderia, evidentemente – e, a meu ver, deveria –, renunciar ao cargo, mas não pode, vigente o regime presidencialista, transferir todo o núcleo dos instrumentos de poder que o eleitorado lhe entregou em outubro de 2014.
É mister registrar que a pretensa nomeação de Lula teve como pano de fundo a homologação pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, da delação premiada do senador Delcídio Amaral, a revelação do envolvimento do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, numa tentativa de comprar o silêncio do mesmo senador e a divulgação, na quarta-feira à noite, das gravações de conversas de Lula com Dilma Rousseff. Na delação Lula é citado um sem-número de vezes, e a própria presidente passa a ser alvo de uma possível investigação por tentativa de obstrução da Justiça. O ministro Mercadante apresentou-se como autor solitário da tentativa de subornar Delcídio – uma representação no melhor estilo “me engana que eu gosto”. As gravações comprovam além de qualquer dúvida a verdadeira intenção de Lula ao assumir a Casa Civil; novidade, se é que se trata de novidade, foi a linguagem chula, própria da escória moral da sociedade, a que ele frequentemente recorre para expressar seus pensamentos.
A nomeação haverá, pois, de ser considerada nula, de um lado, pelo evidente desvio de finalidade de que se revestiu, a criação de um valhacouto para Lula; de outro, pela farsesca demonstração de humildade da presidente, que deveria, sim, reconhecer a sua incompetência, mas não como um mero complemento cênico da desastrada operação que aquiesceu em realizar. A situação de momento pode, portanto, ser resumida em três pontos:
1) Ao “acovardado” (termo empregado por Lula) Supremo Tribunal Federal cabe invalidar o quanto antes o referido ato de nomeação; 2) ao Congresso Nacional, apressar o processo de impeachment, inexistindo já, a esta altura, a alternativa de permanência da presidente no cargo; 3) tendo os dois pontos anteriores como pano de fundo a mobilização da sociedade numa escala jamais vista no País, de norte a sul e leste a oeste.
A ninguém é dado o direito de ignorar que o clima psicológico do País é tenso; a responsabilidade por mantê-lo dentro de limites aceitáveis é de todos, mas Lula e Dilma são inegavelmente os indivíduos com maior capacidade de entornar o caldo. Afinal, foi ela que, exatos três dias depois da maior manifestação popular da História brasileira, entregou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil ao multi-inquirido Lula, cogitando de transformá-lo num superministro, na verdade, um presidente de facto.
Pessoa de poucos estudos, Dilma com certeza nunca entendeu a diferença entre a legitimidade e a simples legalidade do poder. Nunca entendeu que um governo que se queira legítimo precisa observar certos requisitos não necessariamente insculpidos na lei, mas também fundamentais, entre eles o comedimento; o respeito pela vontade de grandes parcelas da sociedade – mais ainda quando expressa de forma ordeira e pacífica, como ocorreu no dia 13; e um compromisso com a veracidade, mormente quando o País vive uma atmosfera tensa, propícia a posicionamentos acirrados.
Dilma Rousseff educou-se politicamente em certos meios de esquerda, na política estudantil e na organização marxista-leninista em que militou; e certamente foi influenciada pelos cânones da política sindical, da qual proveio seu mentor, para não dizer seu inventor, Luiz Inácio Lula da Silva. Sem menosprezar as virtudes que os meios estudantil e sindical possam ter como ambientes de educação política, é neles perceptível um certo anti-institucionalismo, um desprezo pelas regras do jogo democrático e, no lado contrário da moeda, uma clara tendência a valorizar atributos ligados à esperteza, à malícia e ao cinismo, superestimando uma concepção meramente tática e instrumental da atividade política.
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Lava-Jato derrubou paradigmas - ANTONIO BOCHENEK
O GLOBO - 19/03
A Justiça Federal tem sido célere na análise, com decisões fundamentadas, condenações e prisões. Nova geração não se resigna com vícios do passado.
A Justiça Federal tem sido célere na análise, com decisões fundamentadas, condenações e prisões. Nova geração não se resigna com vícios do passado.
A rotina de impunidade, principalmente de pessoas abastadas, prejudica imensamente o desenvolvimento das instituições e do país. A operação Lava Jato derrubou dois paradigmas nefastos que perduravam no Brasil. A Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público Federal levantaram provas de infrações penais como corrupção, lavagem de dinheiro e desvios que existiam há mais de uma década em empresas estatais.
A Justiça Federal tem sido célere na análise, com decisões fundamentadas, condenações e prisões, em sua imensa maioria, mantidas pelas instâncias superiores do Judiciário, tanto no TRF-4, como no STJ e no STF.
A simultaneidade dos dois colapsos é o que singulariza a Lava Jato. No Brasil, por séculos, os malfeitos cometidos pelos detentores do poder sequer chegavam à investigação. A partir da Constituição Federal de 1988, da redemocratização, das novas tecnologias que aproximam o mundo real do virtual, e, principalmente, do fortalecimento das instituições democráticas, os delitos passaram a ser apurados. Num primeiro momento, não resultou na devida punição dos envolvidos, sobretudo se estivessem investidos em altos cargos da administração pública ou da iniciativa privada.
Esse quadro muda com a Operação Lava Jato em consequência da evolução do direito penal e processual penal e da própria sociedade brasileira. Primeiro, porque vigora no Brasil uma nova legislação - a Lei 12.850, de 2013 - que disciplina a colaboração premiada e permite a apuração de esquemas fraudulentos que, de outra forma, permaneceriam ocultos.
Em segundo lugar, há uma nova geração de servidores públicos qualificados e experientes, focada nos valores democráticos e republicanos, que não mais se resigna com os vícios dos sistemas e os resquícios do passado, sobretudo se servirem à impunidade. A naturalidade com que, até pouco tempo, a população tolerava a prática de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro é, hoje, proporcional ao espanto de alguns com este contexto nascente, em que a lei vale igualmente para todos.
Antônio Bochenek é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil
A Justiça Federal tem sido célere na análise, com decisões fundamentadas, condenações e prisões, em sua imensa maioria, mantidas pelas instâncias superiores do Judiciário, tanto no TRF-4, como no STJ e no STF.
A simultaneidade dos dois colapsos é o que singulariza a Lava Jato. No Brasil, por séculos, os malfeitos cometidos pelos detentores do poder sequer chegavam à investigação. A partir da Constituição Federal de 1988, da redemocratização, das novas tecnologias que aproximam o mundo real do virtual, e, principalmente, do fortalecimento das instituições democráticas, os delitos passaram a ser apurados. Num primeiro momento, não resultou na devida punição dos envolvidos, sobretudo se estivessem investidos em altos cargos da administração pública ou da iniciativa privada.
Esse quadro muda com a Operação Lava Jato em consequência da evolução do direito penal e processual penal e da própria sociedade brasileira. Primeiro, porque vigora no Brasil uma nova legislação - a Lei 12.850, de 2013 - que disciplina a colaboração premiada e permite a apuração de esquemas fraudulentos que, de outra forma, permaneceriam ocultos.
Em segundo lugar, há uma nova geração de servidores públicos qualificados e experientes, focada nos valores democráticos e republicanos, que não mais se resigna com os vícios dos sistemas e os resquícios do passado, sobretudo se servirem à impunidade. A naturalidade com que, até pouco tempo, a população tolerava a prática de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro é, hoje, proporcional ao espanto de alguns com este contexto nascente, em que a lei vale igualmente para todos.
Antônio Bochenek é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil
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