sábado, abril 13, 2019

Político, não liberal - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 13/04

Veto de Bolsonaro ao aumento do diesel não deveria causar surpresas


Causou certa perplexidade no mercado e entre pessoas de tendências liberais na economia a decisão do presidente Jair Bolsonaro de, anteontem, mandar a Petrobrás suspender o reajuste de 5,74% no preço do diesel. Não é próprio dos liberais vigiar a política de preços de uma empresa, mesmo que seja estatal, disseram inúmeras vozes.

O próprio Bolsonaro revelou que tomou mesmo a decisão de vetar o reajuste no preço do diesel, o maior porcentual desde que assumiu o governo. E o fez, segundo ele, porque está preocupado com o transporte de cargas, com os caminhoneiros, por serem pessoas que movimentam riquezas de norte a sul, leste a oeste, devendo ser tratados com o devido carinho.

Bolsonaro acrescentou que sempre disse que não entende de economia. E que os que disseram que entendem de economia afundaram o Brasil, numa referência direta à presidente cassada Dilma Rousseff, que submeteu a Petrobrás a um rígido controle de preços e quase quebrou a empresa. O presidente informou ainda que convocou a direção da Petrobrás para que explique por que aplicaria um reajuste superior à inflação do ano.

Há alguns pontos a serem considerados a respeito da decisão de Bolsonaro quanto ao veto ao aumento do preço do diesel. A decisão dele foi política. Ele não quer saber de arrumar encrenca com os caminhoneiros, que aqui ou em qualquer lugar do mundo causam um estrago sem tamanho na economia e na vida das pessoas quando fazem bloqueio de estradas. É só se lembrar do que ocorreu no País há menos de um ano com a greve dos caminhoneiros. Até hoje a economia se ressente daquela paralisação.

Além do mais, Bolsonaro teve ganhos políticos na campanha ao receber a adesão de boa parte dos caminhoneiros. Eles passaram a divulgar a candidatura dele à Presidência por meio de cartazes e das redes sociais. Como qualquer político – e Bolsonaro é político, apesar de dizer que não nasceu para ser presidente da República e, sim, militar –, pensaria mesmo numa solução política quando posto diante de uma questão como essa. Mesmo que as consequências para a economia sejam desastrosas ou façam a equipe econômica pensar que o presidente está sabotando o próprio governo.

Quando Dilma Rousseff decidiu controlar os preços dos combustíveis, ela o fez por decisão política, não por achar que era uma economista que jamais errava, como insinuou Bolsonaro. Segurar os preços para tentar conter a inflação fazia parte de uma estratégia para que o PT mantivesse o poder. O mesmo ocorreu quando Dilma obrigou as empresas do sistema Eletrobrás a baixar as tarifas de energia elétrica. Pensava na reeleição. Como ela não soube dosar suas intervenções na economia e perdeu as condições de articulação política com o Congresso, acabou por enforcar as empresas e a si própria.

Erram os que acreditaram que Bolsonaro pensará só na economia quando tiver de tomar uma decisão. Seu instinto político falará mais alto. Apesar de manter suas ideias vinculadas aos quartéis, o fato é que mais da metade da vida econômica útil de Bolsonaro foi civil e política, uns aninhos na Câmara Municipal do Rio e quase 28 anos como deputado.

E aí está a solução para o enigma Bolsonaro. A não ser que tenha passado por uma transformação radical de uns meses para cá, ele não é um liberal. Pode aceitar tal tendência porque ela é conveniente para o casamento de seu lado conservador nos costumes com impulsos que fortaleçam o governo, e esses impulsos têm origem na economia. Se o País voltar a crescer, se a geração de emprego for restabelecida, a sociedade ficará mais feliz. Poucos se importarão com o que o presidente fizer ou disser na área dos costumes. É tudo uma questão de conveniência política.

No cangote de Guedes - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S.Paulo - 13/04

Equipe econômica está levando um baile no Congresso por conta da desorganização do governo na articulação política


A crise política entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso formou uma ferida aberta que hoje representa uma ameaça real ao processo de saneamento das contas públicas.

A desorganização do governo na articulação política é tamanha que a equipe econômica está levando um baile no Parlamento em propostas que podem atrapalhar a política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de colocar as contas públicas no azul o mais rápido possível.

