O Estado de S.Paulo - 27/06
Hoje não temos governo e a boçalidade se instalou em diversos setores da vida nacional
Não é só pela pandemia, pela ameaça de uma segunda onda do vírus ou pelas indicações de que ninguém fica imunizado contra ele por muito tempo. Também não é só porque a OMS advertiu que a pandemia continua em expansão, com efeitos que serão sentidos por décadas. É por tudo isso, mas também porque estamos perdendo a ideia de futuro.
Ninguém sabe com certeza como será a retomada. Fala-se em “novo normal” como um esforço para afirmar que as coisas encontrarão um eixo, um padrão regular. É um reflexo automático daquela necessidade primal que temos de segurança, ordem, estabilidade, rotina.
A verdade é que o futuro está coberto por trevas obscurantistas e promessas de regressão. É como uma paisagem na neblina. Sabemos que há algo lá e que lá chegaremos, mas não conseguimos deslindar a imagem por inteiro. O futuro escapa-nos por entre os dedos. Não temos mais uma ideia de “progresso”, que moveu a modernidade e o capitalismo desde que se projetaram na História. Mas intuímos que não voltaremos a viver como nossos pais, mesmo que conservemos muito do seu legado de hábitos e valores. Estamos meio que a esmo, perplexos.
O arranjo socioeconômico, institucional, cultural é outro. A começar da família, que modelou até hoje a sociedade. Nossos filhos adotam novos formatos de vida familiar, de casamento, vivem juntos de maneira distinta, são felizes ou infelizes de um modo todo deles.
A mesma coisa na economia. Damos como óbvio que todos querem empregos estáveis, longas carreiras em empresas sólidas, rotinas estabelecidas, carteira assinada. Seria a receita contra a “precarização”, um remédio para valorizar o trabalho e os trabalhadores. Não sabemos se é isso mesmo que as pessoas querem. Talvez não seja a expressão do desejável para as novas gerações, mais chegadas ao improviso, à excitação do movimento, da velocidade. Também ignoramos se tal cenário é factível num mundo de tecnologias onipresentes e mudanças aceleradas. E as empresas, por sua vez, têm dificuldades para se reposicionar no mercado e reformular plantas e procedimentos.
Dá-se algo parecido na política. É quase impossível admitir que os partidos voltarão a ser o que foram no século 20, estruturas burocráticas, pesadas, focadas na conquista e no controle do poder, com dirigentes que se eternizam no cargo. A democracia está posta como valor, inquestionável para a maior parte dos humanos. Mas os sistemas democráticos estão em crise, são chantageados e corrompidos por líderes e movimentos fundamentalistas, que se querem “patrióticos”, mas minam sistematicamente as bases da Nação e do Estado.
A vida mudou, arrastando consigo as imagens que tínhamos do futuro. Diante de nós se abrem uma interrogação, muitas distopias e nenhuma utopia.
Foi-se o tempo em que o escritor suíço Stefan Zweig podia se encantar com o “país do futuro”, que ele via com uma generosa pitada de ufanismo, como uma comunidade que sabia harmonizar seus contrastes. Zweig viveu no Brasil entre 1940 e 1942, auge do Estado Novo e do hitlerismo, que avançava na Europa. Suicidou-se em Petrópolis.
De lá para cá, houve grandes transformações. Aprendemos muito, o País transfigurou-se de cima a baixo. Mas não temos motivos para nos ufanarmos. Continuamos a carregar o fardo da desigualdade. Nossa produtividade estagnou, junto com a educação. O Brasil está cheio de carências e buracos. Metade da população não dispõe de água encanada e saneamento básico. Hoje não temos governo e a boçalidade se instalou em diversos setores da vida nacional.
O futuro está oculto. Em parte porque pouco sabemos sobre ele e tememos o que imaginamos a seu respeito. E em parte porque o futuro, ele próprio, se oculta de nossos olhos, desarrumado pela realidade. Há um enorme volume de conhecimentos, mas não sabemos, com nossas ciências especializadas, como organizá-los de modo a capturar o fluxo, o processo. Precisamos de uma abordagem que ultrapasse as visões parceladas, “religue-as” (Morin) e apreenda o que está conectado, o todo.
O futuro, a rigor, já está aí, incorporado à vida cotidiana sem que percebamos. Não há por que fazer previsões proféticas. “A dificuldade de conhecer o futuro depende também do fato de que cada um projeta no futuro as próprias aspirações e inquietações”, escreveu certa vez Norberto Bobbio.
A ordem geral é sempre sobreviver. Não é por acaso que tanto se valoriza o aqui e agora, o que pode ser minimamente “apalpado”, é menos incerto e duvidoso.
Mas não há somente trevas à frente. Bem ou mal, o mundo se move, os protestos se acumulam, as perversões ficam mais transparentes, a ciência se afirma, a democracia permanece no horizonte. Buscamos o tempo todo ver além da neblina, para agarrar o futuro que nos escapa.
Para sobreviver com dignidade precisamos manter a lucidez e a serenidade, combinando-as com a indignação que nos faz recusar injustiças, nos mobiliza e nos ajuda a manter a esperança e a grandeza de espírito. Essas são nossas estrelas-guia.
Professor titular de teoria política da Unesp
sábado, junho 27, 2020
Bolsonaro ensaia estilo ‘paz e amor’ para defender os filhos e o governo - GUSTAVO URIBE
Folha de S. Paulo 27/06
Presidente recuou nos últimos dias em conduta agressiva e tem feito gestos de pacificação ao Judiciário e Legislativo
Em uma tentativa de diminuir o desgaste do governo e proteger os filhos, o presidente Jair Bolsonaro deixou de lado nos últimos dias a postura beligerante, deu uma guinada em seu discurso público e passou a adotar um estilo “paz e amor”.
Nas duas últimas semanas, marcadas por operações policiais contra alvos próximos à sua família, o presidente recuou em conduta agressiva e fez gestos de pacificação ao Judiciário e ao Legislativo.
A mudança de postura —ao menos por enquanto— ocorreu após pelo menos dois integrantes da equipe ministerial terem recomendado ponderação ao presidente: Fernando Azevedo (Defesa) e Fábio Faria (Comunicações).
De acordo com assessores palacianos, ambos sugeriram a Bolsonaro que ele intensifique o diálogo tanto com o Judiciário como com o Legislativo na tentativa de evitar novos reveses, entre eles contra seus filhos.
Na quinta-feira (25), por exemplo, ao lado do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, Bolsonaro defendeu, em evento no Palácio do Planalto, a cooperação e a harmonia entre os três Poderes.
"Esse entendimento, essa cooperação, bem revela o momento que vivemos aqui no Brasil”, disse. “O nosso entendimento, no primeiro momento, é que pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país", acrescentou.
Na quinta-feira (25), em um movimento que surpreendeu a classe política, nomeou o economista Carlos Decotelli, conhecido pelo perfil moderado e técnico, para o comando do Ministério da Educação.
O esperado, até mesmo por ministros palacianos, era que Bolsonaro mantivesse a pasta sob o controle de um nome olavista, que repetisse a linha ideológica adotada pelo antecessor Abraham Weintraub.
Ainda no mesmo dia, em live nas redes sociais, o presidente prestou homenagem às vítimas do novo coronavírus, destoando da defesa que tem feito desde o início da pandemia de que se trata de uma “gripezinha” que não pode interromper a atividade econômica.
“Sei que muitos programas de rádio pelo Brasil, às 18h, tocam a música 'Ave Maria'. Queria então prestar uma homenagem aos que se foram, vítimas do coronavírus”, pediu Bolsonaro ao presidente da Embratur, Gilson Machado, que a tocou em uma sanfona.
Em conversas reservadas, Bolsonaro tem demonstrado preocupação com as situações jurídicas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Segundo relato de um deputado bolsonarista, o presidente chegou a se emocionar recentemente ao citar a possibilidade de uma operação ou de uma prisão de seus dois filhos mais velhos.
O receio começou na semana passada, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra aliados do governo em inquérito sobre protestos antidemocráticos.
A operação não foi a primeira determinada pelo STF contra entusiastas do presidente. No final de maio, ativistas bolsonaristas também foram alvos no inquérito das fake news.
As duas investigações têm como relator o ministro Alexandre de Moraes, que citou a suspeita de participação do chamado “gabinete do ódio” em um esquema para disseminar notícias falsas e ofensas contra autoridades.
O "gabinete do ódio", bunker digital do Palácio do Planalto, é formado por três assessores presidenciais e é tutelado por Carlos, que coordenou a estratégia digital da campanha eleitoral bem-sucedida do pai, em 2018.
Após a segunda operação, realizada no início da semana passada, o presidente, que tinha como hábito fazer ataques diretos à corte, citando-a nominalmente, diminuiu o tom e começou a fazer apenas críticas indiretas.
A mudança de postura era ainda pontual, mas teve de ser ampliada após uma nova crise envolvendo outro filho.Naquela quinta-feira (18), foi preso o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Ele é investigado por participação em suposto esquema de “rachadinha” no ex-gabinete do senador, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Os dois episódios impactaram o presidente, segundo aliados próximos, que decidiu deflagrar no mesmo dia uma operação de pacificação. Naquela tarde, Bolsonaro demitiu Abraham Weintraub, que havia insultado o STF e era desafeto tanto do Supremo como do Congresso.
E se reuniu no gabinete presidencial com deputados federais do centrão. No encontro, segundo relatos de presentes, ele teceu elogios ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem já protagonizou diversas trocas de críticas durante o mandato.
No dia seguinte, para reforçar o gesto, o presidente enviou a São Paulo três ministros para um encontro com Moraes. Na reunião, segundo relatos de presentes, foi dado o recado de que Bolsonaro está disposto a iniciar uma nova relação com o STF.
Nesse sentindo, o presidente decidiu estender bandeira branca ao futuro presidente do Supremo, Luiz Fux, e, por meio de interlocutores, informou ao ministro que quer construir um canal de diálogo com ele, evitando uma fissura permanente.
Na avaliação de deputados bolsonaristas, o movimento em relação ao Legislativo, além de evitar a instauração de um processo de impeachment, também tem como objetivo tentar proteger Flávio.
O Conselho de Ética do Senado analisa representação que pede a cassação do mandato do filho do presidente. A prisão de Queiroz levou a Rede a pedir inclusive urgência na abertura do processo.
Apesar de a nova postura de Bolsonaro ser elogiada tanto por integrantes do Legislativo como do Judiciário, ela ainda é vista com certo ceticismo.
Eles lembram que o presidente já ensaiou moderação em outros momentos no qual se sentiu acuado, mas que voltou a adotar um discurso beligerante após não se sentir mais ameaçado.
Presidente recuou nos últimos dias em conduta agressiva e tem feito gestos de pacificação ao Judiciário e Legislativo
Em uma tentativa de diminuir o desgaste do governo e proteger os filhos, o presidente Jair Bolsonaro deixou de lado nos últimos dias a postura beligerante, deu uma guinada em seu discurso público e passou a adotar um estilo “paz e amor”.
Nas duas últimas semanas, marcadas por operações policiais contra alvos próximos à sua família, o presidente recuou em conduta agressiva e fez gestos de pacificação ao Judiciário e ao Legislativo.
A mudança de postura —ao menos por enquanto— ocorreu após pelo menos dois integrantes da equipe ministerial terem recomendado ponderação ao presidente: Fernando Azevedo (Defesa) e Fábio Faria (Comunicações).
De acordo com assessores palacianos, ambos sugeriram a Bolsonaro que ele intensifique o diálogo tanto com o Judiciário como com o Legislativo na tentativa de evitar novos reveses, entre eles contra seus filhos.
Na quinta-feira (25), por exemplo, ao lado do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, Bolsonaro defendeu, em evento no Palácio do Planalto, a cooperação e a harmonia entre os três Poderes.
"Esse entendimento, essa cooperação, bem revela o momento que vivemos aqui no Brasil”, disse. “O nosso entendimento, no primeiro momento, é que pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país", acrescentou.
Na quinta-feira (25), em um movimento que surpreendeu a classe política, nomeou o economista Carlos Decotelli, conhecido pelo perfil moderado e técnico, para o comando do Ministério da Educação.
O esperado, até mesmo por ministros palacianos, era que Bolsonaro mantivesse a pasta sob o controle de um nome olavista, que repetisse a linha ideológica adotada pelo antecessor Abraham Weintraub.
Ainda no mesmo dia, em live nas redes sociais, o presidente prestou homenagem às vítimas do novo coronavírus, destoando da defesa que tem feito desde o início da pandemia de que se trata de uma “gripezinha” que não pode interromper a atividade econômica.
“Sei que muitos programas de rádio pelo Brasil, às 18h, tocam a música 'Ave Maria'. Queria então prestar uma homenagem aos que se foram, vítimas do coronavírus”, pediu Bolsonaro ao presidente da Embratur, Gilson Machado, que a tocou em uma sanfona.
Em conversas reservadas, Bolsonaro tem demonstrado preocupação com as situações jurídicas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Segundo relato de um deputado bolsonarista, o presidente chegou a se emocionar recentemente ao citar a possibilidade de uma operação ou de uma prisão de seus dois filhos mais velhos.
O receio começou na semana passada, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra aliados do governo em inquérito sobre protestos antidemocráticos.
A operação não foi a primeira determinada pelo STF contra entusiastas do presidente. No final de maio, ativistas bolsonaristas também foram alvos no inquérito das fake news.
As duas investigações têm como relator o ministro Alexandre de Moraes, que citou a suspeita de participação do chamado “gabinete do ódio” em um esquema para disseminar notícias falsas e ofensas contra autoridades.
O "gabinete do ódio", bunker digital do Palácio do Planalto, é formado por três assessores presidenciais e é tutelado por Carlos, que coordenou a estratégia digital da campanha eleitoral bem-sucedida do pai, em 2018.
Após a segunda operação, realizada no início da semana passada, o presidente, que tinha como hábito fazer ataques diretos à corte, citando-a nominalmente, diminuiu o tom e começou a fazer apenas críticas indiretas.
A mudança de postura era ainda pontual, mas teve de ser ampliada após uma nova crise envolvendo outro filho.Naquela quinta-feira (18), foi preso o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Ele é investigado por participação em suposto esquema de “rachadinha” no ex-gabinete do senador, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Os dois episódios impactaram o presidente, segundo aliados próximos, que decidiu deflagrar no mesmo dia uma operação de pacificação. Naquela tarde, Bolsonaro demitiu Abraham Weintraub, que havia insultado o STF e era desafeto tanto do Supremo como do Congresso.
E se reuniu no gabinete presidencial com deputados federais do centrão. No encontro, segundo relatos de presentes, ele teceu elogios ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem já protagonizou diversas trocas de críticas durante o mandato.
No dia seguinte, para reforçar o gesto, o presidente enviou a São Paulo três ministros para um encontro com Moraes. Na reunião, segundo relatos de presentes, foi dado o recado de que Bolsonaro está disposto a iniciar uma nova relação com o STF.
Nesse sentindo, o presidente decidiu estender bandeira branca ao futuro presidente do Supremo, Luiz Fux, e, por meio de interlocutores, informou ao ministro que quer construir um canal de diálogo com ele, evitando uma fissura permanente.
Na avaliação de deputados bolsonaristas, o movimento em relação ao Legislativo, além de evitar a instauração de um processo de impeachment, também tem como objetivo tentar proteger Flávio.
O Conselho de Ética do Senado analisa representação que pede a cassação do mandato do filho do presidente. A prisão de Queiroz levou a Rede a pedir inclusive urgência na abertura do processo.
Apesar de a nova postura de Bolsonaro ser elogiada tanto por integrantes do Legislativo como do Judiciário, ela ainda é vista com certo ceticismo.
Eles lembram que o presidente já ensaiou moderação em outros momentos no qual se sentiu acuado, mas que voltou a adotar um discurso beligerante após não se sentir mais ameaçado.
O silêncio vale ouro - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 27/06
Pode ser que, a qualquer momento, a natureza de Bolsonaro fale mais alto, mas o clima de Brasília desanuviou um pouco em razão desse mutismo bolsonarista
Desde sua posse, em janeiro do ano passado, praticamente não houve um único dia em que o presidente Jair Bolsonaro não desse alguma declaração que alimentasse o confronto com todos os que considera seus rivais, reais ou imaginários. Construiu sua Presidência na base dessa guerra permanente, para frenesi de suas hostes radicais e desespero do resto do País. Entendimento, quando havia, era apenas circunstancial: servia somente a algum propósito tático, sem qualquer expectativa de construção de uma governança estável e sólida.
Eis então que, de uns dias para cá, o presidente decidiu silenciar. Pode ser que, a qualquer momento, a natureza de Bolsonaro fale mais alto e ele perca novamente as estribeiras, alinhando-se a manifestações golpistas e desafiando as instituições republicanas, mas o fato é que o clima de Brasília desanuviou um pouco em razão desse recente mutismo bolsonarista.
O contexto indica que o silêncio do presidente provavelmente se deva aos contratempos que ele, seus filhos, alguns de seus parlamentares de estimação e empresários simpatizantes enfrentam na Justiça. A prisão de Fabrício Queiroz, o notório ex-assessor de Flávio Bolsonaro, filho de Bolsonaro e hoje senador, parece ter sido o fato determinante para que ele afinal se recolhesse. Não se sabe o que o caso Queiroz pode revelar, mas há suspeitas de traficâncias diversas que podem comprometer a família presidencial – ao mesmo tempo que avançam inquéritos em outras frentes, alguns dos quais tocados por um STF que já demonstrou suficiente resiliência para resistir às estocadas bolsonaristas.
Alguém de bom senso no governo deve ter finalmente convencido Bolsonaro de que a manutenção da estratégia de atrito queimaria as últimas pontes com as instituições que têm poder de encurtar seu mandato e também de punir crimes com os rigores da lei. E o que não faltam, como se sabe, são motivos para embaraçar Bolsonaro.
Pode ser também que tenha ficado claro para o presidente que ele talvez não disponha do apoio militar que julgava ter, a despeito de ter se cercado de generais reformados e da ativa em seu Ministério e de, a todo momento, referir-se às Forças Armadas como se estivessem a seu serviço e respondessem a seu comando em qualquer circunstância.
Seja qual for a explicação, é forçoso reconhecer que a política nacional vive raríssimo momento de calmaria. E isso bastou para dar à gestão de Bolsonaro uma feição semelhante à de um governo. O presidente acelerou a negociação com sua base parlamentar e, com isso, já há movimentação para que o governo apresente projetos com vista à recuperação do País depois da pandemia. Além disso, nomeou um ministro da Educação que não só é considerado bem melhor do que o antecessor, o que não é uma façanha, mas um que parece disposto ao diálogo com o Congresso e com os Estados – algo que destoa frontalmente do bolsonarismo radical, que havia tomado a Educação como sua cidadela.
Isso não significa nem que as negociações do governo com parlamentares sejam necessariamente hígidas – pois têm envolvido partidos conhecidos por seu notório apetite por cargos e verbas – nem que os projetos governistas sejam realmente bons para o País. Contudo, tendo em vista a paralisia quase total do governo, prisioneiro da retórica incendiária de Bolsonaro e da ala lunática da Esplanada dos Ministérios, trata-se de um avanço e tanto.
Depois de um ano e meio de mandato, o governo Bolsonaro, pelo menos por alguns dias, começa finalmente a ser tratado, com alguma boa vontade, como “normal”. Isso mostra que o foco de instabilidade do governo e, por extensão, do País era o próprio presidente – que até agora não havia descido do palanque e que tratava como desafetos todos os que não o aceitassem como o “messias” que veio salvar o Brasil.
Nada garante que o presidente não sofrerá alguma recaída em breve, especialmente porque os processos judiciais que decerto o deixam nervoso correm independentemente de sua vontade ou de qualquer gesto seu – e assim devem continuar, tirando o sono de quem tem contas a acertar com a Justiça. Mas, graças à calmaria aparente, o País tem a oportunidade, finalmente, de aquilatar o trabalho do presidente da República pelo que é, sem a distração constante dos ruídos causados pela sua lamentável capacidade de alimentar polêmicas inúteis e de menosprezar a democracia. Se o julgamento lhe será favorável, são outros quinhentos.
Wassef: 'Não se deve dar as costas para aliados' - JOSIAS DE SOUZA
UOL - 26/06
Quando Fabrício Queiroz foi preso num simulacro de escritório de Frederick Wasseff em Atibaia, confesso que tive má impressão do então advogado da família Bolsonaro. O doutor parecia ter violado a ética da advocacia e a própria legislação. Mas depois de ler as manifestações mais recentes de Wasseff fiquei me sentindo culpado por desconfiar dele. Estamos diante de uma alma superior.
Wasseff contou à revista Veja que soube que Fabrício Queiroz estava às voltas com um câncer. Ficou sensibilizado. O amigo Jair Bolsonaro tinha cortado contato com Queiroz. O ex-chefe Flávio Bolsonaro se distanciou completamente do operador da rachadinha. E Wasseff decidiu ajudar. Fez isso não porque era advogado de Flávio, mas por razão "100% humanitária", como declarou este ser humano especial.
Depois, Wasseff descobriu que havia uma trama para matar Queiroz e colocar a culpa na família Bolsonaro, acusando o presidente e seu filho de queima de arquivo para evitar uma delação. O que seria, naturalmente, uma fraude. A partir desse momento, além de proteger a vida de Queiroz, Wasseff passou a favorecer o presidente e seu filho, evitando que um cadáver lhes caísse no colo. Fez isso sem avisar aos Bolsonaro. O presidente poderia ter acionado a Polícia Federal. Mas por que preocupá-lo com algo tão trivial? O doutor revelou-se um sublime cultor da amizade.
Tratado como criminoso, Wasseff diz que o Judiciário e o Ministério Público do Rio deveriam lhe agradecer. Não fosse por suas iniciativas, Queiroz não estaria vivo. Bolsonaro e sua família estariam sendo investigados por um suposto assassinato. O advogado disse ter pedido desculpas ao presidente pelos dissabores que possa ter causado. Mas não receia ser esquecido pela primeira-família. Além de todas as qualidades que fazem dele um ser notável, Wasseff realça sua lealdade. "Não traio ninguém nunca."
Wassef pronunciou uma frase simbólica: "Não se deveria virar as costas para antigos aliados." Um observador maldoso poderia interpretar como um recado. Mas Wasseff se declara apaixonado por Bolsonaro: "Amo o presidente", disse ele. Confesso que fiquei decepcionado comigo mesmo por ter pensado mal de alguém como o doutor Wasseff. Se alguém tem culpa nessa história, sou eu.
