FOLHA DE SP - 21/08
Admitir que o pensamento marxista continha acertos e erros não significa ter aderido ao capitalismo e se tornado de direita. Adotar semelhante atitude é persistir no que havia de pior no marxismo, ou seja, na incapacidade de exercer a autocrítica.
Depois de quase um século da revolução comunista de 1917, da qual resultou o Estado soviético, a humanidade avançou econômica e tecnicamente, ao mesmo tempo que sofreu guerras sangrentas e massacres, como os campos de concentração nazistas e os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki.
Depois de tantos erros, é hora de refletirmos sobre o que aconteceu e recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual.
O sonho de Karl Marx era criar uma sociedade sem exploração, regida por normas que visavam impedir a divisão desigual da riqueza produzida. A concepção dele sobre essa nova sociedade apoiava-se, no entanto, num entendimento equivocado de como se cria a riqueza social.
Esse entendimento partia de uma constatação inequívoca do grau de exploração a que o capitalismo do século 19 submetia o trabalhador, que não gozava dos mínimos direitos, como a jornada de trabalho estabelecida e a aposentadoria, entre muitos outros. Esse capitalismo selvagem levou Marx a concluir que só havia um modo de criar uma sociedade justa: excluindo dela o capitalista.
Assim, constituiria-se um Estado proletário, dirigido pelo partido comunista, justo porque dele estava excluído o capitalista explorador.
Essa teoria pressupunha que é a classe operária quem produz a riqueza, enquanto o capitalista nada mais faz que explorar o trabalho alheio e enriquecer. O equívoco de Marx estava em ignorar que, sem o capitalista, ou seja, sem o empreendedor, a produção da riqueza é quase inviável. É que ela depende tanto do trabalhador quanto do empreendedor, o empresário.
Por estar exclusivamente nas mãos do Estado, isto é, do partido comunista, a tarefa de produzir a riqueza foi o erro que levou ao fracasso do regime comunista. Na verdade, em qualquer sociedade, há milhões de pessoas que sonham criar sua própria empresa. Substituí-las por meia dúzia de burocratas do partido é condenar o país ao fracasso econômico.
Não é à toa que, hoje, da Rússia à China, como nos demais países outrora comunistas, todos abandonaram a concepção marxista e voltaram a estimular a expansão da iniciativa privada. Ou seja, voltaram ao regime capitalista. Isso não significa, porém, que o capitalismo de repente tornou-se bom e justo e que devemos nos contentar com a desigualdade que o caracteriza. Essa desigualdade é inerente ao próprio sistema, regido pelo princípio do lucro máximo.
Pois bem, esse longo caminho, que a humanidade percorreu no último século, mostrou que o Estado comunista nivela a igualdade por baixo, enquanto no regime capitalista, mesmo com as conquistas alcançadas pela classe operária e os trabalhadores em geral, a exploração se agrava e a desigualdade se amplia, de que é exemplo o capitalismo norte-americano.
Isso, porém, não é inevitável. Em países capitalistas como a Suécia, a Noruega e mesmo a Suíça —para ficar apenas nesses exemplos— a desigualdade foi consideravelmente reduzida. Não há porque, logicamente, o mesmo não possa ocorrer nos demais países capitalistas.
É evidente que isso depende de uma série de fatores e condições, que não se encontram em todos os países. Tampouco acredito numa sociedade em que a igualdade seja plena —em que todas as pessoas tenham a mesma possibilidade de ganho e acumulação de bens—, uma vez que os seres humanos não são iguais, não têm todos a mesma capacidade de criação, inventividade e realização.
Por isso mesmo, não se pode imaginar que todas elas contribuam na mesma proporção para o enriquecimento da sociedade.
Tampouco tais diferenças entre os indivíduos justifica o nível de desigualdade que, com raras exceções, caracteriza o mundo em que vivemos.
Essas são as razões que me fazem acreditar que, sem faca nos dentes e dentro do regime democrático, podemos alcançar uma sociedade menos desigual e menos injusta.
ESTADÃO - 21/08
No passado, o Brasil mostrou uma impressionante capacidade de se recuperar
A Olimpíada chega ao fim. E o resultado foi melhor do que muitos temiam. Apesar das frustrações quanto aos resultados e alguns problemas de última hora, por culpa de nadadores dos EUA, o Brasil hospedou os Jogos de 2016 de maneira muito eficiente e gastando menos que britânicos e chineses. Zika e violência local não interferiram no brilho. Agora vem a parte mais difícil: a política doméstica. O impeachment da presidente Dilma evoluiu e parece certo quando o Senado se ocupar do assunto na próxima semana.
Mas essa unanimidade não se estende totalmente às responsabilidades futuras. O governo Temer terá problemas para reduzir o enorme déficit interno, não obstante a crescente confiança da sociedade e a possibilidade de um crescimento em 2017 melhor do que o previsto. Apesar do clima adverso que provocou aumentos dos preços de produtos agrícolas, o Banco Central está determinado a conseguir que a inflação fique em 4,5% no final de 2017. O que retardou a redução da taxa Selic, que se manterá até o fim deste ano.
Se a economia realmente atingiu seu nível mais baixo e o crescimento agregado for de 1,6% no próximo ano, como previsto hoje, não será nem preciso elevar os impostos.
As expectativas de crescimento estão divididas, com os economistas locais mais animados, ao passo que os bancos estrangeiros se mostram mais cautelosos. Os economistas brasileiros citam a confiança crescente observada nas várias pesquisas que medem a satisfação do empresariado com o governo. Isto levará a um aumento dos investimentos necessário para sustentar os avanços.
Os analistas estrangeiros ainda têm dúvidas quanto à determinação do governo no sentido de uma redução do déficit fiscal diante de problemas como a dívida estadual e municipal, aumento dos salários do setor público e outros que devem surgir. No passado, apesar de um Congresso refratário, o Brasil demonstrou uma impressionante capacidade de se recuperar de choques econômicos. A inflação não explodiu. Os mercados externos diversificaram. Os juros caíram. O investimento direto cresceu.
O ministro Henrique Meirelles está focado em dois dispositivos chave como seu Plano Real. Seu sucesso ajudará a impulsionar não só uma recuperação econômica, mas também seu potencial como candidato presidencial em 2018. No primeiro caso, tratam-se de regras que limitam os gastos públicas, não permitindo um crescimento real das despesas por vários anos. Assim, os familiares aumentos de impostos para contrabalançar a expansão constante dos gastos federais devem acabar. No segundo caso, são mudanças na legislação previdenciária com o fim de compensar um déficit maior agora que as mudanças demográficas já vêm alterando projeções feitas anteriormente.
Nos próximos anos, o Brasil observará um aumento surpreendente de indivíduos com mais de 65 anos de idade em comparação com a população economicamente ativa. O Brasil já utiliza uma porcentagem mais alta do PIB - Produto Interno Bruto - no pagamento das pensões do que outros países com nível de renda similar. O Congresso só debaterá seriamente essas propostas depois das eleições municipais de outubro, uma vez que seus membros ou devem disputar prefeituras ou estão em campanha em favor de candidatos do seu partido. No primeiro caso, emendas deverão ser votadas para aumentar os gastos públicos em saúde e educação. A questão de fato é até onde esses ganhos exigirão um crescimento das despesas totais.
No segundo caso, haverá um esforço para reduzir os ajustes anuais das aposentadorias por meio de mudanças na legislação do salário mínimo. Esta modificação de imediato afetará pouco o déficit, mas no futuro terá um impacto considerável. Estes esforços serão um teste da firmeza da nova aliança política de Temer.
