Bancos centrais de todo o mundo vêm se apressando para criar soluções digitais
Nesta semana, o Banco Central do Brasil (BC) bloqueou o projeto do WhatsApp de ingressar no mercado de pagamentos e transferências de recursos. O que há por trás dessa decisão?
Não é de hoje que o WhatsApp, aplicativo que faz parte do grupo do Facebook, planeja entrar com força no promissor mercado global de pagamentos e transferências. Em junho do ano passado, o Facebook anunciou a criação de uma criptomoeda, a libra, e, com ela, o uso de um aplicativo que permitiria o fluxo de pagamentos para qualquer parte do mundo, a qualquer hora de qualquer dia, a custo zero em ambas as pontas da operação. Do empreendimento fariam parte algumas das Big Techs, como Visa, Mastercard, Uber, Spotify, Lyft, eBay e PayPal.
Mais do que a captura de importante fatia do mercado hoje explorado pelos bancos, a ideia vinha para atender a enorme população mundial desbancarizada, que não consegue ter conta bancária não só porque não tem renda, mas também porque os bancos estão cobrando tarifas proibitivas para seu poder aquisitivo.
Sob argumentação capenga, o Banco Central brasileiro bloqueou a iniciativa do WhatsApp de iniciar um sistema pioneiros de pagamentos instantâneos no País
No Brasil, cerca de 45 milhões de pessoas, ou 29% da população adulta, não têm conta bancária e, por isso, enfrentam grandes dificuldades para enviar ou receber recursos. Essa lacuna ficou especialmente exposta neste ano quando se tratou de distribuir os R$ 600 de auxílio emergencial para a população carente durante a pandemia.
O projeto original do Facebook enfrentou enorme oposição de governos, bancos centrais e instituições financeiras, que viam nisso a tentativa de pulverizar o mercado que hoje é dominado pelos bancos e, mais do que isso, de escapar a controles institucionais e, nessas condições, facilitar esquemas de lavagem de dinheiro. Uma a uma, as grandes empresas que declararam interesse no empreendimento se retiraram do projeto. Mas o chefão do Facebook e do WhatsApp, o esperto Mark Zuckerberg, não desistiu do filão no qual vê grande potencial. A nova proposta é começar pelo Brasil para operar esse sistema instantâneo que prescinda dos bancos.
O Banco Central bloqueou a iniciativa com um argumento inteiramente capenga e outro, meio capenga. O argumento 100% capenga é o de que o projeto do WhatsApp destruiria a concorrência. É capenga porque o sistema viria aumentar a concorrência, e não acabar com ela. É verdade que o WhatsApp tem um histórico de arrasador de quarteirões. As companhias telefônicas, por exemplo, viram seu mercado de impulsos telefônicos virar pó, uma vez que as mensagens de texto e de voz divulgadas pelo WhatsApp não cobram tarifas além das que o consumidor já paga pelo serviço de internet.
O outro argumento (semicapenga, digamos assim) é o de falta de segurança. Em certo sentido, isso é verdadeiro na medida em que nem o Facebook nem o WhatsApp estão submetidos a regulamentações nem contam com a supervisão de grande instituição que disso se encarregue, como acontece com os bancos. No entanto, a segurança do sistema parece atendida pelo emprego da tecnologia do blockchain, tanto que um grande número de instituições financeiras estuda sua utilização em suas próprias operações.
Mas esses não foram os principais motivos pelos quais o Banco Central torpedeou o sistema de pagamentos do WhatsApp. De longe, a principal razão para esta reação intempestiva é a tentativa do WhatsApp de despejar água na gasolina do PIX, o projeto do Banco Central que está sendo desenhado para executar a mesma função a partir de dezembro.
O projeto do PIX lembra a recomendação do rei dom João VI ao seu filho dom Pedro, antes de voltar para Portugal, em 1821: “Põe a coroa na tua cabeça antes que um aventureiro lance mão dela”. Como as gigantes de tecnologia estão rodeando as novas presas eletrônicas, os bancos centrais vêm se apressando para criar projetos próprios.
Nesta semana, o Bank of International Settlements, o BIS, que atua como banco central dos bancos centrais, recomendou que todos os bancos centrais criassem suas próprias moedas digitais. O objetivo parece claro: o de puxar o tapete das milhares de criptomoedas, cuja lista é encabeçada por bitcoin, ethereum e tether.
Mas esse é outro daqueles assuntos que pedem regulamentação global. Nesse caso, leis e regras que vigorem apenas dentro de fronteiras nacionais correm o risco de serem atropeladas por iniciativas poderosas que poderão surgir em qualquer lugar do Planeta, como num um país remoto ou, mesmo, num paraíso fiscal.
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