Quando Fabrício Queiroz foi preso num simulacro de escritório de Frederick Wasseff em Atibaia, confesso que tive má impressão do então advogado da família Bolsonaro. O doutor parecia ter violado a ética da advocacia e a própria legislação. Mas depois de ler as manifestações mais recentes de Wasseff fiquei me sentindo culpado por desconfiar dele. Estamos diante de uma alma superior.
Wasseff contou à revista Veja que soube que Fabrício Queiroz estava às voltas com um câncer. Ficou sensibilizado. O amigo Jair Bolsonaro tinha cortado contato com Queiroz. O ex-chefe Flávio Bolsonaro se distanciou completamente do operador da rachadinha. E Wasseff decidiu ajudar. Fez isso não porque era advogado de Flávio, mas por razão "100% humanitária", como declarou este ser humano especial.
Depois, Wasseff descobriu que havia uma trama para matar Queiroz e colocar a culpa na família Bolsonaro, acusando o presidente e seu filho de queima de arquivo para evitar uma delação. O que seria, naturalmente, uma fraude. A partir desse momento, além de proteger a vida de Queiroz, Wasseff passou a favorecer o presidente e seu filho, evitando que um cadáver lhes caísse no colo. Fez isso sem avisar aos Bolsonaro. O presidente poderia ter acionado a Polícia Federal. Mas por que preocupá-lo com algo tão trivial? O doutor revelou-se um sublime cultor da amizade.
Tratado como criminoso, Wasseff diz que o Judiciário e o Ministério Público do Rio deveriam lhe agradecer. Não fosse por suas iniciativas, Queiroz não estaria vivo. Bolsonaro e sua família estariam sendo investigados por um suposto assassinato. O advogado disse ter pedido desculpas ao presidente pelos dissabores que possa ter causado. Mas não receia ser esquecido pela primeira-família. Além de todas as qualidades que fazem dele um ser notável, Wasseff realça sua lealdade. "Não traio ninguém nunca."
Wassef pronunciou uma frase simbólica: "Não se deveria virar as costas para antigos aliados." Um observador maldoso poderia interpretar como um recado. Mas Wasseff se declara apaixonado por Bolsonaro: "Amo o presidente", disse ele. Confesso que fiquei decepcionado comigo mesmo por ter pensado mal de alguém como o doutor Wasseff. Se alguém tem culpa nessa história, sou eu.
sexta-feira, junho 26, 2020
Queima de arquivos-bomba - RUY CASTRO
Folha de S. Paulo - 26/06
Nova técnica na praça pode ser uma ameaça para Wassef e Queiroz
Um problema de quem se dedica à formação de quadrilhas é que os interesses de seus membros nem sempre coincidem. Mesmo nas melhores quadrilhas, cedo ou tarde um desses membros se sente abandonado, traído ou até entregue à Justiça. Nesse caso, sua arma será tornar-se um arquivo vivo, composto de informações que interessem à lei —o que obrigará o chefe da firma, docemente constrangido, à queima do dito arquivo.
Há muitas maneiras de queimar arquivos. Depende da situação de cada um —se ele estiver solto, albergado, foragido, oculto ou preso. Um arquivo solto, por exemplo, será facilmente deletado com uma emboscada em que ele se verá, de repente, sob a mira dos canos e sem reação. Exemplos bem-sucedidos foram a queima do notório assessor collorido PC Farias, em 1996, de Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André, em 2002, e, mais recente, do miliciano Adriano Nóbrega, da facção Bolsonaro, na Bahia.
Já um “acidente” de carro é mais complexo —requer planejamento, destreza e especialistas. A “queda” do 10º andar é eficaz, mas menos usual, pela lambança que o arquivo faz ao atingir o chão. Há também a substituição de remédios, destinada a provocar um enfarte, e o envenenamento progressivo, mas ambos exigem convivência com o arquivo e muita paciência, nem sempre possíveis. No caso de o arquivo estar preso, pode-se armar uma “briga” no pátio com outro preso, que fará o serviço, a “tentativa de fuga”, frustrada com tiros pelas costas, e, mais popular, o “suicídio” na cela.
Neste momento há dois arquivos-bomba na praça: um solto, o advogado Frederick Wassef, e um preso, o vigarista Fabrício Queiroz. Ambos estão muito visados, o que inviabiliza as opções acima. Mas os interessados nessa queima estudam uma nova técnica, acima de qualquer suspeita e que se aplicaria aos dois.
Alguém lhes transmitir a Covid-19 —e tratá-los com cloroquina.
Nova técnica na praça pode ser uma ameaça para Wassef e Queiroz
Um problema de quem se dedica à formação de quadrilhas é que os interesses de seus membros nem sempre coincidem. Mesmo nas melhores quadrilhas, cedo ou tarde um desses membros se sente abandonado, traído ou até entregue à Justiça. Nesse caso, sua arma será tornar-se um arquivo vivo, composto de informações que interessem à lei —o que obrigará o chefe da firma, docemente constrangido, à queima do dito arquivo.
Há muitas maneiras de queimar arquivos. Depende da situação de cada um —se ele estiver solto, albergado, foragido, oculto ou preso. Um arquivo solto, por exemplo, será facilmente deletado com uma emboscada em que ele se verá, de repente, sob a mira dos canos e sem reação. Exemplos bem-sucedidos foram a queima do notório assessor collorido PC Farias, em 1996, de Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André, em 2002, e, mais recente, do miliciano Adriano Nóbrega, da facção Bolsonaro, na Bahia.
Já um “acidente” de carro é mais complexo —requer planejamento, destreza e especialistas. A “queda” do 10º andar é eficaz, mas menos usual, pela lambança que o arquivo faz ao atingir o chão. Há também a substituição de remédios, destinada a provocar um enfarte, e o envenenamento progressivo, mas ambos exigem convivência com o arquivo e muita paciência, nem sempre possíveis. No caso de o arquivo estar preso, pode-se armar uma “briga” no pátio com outro preso, que fará o serviço, a “tentativa de fuga”, frustrada com tiros pelas costas, e, mais popular, o “suicídio” na cela.
Neste momento há dois arquivos-bomba na praça: um solto, o advogado Frederick Wassef, e um preso, o vigarista Fabrício Queiroz. Ambos estão muito visados, o que inviabiliza as opções acima. Mas os interessados nessa queima estudam uma nova técnica, acima de qualquer suspeita e que se aplicaria aos dois.
Alguém lhes transmitir a Covid-19 —e tratá-los com cloroquina.
Mudança de rota - LUIZ CARLOS AZEDO
Correio Braziliense - 26/06
“A nomeação de Decotelli para a Educaçao e a passagem do general Ramos para a reserva sinalizam um correção de rumo no governo Bolsonaro”
Aparentemente, o presidente Jair Bolsonaro deixou a rota de iminente colisão contra os demais poderes. A mudança ocorreu após forte reação das lideranças do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas, sobretudo, após a prisão de Fabrício Queiroz, seu amigo, ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro (PR), quando o senador ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ambos são investigados no caso das rachadinhas daquela Casa legislativa. Dois fatos assinalam a mudança de curso: a nomeação do novo ministro da Educação, o economista Carlos Alberto Decotelli da Silva, e a passagem para a reserva do general de divisão Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que anunciou a intenção na reunião do Alto Comando do Exército, ontem.
Decotelli substituirá Abraham Weintraub, protagonista de uma gestão espalhafatosa e desastrosa à frente da pasta, com uma narrativa ideológica afinada com o grupo de extrema direita liderado pelo escritor Olavo de Carvalho, guru dos filhos de Bolsonaro. Como prêmio de consolação, o ex-ministro foi indicado para o posto de diretor representante do Brasil no Banco Mundial, mas sua nomeação está sendo questionada por funcionários do órgão. Até para sair do país e entrar nos Estados Unidos, Weintraub foi atabalhoado, pois viajou como se ainda fosse ministro, quando já havia deixado o cargo. Comportou-se como um fugitivo. Weintraub é investigado por causa de suposto envolvimento com grupos de extrema direita que ameaçavam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem chamou de “vagabundos”, na reunião ministerial de 22 de abril passado.
Primeiro ministro preto do governo Bolsonaro, Decotelli será o terceiro titular da pasta em menos de 1 ano e meio. O primeiro ocupante do posto foi Ricardo Velez, que permaneceu apenas três meses no cargo. Oficial da reserva não-remunerada da Marinha, o novo ministro atuou na Escola de Guerra Naval como professor. Bacharel em ciências econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), é mestre pela Fundação Getulio Vargas (FGV), doutor pela Universidade de Rosário (Argentina) e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Tem um perfil muito mais de gestor do que de educador, sua nomeação é uma esperança de um comportamento mais conciliador e menos ideológico à frente da pasta, embora seja um conservador e tenha apenas breve passagem pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre fevereiro e agosto do ano passado. Depois, comandou a Secretaria de Modalidades Especializadas do Ministério.
Verde-oliva
Outra notícia importante foi o anúncio de que o general de exército Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo e principal articulador político do Planalto, passará à reserva. Ele já havia anunciado essa intenção, mas só agora foi oficializada. Sua situação era um fator de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o Alto Comando, porque circulavam rumores de que o presidente da República pretendia nomeá-lo para o Comando do Exército, no lugar do general Edson Leal Pujol. Ramos era o 6º na hierarquia de comando, o que resultaria na passagem antecipada para a reserva dos principais generais hoje na ativa. Bolsonaristas fomentavam a intriga, provocando mal-estar entre os militares.
Pelo regulamento atual, militares da ativa somente podem permanecer dois anos fora dos quadros regulares de comando, mesmo ocupando função para as quais, tradicionalmente, são designados militares, no Ministério da Defesa, criado originalmente para ser chefiado por uma autoridade civil, no Gabinete de Segurança Institucional e na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A situação era meio esquizofrênica, porque Ramos é um dos ministros mais poderosos do governo Bolsonaro e, ao mesmo tempo, era subordinado a Pujol na hierarquia militar. Outro alto oficial da ativa praticamente na mesma situação é o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, general de divisão.
Ambos são ligados ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, como o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Neto, que também era do Alto Comando, mas passou à reserva logo após assumir o cargo. Quando Azevedo foi o comandante do Leste, Ramos comandou a Vila Militar; Pazuello, a Brigada de Paraquedistas; e Braga Neto era o chefe de Estado-Maior.
“A nomeação de Decotelli para a Educaçao e a passagem do general Ramos para a reserva sinalizam um correção de rumo no governo Bolsonaro”
Aparentemente, o presidente Jair Bolsonaro deixou a rota de iminente colisão contra os demais poderes. A mudança ocorreu após forte reação das lideranças do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas, sobretudo, após a prisão de Fabrício Queiroz, seu amigo, ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro (PR), quando o senador ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ambos são investigados no caso das rachadinhas daquela Casa legislativa. Dois fatos assinalam a mudança de curso: a nomeação do novo ministro da Educação, o economista Carlos Alberto Decotelli da Silva, e a passagem para a reserva do general de divisão Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que anunciou a intenção na reunião do Alto Comando do Exército, ontem.
Decotelli substituirá Abraham Weintraub, protagonista de uma gestão espalhafatosa e desastrosa à frente da pasta, com uma narrativa ideológica afinada com o grupo de extrema direita liderado pelo escritor Olavo de Carvalho, guru dos filhos de Bolsonaro. Como prêmio de consolação, o ex-ministro foi indicado para o posto de diretor representante do Brasil no Banco Mundial, mas sua nomeação está sendo questionada por funcionários do órgão. Até para sair do país e entrar nos Estados Unidos, Weintraub foi atabalhoado, pois viajou como se ainda fosse ministro, quando já havia deixado o cargo. Comportou-se como um fugitivo. Weintraub é investigado por causa de suposto envolvimento com grupos de extrema direita que ameaçavam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem chamou de “vagabundos”, na reunião ministerial de 22 de abril passado.
Primeiro ministro preto do governo Bolsonaro, Decotelli será o terceiro titular da pasta em menos de 1 ano e meio. O primeiro ocupante do posto foi Ricardo Velez, que permaneceu apenas três meses no cargo. Oficial da reserva não-remunerada da Marinha, o novo ministro atuou na Escola de Guerra Naval como professor. Bacharel em ciências econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), é mestre pela Fundação Getulio Vargas (FGV), doutor pela Universidade de Rosário (Argentina) e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Tem um perfil muito mais de gestor do que de educador, sua nomeação é uma esperança de um comportamento mais conciliador e menos ideológico à frente da pasta, embora seja um conservador e tenha apenas breve passagem pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre fevereiro e agosto do ano passado. Depois, comandou a Secretaria de Modalidades Especializadas do Ministério.
Verde-oliva
Outra notícia importante foi o anúncio de que o general de exército Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo e principal articulador político do Planalto, passará à reserva. Ele já havia anunciado essa intenção, mas só agora foi oficializada. Sua situação era um fator de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o Alto Comando, porque circulavam rumores de que o presidente da República pretendia nomeá-lo para o Comando do Exército, no lugar do general Edson Leal Pujol. Ramos era o 6º na hierarquia de comando, o que resultaria na passagem antecipada para a reserva dos principais generais hoje na ativa. Bolsonaristas fomentavam a intriga, provocando mal-estar entre os militares.
Pelo regulamento atual, militares da ativa somente podem permanecer dois anos fora dos quadros regulares de comando, mesmo ocupando função para as quais, tradicionalmente, são designados militares, no Ministério da Defesa, criado originalmente para ser chefiado por uma autoridade civil, no Gabinete de Segurança Institucional e na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A situação era meio esquizofrênica, porque Ramos é um dos ministros mais poderosos do governo Bolsonaro e, ao mesmo tempo, era subordinado a Pujol na hierarquia militar. Outro alto oficial da ativa praticamente na mesma situação é o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, general de divisão.
Ambos são ligados ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, como o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Neto, que também era do Alto Comando, mas passou à reserva logo após assumir o cargo. Quando Azevedo foi o comandante do Leste, Ramos comandou a Vila Militar; Pazuello, a Brigada de Paraquedistas; e Braga Neto era o chefe de Estado-Maior.
Onde mora o perigo - HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha de S. Paulo - 26/06
Na reabertura, aglomeração em locais fechados em que as pessoas permaneçam por longo período requer atenção
Enfrentar a Covid-19 já é difícil mesmo com um estadista no comando; quando se tem Jair Bolsonaro ou Donald Trump, o resultado é a performance lamentável de Brasil e EUA.
Não podemos, porém, atribuir todas as nossas dificuldades à má qualidade da liderança. Há outras características comuns aos dois países que contribuem para o mau desempenho, como as dimensões continentais das duas nações (são várias epidemias regionais se desenrolando ao mesmo tempo) e populações pouco afeitas à ideia de sacrifício pessoal pelo bem comum.
Ainda assim, os americanos têm uma vantagem. Como agora estão testando mais, têm muito mais ideia do que está de fato acontecendo. E o que constataram é que, na reabertura, um grande perigo são situações em que um único indivíduo contaminado consegue transmitir a doença para muitas pessoas.
Eles identificaram vários eventos de supertransmissão em igrejas, bares, casas noturnas e festas.
A essa altura, o leitor já deve estar familiarizado com R, o termo da epidemiologia que indica número de reprodução de uma doença. O R básico da Covid-19 foi estimado em algo entre 2 e 3. Isso significa que, sem medidas de afastamento, cada doente transmite a moléstia em média para de duas a três pessoas.
Médias, porém, são enganosas (na média, a humanidade tem um testículo e uma mama). É aí que entra outro termo da epidemiologia, k, que mede a variação na distribuição de R. Quanto menor o k, maior a probabilidade de eventos de supertransmissão. Adam Kucharski estima que o k básico da Covid-19 seja de 0,1, o que significa que, sem medidas de contenção, 10% dos pacientes responderiam por 80% das transmissões.
Na reabertura, mais do que nunca, temos de estar atentos para situações de aglomeração em lugares fechados em que as pessoas permaneçam por tempo prolongado, em especial se falarem umas com as outras e não usarem máscara. É aí que mora o perigo.
Na reabertura, aglomeração em locais fechados em que as pessoas permaneçam por longo período requer atenção
Enfrentar a Covid-19 já é difícil mesmo com um estadista no comando; quando se tem Jair Bolsonaro ou Donald Trump, o resultado é a performance lamentável de Brasil e EUA.
Não podemos, porém, atribuir todas as nossas dificuldades à má qualidade da liderança. Há outras características comuns aos dois países que contribuem para o mau desempenho, como as dimensões continentais das duas nações (são várias epidemias regionais se desenrolando ao mesmo tempo) e populações pouco afeitas à ideia de sacrifício pessoal pelo bem comum.
Ainda assim, os americanos têm uma vantagem. Como agora estão testando mais, têm muito mais ideia do que está de fato acontecendo. E o que constataram é que, na reabertura, um grande perigo são situações em que um único indivíduo contaminado consegue transmitir a doença para muitas pessoas.
Eles identificaram vários eventos de supertransmissão em igrejas, bares, casas noturnas e festas.
A essa altura, o leitor já deve estar familiarizado com R, o termo da epidemiologia que indica número de reprodução de uma doença. O R básico da Covid-19 foi estimado em algo entre 2 e 3. Isso significa que, sem medidas de afastamento, cada doente transmite a moléstia em média para de duas a três pessoas.
Médias, porém, são enganosas (na média, a humanidade tem um testículo e uma mama). É aí que entra outro termo da epidemiologia, k, que mede a variação na distribuição de R. Quanto menor o k, maior a probabilidade de eventos de supertransmissão. Adam Kucharski estima que o k básico da Covid-19 seja de 0,1, o que significa que, sem medidas de contenção, 10% dos pacientes responderiam por 80% das transmissões.
Na reabertura, mais do que nunca, temos de estar atentos para situações de aglomeração em lugares fechados em que as pessoas permaneçam por tempo prolongado, em especial se falarem umas com as outras e não usarem máscara. É aí que mora o perigo.
O Banco Central e o WhatsApp - CELSO MING
ESTADÃO - 26/06
Bancos centrais de todo o mundo vêm se apressando para criar soluções digitais
Nesta semana, o Banco Central do Brasil (BC) bloqueou o projeto do WhatsApp de ingressar no mercado de pagamentos e transferências de recursos. O que há por trás dessa decisão?
Não é de hoje que o WhatsApp, aplicativo que faz parte do grupo do Facebook, planeja entrar com força no promissor mercado global de pagamentos e transferências. Em junho do ano passado, o Facebook anunciou a criação de uma criptomoeda, a libra, e, com ela, o uso de um aplicativo que permitiria o fluxo de pagamentos para qualquer parte do mundo, a qualquer hora de qualquer dia, a custo zero em ambas as pontas da operação. Do empreendimento fariam parte algumas das Big Techs, como Visa, Mastercard, Uber, Spotify, Lyft, eBay e PayPal.
Mais do que a captura de importante fatia do mercado hoje explorado pelos bancos, a ideia vinha para atender a enorme população mundial desbancarizada, que não consegue ter conta bancária não só porque não tem renda, mas também porque os bancos estão cobrando tarifas proibitivas para seu poder aquisitivo.
Sob argumentação capenga, o Banco Central brasileiro bloqueou a iniciativa do WhatsApp de iniciar um sistema pioneiros de pagamentos instantâneos no País
No Brasil, cerca de 45 milhões de pessoas, ou 29% da população adulta, não têm conta bancária e, por isso, enfrentam grandes dificuldades para enviar ou receber recursos. Essa lacuna ficou especialmente exposta neste ano quando se tratou de distribuir os R$ 600 de auxílio emergencial para a população carente durante a pandemia.
O projeto original do Facebook enfrentou enorme oposição de governos, bancos centrais e instituições financeiras, que viam nisso a tentativa de pulverizar o mercado que hoje é dominado pelos bancos e, mais do que isso, de escapar a controles institucionais e, nessas condições, facilitar esquemas de lavagem de dinheiro. Uma a uma, as grandes empresas que declararam interesse no empreendimento se retiraram do projeto. Mas o chefão do Facebook e do WhatsApp, o esperto Mark Zuckerberg, não desistiu do filão no qual vê grande potencial. A nova proposta é começar pelo Brasil para operar esse sistema instantâneo que prescinda dos bancos.
O Banco Central bloqueou a iniciativa com um argumento inteiramente capenga e outro, meio capenga. O argumento 100% capenga é o de que o projeto do WhatsApp destruiria a concorrência. É capenga porque o sistema viria aumentar a concorrência, e não acabar com ela. É verdade que o WhatsApp tem um histórico de arrasador de quarteirões. As companhias telefônicas, por exemplo, viram seu mercado de impulsos telefônicos virar pó, uma vez que as mensagens de texto e de voz divulgadas pelo WhatsApp não cobram tarifas além das que o consumidor já paga pelo serviço de internet.
O outro argumento (semicapenga, digamos assim) é o de falta de segurança. Em certo sentido, isso é verdadeiro na medida em que nem o Facebook nem o WhatsApp estão submetidos a regulamentações nem contam com a supervisão de grande instituição que disso se encarregue, como acontece com os bancos. No entanto, a segurança do sistema parece atendida pelo emprego da tecnologia do blockchain, tanto que um grande número de instituições financeiras estuda sua utilização em suas próprias operações.
Mas esses não foram os principais motivos pelos quais o Banco Central torpedeou o sistema de pagamentos do WhatsApp. De longe, a principal razão para esta reação intempestiva é a tentativa do WhatsApp de despejar água na gasolina do PIX, o projeto do Banco Central que está sendo desenhado para executar a mesma função a partir de dezembro.
O projeto do PIX lembra a recomendação do rei dom João VI ao seu filho dom Pedro, antes de voltar para Portugal, em 1821: “Põe a coroa na tua cabeça antes que um aventureiro lance mão dela”. Como as gigantes de tecnologia estão rodeando as novas presas eletrônicas, os bancos centrais vêm se apressando para criar projetos próprios.
Nesta semana, o Bank of International Settlements, o BIS, que atua como banco central dos bancos centrais, recomendou que todos os bancos centrais criassem suas próprias moedas digitais. O objetivo parece claro: o de puxar o tapete das milhares de criptomoedas, cuja lista é encabeçada por bitcoin, ethereum e tether.