O Brasil implementou com sucesso o Plano Real quando Itamar assumiu a presidência, de modo que há um precedente. Infelizmente existem poucas evidências de que somente uma política econômica melhor será o bastante para encorajar as tão necessárias reformas políticas. A Lava Jato tem mostrado que o Judiciário brasileiro é capaz de mudar o país num sentido positivo. Assim, talvez no futuro, veremos um número menor de partidos e um processo eleitoral mais restrito.
Afinal, ao que parece, Trump será derrotado nos EUA, o que dá esperança ao mundo inteiro de que a sensatez não desapareceu. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
FOLHA DE SP - 21/08
O Brasil tem mais medalhas do que renda per capita, educação e saúde, como é ou deveria ser sabido. No pódio olímpico, estamos em lugar muito mais alto que no pódio socioeconômico.
Depois dos anos do Brasil Grande, segunda edição, agora também temos mais estádios grandiosos e subutilizados do que nunca, de futebol ou outros, alguns encaminhados talvez à ruína como aqueles do Pan do Rio, 2007, investimentos improdutivos desde sempre. Os anos de pindaíba do governo vão limitar ou até asfixiar o subsídio esportivo.
O que fazer ou como tratar desses nossos sonhos de supremo prestígio esportivo, outra tentativa de falsear realidades subjacentes difíceis?
Nos Jogos do Rio, a equipe brasileira teve seu melhor desempenho. Em número e cores de medalhas, foi quase idêntico ao da Grécia que sediou os Jogos de 2004. Os estádios gregos decaem em ruínas. Logo depois de Atenas 2004 (16 medalhas, 6 de ouro), o esporte grego regrediu a duas de prata e duas de bronze nas Olimpíadas de 2008 e 2012. Em 2010, a Grécia faliu. Hum.
"O melhor desempenho desde sempre" porém difere pouco daquele que as equipes brasileiras vêm conseguindo desde Atlanta, 1996, Olimpíada que marcou uma virada nos nossos resultados até então acanhados e quase simbólicos, sem desprezo pelos esforços e feitos individuais do passado.
Nesses 20 anos, o time do Brasil têm ficado em torno do 20º lugar no ranking, com cerca de 1,5% do total dos pódios e 14 medalhas por Olimpíada, em média. Nos 20 anos anteriores, as equipes levavam 0,6% do total de medalhas, quatro delas por Olimpíada, em média.
Países de renda semelhante ou população grande não vão nem de longe tão bem na Olimpíada: México, Índia, Indonésia. China e ex-comunistas são exceções sabidas.
A renda por cabeça, o PIB per capita do Brasil, anda em 72º lugar. Pelo Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH da ONU, que combina indicadores de renda, saúde e educação, em 75º lugar mundial.
A desigualdade de renda ainda anda pelo grupo das dez piores. Estamos "muito bem" ainda nos rankings de incidência de homicídios, de mortes no trânsito ou de taxas de juros etc. —ainda melhor que no quadro de medalhas. Temos tanta possibilidade de progresso quanto aberrações cruciais, de classe mundial.
Até pelos nossos tamanhos e desigualdades de renda e poder, no entanto, desenvolvemos capacidades avançadas, ao lado de manias ansiosas e inseguras de grandeza. Trata-se em parte de um efeito perverso do nosso "desenvolvimentismo" do século passado, de altíssimo padrão de consumo para uma elite minoritária, muita vez subsidiada pelo Estado, em detrimento do investimento em infraestrutura social: escola, posto de saúde, esgoto.
Parte de nós dispomos de hospitais, pesquisa, universidades e luxos que não existem em países comparáveis, assim como de misérias extensas e extremas, revoltantes, dado o nosso nível de renda e recursos. Talvez a ânsia de medalhas se inscreva na história desse nosso intuito de grandezas meio sem fundamentos.
Não precisa ser assim, claro. Em vez de pirâmides das manias de grandeza, esportivas ou outras, poderíamos começar por baixo, para que as crianças bem tratadas decidam (ou não) virar medalhistas.
FOLHA DE SP - 21/08
Há economistas que consideram que a alteração da taxa de câmbio consegue mudar o equilíbrio macroeconômico e, em particular, afetar a taxa de crescimento de longo prazo.
O câmbio mais desvalorizado estimula a produção da indústria de transformação. A maior atividade industrial gera ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores, resultando na aceleração da taxa de crescimento da economia como um todo.
A tradição ortodoxa entende que o câmbio é um preço e, portanto, resultado de outras forças mais estruturais. No jargão da profissão, o câmbio real é uma variável endógena. A tentativa de manipular o câmbio nominal, sem que as condições permitam, resulta exclusivamente em mais inflação.
O recente livro "Macroeconomia Desenvolvimentista", do ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira com os professores José Luiz Oreiro e Nelson Marconi, entende que a intervenção no câmbio com o objetivo de desvalorizá-lo é bem-sucedida em alterar o equilíbrio macroeconômico como um todo.
Segundo os autores, em economias de renda média e que já completaram o processo de urbanização, como é o caso do Brasil, a desvalorização do câmbio, se bem conduzida, pode acelerar o crescimento no longo prazo.
O mecanismo que aparentemente produz a "mágica" nada tem de miraculoso. Segundo os autores, a desvalorização do câmbio, se bem conduzida, reduz os salários reais e eleva a participação dos lucros na renda. O aumento da rentabilidade das empresas estimula o investimento. O maior crescimento é resultado.
Manipulação do câmbio bem conduzida significa que, de alguma forma, os trabalhadores aceitam a redução de renda real e aceitam a elevação da participação dos lucros na renda. Segundo os autores, os trabalhadores aceitariam esses resultados porque, ao longo do tempo, a taxa de crescimento dos salários seria maior. Assim, mesmo com uma participação dos lucros na renda maior, os salários, após alguns anos, suplantariam o rendimento dos trabalhadores que teria prevalecido se a política não tivesse sido implantada.
Há evidências empíricas de que o mecanismo defendido pelos autores pode operar. O trabalho "Fear of Appreciation", dos economistas argentinos Eduardo Levy-Yeyati e Federico Sturzenegger, de 2007, documenta que políticas de acumulação de reservas com vistas a desvalorizar o câmbio nominal resultam em maiores taxas de crescimento. Adicionalmente, mostram que o canal é exatamente a redução da participação dos salários na renda, que resulta em elevação dos investimentos e da poupança.
Podemos concluir que, se houvesse esforço ainda maior de desvalorizar o câmbio ao longo do governo petista, principalmente após a crise de setembro de 2008, talvez a medida conseguisse impedir (ou neutralizar em parte) a forte desaceleração do crescimento que houve desde então. No entanto, a visão de Bresser-Pereira e colaboradores sugere que o esforço de desvalorizar o câmbio dificilmente seria (e, de fato, não foi) eficaz, visto que outras medidas tomadas no período -por exemplo, a política de valorização real do salário mínimo- tinham exatamente o objetivo contrário, ou seja, aumentar a participação dos salários na renda.
A mensagem novo-desenvolvimentista acaba sendo muito ortodoxa: se a sociedade aceitar perdas no curto prazo para construirmos uma situação com maior investimento e poupança, o crescimento acelerará.
Como sociedade, não temos sido muito bem-sucedidos em negociações dessa natureza.