A rapidez na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo foi um primeiro sinal dessa fragilidade. Outros movimentos sucessivos nos últimos dias mostraram que os parlamentares estão dispostos a seguir à risca o script oferecido de bandeja pelo próprio presidente da República ao passar a bola do protagonismo da agenda econômica ao Congresso.

Focada na tramitação da proposta de reforma da Previdência, a área econômica também não parece estar afinada com o Palácio do Planalto para minimizar as perdas em outras batalhas mais silenciosas que começam a ganhar força no Congresso.

Pelo contrário, Bolsonaro sinalizou que pode atender à bancada ruralista e dar um perdão de R$ 17 bilhões da dívida dos produtores com o Funrural, espécie de contribuição previdenciária do setor. Uma decisão que contraria as diretrizes da agenda liberal do seu ministro da Economia.

Se seguir com esse plano, além de prejuízos para a marca que pretende emplacar no seu governo do fim do toma lá dá cá, o presidente também pode correr o risco de ser punido por crime de responsabilidade fiscal. Uma advertência que foi alardeada pelo hoje desafeto de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Uma batalha que já parece perdida é a volta dos subsídios à energia elétrica para produtores rurais. A equipe econômica bem que entrou em alerta para barrar o projeto na Comissão de Minas e Energia da Câmara, mas de nada adiantou.

O projeto derruba um decreto publicado pelo governo Michel Temer no fim do ano passado, reduzindo de forma gradual os subsídios nas contas de luz para a área rural e para companhias de água, esgoto e saneamento. Para piorar, um requerimento de urgência já está na pauta do plenário da Câmara dos Deputados de segunda-feira.

A prorrogação dos benefícios fiscais para construtoras do Minha Casa Minha Vida, incentivo que acabou no fim do ano passado, também está sendo ressuscitada pelo Legislativo.

Uma das maiores ameaças no cangote (para repetir uma palavra que tanto foi usada pelos ministros de Bolsonaro no início do governo) do ministro Guedes é o risco de aprovação de decreto legislativo para derrubar o bloqueio de quase R$ 3 bilhões em emendas parlamentares.

Aprovado esse decreto, como tudo indica que acontecerá, um dos principais instrumentos de calibragem da política fiscal começa a se desfazer. Nesse caso, a articulação do decreto também conta com o apoio de parlamentares aliados e da ala política mais próxima ao presidente.

Desamarrar esse nó das emendas será complicado. Não há dúvidas entre os técnicos do governo de que o problema vai pular no colo do governo bem na hora da votação do relatório da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Para não ficar atrás da Câmara, o Senado também tem agido e aprovou outra PEC que dá mais liberdade para o pagamento das emendas, direcionando os recursos diretamente a Estados e prefeituras, sem necessidade de convênio com União. Estados e municípios poderão usar o dinheiro como bem entenderem, até mesmo para o pagamento de salários.

O ponto mais sensível dessas mudanças orçamentárias é que tudo está sendo feito sem uma estratégia organizada e muito menos discussão técnica. No caso da PEC do Orçamento Impositivo, que já foi aprovada em dois turnos nas duas Casas e voltou para a Câmara após ser alterada no Senado, havia uma negociação de que a proposta seria discutida com os técnicos do governo por 30 dias até que a começasse de fato a tramitação na CCJ.

Mas a tal ferida exposta e os novos atritos mobilizaram os parlamentares a atropelar o governo. Nem mesmo a reforma da Previdência escapou do rebaixamento da lista de prioridades na CCJ. Não se sabe onde esse ativismo vai parar e muito menos quem será responsável se a situação fiscal piorar.

Afinal, quem está falando os “nãos”? Brasil terá déficits primários por pelo menos 10 anos se esse quadro permanecer, e o esgotamento do ajuste fiscal já dá as caras.

Procuram-se moderados - MARIO VITOR RODRIGUES

REVISTA ISTO É,  
EDIÇÃO Nº 2572

O atual cenário, construído a partir das manifestações em 2013, levou o sujeito ponderado ao ostracismo. À mudez absoluta

Se há um argumento que funciona na nossa política é o vitimismo. Assumir o papel do perseguido, daquele que não tem espaço para expor suas ideias ou que, na melhor das hipóteses, se vê intimidado quando ousa defendê-las em voz alta, é batata.