Mas esse é outro daqueles assuntos que pedem regulamentação global. Nesse caso, leis e regras que vigorem apenas dentro de fronteiras nacionais correm o risco de serem atropeladas por iniciativas poderosas que poderão surgir em qualquer lugar do Planeta, como num um país remoto ou, mesmo, num paraíso fiscal.
Bancos centrais de todo o mundo vêm se apressando para criar soluções digitais
Nesta semana, o Banco Central do Brasil (BC) bloqueou o projeto do WhatsApp de ingressar no mercado de pagamentos e transferências de recursos. O que há por trás dessa decisão?
Não é de hoje que o WhatsApp, aplicativo que faz parte do grupo do Facebook, planeja entrar com força no promissor mercado global de pagamentos e transferências. Em junho do ano passado, o Facebook anunciou a criação de uma criptomoeda, a libra, e, com ela, o uso de um aplicativo que permitiria o fluxo de pagamentos para qualquer parte do mundo, a qualquer hora de qualquer dia, a custo zero em ambas as pontas da operação. Do empreendimento fariam parte algumas das Big Techs, como Visa, Mastercard, Uber, Spotify, Lyft, eBay e PayPal.
Mais do que a captura de importante fatia do mercado hoje explorado pelos bancos, a ideia vinha para atender a enorme população mundial desbancarizada, que não consegue ter conta bancária não só porque não tem renda, mas também porque os bancos estão cobrando tarifas proibitivas para seu poder aquisitivo.
Sob argumentação capenga, o Banco Central brasileiro bloqueou a iniciativa do WhatsApp de iniciar um sistema pioneiros de pagamentos instantâneos no País
No Brasil, cerca de 45 milhões de pessoas, ou 29% da população adulta, não têm conta bancária e, por isso, enfrentam grandes dificuldades para enviar ou receber recursos. Essa lacuna ficou especialmente exposta neste ano quando se tratou de distribuir os R$ 600 de auxílio emergencial para a população carente durante a pandemia.
O projeto original do Facebook enfrentou enorme oposição de governos, bancos centrais e instituições financeiras, que viam nisso a tentativa de pulverizar o mercado que hoje é dominado pelos bancos e, mais do que isso, de escapar a controles institucionais e, nessas condições, facilitar esquemas de lavagem de dinheiro. Uma a uma, as grandes empresas que declararam interesse no empreendimento se retiraram do projeto. Mas o chefão do Facebook e do WhatsApp, o esperto Mark Zuckerberg, não desistiu do filão no qual vê grande potencial. A nova proposta é começar pelo Brasil para operar esse sistema instantâneo que prescinda dos bancos.
O Banco Central bloqueou a iniciativa com um argumento inteiramente capenga e outro, meio capenga. O argumento 100% capenga é o de que o projeto do WhatsApp destruiria a concorrência. É capenga porque o sistema viria aumentar a concorrência, e não acabar com ela. É verdade que o WhatsApp tem um histórico de arrasador de quarteirões. As companhias telefônicas, por exemplo, viram seu mercado de impulsos telefônicos virar pó, uma vez que as mensagens de texto e de voz divulgadas pelo WhatsApp não cobram tarifas além das que o consumidor já paga pelo serviço de internet.
O outro argumento (semicapenga, digamos assim) é o de falta de segurança. Em certo sentido, isso é verdadeiro na medida em que nem o Facebook nem o WhatsApp estão submetidos a regulamentações nem contam com a supervisão de grande instituição que disso se encarregue, como acontece com os bancos. No entanto, a segurança do sistema parece atendida pelo emprego da tecnologia do blockchain, tanto que um grande número de instituições financeiras estuda sua utilização em suas próprias operações.
Mas esses não foram os principais motivos pelos quais o Banco Central torpedeou o sistema de pagamentos do WhatsApp. De longe, a principal razão para esta reação intempestiva é a tentativa do WhatsApp de despejar água na gasolina do PIX, o projeto do Banco Central que está sendo desenhado para executar a mesma função a partir de dezembro.
O projeto do PIX lembra a recomendação do rei dom João VI ao seu filho dom Pedro, antes de voltar para Portugal, em 1821: “Põe a coroa na tua cabeça antes que um aventureiro lance mão dela”. Como as gigantes de tecnologia estão rodeando as novas presas eletrônicas, os bancos centrais vêm se apressando para criar projetos próprios.
Nesta semana, o Bank of International Settlements, o BIS, que atua como banco central dos bancos centrais, recomendou que todos os bancos centrais criassem suas próprias moedas digitais. O objetivo parece claro: o de puxar o tapete das milhares de criptomoedas, cuja lista é encabeçada por bitcoin, ethereum e tether.
Mas esse é outro daqueles assuntos que pedem regulamentação global. Nesse caso, leis e regras que vigorem apenas dentro de fronteiras nacionais correm o risco de serem atropeladas por iniciativas poderosas que poderão surgir em qualquer lugar do Planeta, como num um país remoto ou, mesmo, num paraíso fiscal.
A verdadeira ameaça à democracia - PEDRO DORIA
O ESTADÃO - 26/06
É preciso entender o que separa movimentos populares espontâneos e sem liderança do populismo digital
Quando esta coluna fechou, o Senado ainda não havia passado pela votação do projeto de lei que visa combater notícias falsas. Não foi pequena a controvérsia no seu entorno. Sua última redação, do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), atraiu notas de repúdio de organizações como Human Rights Watch, Boatos.org e E-farsas, as agências de checagem brasileiras e a IFCN – que reúne os checadores de notícias no mundo –, atraiu críticas até do Comitê Gestor da Internet brasileira. Não é um início promissor. Mas, de todo o debate, um ponto muito importante ficou de fora. Quem vê fake news, assim como quem vê robôs no Twitter ou consultores da Cambridge Analytica está vendo árvores. Não a floresta. O que facilitou a eleição do presidente Jair Bolsonaro – ou de Donald Trump, ou do Brexit – foi bem mais complicado do que isso. Hackearam a democracia.
É preciso entender, antes, o que separa movimentos populares espontâneos e sem liderança, que foram e são promovidos online desde a Onda Verde no Irã, do populismo digital. Entre os espontâneos há nosso junho de 2013, assim como a Primavera Árabe, os Indignados espanhóis, Occupy Wall Street e mesmo as passeatas chilenas de 2019. Em comum têm, principalmente, o caos. Pegam governos de surpresa, não costumam ter muitos resultados concretos, deixam um cenário de instabilidade. E embora tudo isto seja verdade, são populares. No sentido de que não são artificiais: nascem de fato da sociedade e gritam sua insatisfação em relação aos governantes.
O populismo digital não tem nada disso. Como no caso de todos os populismos anteriores, é o movimento de um grupo político que busca a tomada do poder, normalmente via eleições. O populista sempre constrói um discurso no qual ele é o único a representar os interesses do povo contra uma elite mal-intencionada. E é na construção deste discurso populismo digital usa a internet. Quem olha de fora, desatento, acredita que há uma mobilização popular instantânea. Não, não há. É tudo criado artificialmente.
Quem desenvolveu a técnica tem nome. É um milanês morto dum câncer cerebral em 2016 chamado Gianroberto Casaleggio. Era executivo da Olivetti, foi CEO de uma consultoria online chamada Webegg, e fazendo experimentos sociais em fóruns online percebeu que conseguia manipular a construção de consensos. O que Casaleggio percebeu é uma dinâmica típica do mundo virtual. Se, num debate, muitas pessoas caminham na direção de um consenso, o resto do grupo tende a acompanhar.
Ou seja: surge um debate na internet. Os manipuladores, em massa, começam a publicar opiniões num mesmo sentido. Estes manipuladores podem ser pessoas de verdade. Podem ser três ou quatro operando 50 contas falsas. Podem ser robôs. Não importa. A maioria do grupo, sem perceber que está sendo manipulado, tende àquele caminho.
A técnica de Casaleggio foi empregada para inventar um partido político do nada, o Movimento 5 Estrelas, e transformá-lo no maior da Itália. Foi o suficiente para chamar atenção do populista britânico Nigel Farage, que foi a Milão, tomou notas e mergulhou no processo, voltou para o Reino Unido e o empregou – conseguiu aprovar o Brexit. Saltou aos olhos de Steve Bannon, que adaptou as técnicas em território americano enquanto tocava a campanha de Donald Trump. E, claro, copiando Trump o time Bolsonaro fez o mesmo no Brasil.
Funciona.
As plataformas têm responsabilidade. Seus algoritmos ajudam a ampliar a voz de poucas pessoas, acelerando a estratégia para formar consensos artificialmente. Fake news, assim como bots, fazem parte da palheta de ferramentas da manipulação. Mas o que ameaça a democracia é seu sequestro pelo método de Casaleggio. É hora de botar foco nisto. A União Europeia já tem relatórios sobre o assunto.
É preciso entender o que separa movimentos populares espontâneos e sem liderança do populismo digital
Quando esta coluna fechou, o Senado ainda não havia passado pela votação do projeto de lei que visa combater notícias falsas. Não foi pequena a controvérsia no seu entorno. Sua última redação, do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), atraiu notas de repúdio de organizações como Human Rights Watch, Boatos.org e E-farsas, as agências de checagem brasileiras e a IFCN – que reúne os checadores de notícias no mundo –, atraiu críticas até do Comitê Gestor da Internet brasileira. Não é um início promissor. Mas, de todo o debate, um ponto muito importante ficou de fora. Quem vê fake news, assim como quem vê robôs no Twitter ou consultores da Cambridge Analytica está vendo árvores. Não a floresta. O que facilitou a eleição do presidente Jair Bolsonaro – ou de Donald Trump, ou do Brexit – foi bem mais complicado do que isso. Hackearam a democracia.
É preciso entender, antes, o que separa movimentos populares espontâneos e sem liderança, que foram e são promovidos online desde a Onda Verde no Irã, do populismo digital. Entre os espontâneos há nosso junho de 2013, assim como a Primavera Árabe, os Indignados espanhóis, Occupy Wall Street e mesmo as passeatas chilenas de 2019. Em comum têm, principalmente, o caos. Pegam governos de surpresa, não costumam ter muitos resultados concretos, deixam um cenário de instabilidade. E embora tudo isto seja verdade, são populares. No sentido de que não são artificiais: nascem de fato da sociedade e gritam sua insatisfação em relação aos governantes.
O populismo digital não tem nada disso. Como no caso de todos os populismos anteriores, é o movimento de um grupo político que busca a tomada do poder, normalmente via eleições. O populista sempre constrói um discurso no qual ele é o único a representar os interesses do povo contra uma elite mal-intencionada. E é na construção deste discurso populismo digital usa a internet. Quem olha de fora, desatento, acredita que há uma mobilização popular instantânea. Não, não há. É tudo criado artificialmente.
Quem desenvolveu a técnica tem nome. É um milanês morto dum câncer cerebral em 2016 chamado Gianroberto Casaleggio. Era executivo da Olivetti, foi CEO de uma consultoria online chamada Webegg, e fazendo experimentos sociais em fóruns online percebeu que conseguia manipular a construção de consensos. O que Casaleggio percebeu é uma dinâmica típica do mundo virtual. Se, num debate, muitas pessoas caminham na direção de um consenso, o resto do grupo tende a acompanhar.
Ou seja: surge um debate na internet. Os manipuladores, em massa, começam a publicar opiniões num mesmo sentido. Estes manipuladores podem ser pessoas de verdade. Podem ser três ou quatro operando 50 contas falsas. Podem ser robôs. Não importa. A maioria do grupo, sem perceber que está sendo manipulado, tende àquele caminho.
A técnica de Casaleggio foi empregada para inventar um partido político do nada, o Movimento 5 Estrelas, e transformá-lo no maior da Itália. Foi o suficiente para chamar atenção do populista britânico Nigel Farage, que foi a Milão, tomou notas e mergulhou no processo, voltou para o Reino Unido e o empregou – conseguiu aprovar o Brexit. Saltou aos olhos de Steve Bannon, que adaptou as técnicas em território americano enquanto tocava a campanha de Donald Trump. E, claro, copiando Trump o time Bolsonaro fez o mesmo no Brasil.
Funciona.
As plataformas têm responsabilidade. Seus algoritmos ajudam a ampliar a voz de poucas pessoas, acelerando a estratégia para formar consensos artificialmente. Fake news, assim como bots, fazem parte da palheta de ferramentas da manipulação. Mas o que ameaça a democracia é seu sequestro pelo método de Casaleggio. É hora de botar foco nisto. A União Europeia já tem relatórios sobre o assunto.
Sombras explosivas da nossa história - CRISTINA SERRA
Folha de S. Paulo - 26/06
Com Queiroz e Wassef, o Brasil desenha círculos no tempo
Queiroz, Wassef, PC Farias e Fortunato. O que essas figuras têm em comum? A história é pródiga em personagens dos arredores sombrios do poder que, não raro, levam a desfechos trágicos. Em agosto de 1954, no episódio que ficou conhecido como o “atentado da rua Tonelero”, Carlos Lacerda, o mais ferrenho opositor do então presidente Getúlio Vargas, ficou ferido e o major da Aeronáutica Rubens Vaz morreu. O crime desencadeou a crise que culminou no suicídio de Vargas. O chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato, acusado de ser o mandante do crime, foi condenado e morreu assassinado na prisão.
Um salto no tempo nos traz a 1992. Escândalos em série levam à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar um tentacular esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do então presidente Fernando Collor. A CPI leva ao impeachment do presidente, o primeiro na história do Brasil. O que segue é enredo de cinema: PC Farias foge e é preso na Tailândia. No Brasil, é condenado, preso, mas logo posto em liberdade condicional. Em junho de 1996, duas balas certeiras matam o empresário e a namorada em sua casa de praia. O crime é um mistério até hoje.
Mais um salto e outro caso de polícia nas cercanias de um presidente, com duas peças-chave. O notório Fabrício Queiroz, suspeito de ligações com milicianos, amigo de Jair Bolsonaro e faz-tudo do filho deste, Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual. Segundo as investigações, Queiroz operava o esquema de “rachadinha” que beneficiava o deputado. O segundo personagem é Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaros, pai e filho, até menos de uma semana atrás. O desaparecido Queiroz foi encontrado pela polícia na casa de Wassef.
O advogado e operador tem personalidades muito distintas. Wassef é tipo histriônico, dado aos holofotes e que, até outro dia, arrotava sua intimidade com o presidente. Já Queiroz, se valia da penumbra para articular esquemas criminosos com múltiplas ramificações. Ambos são bombas-relógio de alto teor explosivo. A história desenha círculos no tempo.
Com Queiroz e Wassef, o Brasil desenha círculos no tempo
Queiroz, Wassef, PC Farias e Fortunato. O que essas figuras têm em comum? A história é pródiga em personagens dos arredores sombrios do poder que, não raro, levam a desfechos trágicos. Em agosto de 1954, no episódio que ficou conhecido como o “atentado da rua Tonelero”, Carlos Lacerda, o mais ferrenho opositor do então presidente Getúlio Vargas, ficou ferido e o major da Aeronáutica Rubens Vaz morreu. O crime desencadeou a crise que culminou no suicídio de Vargas. O chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato, acusado de ser o mandante do crime, foi condenado e morreu assassinado na prisão.
Um salto no tempo nos traz a 1992. Escândalos em série levam à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar um tentacular esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do então presidente Fernando Collor. A CPI leva ao impeachment do presidente, o primeiro na história do Brasil. O que segue é enredo de cinema: PC Farias foge e é preso na Tailândia. No Brasil, é condenado, preso, mas logo posto em liberdade condicional. Em junho de 1996, duas balas certeiras matam o empresário e a namorada em sua casa de praia. O crime é um mistério até hoje.
Mais um salto e outro caso de polícia nas cercanias de um presidente, com duas peças-chave. O notório Fabrício Queiroz, suspeito de ligações com milicianos, amigo de Jair Bolsonaro e faz-tudo do filho deste, Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual. Segundo as investigações, Queiroz operava o esquema de “rachadinha” que beneficiava o deputado. O segundo personagem é Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaros, pai e filho, até menos de uma semana atrás. O desaparecido Queiroz foi encontrado pela polícia na casa de Wassef.
O advogado e operador tem personalidades muito distintas. Wassef é tipo histriônico, dado aos holofotes e que, até outro dia, arrotava sua intimidade com o presidente. Já Queiroz, se valia da penumbra para articular esquemas criminosos com múltiplas ramificações. Ambos são bombas-relógio de alto teor explosivo. A história desenha círculos no tempo.
Isolando-se do filho, capitão evita Queiroz-vírus - JOSIAS DE SOUZA
UOL - 26/06
A prisão de Fabrício Queiroz transformou Jair Bolsonaro em adepto do isolamento social. O presidente distanciou-se do próprio filho. Decorridos oito dias, não pronunciou em público uma mísera palavra de solidariedade a Flávio Bolsonaro. Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira revela que, por enquanto, a estratégia funcionou. O Queiroz-vírus ainda não infectou a imagem de Bolsonaro a ponto de enviar sua Presidência para um respirador.
A quantidade de pessoas que não acreditam no envolvimento de Bolsonaro no caso da rachadinha (46%) é superior ao número de eleitores que apostam que o presidente é cúmplice do primogênito (38%). Entre os que se declaram bolsonaristas, a confiança na isenção do presidente é quase absoluta. Oito em cada dez devotos de Bolsonaro declaram acreditar na inocência do mito.
Foi grande o interesse dos brasileiros pela transferência de Queiroz do cafofo mantido em Atibaia por Frederick Wasseff, ex-advogado dos Bolsonaro, para uma cela no Rio de Janeiro. Disseram ter tomado conhecimento da prisão 75% dos entrevistados. Desse total, 64% acham que Bolsonaro sabia do paradeiro de Queiroz. O próprio presidente falou sobre o tema numa live transmitida na semana passada. Associou a presença do amigo em Atibaia a um tratamento contra o câncer.
A despeito de tudo, a popularidade de Bolsonaro se manteve estável. Sua taxa de aprovação, que era de 33% no final de maio, escorregou para 32%. A reprovação oscilou de 43% para 44%. Bolsonaro vai se consolidando como o presidente de um terço dos brasileiros.
Os dados reforçam a impressão de que a blindagem anti-Queiroz, montada por Bolsonaro de improviso, surtiu efeitos. Além de tomar distância do próprio filho, o presidente exibe um comportamento inusual. Já não dá a mesma atenção ao cercadinho do Alvorada. Ergue a bandeira branca para o Legislativo e o Supremo.
Na live desta quinta-feira, após anunciar a prorrogação do pagamento do vale corona por mais três meses —"R$ 500, R$ 400 e R$ 300"— Bolsonaro pediu a um sanfoneiro que tocasse "Ave Maria" em homenagem aos mortos do coronavírus. Mais um pouco e acaba virando um ex-Bolsonaro.
A prisão de Fabrício Queiroz transformou Jair Bolsonaro em adepto do isolamento social. O presidente distanciou-se do próprio filho. Decorridos oito dias, não pronunciou em público uma mísera palavra de solidariedade a Flávio Bolsonaro. Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira revela que, por enquanto, a estratégia funcionou. O Queiroz-vírus ainda não infectou a imagem de Bolsonaro a ponto de enviar sua Presidência para um respirador.
A quantidade de pessoas que não acreditam no envolvimento de Bolsonaro no caso da rachadinha (46%) é superior ao número de eleitores que apostam que o presidente é cúmplice do primogênito (38%). Entre os que se declaram bolsonaristas, a confiança na isenção do presidente é quase absoluta. Oito em cada dez devotos de Bolsonaro declaram acreditar na inocência do mito.
Foi grande o interesse dos brasileiros pela transferência de Queiroz do cafofo mantido em Atibaia por Frederick Wasseff, ex-advogado dos Bolsonaro, para uma cela no Rio de Janeiro. Disseram ter tomado conhecimento da prisão 75% dos entrevistados. Desse total, 64% acham que Bolsonaro sabia do paradeiro de Queiroz. O próprio presidente falou sobre o tema numa live transmitida na semana passada. Associou a presença do amigo em Atibaia a um tratamento contra o câncer.
A despeito de tudo, a popularidade de Bolsonaro se manteve estável. Sua taxa de aprovação, que era de 33% no final de maio, escorregou para 32%. A reprovação oscilou de 43% para 44%. Bolsonaro vai se consolidando como o presidente de um terço dos brasileiros.
Os dados reforçam a impressão de que a blindagem anti-Queiroz, montada por Bolsonaro de improviso, surtiu efeitos. Além de tomar distância do próprio filho, o presidente exibe um comportamento inusual. Já não dá a mesma atenção ao cercadinho do Alvorada. Ergue a bandeira branca para o Legislativo e o Supremo.
Na live desta quinta-feira, após anunciar a prorrogação do pagamento do vale corona por mais três meses —"R$ 500, R$ 400 e R$ 300"— Bolsonaro pediu a um sanfoneiro que tocasse "Ave Maria" em homenagem aos mortos do coronavírus. Mais um pouco e acaba virando um ex-Bolsonaro.
TJ-RJ ignora o Supremo; democracia nele! - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 26/06
Concessão de foro especial a Flávio Bolsonaro ignora a regra do jogo
O presidente Jair Bolsonaro descobriu a autocontenção só depois que a Justiça decretou a prisão de Fabrício Queiroz. A propósito: a concessão, pelo TJ-RJ, de foro especial a Flávio Bolsonaro afronta decisão do Supremo. Tem de ser revertida por meio de recurso especial ao STJ ou de reclamação ao próprio STF.
Fui contra o fim do foro especial —e apanhei muito dos bolsonaristas por isso—, mas o meu entendimento foi derrotado. Viva o colegiado! A menos que a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ tenha encontrado no acórdão alguma regra excetuando filhos de Bolsonaro, esse Flávio volta para as mãos do outro, o Itabaiana. Que coisa! O apreço de certos varões de Plutarco pela democracia depende mais da polícia do que da Constituição.
A luta é longa, e estamos só no começo. Enquanto o primeiro-amigo se homiziava na realidade quântica de Frederick Wassef —o buliçoso advogado que, ao mesmo tempo, abrigava e não abrigava o subtenente de milícias--, o "capitão" nos ameaçava com a cólera das legiões, secundado por fardas e pijamas verde-oliva pendurados nos cabides do Planalto.
O Brasil anda tão doidão que debatíamos até a semana retrasada se um golpe, ou autogolpe, era ou não possível. Dar golpe para quê? Para render as Forças Armadas ao Comando de Rio das Pedras? Para transformar o país num grande Ministério da Saúde de Recrutas Zero, onde sobram coturnos e faltam médicos?