ESTADÃO - 21/08
Presidente Michel Temer terá de arbitrar conflitos e não ceder a qualquer pressão
O Brasil tem oportunidade única de entrar num período positivo. Esse cenário será possível quanto mais o Executivo federal conseguir impor a sua agenda, pois o País necessita consolidar a volta da trajetória de crescimento para além de um movimento cíclico de curto prazo.
O espaço para o novo governo será maior do que imaginávamos, uma vez que estamos vendo a saída melancólica de Dilma Rousseff da cena política. Sua carta foi universalmente considerada fora do momento e totalmente inexequível. Além disso, há uma acelerada derrocada do PT: o partido lança menos candidatos nas eleições de outubro e ficou em oitavo lugar, entre as 35 legendas que disputam a eleição. Finalmente, há uma acelerada piora na situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a decisão do ministro Teori Zavascki de abrir inquérito por obstrução de Justiça e pelo andamento das investigações em Curitiba. Não é casual que o maior esforço de seu grupo esteja concentrado na construção de uma narrativa internacional de perseguição política.
Como consequência desses eventos, o governo Michel Temer terá muito mais tranquilidade para discutir com o Parlamento a difícil, porém necessária, agenda de reformas que inclui, especialmente, os seguintes itens:
a) Negociação da PEC do limite de gastos e do projeto de renegociação da dívida dos Estados;
b) Mudanças nas áreas previdenciária e trabalhista;
c) Montagem dos modelos e da agenda de privatizações/concessões.
A percepção de que a interinidade é limitante tem resultado na concessão de tempo, por parte dos agentes e analistas, para o governo começar a agir mais incisivamente. Entretanto, esse tempo está se esgotando. Exatamente por isso, atinge o máximo a pressão de governadores por recursos e a do funcionalismo por aumentos. A excursão dos governadores do Nordeste, Norte e Centro-Oeste ao Senado, buscando que não se vote um projeto de renegociação das dívidas, a menos que seja pago antecipadamente um resgate de R$ 7 bilhões, explicita bem o que estamos dizendo. Da mesma forma, o embate por um eventual aumento de salários no Supremo Tribunal Federal (que gera um conhecido efeito cascata em cima de todas as categorias de servidores) ficou tão relevante.
Não temos dúvidas de que a agenda Temer é adequada e que o governo conta com auxiliares competentes. Também sabemos que o presidente da República é zeloso das relações entre poderes e do papel do Legislativo e Judiciário na República do Brasil, o que significa defender seus pontos de vista e negociar a sua implantação.
O que começa a nos afligir não é a direção, mas sim a intensidade da ação. Não se trata de achar que seria fácil fazer alterações no País apenas porque a crise em que estamos mergulhados garantiria o sucesso. Sabemos que é preciso debater, esclarecer e eleger como prioridade a solução de desarranjos que levarão, caso mantidos, ao colapso das finanças públicas brasileiras, atingindo o conjunto da população.
O que preocupa é a possibilidade das dificuldades políticas levarem a um cenário de acomodação. Na história recente do Brasil já tivemos dois momentos em que vice-presidentes da República assumiram o poder por conta de imprevistos. O presidente José Sarney, que assumiu em 1985, buscou a estabilização da inflação com o Plano Cruzado, que fracassou no ano seguinte. A partir daí, passou o remanescente do seu mandato conciliando politicamente, o que acabou num total desastre inflacionário.
De outro lado, temos o exemplo do governo Itamar Franco, que também foi curto como será o de Temer. Após um início hesitante, chamou Fernando Henrique Cardoso, e enfrentou diretamente a questão inflacionária com o sucesso conhecido. Temer, como Sarney e Itamar, assumiu o poder por conta do imprevisto e tem agora uma clara escolha: contemporizar ou enfrentar o resgate do desastre macroeconômico que vivemos.
Como lidará com os desafios a partir de setembro é a questão. Não poderá fazer apenas política. Terá de arbitrar conflitos e não ceder a qualquer pressão, como parece estar acontecendo neste momento.
É por isso que estamos numa encruzilhada.
Artigo escrito em parceria com Maria Cristina Mendonça de Barros, da MB Associados
O Globo - 21/08
Neste momento, a Olimpíada já acabou, estou de novo na estrada, Dilma e Cunha preparam-se para deixar a cena nas próximas semanas. O melhor cenário para a Olimpíada seria a ausência de grandes desastres. E isso aconteceu. Não fomos avaliados apenas por hospedar os Jogos, mas sim por fazê-lo no meio de uma grande crise política e econômica.
Muitas cidades do mundo vão continuar querendo hospedar uma Olimpíada sabendo que custam bilhões de dólares. Cada uma deve ter sua razão. Legado e contas a pagar, a qualidade do biscoito Globo e que diabo o nadador americano andou fazendo na noite em que teria sido assaltado — tudo isso ainda pode render alguma polêmica. Como disse o treinador do francês que perdeu o ouro no salto com vara, o Brasil é um país muito estranho, e é possível que usem as forças mágicas do candomblé nas grandes decisões. Onde estavam os santos no sete a um para a Alemanha, em todas as provas que perdemos? Santos não amarelam, logo é possível supor que estivessem de férias. Nem todos os temas têm o charme do esporte ou dos choques culturais que uma Olimpíada enseja. Mas são o tecido de uma realidade que se recusa a desaparecer apesar da euforia com as vitórias, dos casos de gente que superou a mesa de operações, o câncer ou a pobreza para disputar a medalha olímpica.
No meio da confusão, o governo pelo menos notou essa realidade incômoda, quando anunciou um novo caminho para o saneamento básico: a privatização. Não é o único caminho. No mundo há serviços públicos e particulares que funcionam bem. Se o governo estava fazendo uma cena, apenas para aparecer bem no filme da Olimpíada, vamos ficar sabendo mais cedo ou mais tarde. O que será da violência depois dos Jogos? Os assaltos continuaram acontecendo, um soldado da Força Nacional morreu alvejado na Maré, um policial rodoviário foi atingido gravemente em outro incidente. O soldado, infelizmente, morreu numa circunstância cada vez mais comum: entrar, inadvertidamente, numa área perigosa da cidade. Temer não entendeu o que se passou. Disse na TV que a morte do soldado foi um incidente lamentável, mas que tudo estava correndo bem na Olimpíada.
Poderia, pelo menos, dizer que era solidário com a família do soldado, que o Brasil reconhecia seu sacrifício. Parece que a morte de um policial é algo natural, frequente e previsível. Nada a fazer, nenhuma lágrima, nesse oceano que foi a Olimpíada. Choro de vitória ou derrota, quase vitória ou quase derrota, choro de locutor esportivo, de torcedor, todos choramos quando perdemos um jogo. Mas não choramos quando perdemos um soldado.
Todos nos indignamos quando há uma tentativa de estupro. E vasculhamos todos os meandros do discurso para apontar traços da cultura do estupro. As camareiras da Vila Olímpica apanharam mais do que Neymar em campo. Foram assediadas por boxers, espancadas por atleta búlgaro, mas as camareiras, como os soldados, são transparentes. Nos EUA caiu um presidente do FMI por molestar a camareira do hotel. A Olimpíada foi um grande momento. Os atletas festejam suas vitórias, avaliam seus erros, preparam um novo plano de treinamento.