A sensação de injustiça acaba gerando dois sentimentos centrais, ambos positivos para quem se esconde debaixo de tal capa: pena e simpatia. Com isso, fica mais fácil angariar aliados para sua causa.

Funciona tão bem que levou a esquerda ao poder, espaço em que se encastelou por quase duas décadas. Serviu também na medida para impulsionar o bolsonarismo na última eleição. Contudo, verdade seja dita, se há uma minoria neste País, esta não se espelha em nenhum dos polos ideológicos que hoje se digladiam e envenenam o debate público.

Radicais à esquerda e à direita disputam, isso sim, a hegemonia. E achatam aqueles que realmente configuram um grupo menor, às vezes tido como pária em um ambiente forjado pelo acirramento da disputa.

Falo dos moderados.

Não se trata, ao contrário dos casos anteriores, de mera retórica. Não cabe sugerir falsidade no argumento.

De fato, o atual cenário, construído a partir das manifestações em 2013, levou o sujeito ponderado ao ostracismo. À mudez absoluta.

Hoje em dia, vale dizer, quem não compra os discursos difundidos por um dos polos político-ideológicos em voga é desprezado. Leva a culpa, de um lado, por ter permitido a vitória de Jair Bolsonaro, de outro, por ter consentido que o PT ficasse tanto tempo em posse da caneta. Trocando em miúdos, é visto como um mero covarde.

Pois bem, lamento decepcionar a maioria, mas engrosso as fileiras das vítimas reais. E, devo dizer, com certa dose de orgulho.

De forma alguma apoio esta ou aquela facção. Não faria sentido — até porque não é verdade — admitir saudades do tempo em que Dilma Rousseff ou mesmo Lula davam as cartas. Se devo lamentar algo relacionado à dinastia petista é o fato de a sociedade ter preferido dar de ombros em vez de reconhecer e repudiar o lulopetismo.

Entretanto, isso jamais me levará a endossar os argumentos do atual governo. Uma postura agressiva, apolítica, antidemocrática e empapada de populismos baratos, que buscam perpetrar uma lavagem cerebral semelhante àquela outrora empregada pelo PT.

Trata-se, conscientemente, de apostar na moderação. E, sabedor de que não estou sozinho, lamentar que sejamos tão poucos. Ou ainda tão tímidos.

Bom? Para quem? - J.R. GUZZO

 REVISTA VEJA, edição nº 2630

Lula acaba de completar seu primeiro aniversário na cadeia sem que tenha sido possível perceber, ainda desta vez, a revolução que as massas fariam para tirá-lo de lá. É verdade que se está trabalhando o tempo todo para soltar o ex-presidente, nos tribunais superiores, nos escritórios de advocacia especializados em defender ladrões do Erário e nas alturas da classe “civilizada”, tal como ela existe neste país. Mas a coisa está mais complicada do que garantiam um ano atrás os doutores em análise política — segundo eles, Lula ia ficar não mais que umas 24 ou 48 horas preso, se tanto, pois “o Brasil não aguentaria” o cataclismo de sua entrada no sistema penitenciário. O Brasil aguentou perfeitamente, como se viu até agora; ninguém está sentindo falta do homem descrito como “o mais importante” da história política do Brasil. Por que será que ficou assim? Talvez porque não se tenha conseguido, até o momento, colocar de pé três argumentos sérios para justificar a sua soltura. Dois argumentos, então? Também não se encontram. Um, pelo menos? Pois é: nem um. Daí a dificuldade de tirar Lula do xadrez — ninguém consegue dar um motivo minimamente razoável para isso.

O que existe, na verdade, é a velha contrafação de sempre — Lula deveria ser solto, segundo afirma o seu sistema de apoio, porque vai ser “bom para o país”. Só por causa disso? Sim, só por causa disso; não se julga necessário dar nenhuma outra razão. Não há surpresa alguma aí. O Brasil já se acostumou, há anos, a ver os grandes cérebros da nossa política transformar os interesses particulares do ex-presidente em necessidade nacional — se isso ou aquilo diz respeito a Lula, acham eles, então tem de dizer respeito a todos. Mas, no caso, Lula não está preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar o Brasil para cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão, segundo resolveu o único organismo que pode resolver se ele é ladrão ou não é — a Justiça brasileira.