O Brasil já está levando pito até de fundos de investimento, alertando que o país não verá o verde do dinheiro enquanto não controlar a Amazônia em chamas. Entidades de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos denunciaram à ombudsman da União Europeia os retrocessos em curso. Eurodeputados enviaram carta ao presidente da Câmara conclamando o Legislativo a resistir à devastação.
O acordo Mercosul-UE está subindo no telhado; os investimentos externos, já minguados, podem nos abandonar de vez; o agronegócio de ponta é hoje prejudicado por madeireiros e grileiros de casaca mal cortada, que ousam falar pelo setor. E lá estávamos nós a interpretar falas e silêncios de generais. No país dos cemitérios eloquentes, fazíamos um debate com quase 60 anos de atraso. A prisão de Queiroz evidenciou o ridículo dentro do trágico.
Golpe? Autogolpe? Não percamos mais tempo com as ideias mortas que oprimem o cérebro dos vivos. Participo nesta sexta à noite do que pretende ser um grande ato virtual em defesa da democracia. Não se trata de frente ampla de partidos nem de ensaio geral para a deposição de Bolsonaro ou para a disputa eleitoral de 2022.
A exemplo de outras iniciativas, como o manifesto Estamos Juntos, brasileiros se articulam em defesa da garantia dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, repudiando retrocessos no terreno institucional. Mas não só. O coronavírus não é professor nem guia moral. É um patógeno assassino. Mas também ensina.
E as milhares de vítimas da pandemia —todas sem vela e muitas sem sepultura— escancaram a necessidade de a democracia avançar além das garantias formais. A cor da morte na pandemia é preta. Seu lugar privilegiado na pirâmide das iniquidades é a pobreza. Não podemos mais tolerar um modelo que tenta harmonizar privilégios inaceitáveis com racismo, miséria e desigualdade aviltante.
O mais provável hoje é que Bolsonaro caia. E depois? Ele lidera o desastre, mas as condições que o levaram ao poder sobreviveriam. E é nelas que mora o problema. Há que se cobrar democracia em miúdos: em políticas públicas, em atendimento aos vulneráveis, em fim de privilégios. Para que ela possa existir também para os pretos e para os pobres.
E viva esta Folha, com sua campanha em defesa da democracia e com as aulas de Oscar Pilagallo sobre a ditadura militar! É preciso pensar o passado para instruir o futuro, em vez de ser esmagado por ele. Bolsonaro e seus golpistas são só o que passa.
Reitere-se: o TJ-RJ não tem licença para ignorar decisão do Supremo. É a regra do jogo, coisa dessa tal democracia.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Concessão de foro especial a Flávio Bolsonaro ignora a regra do jogo
O presidente Jair Bolsonaro descobriu a autocontenção só depois que a Justiça decretou a prisão de Fabrício Queiroz. A propósito: a concessão, pelo TJ-RJ, de foro especial a Flávio Bolsonaro afronta decisão do Supremo. Tem de ser revertida por meio de recurso especial ao STJ ou de reclamação ao próprio STF.
Fui contra o fim do foro especial —e apanhei muito dos bolsonaristas por isso—, mas o meu entendimento foi derrotado. Viva o colegiado! A menos que a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ tenha encontrado no acórdão alguma regra excetuando filhos de Bolsonaro, esse Flávio volta para as mãos do outro, o Itabaiana. Que coisa! O apreço de certos varões de Plutarco pela democracia depende mais da polícia do que da Constituição.
A luta é longa, e estamos só no começo. Enquanto o primeiro-amigo se homiziava na realidade quântica de Frederick Wassef —o buliçoso advogado que, ao mesmo tempo, abrigava e não abrigava o subtenente de milícias--, o "capitão" nos ameaçava com a cólera das legiões, secundado por fardas e pijamas verde-oliva pendurados nos cabides do Planalto.
O Brasil anda tão doidão que debatíamos até a semana retrasada se um golpe, ou autogolpe, era ou não possível. Dar golpe para quê? Para render as Forças Armadas ao Comando de Rio das Pedras? Para transformar o país num grande Ministério da Saúde de Recrutas Zero, onde sobram coturnos e faltam médicos?
O Brasil já está levando pito até de fundos de investimento, alertando que o país não verá o verde do dinheiro enquanto não controlar a Amazônia em chamas. Entidades de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos denunciaram à ombudsman da União Europeia os retrocessos em curso. Eurodeputados enviaram carta ao presidente da Câmara conclamando o Legislativo a resistir à devastação.
O acordo Mercosul-UE está subindo no telhado; os investimentos externos, já minguados, podem nos abandonar de vez; o agronegócio de ponta é hoje prejudicado por madeireiros e grileiros de casaca mal cortada, que ousam falar pelo setor. E lá estávamos nós a interpretar falas e silêncios de generais. No país dos cemitérios eloquentes, fazíamos um debate com quase 60 anos de atraso. A prisão de Queiroz evidenciou o ridículo dentro do trágico.
Golpe? Autogolpe? Não percamos mais tempo com as ideias mortas que oprimem o cérebro dos vivos. Participo nesta sexta à noite do que pretende ser um grande ato virtual em defesa da democracia. Não se trata de frente ampla de partidos nem de ensaio geral para a deposição de Bolsonaro ou para a disputa eleitoral de 2022.
A exemplo de outras iniciativas, como o manifesto Estamos Juntos, brasileiros se articulam em defesa da garantia dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, repudiando retrocessos no terreno institucional. Mas não só. O coronavírus não é professor nem guia moral. É um patógeno assassino. Mas também ensina.
E as milhares de vítimas da pandemia —todas sem vela e muitas sem sepultura— escancaram a necessidade de a democracia avançar além das garantias formais. A cor da morte na pandemia é preta. Seu lugar privilegiado na pirâmide das iniquidades é a pobreza. Não podemos mais tolerar um modelo que tenta harmonizar privilégios inaceitáveis com racismo, miséria e desigualdade aviltante.
O mais provável hoje é que Bolsonaro caia. E depois? Ele lidera o desastre, mas as condições que o levaram ao poder sobreviveriam. E é nelas que mora o problema. Há que se cobrar democracia em miúdos: em políticas públicas, em atendimento aos vulneráveis, em fim de privilégios. Para que ela possa existir também para os pretos e para os pobres.
E viva esta Folha, com sua campanha em defesa da democracia e com as aulas de Oscar Pilagallo sobre a ditadura militar! É preciso pensar o passado para instruir o futuro, em vez de ser esmagado por ele. Bolsonaro e seus golpistas são só o que passa.
Reitere-se: o TJ-RJ não tem licença para ignorar decisão do Supremo. É a regra do jogo, coisa dessa tal democracia.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Uma pausa para avançar - FERNANDO GABEIRA
ESTADÃO - 26/06
Além da pandemia, por décadas vamos sentir os efeitos da passagem de Bolsonaro pelo poder
A leitura da História da Europa nos anos 30 mostra uma longa tensão bélica entrecortada por pausas que enchiam de esperança os que sonhavam com a paz. Poucos percebiam, como Winston Churchill, quão importante era aproveitar os momentos de tensão para se preparar para um confronto inevitável.
Guardadas as proporções, o Brasil entra numa pausa com a prisão de Fabrício Queiroz. Jogado na defensiva pelos diferentes processos no Supremo, um contra fake news, outro contra manifestações com bandeiras ilegais, Bolsonaro tende a se acalmar por alguns dias.
Toda a sua energia certamente estará concentrada em se defender do pepino do tamanho de um cometa que ronda seu governo. A presença de Fabrício Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro levou, de novo, não só os problemas de Flávio Bolsonaro, mas a incômoda questão das milícias cariocas para o terceiro andar do Palácio do Planalto.
Dificilmente, nesse período, crescerão as manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Muito menos Bolsonaro, Mourão e o ministro da Defesa devem lançar novas notas afirmando que as Forças Armadas não aceitam julgamentos políticos. Isso agora soaria como um blefe.
Muito possivelmente Bolsonaro perdeu terreno nas Forças Armadas e também na faixa de seu eleitorado que esperava a luta contra a corrupção. Nesta última ele já havia perdido com a saída de Sergio Moro do governo denunciando suas tentativas de intervir na Polícia Federal do Rio. E as perdas se acentuaram quando firmou aliança com o Centrão, uma espécie de seguro contra o impeachment, que nem sempre é honrado pelos contratantes.
Quando a prisão de Queiroz apertou o botão “pausa” a sociedade estava se organizando para deter o golpe e fazer frente à política nefasta de Bolsonaro. Manifestações de rua surgiram aos domingos e manifestos brotaram de vários setores, indicando a possibilidade de uma frente democrática em gestação.
Nesse momento também a pandemia atingia seu auge, ultrapassando a casa de 1 milhão de contaminados e 50 mil mortos. O Brasil tornou-se um país a ser evitado. O fracasso no combate à pandemia, impulsionado pelo negativismo de Bolsonaro, afasta os potenciais visitantes.
A destruição da Amazônia, que pode alcançar 16 mil km2 no prazo de um ano, por sua vez, afasta os investidores. Fundos de pensão responsáveis por investimentos gigantescos podem voltar as costas ao Brasil, por causa da destruição da floresta e a cruel política para os povos indígenas.
Bolsonaro não torna o País inviável apenas simbolicamente, arrasando a cultura e atropelando nosso patrimônio histórico. Ele nos coloca nas piores condições possíveis para superar a profunda crise econômica, agravada pela pandemia. Embora o ministro Paulo Guedes veja um futuro brilhante pela frente, grandes economistas brasileiros, ao contrário, veem no horizonte uma das grandes privações por que passará o Brasil em sua História.
Quem se preocupa com a democracia apenas quando se aquecem os motores dos tanques militares pode ter uma falsa sensação de alívio. A democracia continuará exposta a pequenos golpes cotidianos Além disso, quanto menos margem de manobras Bolsonaro encontrar, mais possibilidade de buscar ações desesperadas.
Enquanto a sociedade se move, ainda lentamente por causa da pandemia, o confronto com as aspirações golpistas concentrou-se na reação do Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, o Congresso recuou para segundo plano, talvez temeroso da agressividade da militância bolsonarista.
É preciso que os deputados e senadores superem a fixação numa salvação individual nas eleições. Os deputados da extrema direita, segundo a PGR, usam verbas parlamentares para mobilizar o fechamento do próprio Congresso. Não há como se esconder atrás das togas negras do Supremo. É necessária uma frente democrática no próprio Congresso.
“Somos poucos”, dirão os deputados. Mas não importa tanto o número, o importante é começar. Se a pausa acionada com a prisão de Queiroz for entendida como um momento de distensão, uma época para simplesmente deixar andar o processo judicial, ela pode trazer surpresas desagradáveis...
Naturalmente, os processos legais têm de ser acompanhados. Mas os danos ao País continuam a ocorrer. E a chegada de momentos mais dramáticos da crise econômica pede a construção de redes de solidariedade.
Diz a OMS que o mundo sentirá por décadas os efeitos da pandemia de coronavírus. No caso brasileiro, além da pandemia, vamos também sentir por décadas a passagem de Bolsonaro pelo poder.
No trabalho de reparo dos estragos e reconstrução do futuro não pode haver pausa. Mesmo porque as desgraças não nos abandonam nem no cotidiano. O mínimo que esperamos de novo, nessa pausa, é uma voraz nuvem de gafanhotos que nos invade pelo sul do País.
Um aumento de chances de vitória é uma razão suficiente para intensificar a luta. Quanto menos nos preparamos para ela, mais difícil será o desfecho. Sem necessariamente estabelecer um paralelo com o nazismo, a História dos anos 30 é uma aula sobre as hesitações da democracia diante de um perigo no horizonte.
JORNALISTA
Além da pandemia, por décadas vamos sentir os efeitos da passagem de Bolsonaro pelo poder
A leitura da História da Europa nos anos 30 mostra uma longa tensão bélica entrecortada por pausas que enchiam de esperança os que sonhavam com a paz. Poucos percebiam, como Winston Churchill, quão importante era aproveitar os momentos de tensão para se preparar para um confronto inevitável.
Guardadas as proporções, o Brasil entra numa pausa com a prisão de Fabrício Queiroz. Jogado na defensiva pelos diferentes processos no Supremo, um contra fake news, outro contra manifestações com bandeiras ilegais, Bolsonaro tende a se acalmar por alguns dias.
Toda a sua energia certamente estará concentrada em se defender do pepino do tamanho de um cometa que ronda seu governo. A presença de Fabrício Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro levou, de novo, não só os problemas de Flávio Bolsonaro, mas a incômoda questão das milícias cariocas para o terceiro andar do Palácio do Planalto.
Dificilmente, nesse período, crescerão as manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Muito menos Bolsonaro, Mourão e o ministro da Defesa devem lançar novas notas afirmando que as Forças Armadas não aceitam julgamentos políticos. Isso agora soaria como um blefe.
Muito possivelmente Bolsonaro perdeu terreno nas Forças Armadas e também na faixa de seu eleitorado que esperava a luta contra a corrupção. Nesta última ele já havia perdido com a saída de Sergio Moro do governo denunciando suas tentativas de intervir na Polícia Federal do Rio. E as perdas se acentuaram quando firmou aliança com o Centrão, uma espécie de seguro contra o impeachment, que nem sempre é honrado pelos contratantes.
Quando a prisão de Queiroz apertou o botão “pausa” a sociedade estava se organizando para deter o golpe e fazer frente à política nefasta de Bolsonaro. Manifestações de rua surgiram aos domingos e manifestos brotaram de vários setores, indicando a possibilidade de uma frente democrática em gestação.
Nesse momento também a pandemia atingia seu auge, ultrapassando a casa de 1 milhão de contaminados e 50 mil mortos. O Brasil tornou-se um país a ser evitado. O fracasso no combate à pandemia, impulsionado pelo negativismo de Bolsonaro, afasta os potenciais visitantes.
A destruição da Amazônia, que pode alcançar 16 mil km2 no prazo de um ano, por sua vez, afasta os investidores. Fundos de pensão responsáveis por investimentos gigantescos podem voltar as costas ao Brasil, por causa da destruição da floresta e a cruel política para os povos indígenas.
Bolsonaro não torna o País inviável apenas simbolicamente, arrasando a cultura e atropelando nosso patrimônio histórico. Ele nos coloca nas piores condições possíveis para superar a profunda crise econômica, agravada pela pandemia. Embora o ministro Paulo Guedes veja um futuro brilhante pela frente, grandes economistas brasileiros, ao contrário, veem no horizonte uma das grandes privações por que passará o Brasil em sua História.
Quem se preocupa com a democracia apenas quando se aquecem os motores dos tanques militares pode ter uma falsa sensação de alívio. A democracia continuará exposta a pequenos golpes cotidianos Além disso, quanto menos margem de manobras Bolsonaro encontrar, mais possibilidade de buscar ações desesperadas.
Enquanto a sociedade se move, ainda lentamente por causa da pandemia, o confronto com as aspirações golpistas concentrou-se na reação do Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, o Congresso recuou para segundo plano, talvez temeroso da agressividade da militância bolsonarista.
É preciso que os deputados e senadores superem a fixação numa salvação individual nas eleições. Os deputados da extrema direita, segundo a PGR, usam verbas parlamentares para mobilizar o fechamento do próprio Congresso. Não há como se esconder atrás das togas negras do Supremo. É necessária uma frente democrática no próprio Congresso.
“Somos poucos”, dirão os deputados. Mas não importa tanto o número, o importante é começar. Se a pausa acionada com a prisão de Queiroz for entendida como um momento de distensão, uma época para simplesmente deixar andar o processo judicial, ela pode trazer surpresas desagradáveis...
Naturalmente, os processos legais têm de ser acompanhados. Mas os danos ao País continuam a ocorrer. E a chegada de momentos mais dramáticos da crise econômica pede a construção de redes de solidariedade.
Diz a OMS que o mundo sentirá por décadas os efeitos da pandemia de coronavírus. No caso brasileiro, além da pandemia, vamos também sentir por décadas a passagem de Bolsonaro pelo poder.
No trabalho de reparo dos estragos e reconstrução do futuro não pode haver pausa. Mesmo porque as desgraças não nos abandonam nem no cotidiano. O mínimo que esperamos de novo, nessa pausa, é uma voraz nuvem de gafanhotos que nos invade pelo sul do País.
Um aumento de chances de vitória é uma razão suficiente para intensificar a luta. Quanto menos nos preparamos para ela, mais difícil será o desfecho. Sem necessariamente estabelecer um paralelo com o nazismo, a História dos anos 30 é uma aula sobre as hesitações da democracia diante de um perigo no horizonte.
JORNALISTA
Jairzinho Paz e Amor - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 26/06
É melhor ‘presidente banana’ que ex-presidente prematuro e Bolsonaro tenta uma inflexão
A escolha do professor Carlos Alberto Decotelli da Silva para o estratégico e sofrido Ministério da Educação é mais um passo na metamorfose do presidente Jair Bolsonaro em Jairzinho Paz e Amor. Decotelli é conservador, sim, e não se poderia esperar algo diferente, mas carrega um belo currículo, não tem nada a ver com o antecessor Abraham Weintraub e muito menos é do grupo “olavista”. Logo, já é um avanço. Sua nomeação ocorre com Bolsonaro acuado, se enfraquecendo na área militar, e esquece manifestações golpistas e se aproxima de Judiciário e Legislativo, amenizando até a expressão facial e o tom de voz. Não à toa. São duas investigações contra ele no Supremo, uma contra Flávio Bolsonaro na Justiça Federal do Rio e outras contra parlamentares, empresários e militantes bolsonaristas, por fake news e atos golpistas, que se aproximam do “gabinete do ódio” e dos filhos do presidente.
O vice Hamilton Mourão entrou no radar, Bolsonaro finalmente concluiu que estava afundando e era hora de nadar e parar de afogar todo o resto. Essa pausa para reflexão, digamos assim, tem um papel fundamental da ala militar do governo, que manifestou incômodo com a ignorância e beligerância de Weintraub e não se dispõe a um abraço de afogados por problemas pessoais de Bolsonaro e seus filhos.
Tanto a queda de Weintraub quanto a ascensão de Decotelli, que teve uma fugaz passagem pela Marinha, têm a influência direta da ala militar, que tem tido contatos com ministros do Supremo e as cúpulas da Câmara e do Senado. Bolsonaro sempre bate no peito para demonstrar autoridade e já perguntou: “vou ser um presidente banana?”. Bem, é melhor ser um presidente um tanto “banana” do que um ex-presidente antes do tempo. De um lado, os militares mostraram desconforto. Do outro, o tal Olavo de Carvalho extrapolou ao postar um vídeo, aos palavrões, ameaçando o presidente. Somados, os dois movimentos reequilibraram o jogo, com a vitória da ala militar sobre a ala ideológica não só na questão pontual do MEC, mas na estratégia de sobrevivência.
Qualquer equilíbrio, porém, é precário. Bolsonaro atacou governadores, prefeitos, STF, Câmara e Senado. E também universidades, professores, alunos, médicos, enfermeiros, ambientalistas, indigenistas, jornalistas, artistas, intelectuais, militantes dos direitos humanos, movimentos negros... E a imagem do Brasil no exterior jamais esteve tão tristemente esgarçada desde os tempos da tortura. Bolsonaro não é vítima e sim réu nesse desgaste nas relações institucionais, federativas e internacionais. E é nesse ambiente adverso que tem de enfrentar as ações no Supremo e as revelações sobre a simbiose entre Flávio, Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar, Capitão Adriano, milícias e o imprevisível Frederick Wassef.
Aliás, por que o general Augusto Heleno, do GSI, implodiu de vez a versão mal-ajambrada de Bolsonaro para a acusação de interferência na PF? O presidente dizia que seu alvo não era a PF, mas sim a segurança dele e da família do Rio, a cargo do GSI, quando, furioso, reclamou: “Eu não vou esperar foder a minha família toda (...), porque eu não posso trocar alguém (..).” Em oficio, Heleno responde que não houve “óbices ou obstáculos” para troca nenhuma. Em um ano e meio de governo, foram três na segurança no Rio.
Assim, o presidente tirou Weintraub, nomeou um nome respeitável para o MEC, reabre o diálogo e faz a alegria do Centrão, mas a crise continua. As investigações se aprofundam e não se tem ideia de como Bolsonaro vai se virar no depoimento ao STF. Sobretudo depois de Heleno, é impossível manter a versão inverossímil. E que outra versão podem inventar? O depoimento de Bolsonaro não será mais mera formalidade. E é um problemão.
É melhor ‘presidente banana’ que ex-presidente prematuro e Bolsonaro tenta uma inflexão
A escolha do professor Carlos Alberto Decotelli da Silva para o estratégico e sofrido Ministério da Educação é mais um passo na metamorfose do presidente Jair Bolsonaro em Jairzinho Paz e Amor. Decotelli é conservador, sim, e não se poderia esperar algo diferente, mas carrega um belo currículo, não tem nada a ver com o antecessor Abraham Weintraub e muito menos é do grupo “olavista”. Logo, já é um avanço. Sua nomeação ocorre com Bolsonaro acuado, se enfraquecendo na área militar, e esquece manifestações golpistas e se aproxima de Judiciário e Legislativo, amenizando até a expressão facial e o tom de voz. Não à toa. São duas investigações contra ele no Supremo, uma contra Flávio Bolsonaro na Justiça Federal do Rio e outras contra parlamentares, empresários e militantes bolsonaristas, por fake news e atos golpistas, que se aproximam do “gabinete do ódio” e dos filhos do presidente.
O vice Hamilton Mourão entrou no radar, Bolsonaro finalmente concluiu que estava afundando e era hora de nadar e parar de afogar todo o resto. Essa pausa para reflexão, digamos assim, tem um papel fundamental da ala militar do governo, que manifestou incômodo com a ignorância e beligerância de Weintraub e não se dispõe a um abraço de afogados por problemas pessoais de Bolsonaro e seus filhos.
Tanto a queda de Weintraub quanto a ascensão de Decotelli, que teve uma fugaz passagem pela Marinha, têm a influência direta da ala militar, que tem tido contatos com ministros do Supremo e as cúpulas da Câmara e do Senado. Bolsonaro sempre bate no peito para demonstrar autoridade e já perguntou: “vou ser um presidente banana?”. Bem, é melhor ser um presidente um tanto “banana” do que um ex-presidente antes do tempo. De um lado, os militares mostraram desconforto. Do outro, o tal Olavo de Carvalho extrapolou ao postar um vídeo, aos palavrões, ameaçando o presidente. Somados, os dois movimentos reequilibraram o jogo, com a vitória da ala militar sobre a ala ideológica não só na questão pontual do MEC, mas na estratégia de sobrevivência.