E nós caímos na vida cotidiana, que para muitos é tão difícil e arriscada como uma Olimpíada. Depois de uma certa idade, então, cada corrida, cada salto, cada longa caminhada é celebrada como um recorde. Mas o mais importante é perceber que começou de novo o jogo cotidiano. Vamos ter os forças federais até quando? Se ficarem, o que fazer para assegurar que sua saída não cause danos? Há um problema adicional que poucos notaram: a campanha eleitoral começou. Não vi ainda candidatos no meu caminho. Mas sei que existem e que, daqui a pouco, sorridentes e com as mãos estendidas, virão propor soluções fáceis para os intrincados problemas de sempre. Antes da operação Lava-Jato, as campanhas já pareciam irreais. Agora, depois de tudo revelado, a distância entre o discurso dos políticos e a realidade das pessoas deve provocar inúmeros curto-circuitos.
Não se trata apenas de uma operação que desvendou os meandros da organização criminosa no poder. Em 2013, as pessoas já pressionavam por serviços públicos decentes; em 2015, pelo impeachment de Dilma. Em termos puramente subjetivos, o Brasil mudou muito nos últimos anos. A Olimpíada foi produto de um delírio do passado, realizado com os pés no chão na aspereza do presente. Como disse o técnico francês ao “Le Monde”, o Brasil é um país estranho, mágico. Vivo nele há muitas décadas para saber que por baixo da cortina de exotismo alguns problemas sobrevivem a todos os orixás, santos e pajés. Quando ouvi um locutor satisfeito porque o lixo da Baía de Guanabara foi para o fundo, num dia de regata, pensei: se apenas os estrangeiros acreditassem na magia brasileira, seria mais fácil.
É tempo de eleições, e os mágicos virão com todos os truques, lenços desaparecem, coelhos saem da cartola. Os políticos não inventaram o Brasil. Apenas exploram alguns pontos fracos.
FOLHA DE SP - 21/08
A agricultura apresentou um notável desempenho nas últimas quatro décadas, crescendo, em média, 3,7% ao ano. Esse resultado contrasta com o baixo crescimento recente da indústria, apesar da retomada, nos últimos anos, de diversas medidas protecionistas defendidas pelo setor, que haviam sido reduzidas na década de 1990.
Enquanto a produtividade da economia decresceu na década de 1980 e aumentou 1% ao ano entre 1990 e 2010, a produtividade agrícola cresceu cerca de 3% ao ano a partir de 1975, o que significou produzir mais alimentos sem comprometer, na mesma proporção, recursos escassos, como a terra, colaborando com a sustentabilidade.
As causas do fracasso das medidas defendidas pela indústria e as razões do sucesso da agricultura colaboram com o debate sobre as políticas mais eficazes para a retomada do crescimento.
Fabio Chaddad conta a história da agricultura no livro "The Economics and Organization of Brazilian Agriculture". Os tributos oneram menos a agricultura do que o restante da economia. Mas isso não explica o aumento da produtividade, que decorreu das inovações tecnológicas, do maior comércio com outros países, do empreendedorismo e da melhora na gestão das empresas.
Desde os anos 1970, o setor se beneficia da pesquisa em tecnologia agrícola realizada pelo setor público, como a Embrapa, a ESALQ e o Instituto Agronômico de Campinas, assim como por instituições privadas, como o CTC, que resultou em ganhos de produtividade.
Com a crise dos anos 1980, os subsídios foram significativamente reduzidos e, desde 1990, o setor foi exposto à maior abertura ao comércio exterior.
Muitas empresas fracassaram, sobretudo em anos de crise, mas as que sobreviveram se beneficiaram do maior acesso ao mercado externo e apresentaram ganhos de produtividade de 4% ao ano na década de 2000, a maior taxa entre as principais economias.
Fabio conta diversas histórias de empreendedores, que se aventuraram em aperfeiçoar os métodos de produção e de gestão, além de explorar novas regiões. As histórias são surpreendentemente modernas em um setor que, frequente e equivocadamente, se supõe o exemplo do atraso.
Além disso, enfatiza que existem diversas formas de cadeias de produção que podem ser bem-sucedidas, desde que eficazes em garantir o acesso aos mercados de crédito, de insumos e de consumo, como as cooperativas da região Sul, as grandes corporações da região Sudeste e as parcerias público-privadas do Centro-Oeste.
A história da agricultura sugere que a política pública deveria estimular o aumento da produtividade, a concorrência e o empreendedorismo.
O Globo - 21/08
O governo Michel Temer está chegando ao fim do seu período de interinidade com muita chance de se efetivar e, neste tempo, mostrou que trabalha com dois fortes operadores políticos: o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá. Ele continua em atividade, inclusive em articulação com a área econômica. “Jucá saiu, ficando”, define uma fonte do governo.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fez um movimento recente querendo mais poderes e isso provocou uma reação em várias áreas. Sua pretensão de levar a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) para a Fazenda provocou forte reação. Meirelles argumentou internamente que seria uma forma de controlar melhor o ajuste fiscal e, num primeiro momento, conseguiu a simpatia do presidente para a sua tese, mas a ideia gerou disputas internas.
As funções de formulação orçamentária e execução estão separadas em todos os países com governança mais consolidada. Nos Estados Unidos, por exemplo, o orçamento é obrigação do Office of Management & Budget, vinculado à Casa Branca. Até no governo militar no Brasil as duas funções estiveram segregadas.
— Se Meirelles tiver nas mãos a Receita Federal, o Tesouro Nacional e o Orçamento, melhor dispensar de suas funções o presidente da República — comentou um ministro que acompanha o debate interno.
Sobre o desempenho do Ministério das Relações Exteriores, o balanço feito até agora é que o ministro José Serra acertou ao dar a primeira mensagem sobre os países bolivarianos, mas depois disso começou a escalar a hostilidade em relação à Venezuela. Há muito temor nos setores de segurança sobre a instabilidade política e econômica da Venezuela. Há uma convicção de que o melhor é não pressionar mais ainda o país que vive sentado sobre um barril de pólvora. Ao explodir, vai gerar tensão na fronteira com o Brasil.
Há ministros mal avaliados e outros que geraram desgastes desnecessários, como o ministro da Saúde, Ricardo Barros. Sua declaração de que as mulheres trabalham menos e, por isso, têm tempo para cuidar da saúde, não foi absorvida. Até porque, a pretexto de se corrigir, ele disse que pedia desculpas, mas com um adendo: “Se fui mal interpretado”. Depois, disse que as mulheres não trabalham menos do que os homens porque se dedicam também às tarefas domésticas. O pensamento atualizado sobre o tema é que não é das mulheres o dever de executar o trabalho doméstico. Continuou desagradando, mesmo quando tentou consertar o que disse, criando mais uma aresta num governo que, em questão de gênero, não acerta uma.
O ministro da Educação, Mendonça Filho, conseguiu atenuar a desconfiança com que seu nome foi recebido, se cercando de pessoas com reconhecida competência na área. Há ministros com desempenho completamente apagado. O pior, contudo, é que o governo tem cedido às pressões para recriar ministérios extintos, como acontece agora com o do Desenvolvimento Agrário.
Na economia, as avaliações feitas sobre o governo são mistas. Há quem considere que a administração Michel Temer começou com um forte discurso de ajuste e está, aos poucos, reduzindo o compromisso com medidas que consigam inverter a tendência de crescimento da dívida pública. Há quem mantenha a expectativa de que, ao ser efetivado, o governo assumirá mais concretamente seu compromisso com as reformas.
A reforma da previdência ainda está sendo formulada e sofre pressões de todos os lados, até porque tem sido divulgada aos poucos, em forma de balões de ensaio, o que fortalece os lobbies contrários. Os militares não querem fazer parte de um regime único, mas foram informados de que terão que aceitar algumas mudanças, como o aumento da idade para a aposentadoria.