“Lula não está preso por ser uma ‘figura histórica’. Está preso porque é ladrão”

Não é uma opinião. Quem diz que Lula é ladrão são os autos — as testemunhas, a exibição de fatos e as provas apresentadas. Mais que tudo, ele foi condenado num processo impecável do ponto de vista legal; seria difícil encontrar algum outro caso na história da Justiça penal brasileira em que as exigências da lei para punir alguém tenham sido obedecidas com tantos extremos de cuidado. Seu direito de defesa foi exercido na mais absoluta plenitude; não lhe foi negado rigorosamente nada, no incomparável arsenal de facilidades que a Justiça brasileira oferece a réus que têm milhões para gastar com ­advogados. Ninguém sabe ao certo o número de recursos, apelos, habeas-­corpus, mandados de segurança, agravos, embargos etc. que o réu socou em cima da Justiça para se defender. Passaram de 100, possivelmente, e tudo o que ele achou errado foi considerado certo pelas instâncias superiores. Fazer o quê, então?

Há uma vaga ideia, na elite iluminada, de que a culpa de Lula não está suficientemente demonstrada. Mas muita gente acha que está. E aí: quem resolve? Com certeza não é a torcida do Corinthians nem o Datafolha. É a Justiça, e ela já resolveu. Nossa Justiça é ruim? É horrível. O presidente do STF levou bomba duas vezes seguidas no concurso para a magistratura; não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos, mas pode ser presidente do mais alto tribunal do país. É preciso dizer mais alguma coisa? Mas essa Justiça, do jeito que está, é a única disponível no Brasil de hoje — não dá para entregar o julgamento de Lula ao Judiciário da Holanda, não é? Além disso, o Complexo Pró-Lula não apenas acha que ele é inocente até prova em contrário, ou até a sua sentença “transitar em julgado”, daqui a mais uma dúzia de sentenças. Acha que Lula é inocente enquanto negar que é culpado; só pode ser punido se um dia confessar seus crimes.

Ninguém reclama, ao mesmo tempo, que estejam presos Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e tantos outros. Será que é porque roubaram mais? Ou porque a prisão deles “não faz mal ao Brasil”? Jamais se menciona, também, que ex-presidentes presos não prejudicam a “imagem internacional” de país nenhum. Rafael Videla, da ­Argentina, morreu na cadeia. Park Geun-hye, da Coreia do Sul, está cumprindo pena de 25 anos de prisão por corrupção. Alberto Fujimori, do Peru, aos 80 anos de idade, acaba de voltar ao xadrez para cumprir o restante da sua pena de 25 anos de prisão por ladroagem, após ter sido liberado por três meses para tratamento de um câncer. Por que teria de ser diferente com Lula?

Produtividade ou mediocridade - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA, edição nº 2630
A capacidade de produzir é o maior determinante do crescimento

A economia cresce pela conjugação de três elementos: o investimento, o emprego da mão de obra e a produtividade. O segundo pode ser desdobrado em dois: a mão de obra propriamente dita e o capital humano, isto é, o estoque de conhecimentos e os atributos sociais e de personalidade do trabalhador — incluindo a criatividade —, adquiridos com a educação e a experiência.

A produtividade é o principal desses três elementos. Tem a ver com eficiência, cujo aumento permite produzir mais com os mesmos recursos. Para Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, “a produtividade não é tudo na economia; a longo prazo, é quase tudo”. Ela não costuma, todavia, ser valorizada entre nós como fonte básica do crescimento econômico. Muitos desconhecem o seu papel.

Em aula magna no Instituto Rio Branco, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que éramos o país de maior crescimento quando tínhamos como principal parceiro os Estados Unidos. Isso teria mudado quando essa posição foi assumida pela China. “De fato, a China passou a ser o grande parceiro comercial do Brasil e, coincidência ou não, tem sido um período de estagnação do Brasil.”

Na verdade, esses dois momentos se explicam essencialmente pelo desempenho da produtividade. É o que está escrito no livro Anatomia da Produtividade no Brasil (Editora FGV, 2017). O crescimento da produtividade no período 1950-1980 alcançou 4,2% anuais, enquanto se expandiu 0,6% ao ano nas três décadas posteriores, ou seja, um sétimo apenas. O Brasil cresceu muito ou pouco em função do desempenho da produtividade. O ministro confundiu alhos com bugalhos.