Qualquer equilíbrio, porém, é precário. Bolsonaro atacou governadores, prefeitos, STF, Câmara e Senado. E também universidades, professores, alunos, médicos, enfermeiros, ambientalistas, indigenistas, jornalistas, artistas, intelectuais, militantes dos direitos humanos, movimentos negros... E a imagem do Brasil no exterior jamais esteve tão tristemente esgarçada desde os tempos da tortura. Bolsonaro não é vítima e sim réu nesse desgaste nas relações institucionais, federativas e internacionais. E é nesse ambiente adverso que tem de enfrentar as ações no Supremo e as revelações sobre a simbiose entre Flávio, Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar, Capitão Adriano, milícias e o imprevisível Frederick Wassef.
Aliás, por que o general Augusto Heleno, do GSI, implodiu de vez a versão mal-ajambrada de Bolsonaro para a acusação de interferência na PF? O presidente dizia que seu alvo não era a PF, mas sim a segurança dele e da família do Rio, a cargo do GSI, quando, furioso, reclamou: “Eu não vou esperar foder a minha família toda (...), porque eu não posso trocar alguém (..).” Em oficio, Heleno responde que não houve “óbices ou obstáculos” para troca nenhuma. Em um ano e meio de governo, foram três na segurança no Rio.
Assim, o presidente tirou Weintraub, nomeou um nome respeitável para o MEC, reabre o diálogo e faz a alegria do Centrão, mas a crise continua. As investigações se aprofundam e não se tem ideia de como Bolsonaro vai se virar no depoimento ao STF. Sobretudo depois de Heleno, é impossível manter a versão inverossímil. E que outra versão podem inventar? O depoimento de Bolsonaro não será mais mera formalidade. E é um problemão.
Os caminhos da Justiça - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 26/06
O julgamento de ontem do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mostra como são difíceis, e muitas vezes tortuosos, os caminhos da Justiça. A transferência da primeira instância para o Órgão Especial do TJ da competência para julgar o caso de Flavio Bolsonaro, acusado de ser o chefe de uma quadrilha que cometeu peculato com o dinheiro público - a vulgarmente chamada “rachadinha”, quando um parlamentar fica com parte do salário dos funcionários de seu gabinete - beneficiou o filho do presidente por um lado, mas não anulou as provas já obtidas durante a fase em que a primeira instância cuidou do caso.
A defesa queria duas coisas: tirar o caso do juiz Itabaiana e anular todas as provas obtidas nas investigações. Teve vitória parcial, e se alguém foi beneficiado foi Flavio Bolsonaro, pois existe uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que quando o parlamentar perde o mandato, seu caso vai para a primeira instância.
A alegação de que Flavio Bolsonaro era deputado estadual quando cometeu o suposto crime, e por isso é beneficiado pelo foro privilegiado, é uma dessas interpretações distorcidas que, com os recursos, acabará sendo anulada no Supremo.
A decisão que limitou o foro privilegiado teve como relator o ministro Luis Roberto Barroso numa Ação Penal, que não produz efeito vinculante, o que quer dizer que não há obrigatoriedade de os desembargadores aderirem a ela, embora fosse recomendável.
No entanto, com a decisão de passar para a segunda instância, pela lógica todo o processo anterior deveria ter sido anulado, e o inquérito começaria da estaca zero, o que não aconteceu. Pode vir a acontecer quando a defesa de Flavio Bolsonaro recorrer ao Órgão Especial, órgão máximo do Tribunal de Justiça do Rio, formado por 25 desembargadores. Mas pode também o Órgão Especial considerar que a primeira instância é que é competente para julgar o caso, seguindo a jurisprudência do STF.
Isso tudo para dizer que Bolsonaro acusar o Judiciário de perseguir sua família por questões políticas não resiste a uma análise isenta. Desde a prisão do seu amigo Fabrício Queiroz, acusado de ter parte com às milícias e ser o coordenador da “rachadinha”, Bolsonaro está completamente diferente, a começar pela feição. Sua postura no vídeo da saída do Weintraub, no mesmo dia da prisão do Queiroz, mostra como está impactado com a notícia, que o envolve diretamente, porque seu amigo foi preso na casa de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro.
Desde então, está calado, evita fazer aqueles mini comícios na saída do Alvorada, baixou a crista, como se diz de um energúmeno que se submeteu à realidade. Todos seus seguidores também reduziram muito os ataques, e com ele calado, o clima politico mudou muito.
Bolsonaro não passa da retórica, nunca teve um gesto para unir as pessoas, sempre trabalha na desunião, na disputa política, na guerra. E todo dia tinha assunto novo, um ataque a alguém, a alguma instituição. Ao contrário, ontem amanheceu propondo novamente a união entre os Poderes. Esse estender de mão é consequência do impacto que foi para Bolsonaro pessoalmente a prisão do Queiroz.
Ele sabe o que está em jogo, sabe o que pode sair dali. Sabe o que fez no passado, ele, seus filhos, o Queiroz, ele sabe que os inquéritos no STF são fortes, está ficando cada vez mais claro que a interferência na Polícia Federal existiu, e que o interesse era evitar processos contra o filho Flavio senador e a prisão de Queiroz. Além do caso do impulsionamento de WhattsApp no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Só há dois problemas para esse novo acordo proposto: o primeiro é a pessoa do presidente, que não é nem controlável, nem confiável. Depois, a cabeça dele não vai mudar - a busca do poder sem limitações, de que o Executivo tem que comandar, que o Legislativo e o Judiciário o impedem de governar. Ninguém ganha espírito democrático tendo sido autoritário a vida inteira.
Qual é a solução para esse caso? Que Bolsonaro esqueça a tese de golpe, esqueça a tentativa de controlar outros Poderes, se adapte à democracia representativa, ao presidencialismo de coalizão e faça acordos com partidos políticos no Congresso dentro da legalidade. Mas entendendo que isso não absolve o Queiroz, nem o Flavio, nem o Jair de nada do que fizeram.
O julgamento de ontem do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mostra como são difíceis, e muitas vezes tortuosos, os caminhos da Justiça. A transferência da primeira instância para o Órgão Especial do TJ da competência para julgar o caso de Flavio Bolsonaro, acusado de ser o chefe de uma quadrilha que cometeu peculato com o dinheiro público - a vulgarmente chamada “rachadinha”, quando um parlamentar fica com parte do salário dos funcionários de seu gabinete - beneficiou o filho do presidente por um lado, mas não anulou as provas já obtidas durante a fase em que a primeira instância cuidou do caso.
A defesa queria duas coisas: tirar o caso do juiz Itabaiana e anular todas as provas obtidas nas investigações. Teve vitória parcial, e se alguém foi beneficiado foi Flavio Bolsonaro, pois existe uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que quando o parlamentar perde o mandato, seu caso vai para a primeira instância.
A alegação de que Flavio Bolsonaro era deputado estadual quando cometeu o suposto crime, e por isso é beneficiado pelo foro privilegiado, é uma dessas interpretações distorcidas que, com os recursos, acabará sendo anulada no Supremo.
A decisão que limitou o foro privilegiado teve como relator o ministro Luis Roberto Barroso numa Ação Penal, que não produz efeito vinculante, o que quer dizer que não há obrigatoriedade de os desembargadores aderirem a ela, embora fosse recomendável.
No entanto, com a decisão de passar para a segunda instância, pela lógica todo o processo anterior deveria ter sido anulado, e o inquérito começaria da estaca zero, o que não aconteceu. Pode vir a acontecer quando a defesa de Flavio Bolsonaro recorrer ao Órgão Especial, órgão máximo do Tribunal de Justiça do Rio, formado por 25 desembargadores. Mas pode também o Órgão Especial considerar que a primeira instância é que é competente para julgar o caso, seguindo a jurisprudência do STF.
Isso tudo para dizer que Bolsonaro acusar o Judiciário de perseguir sua família por questões políticas não resiste a uma análise isenta. Desde a prisão do seu amigo Fabrício Queiroz, acusado de ter parte com às milícias e ser o coordenador da “rachadinha”, Bolsonaro está completamente diferente, a começar pela feição. Sua postura no vídeo da saída do Weintraub, no mesmo dia da prisão do Queiroz, mostra como está impactado com a notícia, que o envolve diretamente, porque seu amigo foi preso na casa de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro.
Desde então, está calado, evita fazer aqueles mini comícios na saída do Alvorada, baixou a crista, como se diz de um energúmeno que se submeteu à realidade. Todos seus seguidores também reduziram muito os ataques, e com ele calado, o clima politico mudou muito.
Bolsonaro não passa da retórica, nunca teve um gesto para unir as pessoas, sempre trabalha na desunião, na disputa política, na guerra. E todo dia tinha assunto novo, um ataque a alguém, a alguma instituição. Ao contrário, ontem amanheceu propondo novamente a união entre os Poderes. Esse estender de mão é consequência do impacto que foi para Bolsonaro pessoalmente a prisão do Queiroz.
Ele sabe o que está em jogo, sabe o que pode sair dali. Sabe o que fez no passado, ele, seus filhos, o Queiroz, ele sabe que os inquéritos no STF são fortes, está ficando cada vez mais claro que a interferência na Polícia Federal existiu, e que o interesse era evitar processos contra o filho Flavio senador e a prisão de Queiroz. Além do caso do impulsionamento de WhattsApp no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Só há dois problemas para esse novo acordo proposto: o primeiro é a pessoa do presidente, que não é nem controlável, nem confiável. Depois, a cabeça dele não vai mudar - a busca do poder sem limitações, de que o Executivo tem que comandar, que o Legislativo e o Judiciário o impedem de governar. Ninguém ganha espírito democrático tendo sido autoritário a vida inteira.
Qual é a solução para esse caso? Que Bolsonaro esqueça a tese de golpe, esqueça a tentativa de controlar outros Poderes, se adapte à democracia representativa, ao presidencialismo de coalizão e faça acordos com partidos políticos no Congresso dentro da legalidade. Mas entendendo que isso não absolve o Queiroz, nem o Flavio, nem o Jair de nada do que fizeram.
quinta-feira, junho 25, 2020
Os dois medos no atual silêncio obsequioso de Bolsonaro: Wassef e Márcia - REINALDO AZEVEDO
UOL - 25/06
Quem tem Fabrício Queiroz como amigo tem medo. E quem tem Frederick Wassef como ex-advogado, convenham, também.
Jair Bolsonaro, no momento, conta com duas fontes de preocupação. Além de Fabrício, o ex-faz-tudo do agora senador Flávio Bolsonaro, há também o advogado, que já deu mostras eloquentes de ser vaidoso e meio falastrão. Gente assim pode ser perigosa se sente o ego ferido.
Já deu para perceber o peso que tem na moderação do discurso presidencial a questão, não é mesmo? Até a prisão de Fabrício, Bolsonaro dava uma solene banana para a crise e dedicava seu tempo livre — que parece ser imenso — a uma guerra com os outros dois Poderes da República — muito especialmente com o Judiciário. E lá vinha ele, dia após dia, com a conversa mole do golpe, no que era secundado, ainda que com um pouco mais de cuidado, pelos generais do Planalto.
Mas Fabrício Queiroz o fez engolir a língua. Afinal, o amigo do presidente tem uma preocupação adicional: sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, com prisão preventiva decretada, é hoje uma foragida. Queiroz leva todo jeito de que é resiliente, de que pode tentar agasalhar o foguete, preservando Bolsonaro, Flávio e assemelhados. Mas ninguém tem a mesma certeza sobre Márcia. Enquanto estiver solta, é um problema. Se presa, idem. Não existe alternativa boa para o presidente e sua família.
WASSEF
Com Frederick Wassef, a preocupação não é menor. Vê-se que ele jamais morreria por síndrome de abstinência de vaidade. Só não repitam por aí que seus ternos são bem cortados. Ah, isso nunca! O problema é que o doutor, mesmo sendo um criminalista, está se enrolando cada vez mais.
Deixar a defesa de Flávio, como fez, não resolve nada. Confrontado com o fato de que Fabrício se escondia em sua casa, Wassef deveria, de cara, ter admitido que, bem..., sim, deu abrigo ao homem e ponto. E sustentaria, ainda que ninguém acreditasse, que Flávio nada tinha com isso.
Fez a segunda parte, ninguém acreditou, mas insistiu na conversa, contra todas as evidências factuais, de que não hospedava Fabrício, de que este estava lá de passagem, de que ignorava que sua casa servia de esconderijo para o sumido.
Ora, como ele mesmo lembrou, não havia mandado de prisão contra Fabrício. Isso, por si, não configurava crime nenhum. Ocorre que há agora a curiosidade para saber por que o homem se escondia em Atibaia e por que Wassef contou uma lorota impossível de sustentar. De resto, apareceu uma nova personagem, entrevistada nesta quarta pelo Jornal Nacional: Ana Flávia Rigamonti.
Começou a trabalhar na casa em que se escondia Fabrício, considerado um escritório de Wassef, em maio de 2019. Conviveu, desde sempre, com o ex-assessor de Flávio e com Márcia, que volta e meia passava por lá. Não se sabe qual era sua tarefa. Ela nega que fosse uma espécie de vigia de Fabrício a serviço de Wassef.
Informa o Jornal Nacional:
Em uma mensagem interceptada pelos investigadores, a mulher de Queiroz pede que a filha avise Ana que ela e o marido estavam a caminho de São Paulo. Neste mesmo dia, a filha de Márcia enviou à mãe a resposta de Ana: "Pode ficar tranquila que não falo nada, não".
Já em outro diálogo registrado em novembro de 2019, o filho de Queiroz mandou para Márcia uma mensagem de áudio encaminhada por Ana, em que ela afirma que não teria comentado com o "Anjo" sobre uma viagem de Queiroz e de Márcia, pedindo que "se ele questionar alguma coisa, vocês falam que foi agora".
Ao JN, Márcia nega que tratasse Wassef por "Anjo". Indagada se, na convivência com Fabrício e Márcia, a palavra foi usada para designar o advogado, afirmou: "Bom, essa pergunta eu prefiro não responder." Também disse não saber se seu chefe e o ex-assessor de Flávio se encontraram. Reitere-se: a casa estava registrada como um escritório, mas não funcionava como tal.
O que leva pânico a Bolsonaro e sua família? Se aparecer alguma coisa da pesada contra Fabrício, praticada no tempo em que Wassef lhe dava abrigo, a coisa pode esbarrar no doutor. O risco está em o homem vir a ser preso caso o ex-faz-tudo de Flávio tenha aprontado alguma em que ele possa figurar como cúmplice.
Essa espécie de torpor silencioso de Bolsonaro, assim, tem dois nomes: Márcia Oliveira Aguiar e Frederick Wassef. Nem mais de ameaçar o país com golpe de Estado o presidente se lembra. O medo comeu a sua língua, o que, em si, é bom. Esse medo, por ora, o faz ser prudente.
Quem tem Fabrício Queiroz como amigo tem medo. E quem tem Frederick Wassef como ex-advogado, convenham, também.
Jair Bolsonaro, no momento, conta com duas fontes de preocupação. Além de Fabrício, o ex-faz-tudo do agora senador Flávio Bolsonaro, há também o advogado, que já deu mostras eloquentes de ser vaidoso e meio falastrão. Gente assim pode ser perigosa se sente o ego ferido.
Já deu para perceber o peso que tem na moderação do discurso presidencial a questão, não é mesmo? Até a prisão de Fabrício, Bolsonaro dava uma solene banana para a crise e dedicava seu tempo livre — que parece ser imenso — a uma guerra com os outros dois Poderes da República — muito especialmente com o Judiciário. E lá vinha ele, dia após dia, com a conversa mole do golpe, no que era secundado, ainda que com um pouco mais de cuidado, pelos generais do Planalto.
Mas Fabrício Queiroz o fez engolir a língua. Afinal, o amigo do presidente tem uma preocupação adicional: sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, com prisão preventiva decretada, é hoje uma foragida. Queiroz leva todo jeito de que é resiliente, de que pode tentar agasalhar o foguete, preservando Bolsonaro, Flávio e assemelhados. Mas ninguém tem a mesma certeza sobre Márcia. Enquanto estiver solta, é um problema. Se presa, idem. Não existe alternativa boa para o presidente e sua família.
WASSEF
Com Frederick Wassef, a preocupação não é menor. Vê-se que ele jamais morreria por síndrome de abstinência de vaidade. Só não repitam por aí que seus ternos são bem cortados. Ah, isso nunca! O problema é que o doutor, mesmo sendo um criminalista, está se enrolando cada vez mais.
Deixar a defesa de Flávio, como fez, não resolve nada. Confrontado com o fato de que Fabrício se escondia em sua casa, Wassef deveria, de cara, ter admitido que, bem..., sim, deu abrigo ao homem e ponto. E sustentaria, ainda que ninguém acreditasse, que Flávio nada tinha com isso.
Fez a segunda parte, ninguém acreditou, mas insistiu na conversa, contra todas as evidências factuais, de que não hospedava Fabrício, de que este estava lá de passagem, de que ignorava que sua casa servia de esconderijo para o sumido.
Ora, como ele mesmo lembrou, não havia mandado de prisão contra Fabrício. Isso, por si, não configurava crime nenhum. Ocorre que há agora a curiosidade para saber por que o homem se escondia em Atibaia e por que Wassef contou uma lorota impossível de sustentar. De resto, apareceu uma nova personagem, entrevistada nesta quarta pelo Jornal Nacional: Ana Flávia Rigamonti.
Começou a trabalhar na casa em que se escondia Fabrício, considerado um escritório de Wassef, em maio de 2019. Conviveu, desde sempre, com o ex-assessor de Flávio e com Márcia, que volta e meia passava por lá. Não se sabe qual era sua tarefa. Ela nega que fosse uma espécie de vigia de Fabrício a serviço de Wassef.
Informa o Jornal Nacional:
Em uma mensagem interceptada pelos investigadores, a mulher de Queiroz pede que a filha avise Ana que ela e o marido estavam a caminho de São Paulo. Neste mesmo dia, a filha de Márcia enviou à mãe a resposta de Ana: "Pode ficar tranquila que não falo nada, não".
Já em outro diálogo registrado em novembro de 2019, o filho de Queiroz mandou para Márcia uma mensagem de áudio encaminhada por Ana, em que ela afirma que não teria comentado com o "Anjo" sobre uma viagem de Queiroz e de Márcia, pedindo que "se ele questionar alguma coisa, vocês falam que foi agora".
Ao JN, Márcia nega que tratasse Wassef por "Anjo". Indagada se, na convivência com Fabrício e Márcia, a palavra foi usada para designar o advogado, afirmou: "Bom, essa pergunta eu prefiro não responder." Também disse não saber se seu chefe e o ex-assessor de Flávio se encontraram. Reitere-se: a casa estava registrada como um escritório, mas não funcionava como tal.
O que leva pânico a Bolsonaro e sua família? Se aparecer alguma coisa da pesada contra Fabrício, praticada no tempo em que Wassef lhe dava abrigo, a coisa pode esbarrar no doutor. O risco está em o homem vir a ser preso caso o ex-faz-tudo de Flávio tenha aprontado alguma em que ele possa figurar como cúmplice.
Essa espécie de torpor silencioso de Bolsonaro, assim, tem dois nomes: Márcia Oliveira Aguiar e Frederick Wassef. Nem mais de ameaçar o país com golpe de Estado o presidente se lembra. O medo comeu a sua língua, o que, em si, é bom. Esse medo, por ora, o faz ser prudente.
Bolsonaro tornou-se prisioneiro de sua inverdade - JOSIAS DE SOUZA
UOL - 25/06
No trecho predileto de Bolsonaro, o Evangelho de João anota: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." No inquérito sobre a tentativa de transformar a Polícia Federal em aparato político, o capitão tornou-se prisioneiro de uma inverdade. A partir de esclarecimentos prestados pelo general Augusto Heleno, amigo do presidente e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, descobriu-se que Bolsonaro opera num mundo em que há duas verdades: a dele e a verdadeira.
Heleno informou à Polícia Federal que "não houve óbices ou embaraços" para a realização de substituições na equipe de segurança de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Confirmou que houve três trocas. Com isso, virou farelo o argumento que Bolsonaro vinha esgrimindo de que se dirigia a Heleno, não a Sergio Moro, quando cobrou, na reunião ministerial de 22 de abril, mudanças na "segurança" do Rio de Janeiro.
Ficou entendido que Bolsonaro falava mesmo sobre Polícia Federal quando disse que não iria esperar pelo surgimento de "sacanagem" contra sua família e amigos para trocar o comando da "segurança" no Rio. "Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente na fatídica reunião.
Bolsonaro se considera um bom presidente, acha que merece respeito. A Polícia Federal passou a considerar que ele merece um bom interrogatório. Nos próximos dias, o presidente passará por constrangimentos. A delegada federal Christina Correa Machado submeterá Bolsonaro a um interrogatório de suspeito clássico. Falta saber se o presidente será constrangido pessoalmente ou por escrito.
Guardadas as proporções, isso já tinha acontecido com Michel Temer, que também foi interrogado pela PF no exercício da Presidência. Esperava-se que Bolsonaro fugisse desse figurino. Mas o Brasil parece condenado a ser o mais antigo país do futuro do mundo.
No trecho predileto de Bolsonaro, o Evangelho de João anota: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." No inquérito sobre a tentativa de transformar a Polícia Federal em aparato político, o capitão tornou-se prisioneiro de uma inverdade. A partir de esclarecimentos prestados pelo general Augusto Heleno, amigo do presidente e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, descobriu-se que Bolsonaro opera num mundo em que há duas verdades: a dele e a verdadeira.
Heleno informou à Polícia Federal que "não houve óbices ou embaraços" para a realização de substituições na equipe de segurança de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Confirmou que houve três trocas. Com isso, virou farelo o argumento que Bolsonaro vinha esgrimindo de que se dirigia a Heleno, não a Sergio Moro, quando cobrou, na reunião ministerial de 22 de abril, mudanças na "segurança" do Rio de Janeiro.
Ficou entendido que Bolsonaro falava mesmo sobre Polícia Federal quando disse que não iria esperar pelo surgimento de "sacanagem" contra sua família e amigos para trocar o comando da "segurança" no Rio. "Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente na fatídica reunião.