O governo Temer chega na reta final da sua interinidade criando a expectativa de que, se for confirmado, terá então força para mudanças mais ousadas na economia. Pesa sobre ele, contudo, o temor de que revelações das investigações da Lava-Jato provoquem novos tremores nos seus alicerces. Este será um governo sempre marcado pelo signo da crise. Algum alívio na tensão política pode vir se forem confirmados os sinais de melhora nos indicadores da economia. Há muita expectativa sobre o que Temer fará depois de efetivado, mas a crise sempre marcará o governo Algum alívio na tensão política pode vir se forem confirmados os sinais de retomada econômica
O Globo - 21/08
Além das perdas bilionárias causadas pela corrupção, o lulopetismo também prejudicou o Tesouro por meio de projetos e programas mal formulados
Os efeitos jurídicos e políticos do petrolão são muito conhecidos. Estão no noticiário desde o primeiro semestre de 2014, quando a Operação Lava-Jato foi a campo. Aí está a desmoralização do PT, com a prisão de militantes de alto escalão — golpe sofrido pelo partido desde o mensalão — e, desta vez, com o ex-presidente Lula sendo alcançado pelas investigações, ao lado de sua criatura, Dilma. Sem considerar ilustres de partidos que foram aliados, em que se destaca o PMDB.
O impacto econômico ficaria visível num segundo momento. A começar pelas empresas atingidas, a maior delas a Petrobras, o grande filão escavado pelo esquema de corrupção lulopetista montado nela e conectado em outras companhias públicas (Eletronuclear, por exemplo). A Petrobras já abateu, no balanço referente a 2014, R$ 6,2 bilhões correspondentes a perdas com a corrupção.
É bem mais. Já houve, ainda, muitos bilhões contabilizados com sinal negativo, devido a projetos malfeitos, decorrentes de erros técnicos crassos cometidos em diretorias envolvidas no assalto à empresa.
Nas últimas semanas, tem ficado evidente o impacto do petrolão, e de políticas estatistas saídas da cartilha do lulopetismo, num segmento sensível da economia: o setor bancário, incluindo o público, e fundos de pensão de estatais.
Cada projeto mal formulado, cada desfalque precisam aparecer em balanços de empresas com capital aberto, algumas delas com ações no exterior. E os bancos que financiaram os projetos mal formulados têm de fazer provisões, tiradas do lucro ou do capital de acionistas, a fim de arcar com os prejuízos que deverão ser realizados. Caso os projetos não fiquem em pé.
Os bancos estatais são as primeiras vítimas, porque os governantes de turno os forçam a financiar empresas companheiras e empreendimentos arriscados, tocados por interesses políticos e fé ideológica
A Sete Brasil, uma empresa nascida do delírio estatizante de se usar a Petrobras e o pré-sal para fabricar no Brasil grandes plataformas — sonho típico da ditadura de Geisel —, é um grande foco de prejuízo em bancos, forçados a reforçar provisões para enfrentar o calote. Algumas instituições privadas — Bradesco, Itaú Unibanco, BTG, Santander — também não escaparam desta debacle específica do estatismo.
O Banco do Brasil empatou R$ 5 bilhões na famigerada Sete Brasil. Até a Caixa, voltada para o mercado imobiliário e infraestrutura, foi levada a colocar dinheiro no projeto — não por acaso, talvez tenha sido, no lulopetismo, o mais aparelhado dos bancos públicos. A Sete Brasil rendeu para a CEF uma perda de pelo menos R$ 1,6 bilhão.
Impactos da experiência arriscada do estatismo deixam marcas também no BNDES. A necessidade de elevar provisões foi uma das causas do primeiro prejuízo do banco, no primeiro semestre, em 13 anos (R$ 2,2 bilhões).
As provisões foram ampliadas em 500%, de janeiro a junho, em comparação com o mesmo período de 2015. Passaram de R$ 1,6 bilhão para R$ 9,6 bilhões.
Fundos de pensão de estatais, muitos deles convertidos em braço financeiro da CUT/PT, entraram no mesmo buraco negro. Era óbvio. O Funcef (Caixa), por exemplo, terminou com 17,6% da Sete Brasil, péssimo negócio para os funcionários do banco e o Tesouro, para onde será despachada parte do prejuízo. Esse mesmo enredo foi seguido na Previ (Banco do Brasil), e assim por diante. Isso sem considerar os desvios de dinheiro dos cotistas, patrocinados também pelo lulopetismo.
A lista de empresas provenientes de políticas contaminadas de ideologia formuladas no PT é extensa. Um caso é o da telefônica Oi, falida devido aos projetos delirantes de companheiros, e com repercussões idênticas: prejuízos em bancos públicos e fundos de estatais. Bem como aos acionistas dentro e fora do país.
O PT deve desejar que o tempo passe mais rápido, para tudo isso ficar distante no passado. Porém, essas marcas em empresas e no sistema financeiro, público e privado, permanecerão.
ESTADÃO - 21/08
O pau está quebrando na política, mas as Forças Armadas estão na sua
Digam o que disserem, o fato é que as Forças Armadas tiveram destaque nos governos Lula, ficaram no limbo durante os anos Dilma e agora recuperam espaço e voz. Foram ouvidas na escolha do ministro da Defesa, Raul Jungmann, conseguiram reativar o Gabinete de Segurança Institucional com o general Sérgio Etchegoyen e ocuparam papel relevante, apesar de discreto, na Olimpíada.
Generais, brigadeiros, almirantes e seus subordinados não têm do que reclamar, mas eles estão bastante desenvoltos e reivindicativos para manter seus programas estratégicos e, de quebra, alguns privilégios: preventivamente, reagem contra uma saudável unificação dos regimes civil e militar na reforma da Previdência.
Desde o início, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, marcou uma mudança de postura e não engoliu em seco quando o PT lamentou não ter aproveitado os anos de poder para mexer no currículo das academias militares e para promover oficiais comprometidos com a democracia. O general avisou que o Brasil não tem “bolivarianismo” e “assim, estão plantando um forte antipetismo no Exército”.
E o da Aeronáutica, brigadeiro Nivaldo Rossato, já toca uma reformulação da Força Aérea para enxugar a estrutura e reduzir gastos (inclusive com pessoal), mas já se preparando para impedir que as verbas do setor saiam voando para outras plagas. Como? Via criação de estatais ligadas à FAB.
E há outros projetos que saem dos armários. O Comando Logístico do Exército, responsável pela autorização, fiscalização, importação e exportação de armas, apresentou em 30 de junho ao governo uma proposta para flexibilizar a proibição do uso de armas e as regras do setor. A sociedade em geral é contra as armas, mas atiradores, caçadores e colecionadores pressionam por mais facilidade para compra, venda e registro. Não seria o Exército que discordaria deles.
A questão embute uma questão prática: a Taurus, tradicional produtora de pistolas para as Forças Armadas e polícias civis e militares dos Estados, entrou em crise financeira e passou até por reclamações sobre a qualidade do produto. Agora, comprada pelo grupo CBC, é o centro da discussão sobre armas. A intenção é arejar as condições de funcionamento do setor e abrir o mercado, permitindo a entrada de empresas estrangeiras sem asfixiar a indústria nacional.
“Não há necessidade de reserva de mercado, que é coisa do passado e, quando tentada na área de informática, não deu certo”, diz o comandante de Logística do Exército, general Guilherme Theophilo, que defende a indústria nacional de defesa, mas sem fechar as portas a produtos modernos e sofisticados de países parceiros e a empresas que possam se instalar no Brasil, com limite mínimo de capital nacional.