O medíocre crescimento da economia teria sido pior sem a China, cuja demanda por nossas commodities explica os expressivos superávits que passamos a exibir na balança comercial (58,3 bilhões de dólares em 2018), o que equivale a ganhos de produtividade. O decorrente fortalecimento do balanço de pagamentos nos permitiu minimizar os efeitos da crise financeira global de 2008.

Não vamos “vender nossa alma” à China, como disse o ministro, mas precisamos ampliar as nossas vantajosas relações comerciais. Se a reforma da Previdência ocorrer, o desafio seguinte será o de ganhar produtividade.

Quatro ações são essenciais: (1) elevar os investimentos em infraestrutura, particularmente a de transporte, para melhorar a operação da logística; (2) promover uma reforma tributária para eliminar o caos da tributação do consumo, mediante a instituição de um tributo nacional sobre o valor agregado (IVA), em substituição à confusão do ICMS, do ISS, do PIS e da Cofins; (3) gradativamente, abrir a economia para expor a indústria à competição internacional, o que incentivará a busca de eficiência; e (4) melhorar a qualidade da educação, de modo a incrementar a produtividade do trabalhador brasileiro, que representa 20% da produtividade do trabalhador americano. Sem isso, nosso desempenho econômico será igual ou inferior ao atual, com graves efeitos no emprego e na renda dos brasileiros.

DILMA, ÉS TU?! BOLSONARO DÁ UM TIRO NO PÉ LIBERAL AO ADOTAR CONGELAMENTO DE PREÇOS DO DIESEL - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 13/04

“Não adianta ser tigrão no Twitter e tchutchuca com caminhoneiro.” – Renan Santos, MBL


A Petrobras anunciou aumento de preços do diesel, mas veio a ordem de cima, determinando que era para cancelar tal aumento. Segundo O Antagonista, a decisão teria vindo do ministro Onyx Lorenzoni, que, preocupado com uma eventual greve dos caminhoneiros, teria ligado para Roberto Castello Branco, presidente da estatal, e mandado abortar o aumento.

Para piorar, o presidente fez uma declaração extremamente ignorante, dizendo que a Petrobras terá de convence-lo do aumento de 5,7% se a inflação projetada é inferior a 5%. Vergonha alheia! Momento Dilma do presidente, que não entende a diferença entre uma cesta de preços e um preço específico de uma commodity. Já ofereci meu curso online de economia básica ao então candidato Bolsonaro, que pelo visto não se interessou. A oferta continua de pé.

A maioria condenou a decisão, e as ações da Petrobras desabaram no mercado. Mas a turma bolsominion, que precisa defender sempre o governo e seu “mito”, saiu em campo para justificar o injustificável: é pragmatismo para aprovar a reforma!

Sério que tem gente defendendo o comentário estúpido e a medida absurda de Bolsonaro sobre preço do diesel como estratégia legítima de se evitar uma nova greve dos caminhoneiros? É sério isso?! Então, por pragmatismo, vale congelar preços e destruir os manuais de economia, como fazia o PT?

E tudo para evitar uma greve que, antes, quando não era governo, Bolsonaro ajudou a fomentar? A greve que seu ex-ministro Gustavo Bebianno ajudou a insuflar? A mesma que seu “chanceler do B” Filipe G. Martins viu como um belo ato revolucionário, enxergando um George Washington em cima de cada caminhão? Quem faz esse malabarismo dialético e adota esse duplo padrão difere do PT exatamente em quê?!

“Já falei que não entendia de economia”. Assim o presidente justificou sua medida petista de congelamento de preços do diesel. Ué, mas não tinha seu Posto Ipiranga para isso? Alguém acha que o liberal Paulo Guedes concorda com tabelamento de preços?! A conversão ao liberalismo, cada vez fica mais claro, era oportunista. Estatais continuam por aí, até mesmo a EBC e os Correios, que o ministro-astronauta se recusa a vender; temos populismo tarifário agora; e o presidente ainda se esquiva da responsabilidade alegando ignorância, sendo que é o presidente. Assim complica…

Os mesmos jacobinos que ontem condenavam o pragmatismo da articulação com o Congresso, que é simplesmente fazer política (nem velha nem nova), agora aplaudem congelamento de preços com base no argumento pragmático: vale tudo para evitar greves e aprovar a reforma. Ou seja, não pode negociar cargos e emendas com deputados, mas pode apelar para o populismo econômico e ficar refém dos caminhoneiros, cuja greve no passado foi aplaudida pelos próprios bolsonaristas? Quanta falta de coerência!