Bolsonaro se considera um bom presidente, acha que merece respeito. A Polícia Federal passou a considerar que ele merece um bom interrogatório. Nos próximos dias, o presidente passará por constrangimentos. A delegada federal Christina Correa Machado submeterá Bolsonaro a um interrogatório de suspeito clássico. Falta saber se o presidente será constrangido pessoalmente ou por escrito.
Guardadas as proporções, isso já tinha acontecido com Michel Temer, que também foi interrogado pela PF no exercício da Presidência. Esperava-se que Bolsonaro fugisse desse figurino. Mas o Brasil parece condenado a ser o mais antigo país do futuro do mundo.
Rouba, mas é pouco - MARILIZ PEREIRA JORGE
Folha de S. Paulo - 25/06
O apoio ao clã presidencial pode evoluir para 'rouba, não faz nada, mas e daí?'
Impressiona, ainda que não surpreenda, o contorcionismo dos apoiadores do governo para empacotar a corrupção como um mal menor diante da prisão de Fabrício Queiroz e da possibilidade de o primeiro-filho, o senador Flávio Bolsonaro, ter o mesmo destino.
Corrupção, confirmamos mais uma vez, nunca foi a razão para eleger um sujeito ignóbil como Jair. Fosse isso, bolsonaristas não defenderiam agora rachadinha como prática aceitável, “porque todo mundo faz”, “porque nem se compara ao que o PT ou Sérgio Cabral roubaram”. Mesmo para o padrão tupiniquim de lambe-bota de político, essa praga que nos assola, a mítica frase “rouba, mas faz” sofre aqui um duplo twist carpado.
Sabemos que a moral de parte da população é flexível. Bate palmas para tipos como Paulo Maluf, porque construiu pontes e avenidas, embora tenha enchido o bolso com milhões. Defende que partido que tira pobre da miséria não merece crítica nenhuma, apenas redenção, apesar dos comprovados pesares.
De Adhemar de Barros ao PT, o “rouba, mas faz” sempre foi exaltado. Coisa nova na vida política é a defesa apaixonada do “rouba, mas é pouco”. Não é pouco e faz falta na educação, na saúde, na segurança.
Bolsonaro tem razão quando diz que os brasileiros deveriam ser estudados. Muitos fecham o nariz e pulam no esgoto do pragmatismo político. Apoiadores do presidente têm demonstrado que podem nadar de braçada nessa imundice ao aceitar rachadinha, contratação de funcionário fantasma, inclusive pelo então deputado Jair, uso de verba pública para financiar atos privados e sites ideológicos, além dos superfaturamentos tão disseminados nos gabinetes parlamentares.
Com um ano e meio de governo, resultados desastrosos em todas as áreas, já sabemos que o apoio ao clã presidencial é irrestrito e pode evoluir até mesmo para o “rouba, não faz nada, mas e daí?”.
O apoio ao clã presidencial pode evoluir para 'rouba, não faz nada, mas e daí?'
Impressiona, ainda que não surpreenda, o contorcionismo dos apoiadores do governo para empacotar a corrupção como um mal menor diante da prisão de Fabrício Queiroz e da possibilidade de o primeiro-filho, o senador Flávio Bolsonaro, ter o mesmo destino.
Corrupção, confirmamos mais uma vez, nunca foi a razão para eleger um sujeito ignóbil como Jair. Fosse isso, bolsonaristas não defenderiam agora rachadinha como prática aceitável, “porque todo mundo faz”, “porque nem se compara ao que o PT ou Sérgio Cabral roubaram”. Mesmo para o padrão tupiniquim de lambe-bota de político, essa praga que nos assola, a mítica frase “rouba, mas faz” sofre aqui um duplo twist carpado.
Sabemos que a moral de parte da população é flexível. Bate palmas para tipos como Paulo Maluf, porque construiu pontes e avenidas, embora tenha enchido o bolso com milhões. Defende que partido que tira pobre da miséria não merece crítica nenhuma, apenas redenção, apesar dos comprovados pesares.
De Adhemar de Barros ao PT, o “rouba, mas faz” sempre foi exaltado. Coisa nova na vida política é a defesa apaixonada do “rouba, mas é pouco”. Não é pouco e faz falta na educação, na saúde, na segurança.
Bolsonaro tem razão quando diz que os brasileiros deveriam ser estudados. Muitos fecham o nariz e pulam no esgoto do pragmatismo político. Apoiadores do presidente têm demonstrado que podem nadar de braçada nessa imundice ao aceitar rachadinha, contratação de funcionário fantasma, inclusive pelo então deputado Jair, uso de verba pública para financiar atos privados e sites ideológicos, além dos superfaturamentos tão disseminados nos gabinetes parlamentares.
Com um ano e meio de governo, resultados desastrosos em todas as áreas, já sabemos que o apoio ao clã presidencial é irrestrito e pode evoluir até mesmo para o “rouba, não faz nada, mas e daí?”.
O ódio terraplanista - MIGUEL DE ALMEIDA
Folha de S. Paulo - 25/06
Moldado pelos petistas, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado
Ali pelo final de seu livro "Capitalismo na América", Alan Greenspan, economista e ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, se detém na clivagem em voga na política americana. No ódio escandido por Donald Trump a cada três entre quatro verbos de suas frases.
Greenspan, um republicano de quatro costados, capaz de criticar Reagan e elogiar Clinton, com todo o respeito liberal, conclui que a animosidade na política se dá por uma questão econômica. Simples: pela primeira vez em décadas, a atual geração de americanos será mais pobre do que a geração de seus pais e avós. É quando proliferam as antas.
No caso dos Estados Unidos, berço da revolução digital (ou 4ª Revolução Industrial), a destruição criativa espreme as antigas profissões, substituídas pela robótica e anteriormente pela mão de obra barata de países asiáticos, e aumenta a desigualdade social.
Simples, de novo: basta ver que a Amazon disparou no mercado de ações, e redes como J. Crew e mesmo Zara, de comércio varejista tradicional, enfrentam semelhante mau humor experimentado 120 anos atrás pelos fabricantes de selas e chicotes (e também pelos proprietários de cavalos), quando o automóvel ganhou as ruas.
O livro de Greenspan me lembrou de uma conversa final de tarde em dezembro de 2014, na praia de Itapuã (BA), com o poeta Antonio Risério. Ambos estávamos escandalizados com a campanha eleitoral de reeleição de Dilma Rousseff, quando o marqueteiro petista, João Santana, o antes popular Patinhas, forjara de vez a clivagem lulista de "nós" ou "eles"; e, para ganhar, inventara saco de inverdades contra Marina Silva.
Lembro de dizer a Risério: isso vai voltar, a campanha destampou um ódio, adicionou à política novamente um amargor de frustração cuja reação, ensinam os mandamentos quânticos, será em proporções maiores. Pois o ódio moldado pelos petistas, Lula à frente, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado.
E o ódio fermentou ainda em fogo alto sob a primária política econômica de Dilma-Mantega, de matriz geiselista, com um saldo de 12 milhões de desempregados e os habituais PIBs negativos.
Se os americanos se encontram clivados pela política trumpista, embora acumulem crescimentos de PIB algo tímidos, jogue a lupa na realidade brasileira, cujo desempenho econômico desde a década de 1980 é mais anêmico do que um figurante de reality da Record.
Enquanto os americanos padecem pela trituração de ocupações, muitas delas já obsoletas, ou de técnica limitada (carros: até russos possuem as suas marcas!), o Brasil cumpre sua sina de viver ideias fora do tempo. Cada vez mais o Brasil político se assemelha ao desempenho nas pistas de Rubinho Barrichello (parece que contraiu há pouco a H1N1).
Caiu no conto da direita em 1964 (achando que o latifundiário João Goulart era comunista!); em 2002, no ideário esquerdista-estatista (quando a União Soviética ruíra décadas antes); e, em 2018, no assombro nazibozonarista (na época a Venezuela de Chaves e Maduro já era miasma).
O retorno de Lula das tumbas do ABC, contra os manifestos democráticos, revela a estratégia da foto: "nós" ou "eles", sempre. Petistas x bozonaristas. Interessa a rivalidade binária, tão entranhada na vida brasileira. E imaginar que a Frente Ampla, em 1966, juntou contra os milicos Jango Goulart, JK e Carlos Lacerda. Éramos mais sofisticados (ideológica e espiritualmente) e não sabíamos.
Miguel de Almeida, escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)
Moldado pelos petistas, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado
Ali pelo final de seu livro "Capitalismo na América", Alan Greenspan, economista e ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, se detém na clivagem em voga na política americana. No ódio escandido por Donald Trump a cada três entre quatro verbos de suas frases.
Greenspan, um republicano de quatro costados, capaz de criticar Reagan e elogiar Clinton, com todo o respeito liberal, conclui que a animosidade na política se dá por uma questão econômica. Simples: pela primeira vez em décadas, a atual geração de americanos será mais pobre do que a geração de seus pais e avós. É quando proliferam as antas.
No caso dos Estados Unidos, berço da revolução digital (ou 4ª Revolução Industrial), a destruição criativa espreme as antigas profissões, substituídas pela robótica e anteriormente pela mão de obra barata de países asiáticos, e aumenta a desigualdade social.
Simples, de novo: basta ver que a Amazon disparou no mercado de ações, e redes como J. Crew e mesmo Zara, de comércio varejista tradicional, enfrentam semelhante mau humor experimentado 120 anos atrás pelos fabricantes de selas e chicotes (e também pelos proprietários de cavalos), quando o automóvel ganhou as ruas.
O livro de Greenspan me lembrou de uma conversa final de tarde em dezembro de 2014, na praia de Itapuã (BA), com o poeta Antonio Risério. Ambos estávamos escandalizados com a campanha eleitoral de reeleição de Dilma Rousseff, quando o marqueteiro petista, João Santana, o antes popular Patinhas, forjara de vez a clivagem lulista de "nós" ou "eles"; e, para ganhar, inventara saco de inverdades contra Marina Silva.
Lembro de dizer a Risério: isso vai voltar, a campanha destampou um ódio, adicionou à política novamente um amargor de frustração cuja reação, ensinam os mandamentos quânticos, será em proporções maiores. Pois o ódio moldado pelos petistas, Lula à frente, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado.
E o ódio fermentou ainda em fogo alto sob a primária política econômica de Dilma-Mantega, de matriz geiselista, com um saldo de 12 milhões de desempregados e os habituais PIBs negativos.
Se os americanos se encontram clivados pela política trumpista, embora acumulem crescimentos de PIB algo tímidos, jogue a lupa na realidade brasileira, cujo desempenho econômico desde a década de 1980 é mais anêmico do que um figurante de reality da Record.
Enquanto os americanos padecem pela trituração de ocupações, muitas delas já obsoletas, ou de técnica limitada (carros: até russos possuem as suas marcas!), o Brasil cumpre sua sina de viver ideias fora do tempo. Cada vez mais o Brasil político se assemelha ao desempenho nas pistas de Rubinho Barrichello (parece que contraiu há pouco a H1N1).
Caiu no conto da direita em 1964 (achando que o latifundiário João Goulart era comunista!); em 2002, no ideário esquerdista-estatista (quando a União Soviética ruíra décadas antes); e, em 2018, no assombro nazibozonarista (na época a Venezuela de Chaves e Maduro já era miasma).
O retorno de Lula das tumbas do ABC, contra os manifestos democráticos, revela a estratégia da foto: "nós" ou "eles", sempre. Petistas x bozonaristas. Interessa a rivalidade binária, tão entranhada na vida brasileira. E imaginar que a Frente Ampla, em 1966, juntou contra os milicos Jango Goulart, JK e Carlos Lacerda. Éramos mais sofisticados (ideológica e espiritualmente) e não sabíamos.
Miguel de Almeida, escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)
Guerra perdida - WILLIAM WAACK
ESTADÃO - 25/06
Sem conseguir controlar as várias crises, o governo não controla mais a imagem externa
O “custo” da perda de imagem do Brasil no exterior é difícil de ser colocado em números, mas uma carta enviada ao governo brasileiro e assinada por dezenas de instituições financeiras que operam no mundo inteiro oferece uma base de cálculo. Juntas, elas gerenciam cerca de US$ 3.7 trilhões (mais ou menos o dobro do PIB brasileiro).
Ameaçam retirar parte disso do País, caso continue subindo o ritmo de desmatamento da Amazônia. Alegam que há uma “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou proporcionar serviços financeiros no Brasil”, devido ao fato de que não só emissões de dívida do governo brasileiro mas também o valor de companhias expostas à questões ambientais acabam sendo atingidos pelas queimadas.
Pelo jeito, o governo brasileiro, que anda sem ministros para coisas tão básicas como educação e saúde, se esqueceu de que a questão ambiental é considerada básica lá fora. E que exatamente essa ameaça de desinvestimento estava EXPLÍCITA na última cúpula de Davos – a do mundo pré-pandemia. Formulada pelo setor financeiro global, o tal que manipula o oxigênio da economia.
O setor financeiro brasileiro entrou na mesma linha e, num enorme evento da Febraban que deveria discutir tecnologias bancárias para o século 21, os presidentes das maiores instituições nacionais preferiram falar de desmatamento. Eles sabem que a ameaça de desinvestimento é grave e real, atingiria a cadeia inteira de suprimentos no setor agrícola e de pecuária, e não dão tanta bola para a frase “o mundo precisa comer, o Brasil produz comida, logo vão comprar da gente não importa o que aconteça” – muito repetida no setor retrógrado do agro (ele existe, e funciona como bola de ferro para o restante do setor).
Agora que o general Hamilton Mourão assumiu os esforços de colocar um pouco de ordem no caos legal da Amazônia, o governo brasileiro se empenha com ainda mais ênfase em dizer que críticas desse tipo, praticada por instituições financeiras, são “desinformadas”. E aqui está o nó da questão: já não importa se as informações que o governo brasileiro fornece são exatas, confiáveis, precisas, bem apuradas ou não.
A realidade para a qual Brasília abriu os olhos parcialmente e muito tarde é a de que perdemos a guerra da comunicação lá fora, nossa imagem é hoje incomparavelmente pior do que foi no último período em que tal deterioração se constatava (a do regime militar). A crise do coronavírus tornou mais graves e evidentes alguns aspectos que já existiam, como pobreza, desigualdade e incompetência geral do governo, e entre eles está o da imagem externa.
Na questão ambiental, tão básica lá fora, consolidamos a proeza de passar da turma dos países que tem problemas mas pareciam caminhar para resolvê-los para a turma de países vilões que se esforçam em piorar os problemas. Sim, é uma simplificação brutal da questão, mas é em torno de simplificações brutais desse tipo que se dá o amplo debate da formação de opiniões e condutas também em escala mundial – atingindo mídia, consumidores, corporações e governos.
Nesse sentido, a mais recente “proeza” do nosso País é ser rotineiramente citado como mau exemplo no combate ao coronavírus – inclusive pelo “amigo” Trump, que não é exatamente uma boa referência quando se trata de enfrentar uma epidemia. No acumulado de mortes já estamos em segundo lugar no mundo e aproximando-nos dos EUA.
A maneira como esses fatos da realidade são vistos lá fora é devastadora para nossa imagem: é a de um País desigual, pobre, destruidor do meio ambiente e agora, ainda por cima, infectado e infectando. Nas mãos de um governo visto como incapaz de controlar qualquer crise, seja de ambiente seja de saúde pública.
Sem conseguir controlar as várias crises, o governo não controla mais a imagem externa
O “custo” da perda de imagem do Brasil no exterior é difícil de ser colocado em números, mas uma carta enviada ao governo brasileiro e assinada por dezenas de instituições financeiras que operam no mundo inteiro oferece uma base de cálculo. Juntas, elas gerenciam cerca de US$ 3.7 trilhões (mais ou menos o dobro do PIB brasileiro).
Ameaçam retirar parte disso do País, caso continue subindo o ritmo de desmatamento da Amazônia. Alegam que há uma “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou proporcionar serviços financeiros no Brasil”, devido ao fato de que não só emissões de dívida do governo brasileiro mas também o valor de companhias expostas à questões ambientais acabam sendo atingidos pelas queimadas.
Pelo jeito, o governo brasileiro, que anda sem ministros para coisas tão básicas como educação e saúde, se esqueceu de que a questão ambiental é considerada básica lá fora. E que exatamente essa ameaça de desinvestimento estava EXPLÍCITA na última cúpula de Davos – a do mundo pré-pandemia. Formulada pelo setor financeiro global, o tal que manipula o oxigênio da economia.
O setor financeiro brasileiro entrou na mesma linha e, num enorme evento da Febraban que deveria discutir tecnologias bancárias para o século 21, os presidentes das maiores instituições nacionais preferiram falar de desmatamento. Eles sabem que a ameaça de desinvestimento é grave e real, atingiria a cadeia inteira de suprimentos no setor agrícola e de pecuária, e não dão tanta bola para a frase “o mundo precisa comer, o Brasil produz comida, logo vão comprar da gente não importa o que aconteça” – muito repetida no setor retrógrado do agro (ele existe, e funciona como bola de ferro para o restante do setor).
Agora que o general Hamilton Mourão assumiu os esforços de colocar um pouco de ordem no caos legal da Amazônia, o governo brasileiro se empenha com ainda mais ênfase em dizer que críticas desse tipo, praticada por instituições financeiras, são “desinformadas”. E aqui está o nó da questão: já não importa se as informações que o governo brasileiro fornece são exatas, confiáveis, precisas, bem apuradas ou não.
A realidade para a qual Brasília abriu os olhos parcialmente e muito tarde é a de que perdemos a guerra da comunicação lá fora, nossa imagem é hoje incomparavelmente pior do que foi no último período em que tal deterioração se constatava (a do regime militar). A crise do coronavírus tornou mais graves e evidentes alguns aspectos que já existiam, como pobreza, desigualdade e incompetência geral do governo, e entre eles está o da imagem externa.
Na questão ambiental, tão básica lá fora, consolidamos a proeza de passar da turma dos países que tem problemas mas pareciam caminhar para resolvê-los para a turma de países vilões que se esforçam em piorar os problemas. Sim, é uma simplificação brutal da questão, mas é em torno de simplificações brutais desse tipo que se dá o amplo debate da formação de opiniões e condutas também em escala mundial – atingindo mídia, consumidores, corporações e governos.
Nesse sentido, a mais recente “proeza” do nosso País é ser rotineiramente citado como mau exemplo no combate ao coronavírus – inclusive pelo “amigo” Trump, que não é exatamente uma boa referência quando se trata de enfrentar uma epidemia. No acumulado de mortes já estamos em segundo lugar no mundo e aproximando-nos dos EUA.
A maneira como esses fatos da realidade são vistos lá fora é devastadora para nossa imagem: é a de um País desigual, pobre, destruidor do meio ambiente e agora, ainda por cima, infectado e infectando. Nas mãos de um governo visto como incapaz de controlar qualquer crise, seja de ambiente seja de saúde pública.
O investigado - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 25/06
A falta de noção do que seja público ou privado marca a gestão do presidente Bolsonaro e de muitos de seus assessores diretos, como aquele coronel que deu uma coletiva usando um broche na lapela com uma caveira cravada por um espada, símbolo do Comando das Forças Especiais do Exército. Ou de seu chefe, o ministro de facto da Saúde General Eduardo Pazuello que, ao identificar-se como militar da ativa, pontificou: “Cumpro ordens. Missão dada é missão cumprida”.
Foi assim que o uso da cloroquina foi estimulado no serviço público de saúde mesmo depois de não indicado por organizações médicas internacionais, ou o número de mortos pela pandemia foi manipulado.
A mais recente demonstração de que o presidente da República tem uma visão distorcida de sua autoridade está no anúncio de que a Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão da Justiça Federal de exigir que Bolsonaro use máscara em espaços públicos no Distrito Federal, obedecendo a uma lei local. A alegação é “preservar a independência e a harmonia entre os Poderes".
Coloca-se assim o presidente acima dos demais cidadãos que residem no Distrito Federal, como se tivesse prerrogativas além das que lhe concede a situação temporária de ser presidente da República. Às vezes, não tem nem mesmo os mesmos direitos, como no caso em que a Justiça o obrigou a revelar seus exames médicos, a bem da informação completa ao público. Como presidente da República, Bolsonaro não tem o direito de desrespeitar as leis, nem deveria ter sido poupado pelo governador Ibaneis Rocha da multa a que todos os que circulam sem máscara na cidade estão sujeitos.
A decisão tem ainda uma exemplar demonstração do que deve ser uma República. Quem impetrou o pedido foi um advogado, em uma ação civil pública, e o juiz Renato Borelli definiu como “desrespeitoso” o ato de andar em público na pandemia sem proteção "colocando em risco a saúde de outras pessoas", expondo-as "à propagação de enfermidade que tem causado comoção nacional".
Por falar em comoção nacional, no dia em que o país alcançou o triste recorde de mais de 50 mil mortes, deixando para trás o Reino Unido e tornando-se potencial candidato a superar os Estados Unidos no número de mortes, o presidente Bolsonaro foi ao Rio para participar do funeral de um paraquedista que morrera durante um treinamento.
Morte que provocou justa comoção na comunidade militar da qual Bolsonaro faz parte, como ex-paraquedista do 8 Grupo de Artilharia de Campanha. Nenhum gesto institucional, porém, foi feito pelo presidente diante do morticínio provocado pela Covid-19.
Essa permanente exigência de singularidade diante da lei fez com que ele se recusasse, em tese, a entregar seu celular se requisitado pelo Supremo nas investigações sobre interferência na Polícia Federal, para proteger sua família e amigos ( leia-se Flavio, o filho, Queiroz, o amigo) em que aparece como investigado, não testemunha. É também nesse inquérito que surge agora um novo empecilho.
O ministro Celso de Mello, relator do inquérito do STF, está estudando se Bolsonaro pode responder às perguntas da Polícia Federal por escrito. Essa não deveria ser nem mesmo uma questão, pois o próprio ministro Celso de Mello já deixou claro que, no seu entendimento, essa prerrogativa se aplica somente quando essas autoridades ( presidente, vice-presidente, deputados e senadores) estiverem na condição de vítimas ou testemunhas, o que não é o caso de Bolsonaro.
O presidente da República é formalmente investigado no inquérito. “Com efeito, aqueles que figuram como investigados (inquérito) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, como perante qualquer outro Juízo, não dispõem da prerrogativa instituída pelo art. 221 do CPP, eis que essa norma legal – insista-se – somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima”.