A Defesa e o Exército estão preocupados também com uma novidade nas porosas fronteiras da Região Norte do País: o fluxo de haitianos e agora de venezuelanos, que só faz aumentar. É por isso que o Exército pretende atrair experts de diferentes partes do mundo para o Amazonlog, um exercício militar de defesa das fronteiras previsto para 2017, em Tabatinga.
O general também está preocupado com a riqueza amazônica e é taxativo: “Hoje, o estrangeiro conhece a Amazônia mais do que nós”. E cita: a castanha-do-pará tem 73 patentes nos EUA; a andiroba é patenteada na França, no Japão, na União Europeia e... nos EUA; a copaíba, na França e... nos EUA; o jaborandi, no Canadá, na Inglaterra, na Irlanda e... nos EUA; a ayahuasca... nos EUA.
O Brasil já tem o potente e disseminado Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), operado por uma rede de radares e satélites, mas a tecnologia é altamente dinâmica. Quem para no tempo perde o bonde. Os militares não se metem em política, mas estão muito ativos nos debates internos do governo Temer.
FOLHA DE SP - 21/08
BRASÍLIA - O empresário João Doria quer ser prefeito de São Paulo. No segundo dia de campanha, ele passeou pelos Jardins e prometeu cortar sete secretarias municipais. Instado a nomeá-las, só conseguiu citar cinco. Duas delas não existiam.
A bravata se voltou contra o tucano. Uma deputada do partido dele disse que extinguir a pasta da Pessoa com Deficiência seria um retrocesso. Uma adversária o acusou de desprezar as minorias. O prefeito afirmou que o rival não conhece a máquina que pretende comandar.
Todos pareceram ter um pouco de razão, e o eleitor ganhou um motivo para desconfiar do aprendiz de candidato. Afinal, ele estaria preparado para trocar os reality shows pelo desafio de governar uma metrópole?
Doria tem se atrapalhado ao repetir clichês liberais sobre gestão. Em nome do "Estado mínimo", já prometeu privatizar até faixas de ônibus. Ao propor cortes, inventou algumas secretarias e mirou outras de baixo orçamento, que atendem mulheres e negros. Não deve ser a melhor estratégia para quem tenta se livrar do rótulo de defensor dos ricos.
Alguém avisou ao tucano que a Secretaria da Pessoa com Deficiência foi criada pelo PSDB. Forçado a recuar, ele disse que não tem compromisso com o erro. O problema é que voltar atrás está se tornando uma constante na sua aventura eleitoral. Para surfar na rejeição a Fernando Haddad, o candidato já atacou o fechamento da avenida Paulista aos domingos. Como a população aprovou a nova área de lazer, ele mudou o discurso e passou a apoiá-la.
Agora Doria promete rever a redução da velocidade nas Marginais, apesar dos estudos que mostram a redução de acidentes. De quanto tempo ele precisará para desistir?
O Globo - 21/08
Desde julho passado o engenheiro Zwi Skornicki vem contando suas traficâncias com a Petrobras aos procuradores da Operação Lava-Jato. Seus depoimentos internacionalizaram o escândalo, dando nome aos bois. Zwi era conhecido no mundo do petróleo por ser o poderoso representante dos estaleiros Keppel Fels, de Cingapura. Uma figura inesquecível para os peões que o viam circulando nas oficinas com um Rolex cravejado de brilhantes. Ficou famoso quando a Polícia Federal mostrou a casa cinematográfica que tinha em Angra dos Reis e a coleção de 12 carros que guardava em seu sítio (três Porsches e duas Ferraris).
A Keppel é um gigante da indústria naval, controlando 22 estaleiros em vários continentes, inclusive no Brasil. Seus contratos com a Petrobras chegaram a US$ 6 bilhões, e Zwi distribuiu dezenas de milhões de dólares em propinas, irrigando contas de petrolarápios, comissários petistas e do marqueteiro João Santana.
Até aí, Skornicki seria apenas mais um personagem da Lava-Jato, mas ele abriu a caixa-preta das operações internacionais. Todos, repetindo, todos os seus acertos foram submetidos à diretoria da Keppel em Cingapura. Ele tinha escritório na filial brasileira da empresa, continuou frequentando-o depois de sua condução coercitiva à Polícia Federal, em 2015, e, segundo acredita, suas salas continuam lá. O engenheiro não era um operador vulgar: “Eu era o único representante mundial da Keppel que participava de reuniões internas de estratégias de mercado da empresa”.
Nas suas palavras, quando pediram-lhe 0,7% no contrato de US$ 650 milhões da plataforma P-51 e 0,6% na encomenda de US$ 700 milhões da P-52, ele foi a Cingapura e “sempre” levou o recado: “Deixei claro que seria propina” e “foi aceito”. O mesmo se deu com outras negociações. Quando Pedro Barusco pediu uma lasca de 1,2% no contrato da plataforma P-56, os diretores de Cingapura pechincharam e ofereceram 0,9%.
Até hoje a petrorroubalheira tinha um jeito de jabuticaba. Sabia-se das traficâncias dos holandeses da SBM, mas eles conseguiram sair de fininho, pagando uma multa. Estimulado por perguntas de seus advogados, Skornicki apontou para o comando da Keppel. Primeiro, o do seu principal executivo no Brasil, Tay Kim Hock, figura conhecida na noite de Copacabana e nos campos de golfe do Rio. Ele deixou a empresa em 2012. Skornicki arrolou quatro outros diretores da Keppel, entre eles Choo Chiau Beng, principal executivo do conglomerado até 2014.
Há dois anos, quando Skornicki foi levado para depor à Polícia Federal, a Keppel informou que nada tinha a ver com ele. Lorota, tanto que ele continuou utilizando sua sala na empresa. Seu contrato com a Keppel até hoje não foi cancelado.
Para os críticos do instituto da colaboração, vai a lembrança de que Skornicki falou só graças a ela, para se livrar de uma pena severa. Pelo baralho velho e viciado, ele seria apenas um empreendedor, a Keppel teria padrões rígidos de combate à corrupção, e a Viúva ficaria com o mico. Pelo baralho novo, Skornicki contou o que fez e uma parte do que sabe, e aceitou pagar uma multa de US$ 24 milhões. Ele seria liberado neste mês, com direito a seis meses de tornozeleira em casa, mais três anos e meio de serviços comunitários.
O INCRÍVEL DOUTOR CHOO
O doutor Choo Chiau Beng, CEO dos estaleiros Keppel Fels ao tempo em que sua empresa aspergia propinas na Petrobras, era também o embaixador “não residente” de Cingapura no Brasil. Ele entregou suas credenciais a Lula em 2004. Resta saber como tramitou no Itamaraty o pedido de agrément para o presidente de uma empresa com negócios (e que negócios) no Brasil.
Entende-se que um país tenha um chefe de missão “não residente” quando isso envolve uma função cumulativa. O embaixador na França, por exemplo, mora em Paris e acumula a representação junto ao Principado de Mônaco. O doutor Choo morava em Cingapura e lá comandava a Keppel. Nada a ver. Acumulando o título de embaixador com a função de CEO da empresa, ele ajudou a feliz negociação de um financiamento do BNDES a juros camaradas para um braço da Keppel no Rio. Acompanhando o chanceler e ministro da Justiça de Cingapura, visitou o então presidente do Supremo Tribunal, ministro Joaquim Barbosa. Falaram até dos salários dos juízes.
