sábado, maio 14, 2011

Val Marchiori, a perua da vez que pede passagem REVISTA VEJA -SP


Val Marchiori, a perua da vez que pede passagem
REVISTA VEJA -SP

Gastar 75.000 reais em uma tarde, fazer festas regadas a Veuve Clicquot, bancar apresentações num programa de TV. A receita para se tornar uma socialite famosa

João Batista Jr. | 18/05/2011


Val Marchiori: “Empresa boa e mulher bonita não quebram. Trocam de proprietário"

Mario Rodrigues

Alguém que mora num apartamento avaliado em 14 milhões de reais, anda pela cidade em um carrão blindado, usa um avião para as viagens de fim de semana e pode gastar 75.000 reais numa tarde de compras não deveria ter muitos motivos para se aborrecer. Mas a vida é dura e, de tempos em tempos, acontece algo para acabar com o alto-astral da empresária e apresentadora Val Marchiori.

Ela salta das tamancas (da Christian Louboutin, naturalmente), por exemplo, quando lembram que seu nome de batismo é Valdirene. Segunda dos quatro filhos de um casal de agricultores, nasceu em Arapongas, no norte do Paraná, e sempre sonhou em morar e brilhar em São Paulo, para onde se mudou definitivamente em 2009.

Outra coisa que a tira do sério: ser recebida numa loja chique com uma tacinha de prosecco ou espumante nacional. “Hello, acho uma pobreza quando não me servem champanhe”, avisa, iniciando a frase com o bordão que solta a cada cinco minutos. O tempo, no entanto, realmente fecha quando querem esnobá-la. Dia desses, durante uma visita à Dior da Rua Oscar Freire, soube que Rosangela Lyra, diretora da marca no Brasil, não a considera uma cliente com o perfil da grife. “São estilos completamente diferentes”, disse Rosangela.

Val acusou o golpe, mas não deixou barato. “Estranho ter vergonha de mim, pois me convida para jantar e manda peças exclusivas para eu experimentar em casa”, rebateu, elaborando, em seguida, uma teoria para tentar justificar o tratamento que às vezes lhe dão. “Hello, a verdade é que muitas ficam com inveja porque sou mais linda, mais magra, mais rica e mais jovem do que elas.”


Mario Rodrigues


No apartamento dos Jardins: “Muitas ficam com inveja porque sou mais linda, mais magra, mais rica e mais jovem do que elas"

Dentro da crescente classe das emergentes, a personagem em questão inaugurou uma nova categoria: a de aspirante assumida a socialite. Desde o momento em que acorda até o fim do dia, faz tudo calculado para aparecer. Exagerando nas caras e bocas em frente à câmera, grava entrevistas no Brasil e no exterior para o quadro semanal Ícones de Luxo, do “Programa Amaury Jr.”, na RedeTV!.

Detalhe: nessas ocasiões, banca do próprio bolso as despesas de deslocamento e estada. Recusar um convite para aparecer numa festa, mesmo que seja um lançamento de produto ou um evento beneficente? Nem pensar. Como não poderia deixar de ser, também faz parte de seus hábitos esbanjar nos melhores restaurantes e lojas.

Num dia típico, depois de despachar os filhos para a escola e malhar o corpo na academia de seu prédio (a forma física foi turbinada com uma lipo na barriga e 260 mililitros de silicone nos seios), ela escolhe uma boa mesa da região dos Jardins para almoçar. Em seguida, seu Porsche Cayenne blindado — ter carros à prova de tiro é um dos vários cuidados que toma — serpenteia pelos quarteirões da vizinhança, iniciando uma tarde de compras.

Duas semanas atrás, chegou de óculos escuros vermelhos, balançando seu cabelo loiro cuidadosamente ondulado. Cumprimentou os seguranças pelo nome e recebeu das vendedoras uma taça de Veuve Clicquot. No balcão da joalheria Jack Vartanian, dentro da NK Store, provou uma corrente aqui, uma pulseira ali, mas seus olhos ficaram vidrados mesmo em um brinco de pedras vermelhas adornadas com brilhantes. Valor: 49.000 reais. Quando outra vendedora lhe mostrou um anel de 1.700 reais da designer Ana Khouri, Val fez cara de indignada e rejeitou a oferta: “Hello, é tão baratinho que eu iria encontrar muita gente usando”.