Nessa condição, deveria depor na sede da Policia Federal, como fez o ex-ministro Sergio Moro, outro investigado no inquérito. Provavelmente, para não criar atritos entre o Judiciário e o Executivo, a decisão deve ser um depoimento pessoal no local e hora em que o presidente escolher. Um detalhe insignificante aparentemente, mas é assim que as determinações legais e as instituições vão se apequenando diante do autoritarismo do líder temporário do Executivo. Bolsonaro já disse: Eu sou a Constituição”
A falta de noção do que seja público ou privado marca a gestão do presidente Bolsonaro e de muitos de seus assessores diretos, como aquele coronel que deu uma coletiva usando um broche na lapela com uma caveira cravada por um espada, símbolo do Comando das Forças Especiais do Exército. Ou de seu chefe, o ministro de facto da Saúde General Eduardo Pazuello que, ao identificar-se como militar da ativa, pontificou: “Cumpro ordens. Missão dada é missão cumprida”.
Foi assim que o uso da cloroquina foi estimulado no serviço público de saúde mesmo depois de não indicado por organizações médicas internacionais, ou o número de mortos pela pandemia foi manipulado.
A mais recente demonstração de que o presidente da República tem uma visão distorcida de sua autoridade está no anúncio de que a Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão da Justiça Federal de exigir que Bolsonaro use máscara em espaços públicos no Distrito Federal, obedecendo a uma lei local. A alegação é “preservar a independência e a harmonia entre os Poderes".
Coloca-se assim o presidente acima dos demais cidadãos que residem no Distrito Federal, como se tivesse prerrogativas além das que lhe concede a situação temporária de ser presidente da República. Às vezes, não tem nem mesmo os mesmos direitos, como no caso em que a Justiça o obrigou a revelar seus exames médicos, a bem da informação completa ao público. Como presidente da República, Bolsonaro não tem o direito de desrespeitar as leis, nem deveria ter sido poupado pelo governador Ibaneis Rocha da multa a que todos os que circulam sem máscara na cidade estão sujeitos.
A decisão tem ainda uma exemplar demonstração do que deve ser uma República. Quem impetrou o pedido foi um advogado, em uma ação civil pública, e o juiz Renato Borelli definiu como “desrespeitoso” o ato de andar em público na pandemia sem proteção "colocando em risco a saúde de outras pessoas", expondo-as "à propagação de enfermidade que tem causado comoção nacional".
Por falar em comoção nacional, no dia em que o país alcançou o triste recorde de mais de 50 mil mortes, deixando para trás o Reino Unido e tornando-se potencial candidato a superar os Estados Unidos no número de mortes, o presidente Bolsonaro foi ao Rio para participar do funeral de um paraquedista que morrera durante um treinamento.
Morte que provocou justa comoção na comunidade militar da qual Bolsonaro faz parte, como ex-paraquedista do 8 Grupo de Artilharia de Campanha. Nenhum gesto institucional, porém, foi feito pelo presidente diante do morticínio provocado pela Covid-19.
Essa permanente exigência de singularidade diante da lei fez com que ele se recusasse, em tese, a entregar seu celular se requisitado pelo Supremo nas investigações sobre interferência na Polícia Federal, para proteger sua família e amigos ( leia-se Flavio, o filho, Queiroz, o amigo) em que aparece como investigado, não testemunha. É também nesse inquérito que surge agora um novo empecilho.
O ministro Celso de Mello, relator do inquérito do STF, está estudando se Bolsonaro pode responder às perguntas da Polícia Federal por escrito. Essa não deveria ser nem mesmo uma questão, pois o próprio ministro Celso de Mello já deixou claro que, no seu entendimento, essa prerrogativa se aplica somente quando essas autoridades ( presidente, vice-presidente, deputados e senadores) estiverem na condição de vítimas ou testemunhas, o que não é o caso de Bolsonaro.
O presidente da República é formalmente investigado no inquérito. “Com efeito, aqueles que figuram como investigados (inquérito) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, como perante qualquer outro Juízo, não dispõem da prerrogativa instituída pelo art. 221 do CPP, eis que essa norma legal – insista-se – somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima”.
Nessa condição, deveria depor na sede da Policia Federal, como fez o ex-ministro Sergio Moro, outro investigado no inquérito. Provavelmente, para não criar atritos entre o Judiciário e o Executivo, a decisão deve ser um depoimento pessoal no local e hora em que o presidente escolher. Um detalhe insignificante aparentemente, mas é assim que as determinações legais e as instituições vão se apequenando diante do autoritarismo do líder temporário do Executivo. Bolsonaro já disse: Eu sou a Constituição”
‘Associação criminosa’ no bolsonarismo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 25/06
A possibilidade levantada por ministro do STF tem base em quebras de sigilo bancário
Um conjunto de organismos de Estado — o Ministério Público Federal, o MP estadual do Rio, o Judiciário e ainda as Polícias Federal, Civil fluminense e a de Brasília — tem dado exemplos do funcionamento dos pesos e contrapesos existentes numa democracia, para o enquadramento de falanges radicais bolsonaristas.
A descoberta de que o desaparecido Fabrício Queiroz, íntimo do clã Bolsonaro, por exemplo, estava sendo mantido fora de circulação em imóvel localizado em Atibaia (SP), de Frederick Wassef, advogado do presidente Bolsonaro, foi uma operação do MP do Rio, com a Polícia Civil fluminense, apoiada por sua congênere paulista.
Já a execução de busca e apreensão em um sítio feita por policiais de Brasília encontrou provas da atuação de agrupamentos bolsonaristas extremistas, entre elas fogos de artifício. Foi com fogos que o “300 do Brasil” fez a simulação de bombardeio do Supremo Tribunal, no fim de semana retrasado. O ataque ao STF levou à prisão de Sara Giromini e de mais cinco militantes do mesmo grupo, pedida pelo MP Federal, e decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que preside o inquérito sobre a organização de manifestações antidemocráticas aberto por iniciativa da Procuradoria-Geral da República.
Não há conexão operacional entre a prisão de Queiroz e a operação de policiais brasilienses que os levaram a uma base de apoio de radicais da extrema direita. Isso significa que procuradores, juízes e policiais, em Brasília, Rio e São Paulo, trabalham para executar a lei, independentemente de quem seja o alvo e de onde estejam.
Desde as primeiras manifestações, principalmente em Brasília, o tipo de produção das faixas com ataques ao Congresso, ao Supremo e defesa de um golpe, da volta do AI-5, mantendo-se Bolsonaro no Planalto, indicava a existência de um esquema de financiamento dos atos. As faixas tinham a mesma tipologia e o mesmo acabamento industrial. Isso custa dinheiro.
O prosseguimento deste inquérito arrolou empresários bolsonaristas, candidatos mais prováveis a financiadores do movimento — como Luciano Hang, Edgard Corona e Otavio Fakhoury —, mas não apenas eles.
Por iniciativa do MP Federal, o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra de sigilo bancário de parlamentares bolsonaristas, de operadores de sites e de canais no YouTube.
Pelo menos quatro deputados federais do PSL — Bia Kicis (DF), Guiga Peixoto (SP), General Girão (RN) e Aline Sleutjes (PR) — teriam sacado dinheiro público de suas verbas para exercer os mandatos e canalizaram os recursos à difusão pelas redes de mensagens de sustentação dos atos antidemocráticos. Propagam-se propostas inconstitucionais com dinheiro do contribuinte. Não pode. Outros sigilos foram quebrados, e a teia que vem emergindo da investigação leva o ministro Moraes a admitir a “real possibilidade da existência de uma associação criminosa” que atua por trás de toda esta mobilização de extrema direita. Mais um problema para o Planalto.
A possibilidade levantada por ministro do STF tem base em quebras de sigilo bancário
Um conjunto de organismos de Estado — o Ministério Público Federal, o MP estadual do Rio, o Judiciário e ainda as Polícias Federal, Civil fluminense e a de Brasília — tem dado exemplos do funcionamento dos pesos e contrapesos existentes numa democracia, para o enquadramento de falanges radicais bolsonaristas.
A descoberta de que o desaparecido Fabrício Queiroz, íntimo do clã Bolsonaro, por exemplo, estava sendo mantido fora de circulação em imóvel localizado em Atibaia (SP), de Frederick Wassef, advogado do presidente Bolsonaro, foi uma operação do MP do Rio, com a Polícia Civil fluminense, apoiada por sua congênere paulista.
Já a execução de busca e apreensão em um sítio feita por policiais de Brasília encontrou provas da atuação de agrupamentos bolsonaristas extremistas, entre elas fogos de artifício. Foi com fogos que o “300 do Brasil” fez a simulação de bombardeio do Supremo Tribunal, no fim de semana retrasado. O ataque ao STF levou à prisão de Sara Giromini e de mais cinco militantes do mesmo grupo, pedida pelo MP Federal, e decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que preside o inquérito sobre a organização de manifestações antidemocráticas aberto por iniciativa da Procuradoria-Geral da República.
Não há conexão operacional entre a prisão de Queiroz e a operação de policiais brasilienses que os levaram a uma base de apoio de radicais da extrema direita. Isso significa que procuradores, juízes e policiais, em Brasília, Rio e São Paulo, trabalham para executar a lei, independentemente de quem seja o alvo e de onde estejam.
Desde as primeiras manifestações, principalmente em Brasília, o tipo de produção das faixas com ataques ao Congresso, ao Supremo e defesa de um golpe, da volta do AI-5, mantendo-se Bolsonaro no Planalto, indicava a existência de um esquema de financiamento dos atos. As faixas tinham a mesma tipologia e o mesmo acabamento industrial. Isso custa dinheiro.
O prosseguimento deste inquérito arrolou empresários bolsonaristas, candidatos mais prováveis a financiadores do movimento — como Luciano Hang, Edgard Corona e Otavio Fakhoury —, mas não apenas eles.
Por iniciativa do MP Federal, o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra de sigilo bancário de parlamentares bolsonaristas, de operadores de sites e de canais no YouTube.
Pelo menos quatro deputados federais do PSL — Bia Kicis (DF), Guiga Peixoto (SP), General Girão (RN) e Aline Sleutjes (PR) — teriam sacado dinheiro público de suas verbas para exercer os mandatos e canalizaram os recursos à difusão pelas redes de mensagens de sustentação dos atos antidemocráticos. Propagam-se propostas inconstitucionais com dinheiro do contribuinte. Não pode. Outros sigilos foram quebrados, e a teia que vem emergindo da investigação leva o ministro Moraes a admitir a “real possibilidade da existência de uma associação criminosa” que atua por trás de toda esta mobilização de extrema direita. Mais um problema para o Planalto.
quarta-feira, junho 24, 2020
A trincheira do farol - LEANDRO KARNAL
ESTADÃO - 24/06
O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que daria inveja a muitos especialistas
As grandes corporações possuem departamentos de marketing, gestores de estratégia, pensadores sofisticados que acompanham as mais recentes Ted Talks sobre tendências estudadas em Harvard e Yale. Por vezes, imagino, deveriam abrir mais o vidro do carro parado em um sinal na esquina das grandes cidades do Brasil. Nonsense?
O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que causaria inveja a muitos especialistas. Ele mede com precisão o “humor” do mercado e do consumidor. O tempo nublou? Nuvens pesadas anunciam tormenta? Capas de plástico e guarda-chuvas surgem nas mãos laboriosas do ambulante. Choveu e os mosquitos se multiplicaram? Raquetes elétricas serpenteiam entre os espelhos retrovisores. Joga o Corinthians? Preto e branco se espalham entre bandeiras, camisetas e bolas customizadas. O homem talvez tenha time em casa, o vendedor da rua tem público e mercado: pode estar de verde no dia seguinte.
O dia termina e os carros voltam da sua jornada. O ágil mercador identifica veículos dirigidos por homens. Chega e oferece um buquê de rosas pronto e bonito. Sugere levar algo para a esposa. O empresário pensa na boa ideia e, por amor ou culpa, compra em rápida negociação. O tempo é curto. Não é a barganha elaborada e ritualística de um tapete no Grande Bazar de Istambul. A leitura do rosto e da intenção do comprador deve ser mais ágil do que o diligente turco com o kilim nas mãos. Tudo deve ser resolvido no prazo máximo de um minuto. Terminado o tempo, o sinal abre e o cliente foge.
Horários de fome do meio da tarde? “Larica” espalhando sua influência na metrópole? Surgem frutas em bandejas e até casquinhas crocantes acompanhadas de um sorriso. Cajus enfileirados causam impacto visual. O notável é que as comidas são oferecidas pelo mesmo ambulante que, uma hora antes, empunhava mapas. Sim, vendem-se peças cartográficas nas esquinas! Enrolados ou abertos, apelam a pessoas mais velhas que os usaram na escola. Talvez aquele senhor septuagenário compre para dar ao neto. Também provável que o adolescente presenteado agradeça com educação e pense que tem um aplicativo mais prático no seu celular para aprender Geografia.
Quando é seguro, deixo o vidro aberto nas esquinas. Escuto e aprendo. Sou chamado de “doutor”, “campeão”, “grande”, “bacana” e recebo um sorriso embebido em treino de palco urbano. Vender é esbanjar simpatia. Frases de impacto, gestos marcados e eficazes: tudo ajuda naquela luta instantânea. Um autônomo de farol poderia dar cursos muito instrutivos para uma pós-graduação em técnicas de venda.
Há espaço para a criatividade empreendedora. As pessoas comuns vendem garrafas plásticas de água. O empreendedor original se veste de garçom. Por quê? A camisa branca, a calça preta, a gravata-borboleta e a pochete com dinheiro trocado (ok, ninguém é perfeito) agregam rápida identificação com uma personagem confiável. Quem faz propaganda na televisão ou foto publicitária sabe que o consumidor necessita identificar uma enfermeira ou professora em segundos rápidos. O estereótipo é eficaz. O público precisa conhecer em um olhar quem é e o que vende. A personagem vende muito mais.
Todo trabalho honesto é digno. Eu substituí meu azedume de outrora pela tentativa de ver e aprender. Ali andam, rápidos, seres humanos lutando para sobreviver, como eu. Apenas algumas coisas me irritam muito: crianças usadas para esse fim. Sabendo que somos mais simpáticos ao vendedor mirim, constato, em pleno horário escolar, os pequenos passando entre os carros. Em geral, mais adiante, gordos progenitores descansam sob uma sombra. Nunca compro de menores e ainda reafirmo forte: “Você deveria estar na escola”. Uma única vez parei o carro e fui vociferar contra um senhor (pai?) que colocava três meninas vendendo. É perigoso fazer o que eu fiz, mas o fato me tira do cercadinho da razão.
Há mais ambiguidades no comércio que estou tratando além da exploração do mundo infantil. Há produtos sem nota fiscal, contrabando frequente, controle de qualidade inexistente, condições sanitárias claudicantes com a comida oferecida, falta de licenças ou alvarás e uma concorrência com aquele comerciante que, na sua loja, paga impostos altos para ter o direito que o da rua obteve gratuitamente. A concorrência é real e marcada pela desigualdade. A informalidade é um imperativo que deve crescer ainda mais na crise atual.
Aprendi algo novo conversando com vendedores. Nem sempre, ao lado do seu carro, está um autônomo que vende seus produtos. Por vezes, há um chefe por detrás dele. Alguém que tem capital para comprar mais, organizar, trazer o vendedor e constituir um novo tipo de empresário. Assim, sem nenhum amparo trabalhista, surgem formas de ocupação que geram recursos para alguém bem distante daquele sorridente ser humano ali presente.
Por fim, com suas genialidades e ambiguidades, temos algo a aprender observando mais e conversando mais. Independentemente de tudo, um ser humano merece sempre nossa simpatia por estar ali, de pé, lutando. Para mim ou para você, muitas vezes, chama-se importunação. Para ele, sempre, intitula-se sobrevivência. Compro pouco, mas tento ver que existe alguém. Ser invisível é um castigo enorme para quem tem pressa em comer. O farol é a trincheira de uma guerra difícil e sorridente. É preciso ter esperança e um pouco de empatia em momentos bicudos como o atual.
O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que daria inveja a muitos especialistas
As grandes corporações possuem departamentos de marketing, gestores de estratégia, pensadores sofisticados que acompanham as mais recentes Ted Talks sobre tendências estudadas em Harvard e Yale. Por vezes, imagino, deveriam abrir mais o vidro do carro parado em um sinal na esquina das grandes cidades do Brasil. Nonsense?
O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que causaria inveja a muitos especialistas. Ele mede com precisão o “humor” do mercado e do consumidor. O tempo nublou? Nuvens pesadas anunciam tormenta? Capas de plástico e guarda-chuvas surgem nas mãos laboriosas do ambulante. Choveu e os mosquitos se multiplicaram? Raquetes elétricas serpenteiam entre os espelhos retrovisores. Joga o Corinthians? Preto e branco se espalham entre bandeiras, camisetas e bolas customizadas. O homem talvez tenha time em casa, o vendedor da rua tem público e mercado: pode estar de verde no dia seguinte.
O dia termina e os carros voltam da sua jornada. O ágil mercador identifica veículos dirigidos por homens. Chega e oferece um buquê de rosas pronto e bonito. Sugere levar algo para a esposa. O empresário pensa na boa ideia e, por amor ou culpa, compra em rápida negociação. O tempo é curto. Não é a barganha elaborada e ritualística de um tapete no Grande Bazar de Istambul. A leitura do rosto e da intenção do comprador deve ser mais ágil do que o diligente turco com o kilim nas mãos. Tudo deve ser resolvido no prazo máximo de um minuto. Terminado o tempo, o sinal abre e o cliente foge.
Horários de fome do meio da tarde? “Larica” espalhando sua influência na metrópole? Surgem frutas em bandejas e até casquinhas crocantes acompanhadas de um sorriso. Cajus enfileirados causam impacto visual. O notável é que as comidas são oferecidas pelo mesmo ambulante que, uma hora antes, empunhava mapas. Sim, vendem-se peças cartográficas nas esquinas! Enrolados ou abertos, apelam a pessoas mais velhas que os usaram na escola. Talvez aquele senhor septuagenário compre para dar ao neto. Também provável que o adolescente presenteado agradeça com educação e pense que tem um aplicativo mais prático no seu celular para aprender Geografia.
Quando é seguro, deixo o vidro aberto nas esquinas. Escuto e aprendo. Sou chamado de “doutor”, “campeão”, “grande”, “bacana” e recebo um sorriso embebido em treino de palco urbano. Vender é esbanjar simpatia. Frases de impacto, gestos marcados e eficazes: tudo ajuda naquela luta instantânea. Um autônomo de farol poderia dar cursos muito instrutivos para uma pós-graduação em técnicas de venda.
Há espaço para a criatividade empreendedora. As pessoas comuns vendem garrafas plásticas de água. O empreendedor original se veste de garçom. Por quê? A camisa branca, a calça preta, a gravata-borboleta e a pochete com dinheiro trocado (ok, ninguém é perfeito) agregam rápida identificação com uma personagem confiável. Quem faz propaganda na televisão ou foto publicitária sabe que o consumidor necessita identificar uma enfermeira ou professora em segundos rápidos. O estereótipo é eficaz. O público precisa conhecer em um olhar quem é e o que vende. A personagem vende muito mais.
Todo trabalho honesto é digno. Eu substituí meu azedume de outrora pela tentativa de ver e aprender. Ali andam, rápidos, seres humanos lutando para sobreviver, como eu. Apenas algumas coisas me irritam muito: crianças usadas para esse fim. Sabendo que somos mais simpáticos ao vendedor mirim, constato, em pleno horário escolar, os pequenos passando entre os carros. Em geral, mais adiante, gordos progenitores descansam sob uma sombra. Nunca compro de menores e ainda reafirmo forte: “Você deveria estar na escola”. Uma única vez parei o carro e fui vociferar contra um senhor (pai?) que colocava três meninas vendendo. É perigoso fazer o que eu fiz, mas o fato me tira do cercadinho da razão.
Há mais ambiguidades no comércio que estou tratando além da exploração do mundo infantil. Há produtos sem nota fiscal, contrabando frequente, controle de qualidade inexistente, condições sanitárias claudicantes com a comida oferecida, falta de licenças ou alvarás e uma concorrência com aquele comerciante que, na sua loja, paga impostos altos para ter o direito que o da rua obteve gratuitamente. A concorrência é real e marcada pela desigualdade. A informalidade é um imperativo que deve crescer ainda mais na crise atual.
Aprendi algo novo conversando com vendedores. Nem sempre, ao lado do seu carro, está um autônomo que vende seus produtos. Por vezes, há um chefe por detrás dele. Alguém que tem capital para comprar mais, organizar, trazer o vendedor e constituir um novo tipo de empresário. Assim, sem nenhum amparo trabalhista, surgem formas de ocupação que geram recursos para alguém bem distante daquele sorridente ser humano ali presente.
Por fim, com suas genialidades e ambiguidades, temos algo a aprender observando mais e conversando mais. Independentemente de tudo, um ser humano merece sempre nossa simpatia por estar ali, de pé, lutando. Para mim ou para você, muitas vezes, chama-se importunação. Para ele, sempre, intitula-se sobrevivência. Compro pouco, mas tento ver que existe alguém. Ser invisível é um castigo enorme para quem tem pressa em comer. O farol é a trincheira de uma guerra difícil e sorridente. É preciso ter esperança e um pouco de empatia em momentos bicudos como o atual.
Uma visão de dentro do governo - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 24/06
Ministros admitem que o presidente comete erros, mas discordam mais da forma do que do conteúdo. Ecoa no governo previsão feita por Mandetta
A visão de dentro do governo Bolsonaro é de que o ex-ministro Abraham Weintraub prejudicava muito. O presidente o defendia, mas a maioria dos ministros civis e militares o define com palavras como “doido” ou “idiota”. Esse último ato teria dado a impressão de que o presidente arquitetou um plano contra uma lei americana, me disse um ministro. Bolsonaro é criticado por suas declarações, mesmo por pessoas que estão próximas, mas ao mesmo tempo o presidente convenceu a equipe de boa parte das suas teses, como a de que o Supremo estaria invadindo prerrogativas do Executivo.