No Brasil, já houve casos de embaixadores estrangeiros que depois de desempenhar suas funções passaram a fazer negócios. Jogo jogado. Embaixador que representa o país, preside uma empresa, administra negócios e acompanha propinas, é coisa nunca vista.
Cingapura é um dos países mais severos do mundo no combate à corrupção, mas seu desempenho é exemplar quando se trata de reprimir maracutaias internas. Apesar de ter leis que penalizam roubalheiras praticadas em outros países, até hoje não se sabe de alguém que tenha ido para a cadeia por ter pagado pixulecos fora de suas fronteiras.
RECORDAR É VIVER
Saiu barato para os nadadores americanos que inventaram a história do assalto.
Em 2004, no aeroporto de Miami, dois jovens brasileiros disseram ao policial que revistava suas bagagens que nela havia uma bomba.
Pela brincadeira de mau gosto, ou confusão idiomática, os dois ralaram um mês na cadeia, outro em prisão domiciliar, e tiveram que pagar US$ 5 mil.
Houve época em que os americanos se safavam das leis brasileiras. Em 1966, foram presos no Brasil quatro contrabandistas americanos que voavam num pequeno avião. Sabe-se lá como, tinham ligação com o senador liberal William Fulbright, que falou com o secretário de Defesa, Robert McNamara, que falou com o adido militar no Brasil, general Vernon Walters.
Walters pediu uma audiência ao presidente Castello Branco, e, dias depois, as celas em que estavam os delinquentes foram misteriosamente abertas, e eles escafederam-se.
CPI DA ROUANET
Pelo andar da carruagem a CPI da Lei Rouanet poderá virar um espetáculo teatral digno de incentivos culturais para pesquisas sobre o desempenho dessas comissões.
Felizmente, extinguiu-se a CPI do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e suspendeu-se a possibilidade de extorsões contra empresários.
A Lei Rouanet tem muitos defeitos, mas ela fez mais pela cultura do que as CPIs que limparam o prontuário das administrações petistas da Petrobras e as ligações políticas de Carlinhos Cachoeira.
Essa CPI foi criada pelo inesquecível Waldir Maranhão quando presidia a Câmara.
FOLHA DE SP - 21/08
Vida pública afastada do maniqueísmo não foi possível construir com ‘esta’ esquerda
A polarização da linguagem e do comportamento político neste trecho inicial do século 21 não pode mais ser vista como legado imprestável da guerra fria. Para onde quer que se olhe se desvanece a ilusão de que o arsenal de contraposições simplórias daquela época tenha sido ao menos parcialmente abandonado. Poucos vaticínios tiveram duração tão curta quanto o do “fim da História”. As sociedades continuam divididas, como sempre, processos de alcance incalculável, como a globalização, mudam a face do mundo, mas algo permanece constante: a classificação maniqueísta de velhos e novos problemas e o adensamento da névoa que os recobre.
A Europa bem-sucedida da social-democracia, que soube combinar a democracia política e o Estado de bem-estar social, parece tropeçar sucessivamente na construção de seu projeto de “democracia transnacional”, a boa resposta à inexorável internacionalização dos mercados. E a velha democracia norte-americana, que resiste com maior ou menor êxito ao poder do dinheiro e admite admiráveis governos de centro-esquerda, como o de Obama, vê-se agora assediada por um populismo grosseiro, que requer e fomenta a polarização, tira proveito das “guerras de cultura” e por certo promoverá as guerras propriamente ditas, como é de sua natureza.
O Brasil não poderia ser uma ilha de tranquilidade e menos ainda uma terra naturalmente capaz de produzir uma vida pública saudável e culturas políticas dispostas ao conflito e ao entendimento, à competição, mesmo acirrada, e ao reconhecimento de um terreno comum. Vive-se a crise do impedimento da presidente Dilma Rousseff em meio a uma acusação tremenda: estaríamos assistindo a um golpe de novo tipo, urdido pela mídia monopolista, por setores do Judiciário e pela oposição antipopular e antinacional derrotada nestes 13 anos de poder petista.
Cada uma das situações acima tem particularidades que não se deixam transferir facilmente para um contexto diferente. Na Europa, com o Brexit, a voz autorizada de Habermas diagnosticou uma espécie de recuo conservador, quando não francamente reacionário, para os confins do velho Estado nacional, mesmo solapado na raiz pelos processos “automáticos” da globalização econômica. Para atores com potencial desestabilizador, como os governos direitistas da Hungria e da Polônia, uma nova união europeia só se tornaria viável como justaposição de nações soberanas que privilegiariam antes de mais nada a dimensão militar.
O populismo – constatou o filósofo, surpreso – foi capaz de fincar sua bandeira até na pátria do capitalismo: na Inglaterra, questões “anacrônicas” de identidade nacional triunfaram sobre o interesse, motor por excelência do comportamento político no mundo burguês. E o discurso público, tanto na Inglaterra como no continente, apresenta “traços sociopatológicos de desinibida agressividade política”, típicos de uma sociedade que se unifica economicamente sem que formas transnacionais de representação democrática consigam expressar uma cidadania de novo tipo.
A “desinibida agressividade” dos discursos, com traços sociopatológicos exacerbados pelas redes sociais (ou antissociais...), não é uma particularidade europeia. Ela salta à vista e fere até ouvidos menos sensíveis na campanha americana em curso. Fácil demais centrar fogo nas intervenções provocativas de um Donald Trump, recheadas de xenofobia, sexismo e autoritarismo. Menos evidente é entender o bizarro personagem como o resultado de um percurso partidário que, pelo menos desde Nixon ou mais claramente Reagan, buscou desfazer a América de classe média legada pelo reformismo rooseveltiano e reforçada, nos anos 1960, pelas políticas sociais de Kennedy e Johnson.
Trump é grosseiro, mas, de fato, só leva às últimas consequências, como se tem observado, uma retórica republicana anterior, baseada num “etnonacionalismo branco” ressentido e já minoritário na grande nação americana. Sua grosseria nos desconcerta e até confunde os padrões de análise. Não parece nada preocupado em “buscar o centro”, esse lance estratégico que a grande política apregoa ser necessário para tornar mudanças viáveis e construir equilíbrios mais justos, sem partir ao meio a sociedade.
Mas voltemos ao Brasil. Um exercício penoso será buscar os motivos do esgotamento intelectual – e, portanto, exaustão da capacidade de convencer – da esquerda dominante nos anos da redemocratização. Seria muito fácil, por exemplo, criticar a impressionante série de discursos da presidente Dilma Rousseff, ainda no Planalto, dirigidos estritamente a uma militância inflamada e já previamente convencida. Ou, mais recentemente, esquadrinhar sua carta ao Senado e ao povo. Na narrativa que daí se depreende, o vice-presidente constitucional não passa de “traidor” ou “usurpador”. A denúncia de “golpe” reitera-se à exaustão, como se a reiteração obsessiva a elevasse à condição de argumento. E a luta política reduz-se a palavras de ordem, como se a direita fascista estivesse às portas e só restassem a resistência e a volta às catacumbas.
A verdade é que esses e outros atos delineiam um “inimigo” conveniente. São sintomas de uma esquerda intelectualmente frágil, incapaz de uma desapiedada visão de si mesma, ela que deseducou parcela grande da sociedade quando, na oposição, patrocinou pedidos em série de impeachment e questionou infantilmente a legitimidade de todos os presidentes. Uma esquerda que, como no exemplo americano antípoda, não se mostrou à altura de conquistar o centro, sem tentar destruí-lo, e de efetivamente dirigir o País, renovando-o e contribuindo para a construção de uma vida pública o mais afastada possível da patologia maniqueísta – traço mórbido da crise de nosso tempo. Uma construção que simplesmente não se faz sem o concurso da esquerda, mas não foi possível levar adiante com esta esquerda.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil.