A cada dia, a cada tropeço do presidente, a cada incoerência, fica mais visível que há uma militância virtual disposta a embarcar junto nas contradições para defende-lo, não importa o que seja. E ainda partem para cima com sangue nos olhos, como chacais ou hienas famintas, para atacar os analistas independentes, aqueles de cujo futuro não depende bajular o presidente para preservar cargos públicos. São mesmo, como disse Janaina Paschoal, petistas com o sinal trocado…


O retorno da intervenção - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/04


Há dois caminhos e só um é certo. Foi isso que a queda das ações da Petrobras mostrou ontem. Os preços dos combustíveis podem ser fixados tecnicamente pelas mais diversas fórmulas, mas jamais decididos pelo presidente da República. O caminho escolhido por Jair Bolsonaro foi o mesmo usado pela ex-presidente Dilma e que produziu um grande prejuízo para a estatal. Não é pelo adiamento em si do reajuste do diesel, é porque ele rasga a política de preços e contradiz a agenda liberal do ministro Paulo Guedes.

Há várias formas de reajustes que obedeçam as leis de mercado. Nenhuma delas comporta uma decisão tomada por um telefonema do Palácio do Planalto. A revisão pode ser diária, quinzenal, ou por uma fórmula, mas tudo tem que ter parâmetro transparente. A greve dos caminhoneiros exibiu um problema concreto. Os motoristas saíam com um frete contratado e no meio da viagem o preço do insumo subia. Isso os levava ao prejuízo. O governo Temer encontrou uma nova fórmula de reajustes mais espaçados, com compensações à Petrobras pelo Tesouro. E por que compensar a estatal? Porque quem dá subsídio é o Tesouro e jamais uma empresa de capital aberto, do contrário há uma distorção de preço e o uso político da estatal.

Durante a campanha, Jair Bolsonaro foi perguntado várias vezes sobre o assunto. A política de preços estabelecida no governo Temer, depois da greve, acabaria no fim de dezembro. A nova administração teria que pensar numa saída. Qual seria? Ele tinha apoiado a greve dos caminhoneiros em mais um ato populista da sua campanha. O economista indicado como futuro ministro é um liberal e, por óbvio, contra o controle de preços. Perguntado sobre essa contradição, ele dava respostas vazias — “isso é com o posto Ipiranga” — ou era ambíguo. Há uma hora em que a ambiguidade se esclarece. Foi agora, com a decisão de Bolsonaro de mandar o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, revogar o aumento do diesel.

No dia 3 de agosto, como lembrou ontem o repórter José Roberto Castro do “Nexo Jornal”, Bolsonaro, em uma entrevista a mim, mostrou sua forma de pensar o reajuste. “Acabei de ver lá embaixo um lucro monstruoso da Petrobras. Quem é que faz o preço da Petrobras? Ninguém quer dar canetada em lugar nenhum, mas pelo que me consta, não sei se é verdade, a Petrobras coloca 150% de majoração sobre o preço do óleo diesel. Será que não pode ser um pouquinho menor esse percentual?”.

Se o repasse fosse abusivo, como ele disse quando candidato, já deveria ter corrigido, dado que a empresa é quase monopolista. Mas o que ele acabou de fazer foi dar uma “canetada”. O certo é que o preço tem que seguir as cotações internacionais por uma fórmula que seja transparente.

Não é pelos 5,7%. É muito mais. A contradição econômica desse governo sempre foi entre o conjunto de crenças intervencionistas que Bolsonaro demonstrou ao longo de sua vida política, e o programa liberal de campanha. A cada dia as duas cordas desafinam. O aumento da barreira contra o leite em pó não sabe como se encaixar na promessa de abertura comercial. A concessão de perdão à divida do Funrural não conversa com a promessa de ajuste fiscal. Os aumentos de soldos dos militares contradizem diretamente a proposta de reforma da Previdência.