Mais um ruído está marcado para acontecer com o pedido, ontem, feito pela Polícia Federal ao decano Celso de Mello para ouvir o presidente no inquérito que investiga a suspeita de interferência na PF. Há uma expectativa de que Bolsonaro responda por escrito. Mas o ministro Celso de Mello, em decisão recente, conforme escrevi aqui no dia 7 de maio, registrou seu entendimento de que o presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado têm essa prerrogativa, pelo artigo 221 do Código de Processo Penal, mas apenas quando são testemunhas. O decano escreveu: “Caso estejam na condição de pessoas investigadas ou acusadas não terão acesso a tal favor legal.” Sendo assim, Bolsonaro seria ouvido presencialmente.
No entorno do presidente o que se diz é que o ministro Celso de Mello deveria ser impedido de continuar à frente desse inquérito depois de ter sido divulgada a mensagem dele fazendo comparação entre o clima na Alemanha, no período que antecedeu ao nazismo, e o Brasil atual.
Quando se conversa com integrantes do governo é possível ouvir críticas ao presidente, mas mais à forma do que ao conteúdo. Acham que Bolsonaro não deveria ter feito as afirmações dando a impressão de que arquiteta um golpe, como o “está chegando a hora” ou a declaração feita na manifestação em frente ao QG do Exército, em Brasília, de que “as Forças Armadas estão conosco”. Mas há um forte apoio entre os ministros militares e civis à interpretação de que houve invasão da prerrogativa do Executivo, no caso do veto à nomeação de Alexandre Ramagem, por exemplo.
Hoje, na verdade, essa é a menor das preocupações. Há outros fantasmas rondando o Planalto. Um deles, o inquérito das fake news. Mas o de preocupação mais imediata é o da prisão do Queiroz, ainda mais tendo sido na casa do então advogado de Flávio e do presidente. O que se fala no governo sobre esse episódio é que esse é um problema de Flávio Bolsonaro e não de corrupção do governo Bolsonaro. Difícil separar, até porque a família sempre teve os mesmos códigos, as mesmas convicções e os mesmos métodos. Queiroz sempre foi homem de confiança do pai, antes de ser o chefe de gabinete do filho. A presença frequente de Frederick Wassef no Planalto e no Alvorada mostra que não há separação fácil neste caso.
Na questão da pandemia, o entendimento no entorno do presidente é que ele tem razão de se preocupar com a economia, porque será uma grande tragédia em termos de quebradeira de empresas e de desemprego. A flexibilização, no entanto, só pode ocorrer — me disse um ministro — se for com protocolos corretos. Mas ouvi críticas às declarações do presidente de que era uma “gripezinha”. Até porque ainda ecoa internamente a previsão feita pelo ex-ministro Mandetta.
— Ele disse, quando ainda estava no governo, que em junho nós teríamos 50 mil mortos. Eu achei que ele estava exagerando — admitiu um ministro.
A avaliação interna é que o auxílio emergencial foi muito mais importante para o país, para as famílias e para as economias dos estados, do que o governo consegue comunicar. Chegou retorno inclusive de governadores da oposição, do Nordeste, das vantagens do auxílio. E por isso defende-se a sua extensão, mas em valor menor. Dizem que foi uma boia lançada no meio de uma tempestade no mar. Ela não pode ser retirada de repente, mas o país não tem capacidade fiscal de manter o mesmo valor. Claro que os ministros mais próximos do presidente criticam a imprensa. Ela é, segundo me disse um ministro, parcial, exagera as más notícias e dá pouco destaque às boas. Contudo, a avaliação é de que o presidente erra mantendo esse clima de permanente confronto.
Ministros admitem que o presidente comete erros, mas discordam mais da forma do que do conteúdo. Ecoa no governo previsão feita por Mandetta
A visão de dentro do governo Bolsonaro é de que o ex-ministro Abraham Weintraub prejudicava muito. O presidente o defendia, mas a maioria dos ministros civis e militares o define com palavras como “doido” ou “idiota”. Esse último ato teria dado a impressão de que o presidente arquitetou um plano contra uma lei americana, me disse um ministro. Bolsonaro é criticado por suas declarações, mesmo por pessoas que estão próximas, mas ao mesmo tempo o presidente convenceu a equipe de boa parte das suas teses, como a de que o Supremo estaria invadindo prerrogativas do Executivo.
Mais um ruído está marcado para acontecer com o pedido, ontem, feito pela Polícia Federal ao decano Celso de Mello para ouvir o presidente no inquérito que investiga a suspeita de interferência na PF. Há uma expectativa de que Bolsonaro responda por escrito. Mas o ministro Celso de Mello, em decisão recente, conforme escrevi aqui no dia 7 de maio, registrou seu entendimento de que o presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado têm essa prerrogativa, pelo artigo 221 do Código de Processo Penal, mas apenas quando são testemunhas. O decano escreveu: “Caso estejam na condição de pessoas investigadas ou acusadas não terão acesso a tal favor legal.” Sendo assim, Bolsonaro seria ouvido presencialmente.
No entorno do presidente o que se diz é que o ministro Celso de Mello deveria ser impedido de continuar à frente desse inquérito depois de ter sido divulgada a mensagem dele fazendo comparação entre o clima na Alemanha, no período que antecedeu ao nazismo, e o Brasil atual.
Quando se conversa com integrantes do governo é possível ouvir críticas ao presidente, mas mais à forma do que ao conteúdo. Acham que Bolsonaro não deveria ter feito as afirmações dando a impressão de que arquiteta um golpe, como o “está chegando a hora” ou a declaração feita na manifestação em frente ao QG do Exército, em Brasília, de que “as Forças Armadas estão conosco”. Mas há um forte apoio entre os ministros militares e civis à interpretação de que houve invasão da prerrogativa do Executivo, no caso do veto à nomeação de Alexandre Ramagem, por exemplo.
Hoje, na verdade, essa é a menor das preocupações. Há outros fantasmas rondando o Planalto. Um deles, o inquérito das fake news. Mas o de preocupação mais imediata é o da prisão do Queiroz, ainda mais tendo sido na casa do então advogado de Flávio e do presidente. O que se fala no governo sobre esse episódio é que esse é um problema de Flávio Bolsonaro e não de corrupção do governo Bolsonaro. Difícil separar, até porque a família sempre teve os mesmos códigos, as mesmas convicções e os mesmos métodos. Queiroz sempre foi homem de confiança do pai, antes de ser o chefe de gabinete do filho. A presença frequente de Frederick Wassef no Planalto e no Alvorada mostra que não há separação fácil neste caso.
Na questão da pandemia, o entendimento no entorno do presidente é que ele tem razão de se preocupar com a economia, porque será uma grande tragédia em termos de quebradeira de empresas e de desemprego. A flexibilização, no entanto, só pode ocorrer — me disse um ministro — se for com protocolos corretos. Mas ouvi críticas às declarações do presidente de que era uma “gripezinha”. Até porque ainda ecoa internamente a previsão feita pelo ex-ministro Mandetta.
— Ele disse, quando ainda estava no governo, que em junho nós teríamos 50 mil mortos. Eu achei que ele estava exagerando — admitiu um ministro.
A avaliação interna é que o auxílio emergencial foi muito mais importante para o país, para as famílias e para as economias dos estados, do que o governo consegue comunicar. Chegou retorno inclusive de governadores da oposição, do Nordeste, das vantagens do auxílio. E por isso defende-se a sua extensão, mas em valor menor. Dizem que foi uma boia lançada no meio de uma tempestade no mar. Ela não pode ser retirada de repente, mas o país não tem capacidade fiscal de manter o mesmo valor. Claro que os ministros mais próximos do presidente criticam a imprensa. Ela é, segundo me disse um ministro, parcial, exagera as más notícias e dá pouco destaque às boas. Contudo, a avaliação é de que o presidente erra mantendo esse clima de permanente confronto.
Descarbonários - MERVAL PEREIRA
O Globo 24/06
O próprio setor agropecuário terá que certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas
O que o governo Bolsonaro acusava de “ecoterrorismo” acabou se concretizando. O aumento do desmatamento e a política de direitos humanos em relação aos povos indígenas provocaram carta de um grupo de investidores internacionais, que gere US$3,75 trilhões, a seis embaixadas brasileiras na Europa, além de Estados Unidos e Japão.
Nela, advertem que o que classificam de “desmantelamento” de políticas ambientais e de direitos humanos poderá levar empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores a enfrentar dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais.
Essa preocupação não é por desinformação, como quer o presidente Bolsonaro, mas pelo excesso de informações, pois como diz a presidente do partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva, a mais importante líder ambientalista do país, “os satélites não mentem”.
Ela teme que a situação se agrave com a União Europeia se juntando aos Estados Unidos na questão ambiental com o democrata Joe Biden derrotando Trump nas próximas eleições presidenciais. Há poucos dias, Marina participou de um webinar organizado em parceria com a Climate Alliance, a Rainforest Foundation Norway e a Society for Threatened Peoples, com deputados do parlamento europeu Kathleen Van Brempt e Anna Cavazzini, representantes de povos indígenas e de ONGs dedicadas aos direitos humanos e ao clima, intitulado “Como a Europa pode apoiar o Brasil na atual crise humanitária e ambiental?”
Marina fez uma ressalva: “Nem todo setor produtivo pode ser colocado na mesma vala comum”. E nem o governo brasileiro representa hoje a maioria do povo. Na webinar, ela falou sobre a necessidade de ajuda internacional ao país, e ontem me detalhou a proposta.
Pela gravidade da situação, avalia que será preciso tomar “medidas de emergência”, e como o governo não merece confiança, esta tarefa terá que ser cumprida pelo próprio setor agropecuário: certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas, um programa de baixo carbono e rastreabilidade, tudo com marcos temporais e supervisionado por um comitê de acompanhamento da sociedade civil.
Alfredo Sirkis, que foi coordenador da campanha presidencial de Marina Silva, marca essa luta ambiental com o lançamento de um novo livro, em versões ecologicamente corretas: e-book, audiobook e impressão sob encomenda. Um dos fundadores do Partido Verde brasileiro há 35 anos, depois de ter sido vereador, secretário municipal, deputado Federal, Alfredo Sirkis hoje preside o Centro Brasil do Clima, que representa a fundação do ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz Al Gore.
“Descarbonário” é uma bela sacada semântica que relembra seu livro de memórias guerrilheiras “Os carbonários”, lançado há 40 anos, e sua crença atual, a necessidade de descarbonizar o planeta. A narrativa se encerra na última semana de 2018, quando entregou, na qualidade de secretário executivo do Forum Brasileiro de Mudança do Clima, ao então presidente Michel Temer, o documento “Mudanças Climáticas: riscos e oportunidades para o Brasil”.
Hoje, o antigo carbonário define-se como “centro radical” e rejeita cabalmente a esquerda autoritária, leninista ou populista, e a direita reacionária ou fascistoide”. Ele, que foi vereador e deputado federal ao lado de Jair Bolsonaro, considera que, por perceber que uma parte dos ambientalistas era de esquerda, “em sua sesquipedal desinformação, passou a catalogar a questão ambiental e climática na “caixinha” do comunismo e a se identificar com todo grupo de atividade devastadora que avalia como progresso: grilagem, garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, poluição.”
Desenvolveu uma antipatia visceral “por uma causa cujos pioneiros, ironicamente, foram ilustres militares, como o marechal Candido Rondon, o major Francisco Archer ou o almirante Ibsen de Gusmão.
Para Alfredo Sirkis, é besteira frequentemente repetida dizer que a mudança climática ameaça o planeta. “Quem está seriamente ameaçado é o Homo sapiens habitante do planeta”, que pode ter “como sina a de outras espécies dominantes no passado, como os dinossauros”.
O próprio setor agropecuário terá que certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas
O que o governo Bolsonaro acusava de “ecoterrorismo” acabou se concretizando. O aumento do desmatamento e a política de direitos humanos em relação aos povos indígenas provocaram carta de um grupo de investidores internacionais, que gere US$3,75 trilhões, a seis embaixadas brasileiras na Europa, além de Estados Unidos e Japão.
Nela, advertem que o que classificam de “desmantelamento” de políticas ambientais e de direitos humanos poderá levar empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores a enfrentar dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais.
Essa preocupação não é por desinformação, como quer o presidente Bolsonaro, mas pelo excesso de informações, pois como diz a presidente do partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva, a mais importante líder ambientalista do país, “os satélites não mentem”.
Ela teme que a situação se agrave com a União Europeia se juntando aos Estados Unidos na questão ambiental com o democrata Joe Biden derrotando Trump nas próximas eleições presidenciais. Há poucos dias, Marina participou de um webinar organizado em parceria com a Climate Alliance, a Rainforest Foundation Norway e a Society for Threatened Peoples, com deputados do parlamento europeu Kathleen Van Brempt e Anna Cavazzini, representantes de povos indígenas e de ONGs dedicadas aos direitos humanos e ao clima, intitulado “Como a Europa pode apoiar o Brasil na atual crise humanitária e ambiental?”
Marina fez uma ressalva: “Nem todo setor produtivo pode ser colocado na mesma vala comum”. E nem o governo brasileiro representa hoje a maioria do povo. Na webinar, ela falou sobre a necessidade de ajuda internacional ao país, e ontem me detalhou a proposta.
Pela gravidade da situação, avalia que será preciso tomar “medidas de emergência”, e como o governo não merece confiança, esta tarefa terá que ser cumprida pelo próprio setor agropecuário: certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas, um programa de baixo carbono e rastreabilidade, tudo com marcos temporais e supervisionado por um comitê de acompanhamento da sociedade civil.
Alfredo Sirkis, que foi coordenador da campanha presidencial de Marina Silva, marca essa luta ambiental com o lançamento de um novo livro, em versões ecologicamente corretas: e-book, audiobook e impressão sob encomenda. Um dos fundadores do Partido Verde brasileiro há 35 anos, depois de ter sido vereador, secretário municipal, deputado Federal, Alfredo Sirkis hoje preside o Centro Brasil do Clima, que representa a fundação do ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz Al Gore.
“Descarbonário” é uma bela sacada semântica que relembra seu livro de memórias guerrilheiras “Os carbonários”, lançado há 40 anos, e sua crença atual, a necessidade de descarbonizar o planeta. A narrativa se encerra na última semana de 2018, quando entregou, na qualidade de secretário executivo do Forum Brasileiro de Mudança do Clima, ao então presidente Michel Temer, o documento “Mudanças Climáticas: riscos e oportunidades para o Brasil”.
Hoje, o antigo carbonário define-se como “centro radical” e rejeita cabalmente a esquerda autoritária, leninista ou populista, e a direita reacionária ou fascistoide”. Ele, que foi vereador e deputado federal ao lado de Jair Bolsonaro, considera que, por perceber que uma parte dos ambientalistas era de esquerda, “em sua sesquipedal desinformação, passou a catalogar a questão ambiental e climática na “caixinha” do comunismo e a se identificar com todo grupo de atividade devastadora que avalia como progresso: grilagem, garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, poluição.”
Desenvolveu uma antipatia visceral “por uma causa cujos pioneiros, ironicamente, foram ilustres militares, como o marechal Candido Rondon, o major Francisco Archer ou o almirante Ibsen de Gusmão.
Para Alfredo Sirkis, é besteira frequentemente repetida dizer que a mudança climática ameaça o planeta. “Quem está seriamente ameaçado é o Homo sapiens habitante do planeta”, que pode ter “como sina a de outras espécies dominantes no passado, como os dinossauros”.
Um ano perdido - VERA MAGALHÂES
O Estado de S.Paulo - 24/06
Fuga de Weintraub é símbolo final de desastre da Educação na pandemia
A fuga canhestra de Abraham Weintraub do País e seu desembarque caricato em Miami foram o apogeu de uma gestão daninha na Educação.
O pior ministro da Educação que o Brasil já teve se despediu com um bilhete em papel de pão, um abracinho no presidente e uma banana para o País. Para poder entrar nos Estados Unidos, se valeu de uma fraude ao Diário Oficial, mais um expediente que vai se tornando rotina no governo coalhado de ilegalidades de Jair Bolsonaro.
Antes de mais essas cenas de pastelão, no entanto, o dono da cachorrinha Capitu entregou um ano perdido, em que os alunos não foram apenas expostos aos riscos para a saúde física e mental decorrentes da pandemia, mas à completa falta de perspectiva para seu futuro escolar graças à inépcia do Ministério da Educação.
Depois de, por pura birra, tentar obrigar alunos do Ensino Médio a fazer o Enem sem ter aulas, ou tendo sido jogados de paraquedas num ensino à distância com mais buracos que a superfície da Lua, e ser forçado a recuar pela Justiça e pelo Congresso, Weintraub simplesmente desligou as operações.
Não houve, por parte do MEC, uma diretriz sequer de retomada a Estados e municípios de como planejar a retomada das aulas, e a que tempo.
Além disso, o ministério, que já era um ator tardio e secundário na discussão do financiamento da educação básica a partir do ano que vem, se esqueceu deliberadamente do assunto.
O ministro-clown preferiu gastar seus últimos dias à frente da pasta conspirando contra a democracia, confraternizando com milicianos golpistas, tentando impor às universidades federais reitores biônicos e exterminar as políticas de ação afirmativas adotadas para franquear o acesso à pós-graduação a negros, indígenas e deficientes.
Numa calamidade sanitária, empenhou toda a sua energia na destruição, na apologia ao golpismo, à obsessão de fechar portas àqueles para os quais a Educação deveria ser uma ponte para o futuro.
O estrago é tão indisfarçável que Bolsonaro, que também não está nem aí para a Educação, tem de cobrar dos candidatos a ministro um plano para a volta às aulas, já que a equipe que o fujão deixou não tem nada a apresentar, ao que parece.
As consequências recaem sobre alunos de todos os ciclos, de todo o País e das redes pública e privada. E a borduna, como sempre, vai bater mais forte na cabeça dos mais pobres. As iniciativas municipais e estaduais de ensino à distância são um conjunto irregular e fake, em que uns saíram levemente na frente e outros não conseguiram nem se organizar três meses depois.
Não há compensação possível, por exemplo, para alunos de universidades federais cujas instituições nem tentaram implementar ensino à distância. Jogados em casa, muitas vezes sem acesso a entretenimento ou cultura, esses alunos questionam se o plano que haviam traçado para o próprio futuro ainda fará sentido após a pandemia ter varrido perspectivas acadêmicas, empregos e cadeias produtivas inteiras.
Os pais dos estudantes de escolas e faculdades privadas podem até ter a ilusão de que as aulas online supriram esse buraco, mas basta acompanhar um dia da rotina de alunos jogados diante de telas que jogam conteúdos incompatíveis com a nova realidade para saber que isso é conversa mole para cobrar mensalidade integral.
Cabe a esses pais e estabelecimentos se entenderem, mas no caso da Educação pública a responsabilidade é dos governantes. É urgente que o MEC exume o fantasma Weintraub e assuma um mínimo de articulação de estratégia educacional. E governadores e prefeitos têm de deixar de pensar em reabrir shoppings e focar em dar a pais e alunos um protocolo responsável para redução de danos de um ano perdido.
Fuga de Weintraub é símbolo final de desastre da Educação na pandemia
A fuga canhestra de Abraham Weintraub do País e seu desembarque caricato em Miami foram o apogeu de uma gestão daninha na Educação.
O pior ministro da Educação que o Brasil já teve se despediu com um bilhete em papel de pão, um abracinho no presidente e uma banana para o País. Para poder entrar nos Estados Unidos, se valeu de uma fraude ao Diário Oficial, mais um expediente que vai se tornando rotina no governo coalhado de ilegalidades de Jair Bolsonaro.
Antes de mais essas cenas de pastelão, no entanto, o dono da cachorrinha Capitu entregou um ano perdido, em que os alunos não foram apenas expostos aos riscos para a saúde física e mental decorrentes da pandemia, mas à completa falta de perspectiva para seu futuro escolar graças à inépcia do Ministério da Educação.
Depois de, por pura birra, tentar obrigar alunos do Ensino Médio a fazer o Enem sem ter aulas, ou tendo sido jogados de paraquedas num ensino à distância com mais buracos que a superfície da Lua, e ser forçado a recuar pela Justiça e pelo Congresso, Weintraub simplesmente desligou as operações.
Não houve, por parte do MEC, uma diretriz sequer de retomada a Estados e municípios de como planejar a retomada das aulas, e a que tempo.
Além disso, o ministério, que já era um ator tardio e secundário na discussão do financiamento da educação básica a partir do ano que vem, se esqueceu deliberadamente do assunto.
O ministro-clown preferiu gastar seus últimos dias à frente da pasta conspirando contra a democracia, confraternizando com milicianos golpistas, tentando impor às universidades federais reitores biônicos e exterminar as políticas de ação afirmativas adotadas para franquear o acesso à pós-graduação a negros, indígenas e deficientes.
Numa calamidade sanitária, empenhou toda a sua energia na destruição, na apologia ao golpismo, à obsessão de fechar portas àqueles para os quais a Educação deveria ser uma ponte para o futuro.
O estrago é tão indisfarçável que Bolsonaro, que também não está nem aí para a Educação, tem de cobrar dos candidatos a ministro um plano para a volta às aulas, já que a equipe que o fujão deixou não tem nada a apresentar, ao que parece.
As consequências recaem sobre alunos de todos os ciclos, de todo o País e das redes pública e privada. E a borduna, como sempre, vai bater mais forte na cabeça dos mais pobres. As iniciativas municipais e estaduais de ensino à distância são um conjunto irregular e fake, em que uns saíram levemente na frente e outros não conseguiram nem se organizar três meses depois.
Não há compensação possível, por exemplo, para alunos de universidades federais cujas instituições nem tentaram implementar ensino à distância. Jogados em casa, muitas vezes sem acesso a entretenimento ou cultura, esses alunos questionam se o plano que haviam traçado para o próprio futuro ainda fará sentido após a pandemia ter varrido perspectivas acadêmicas, empregos e cadeias produtivas inteiras.
Os pais dos estudantes de escolas e faculdades privadas podem até ter a ilusão de que as aulas online supriram esse buraco, mas basta acompanhar um dia da rotina de alunos jogados diante de telas que jogam conteúdos incompatíveis com a nova realidade para saber que isso é conversa mole para cobrar mensalidade integral.
Cabe a esses pais e estabelecimentos se entenderem, mas no caso da Educação pública a responsabilidade é dos governantes. É urgente que o MEC exume o fantasma Weintraub e assuma um mínimo de articulação de estratégia educacional. E governadores e prefeitos têm de deixar de pensar em reabrir shoppings e focar em dar a pais e alunos um protocolo responsável para redução de danos de um ano perdido.
Assinar:
Postagens (Atom)