Desde cedo, essa perua assumida de 36 anos já demonstrava apetite pelo sucesso. Diz que, ainda menor de idade, começou a ganhar uns trocados vendendo no esquema porta a porta os produtos da Avon. Na adolescência, virou modelo e passou um tempo na Itália. Depois de quatro anos, voltou ao Brasil para montar em sociedade com um de seus três irmãos a transportadora Valmar, em Londrina, perto de sua cidade natal.

Dinheiro definitivamente deixou de ser um problema quando, em 2005, passou a viver com seu conterrâneo Evaldo Ulinski, dono do frigorífico Big Frango, que faturou no ano passado 1,2 bilhão de reais. A uma pessoa de sua confiança, o empresário disse recentemente: “A Val me custa 200.000 reais por mês”. O casal tem filhos gêmeos de 5 anos: Victor e Eike (sim, o nome foi uma homenagem ao bilionário Eike Batista). “Não somos casados no papel, pois o Evaldo ainda está em processo de divórcio com a ex”, diz ela, que contabiliza hoje em seu patrimônio uma criação de gado nelore e vários imóveis em São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Sem preocupações financeiras, Val deu o próximo passo em seu projeto de ascensão: investir pesado na imagem. Para começar, contratou o cabeleireiro e maquiador Duda Martins, ex-funcionário de um dos salões mais badalados da cidade, o MG Hair Design, de Marco Antonio de Biaggi. Ela desembolsa 8.000 reais por mês para ter um expert em beleza 24 horas por dia à sua disposição.

Val nunca, jamais, em hipótese alguma, lava o próprio cabelo. Duda também a acompanha em viagens, como quando vai — a bordo de seu avião King Air 350, com oito lugares, avaliado em 5 milhões de dólares — curtir o fim de semana longe de São Paulo. Além de não perder uma festa, ela gosta de promover seus próprios regabofes no apartamento de 850 metros quadrados.

Em 2009, contratou a promoter Alicinha Cavalcanti para organizar seu aniversário de 35 anos. Os 150 convidados, parte deles desconhecida da anfitriã, beberam 130 garrafas de Veuve Clicquot Rosé e quarenta do caro vinho tinto italiano Brunello di Montalcino safra 2004. A noitada, que teve ainda um show do cantor Paulo Ricardo, custou 150.000 reais. Mas para ela valeu cada centavo.

Isso porque o apresentador Amaury Jr., presente ao evento, fez o convite para que a personificação da perua moderna passasse a integrar seu programa. A ideia era que ela abordasse o mercado de luxo. Ou seja, falasse de coisas do dia a dia de quem toma champanhe em taça banhada a ouro importada da Noruega e tem coleção de mais de 100 bolsas de grife — só Louis Vuitton são mais de trinta modelos. “A Val é exótica, linda e simpática”, afirma o colunista social eletrônico da RedeTV!. “Além disso, viaja bastante e é deslumbrada com o mundo do glamour.”

Sem se importar com salário, ela topou na hora. A estreia ocorreu há onze meses. Já viajou para Itália, Estados Unidos e Canadá, sempre voando de primeira classe e se hospedando em hotéis cinco-estrelas. Tudo pago com seu próprio dinheiro. “Amo ser apresentadora”, conta. Graças a dois patrocinadores, afirma recuperar hoje parte do investimento, faturando 20.000 reais por mês. “Consigo pagar algumas despesas e comprar um ou outro vestidinho.” Recentemente, foi sondada para fazer parte de um reality show sobre o cotidiano de mulheres ricas, o Real Housewives, atração que a produtora argentina Cuatro Cabezas, a mesma do CQC, pretende levar ao ar em breve numa parceria com a Band.


Mario Rodrigues


Vista parcial do closet: mostruário de joias de 4 metros, com peças da Rolex, Cartier, H.Stern, Jack Vartanian...

De tempos em tempos, personagens lindas e exuberantes entram na sociedade provocando certo barulho. Quando o conde Armando Alvares Penteado se casou com a dançarina francesa Annie, no início do século XX, as senhoras de sobrenomes aristocráticos daqui estranharam a forasteira. Annie resolveu estudar etiqueta e se refinou de tal maneira que passou a tomar água apenas em copo de cristal Baccarat e beber chá em xícaras de porcelana da Companhia das Índias.

Nos anos 70, outra jovem que dançava balé clássico, Yara Rossi, causou comoção na sociedade ao fisgar o empresário Roberto Baumgart, um dos donos dos shoppings Center Norte e Lar Center. Acabou vencendo a rejeição com a ajuda de muitas festas em sua mansão no Morumbi. Há pouco tempo se separou do marido, e pede uma pensão de cerca de 5 milhões de reais por ano.