Essa questão sempre vira um ponto de tensão quando os preços sobem no mercado internacional. Foi o que aconteceu agora. A cotação do petróleo tipo Brent saltou 29% entre os dias 2 de janeiro e 11 de abril, saindo de US$ 54 para US$ 70. Quando isso acontece, tem várias vantagens para o país, como o aumento de arrecadação. Por outro lado, os combustíveis ficam mais caros. O presidente da Petrobras disse que não voltaria à política do governo Dilma. Durante os anos de controle dos preços, a estatal acumulou bilhões de prejuízo com essa política. No governo Temer, os preços oscilavam diariamente para cima ou para baixo. Quando o barril subiu, explodiu a greve dos caminhoneiros. Pensou-se em um imposto que arrecadasse quando o preço ficasse baixo para subsidiar o combustível nos picos de alta. Isso não foi adiante. Aliás, a Cide era para isso, mas acabou desvirtuada.

O governo pode encontrar uma fórmula que evite o excesso de volatilidade, desde que siga preços internacionais e seja transparente. Quando um telefone do Planalto decide o preço, por menor que seja o reajuste revogado, quebra-se o cristal da confiança.

A invasão da Petrobrás - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 13/04

O presidente Jair Bolsonaro agiu como seus antecessores petistas, chocou o mercado, assustou investidores e derrubou as ações da companhia


O presidente Jair Bolsonaro invadiu a Petrobrás. Em mais uma ação desastrada, ele mandou suspender um aumento de preço do diesel, chocou o mercado, assustou os investidores e derrubou as ações da companhia, o que causou uma perda de seu valor de mercado de R$ 32,4 bilhões. Agiu como seus antecessores petistas, deixou-se levar pelo voluntarismo e interveio na gestão de uma grande empresa de capital aberto. A política petista quase quebrou a estatal. A intervenção do presidente Bolsonaro lembra uma história de erros catastróficos, interrompida no governo do presidente Michel Temer, quando a administração da petroleira foi profissionalizada e voltou ao caminho certo. A ação do PT, dirão os defensores do presidente, favoreceu uma orgia de corrupção e nada parecido deve ocorrer neste governo. Pode ser, mas a mera intervenção na política de preços e em vários outros aspectos da administração seriam suficientes para impor perdas enormes.

“Não sou intervencionista. Não vou praticar a política que fizeram no passado, mas quero os números da Petrobrás”, disse o presidente. Essas palavras são tão assustadoras quanto a ordem de suspender o aumento de preço do diesel. Na mesma declaração o chefe de governo negou ser intervencionista e exigiu a apresentação dos números para sua avaliação. Essa exigência é uma clara e inegável intromissão num assunto tipicamente empresarial, a fixação do preço de um produto. Será o presidente Bolsonaro incapaz de perceber esse fato tão simples?

Mas a explicação se estendeu e cada palavra confirmou a disposição de controlar a gestão da empresa. O presidente disse ter convocado “todos da Petrobrás” para lhe explicar, na terça-feira, a razão do aumento de 5,7%, quando a inflação do ano está projetada em menos de 5%. “Se me convencerem, tudo bem. Se não me convencerem, vamos dar a resposta adequada a vocês”, acrescentou. Em suma, os diretores da empresa têm de convencer o presidente da República do acerto de um ato gerencial. Ele exige essa explicação como presidente da República? Como responsável pelo governo da União, acionista majoritária? Quantos dos demais acionistas, especialmente estrangeiros, aceitarão qualquer explicação desse tipo?

Não por acaso a decisão do presidente Bolsonaro foi apoiada por um petista, o deputado gaúcho Paulo Pimenta, líder do partido na Câmara. Segundo ele, a Petrobrás, sendo uma empresa nacional, “deve estar de acordo com a política de preços definida para o setor”. Essa opinião, acrescentou, é coerente com a posição por ele defendida em outros momentos. Seria também, é claro, uma reedição da política seguida no governo da presidente Dilma Rousseff.

Com aplauso do líder petista, o preço do diesel permanecerá congelado até terça-feira, data prevista para a reunião, ou por mais tempo, se os diretores da empresa deixarem de convencer o presidente.