O Globo 21/08
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor do Iuperj/UCAM, ao contrário da maioria, acha que a proibição das doações empresariais nas campanhas eleitorais vai marcar um novo paradigma na vida política brasileira. Ele foi um dos mais ardorosos defensores da proibição, tendo comparecido a uma das audiências públicas realizadas pelo STF, na qual apresentou estudo que demonstrava a absurda financeirização das campanhas eleitorais no Brasil.
Os números eram bastante eloquentes: entre 2002 e 2014, os gastos subiram de R$ 795 milhões para R$ 4,8 bilhões, num crescimento de 608%, muito acima da inflação do período (121%); em proporção do PIB, as eleições brasileiras eram as mais caras do mundo. Nosso gasto, em 2014, foi equivalente a US$ 2,120 bilhões (na taxa de câmbio da época) de um PIB de US$ 2,4 trilhões.
Nas eleições nacionais e presidenciais nos EUA, em 2012, foram gastos cerca de US$ 7 bilhões de um PIB de mais de US$ 17 trilhões. Neste período, a participação das doações por pessoas físicas declinou de 27% em 2004 para apenas 2,5% em 2014. Geraldo Tadeu ressalta que as operações Lava-Jato, Acrônimo, Zelotes, entre outras, têm revelado “os bastidores ocultos desta grande ciranda financeira em que haviam se transformado as eleições no Brasil. As grandes empresas eram, de fato, as grandes eleitoras”.
Em outro estudo, intitulado “Dinheiro e Política no Brasil: doações eleitorais por empresas e negócios públicos”, demonstrou que entre 2002 e 2014, apenas as dez maiores doadoras investiram R$ 2,212 bilhões em campanhas eleitorais. Das dez maiores doadoras, sete eram empreiteiras, todas envolvidas na Operação Lava-Jato. O dado mais gritante, no entanto, diz respeito ao “retorno” do investimento, destaca. Essas mesmas empresas, segundo o estudo feito no Portal da Transparência do Governo Federal, receberam, entre 2005 e 2014, R$ 18,709 bilhões em contratos, apenas do Governo Federal (não foram computados os contratos com os governos estaduais). “Nenhum investimento disponível no mercado traz um retorno como este, de 800% no período”, comenta Geraldo Tadeu.
Pela nova legislação, todo doador terá seu nome e CPF exposto na Internet até 72 horas após a doação. O resultado será uma eleição sem dinheiro. Embora a nova legislação permita o uso de recursos do Fundo Partidário, recursos próprios do candidato, doações por pessoas físicas ou proveniente de comercialização de bens (broches, bonés) ou atividades (quermesses, jantares, festas, rifas), os quase 500 mil candidatos estão, com a campanha já oficialmente aberta, ainda sem saber como financiar suas campanhas.
Numa estimativa que Geraldo Tadeu fez em estudo recente (“Perspectivas do Financiamento da Campanha Eleitoral de 2016”), calculou que o valor total dos recursos alocados às campanhas eleitorais nas eleições deste ano não ultrapassará R$ 1,1 bilhão, o que significa cerca de 26% do gasto de 2012 (atualizado pelo INPC).
Este volume de recursos seria composto por repasses do Fundo Partidário (R$ 347 milhões, equivalente a 40% do Fundo, conforme parâmetro de 2014), contribuições de pessoas físicas (R$ 126 milhões, equivalentes ao que foi doado em 2012, corrigido pela inflação); comercialização de bens e realização de eventos (outros R$ 126 milhões), além da contribuição de filiados dos partidos (entre R$ 165 milhões e R$ 485 milhões, a depender do grau de mobilização que os partidos conseguirem).
Considerando que, em função de a campanha eleitoral ter sido encurtada em 50%, as necessidades de financiamento serão menores, o que, por si só já contribuiria para diminuir os gastos, ainda assim, o modelo atual permitiria uma redução de 65% no total de gastos em relação a 2012 (corrigidos pela inflação).
Embora razoável, o professor do Iuperj classifica este patamar ainda como bastante alto, “se imaginarmos que o gasto eleitoral total nas eleições britânicas de 2015 foi de R$ 165, 7 milhões de reais. No Canadá, nas eleições de outubro de 2015, o gasto eleitoral total foi de R$ 320 milhões”.
Num momento em que algumas vozes se erguem já para dizer que este sistema que está colocado é apenas um “ensaio” para se ver como será reformado adiante, Geraldo Tadeu considera que este tem todas as condições de se consolidar com o tempo, com pequenos ajustes (diminuição progressiva dos tetos de gastos, por exemplo), e teremos eleições muito mais igualitárias, disputadas e efetivas, “nas quais os eleitores não serão apenas espectadores passivos de máquinas eleitorais regadas a dinheiro de empresas privadas”.
FOLHA DE SP - 21/08
O BNDES anunciou prejuízo no primeiro semestre deste ano, algo que não acontecia desde 2003. Começam a ser trazidos à luz os problemas acumulados na gestão anterior, que não foram poucos.
Houve nesses seis meses perda de R$ 2,2 bilhões, contra lucro de R$ 3,5 bilhões no mesmo período de 2015. Uma avaliação mais conservadora da carteira de crédito e de participações societárias do banco redundou em provisões no total de R$ 9,6 bilhões.
Um otimista talvez destacasse que, mesmo com as provisões de crédito, a inadimplência continua baixa, 1,38% da carteira total. O BNDES, como provedor de capital para as maiores empresas do país (o que em si deveria suscitar mais controvérsia), normalmente é o último a sofrer abalos. Nenhum empresário quer ver as portas se fecharem ali.
É fato também que o corpo técnico do banco tem alto padrão de qualidade e diligência, a atuar como um dique contra a gestação de problemas ainda maiores. Nada disso obscurece, porém, que o BNDES foi usado de forma aventureira nos últimos anos.
A transferência de R$ 512,3 bilhões (9,5% do PIB) em empréstimos do Tesouro, desde 2008, promoveu um milagre de multiplicação dos financiamentos subsidiados. Considerando a dimensão dos aportes, os resultados obtidos são fracos, para dizer o mínimo.
A taxa de investimento na economia continua letárgica. Mas ela sofreu retardo adicional a partir de 2014, em razão dos desequilíbrios acumulados nas contas públicas.
Uma nova orientação começa a ser gestada, verdade. No lugar do gigantismo, desenha-se um estilo de intervenção mais pontual e inteligente, voltado a preencher falhas do mercado, não a substituí-lo.
Não é função do BNDES entrar com a maior parte do capital ou dos empréstimos para viabilizar grandes projetos. O mercado de capitais tem condições de assumir maior protagonismo, desde que haja mais confiança na qualidade da política econômica e na estabilidade das regras.
O papel primordial do banco é induzir investimentos privados, aperfeiçoando o desenho de projetos e leilões de infraestrutura. O conhecimento acumulado no BNDES também deve ser utilizado por Estados e municípios para levantar recursos no setor privado.
Outro foco recai sobre as relações com empresas nas quais tem participação. Nomear conselheiros independentes e dar mais transparência aos critérios para aporte de recursos, por exemplo, levariam boas novas ao mercado.