Mesmo numa era como a atual, em que o dinheiro troca de mãos com mais velocidade, possibilitando a criação de novas fortunas, esse processo de aceitação social raramente é livre de sobressaltos. “As famílias antigas ainda têm muita resistência a aceitar essa turma que vem de baixo”, diz Silvio Passarelli, diretor do curso de gestão de luxo da Fundação Armando Alvares Penteado.

Na alta-roda, portanto, continuam valendo muito os critérios do berço e do sobrenome. “Val Marchiori? Nunca ouvi falar”, diz Fátima Scarpa, filha de Francisco e Patsy Scarpa, um dos casais mais finos e tradicionais da cidade. Para ela, vestir-se de grifes da cabeça aos pés é sinônimo de jequice. “A bolsa Birkin, da Hermès, acabou virando um rótulo daquelas que querem parecer chiques. O efeito é justamente o contrário.”

A socialite Ana Maria Velloso, mulher do empresário Paulo Velloso, sócio da Editora Melhoramentos, concorda. “Não basta ficar rico, é preciso herdar educação e refinamento.” Vencer essa barreira da luta de classes, às vezes, parece uma missão quase impossível. Mas, hello, quem nasceu Valdirene não entrega os pontos assim tão fácil.

A filosofia de uma emergente

“Empresa boa e mulher bonita não quebram. Trocam de proprietário”
“Pobre é uma desgraça: só anda de carro”
“Nascer na miséria é imposição, permanecer é opção”
“É um absurdo nas lojas Dior e Versace servirem prosecco. Um desrespeito com quem só bebe champanhe”
“Hello, jamais saio de casa sem estar com algum brilhante. Seria o mesmo que estar pelada”

Caprichos, deslumbres e luxo de Val

Idade: 36 anos
Altura: 1,76 metro
Peso: 63 quilos
Natural de: Arapongas (PR)
Formação: concluiu o 2º grau e o curso técnico de contabilidade
Ocupação: apresentadora do quadro Ícones de Luxo, do “Programa Amaury Jr.”, na RedeTV!, e empresária (sócia da transportadora Valmar e criadora de bois da raça nelore)
Estado civil: vive há seis anos com o empresário Evaldo Ulinski, 64 anos, dono do frigorífico Big Frango, que no ano passado faturou 1,2 bilhão de reais
Filhos: tem os gêmeos Victor e Eike (homenagem ao bilionário do Rio de Janeiro), de 5 anos
Perfumes: Coco Mademoiselle, da Chanel, e Presence d’une Femme, da Montblanc
Livro de cabeceira: "O Caçador de Pipas"
Filme inesquecível: "Uma Linda Mulher"
Restaurantes prediletos: Gero, Fasano e La Tambouille
Marcas favoritas: Roberto Cavalli e Versace; só dessa última possui mais de oitenta vestidos
Vaidade: tem um maquiador particular, egresso do salão MG Hair, de Marco Antonio de Biaggi, à sua disposição 24 horas por dia
Coleção: bolsas. São mais de 100 modelos, de marcas como Hermès, Gucci e Chanel. Ela não usa mais as da Louis Vuitton de tamanhos grandes e médios por achar que estão muito “pobrinhas”. “Até babá tem usado, credo”
Joias: gosta de pedras grandes e adornadas com brilhantes
Meios de transporte: Porsche Cayenne, Porsche 911 Turbo, Mercedes-Benz C 280, uma lancha Intermarine de 48 pés batizada de Hello e um avião King Air 350 avaliado em 5 milhões de dólares
Casa: mora em um apartamento de 850 metros quadrados nos Jardins avaliado em 14 milhões de reais. Tem outros imóveis em São Paulo, Paraná e Santa Catarina
Objetos de decoração: sofá ovalado da designer espanhola Patricia Urquiola, de 80.000 reais; abajur do tamanho natural de um cavalo da marca holandesa Moooi, de 50.000 reais; e poltrona de couro assinada por Oscar Niemeyer, de 40.000 reais
Ídolos: Beth Szafir (“Sabe se vestir bem e de forma adequada à sua idade”); Maythe Birman (“O visual básico dela é extremamente glamouroso, nunca está desleixada”); e Luiza Brunet (“Está sempre feminina e sexy. Seja pelos vestidos ou pelo olhar”)