Devastada na gestão petista, a Petrobrás começou a recuperar-se com a mudança de comando favorecida pelo presidente Michel Temer. A recuperação ganhou impulso quando Pedro Parente, na presidência da empresa, redefiniu suas metas de produção e de expansão, iniciou um programa de desinvestimento, reorganizou seu passivo e implantou uma nova política de preços. A liquidação de pendências internacionais foi um passo importante. Com todas essas medidas, a Petrobrás começou a escapar da posição de campeã mundial do endividamento.

A escolha do economista Roberto Castello Branco para a presidência da empresa animou o mercado. A decisão de espaçar os aumentos dos combustíveis, adotando um ritmo quinzenal, foi recebida com boa vontade. A intromissão do presidente Jair Bolsonaro quebrou o padrão de respeito aos critérios empresariais e aos acionistas minoritários.

A referência do presidente aos interesses dos caminhoneiros em nada atenuou seu erro. Ao contrário mostrou uma perigosa adesão a falhas da gestão anterior, quando se criou, com a tabela de fretes, um cartel chapa branca, complementado por uma política de subsídio ao preço do diesel. Se isso é a nova política prometida pelo presidente, os próximos anos poderão ser emocionantes como um filme-desastre.

Ecos de Dilma - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/04

Jair Bolsonaro intervém no preço do diesel para agradar a caminhoneiros


Durou poucos dias a trégua que Jair Bolsonaro (PSL) parecia oferecer a seu governo. Deixada de lado a briga com o presidente da Câmara dos Deputados que dificultava a reforma da Previdência, o presidente fomentou uma nova crise com a decisão atabalhoada de intervir no preço do óleo diesel.

Nesta sexta-feira (12), o combustível deveria ficar 5,7% mais caro nas refinarias, como a Petrobras havia anunciado no dia anterior. Seria o primeiro reajuste desde o final de março, quando a estatal definiu que as mudanças do preço, destinadas a acompanhar as cotações internacionais, se dariam em prazos não inferiores a 15 dias.

Já na noite de quinta, porém, a empresa recuou por meio de uma nota vexatória, em que atribuía a nova orientação de suspender o aumento a supostos novos cálculos e considerações técnicas —e não a uma ingerência política.

A embromação foi logo desmoralizada. Um líder dos caminhoneiros —categoria que mais uma vez ameaça com uma paralisação desastrosa para o país— agradeceu de público a Bolsonaro. Mais tarde, o próprio presidente relataria sua participação no episódio.

“Já falei que não entendia de economia, quem entendia afundou o Brasil”, justificou-se. A condução da medida mostra que seu despreparo transcende tal ignorância.

O chefe do Executivo se revelou vulnerável a pressões setoriais, sem ao menos buscar uma negociação transparente; minou a credibilidade do ministro da Economia e sua agenda liberal; de mais imediato, lançou dúvidas sobre a governança da maior empresa do país.

As ações da Petrobras despencaram, com perda de mais de R$ 30 bilhões em valor de mercado num único dia, enquanto voltava à memória a catástrofe produzida pelo intervencionismo de Dilma Rousseff (PT) —de quem Bolsonaro procurou se diferenciar na entrevista.

Aquela manipulava tarifas públicas na tentativa de conter a inflação e estimular a demanda; este se diz preocupado com os caminhoneiros e com “um preço justo para o óleo diesel”. De boas intenções as crises econômicas estão cheias.

É razoável que se evitem reajustes diários dos combustíveis, para viabilizar o planejamento do transporte de mercadorias. Constitui despautério, entretanto, imaginar que uma estatal possa trabalhar com preços artificiais e absorver prejuízos por prazo indefinido.

Cedo ou tarde, como a experiência demonstra à exaustão, a conta chega à sociedade por meio de colapsos orçamentários, tarifaços, queda da confiança empresarial e escassez de investimentos.

Há meios de baratear os combustíveis com ajustes na tributação ou na concorrência. Nada disso é simples ou capaz de assegurar valores que os caminhoneiros considerem satisfatórios. Mais que aprender economia, Bolsonaro precisa saber negociar e, quando necessário, contrariar pleitos específicos em nome do interesse geral.