WALCYR CARRASCO - Paixões pela net



Paixões pela net
WALCYR CARRASCO
REVISTA VEJA SP



Recentemente, eu me surpreendi em uma pesquisa. Descobri que boa parte das donas de casa já incorporou o computador ao seu cotidiano. Elas adoram as redes sociais, que usam para trocar informações, fazer amizades e, é claro, fofocar. As paixões também acontecem, e como! Eu imaginava que as mulheres teriam medo, por exemplo, de marcar encontros com desconhecidos. Puro engano:

— Pela internet, a gente conhece melhor a pessoa. Conversa tudo o que tem para conversar e depois se encontra ao vivo.

Muitas já têm uma história de fadas para contar. É sempre a de uma amiga divorciada, sem perspectivas afetivas, que conheceu um sujeito legal pela internet. Depois de muito papo eletrônico, encontraram-se. E estão juntos até hoje. Sendo sincero, eu também conheço um caso semelhante. Após anos de convívio, o casal continua tão apaixonado que, quando ele a chama, o celular toca a marcha nupcial!

Mas nem tudo são flores.

Eu conheci uma escritora bem atraente, na faixa dos 30 anos. Começou a falar com um “rapaz” pela internet. O relacionamento foi se aprofundando. Finalmente ele confessou:

— Não tenho 30 anos como você.
— Isso não me importa. Quantos você tem?
Silêncio cibernético. Finalmente, confessou:
— Cinquenta e quatro.
Ela continuou achando que estava tudo bem. Encontraram-se. Antes de abraçá-la, ele começou a tossir:
— Sou asmático.
Apaixonada, ia dar importância para asma? Foram adiante. Mas ele tinha um ciúme doentio.
— Para quem você telefonou hoje? O que conversaram?
Ou:
— Quero ler os seus e-mails.
Pior: ele mentira em tudo. Não trabalhava. Estava desempregado havia anos. Foi morar com ela para diminuir as despesas. Controla tudo o que ela faz. O que não é muito: durante uma crise de nervos, ela pediu demissão do emprego. Estão os dois na rua, tentando descobrir um jeito de pagar o condomínio. Outro dia ela ameaçou jogar o computador pela janela!

Perto dos 40, uma amiga andava preocupadíssima.

— Não me casei ainda!

Batalhou pela internet. Conheceu um rapaz da Zona Norte de São Paulo. Marcaram o encontro pessoal. Ela não teve dúvidas: botou um casaco de inverno bem pesado. Mas, embaixo, estava completamente nua. Sinceramente, não sei o que passou em sua cabeça. Talvez quisesse praticar uma sedução à primeira vista. Tipo Cleópatra, que se desenrolou do tapete. Conheceram-se. Era um executivo de nível médio, sério. Irresistível! Ousada, ela abriu o casaco num café do centro da cidade. Só para ele, é claro. E o rapaz ficou encantado pela audácia.

— Finalmente eu me dei bem! — ela acreditava.

Como empresária, pouco tempo depois, guindou o executivo a diretor de seu negócio. Só havia um problema: ele sempre tinha uma desculpa para não levá-la para a casa dele.

— Minha mãe é muito simples, não vai se sentir bem com uma mulher sofisticada como você.
— Justamente agora estamos recebendo a visita de uns parentes, mas...

Um dia ele deixou o computador ligado. Ela não resistiu, entrou em seus e-mails. E lá estavam as... mensagens para a esposa.

— Você é casado!
— E tenho três filhos.
— Ou se separa ou perde o emprego!

Ele se separou. Não sei se por amor ou por praticidade. Mas a vida não anda fácil. Tem de trabalhar o dobro, para sustentar a ex e as crianças. E agora sua mulher pegou ciúme do computador.

Que o rapaz não é fácil, ela já sabe. No passado, bastaria controlar suas idas e vindas. Agora, a tentação pode estar entrando em casa, enquanto com uma expressão inocente ele finge atualizar os e-mails.

Se um dia ela se separar, já sabe. A culpa será do computador!

MANOEL CARLOS - Primavera de maio


Primavera de maio
MANOEL CARLOS
REVISTA VEJA - RIO


—Em poucos dias fomos testemunhas de três acontecimentos históricos, desde logo inseridos entre os mais importantes do século XXI: o casamento do príncipe inglês que um dia há de ser coroado rei, a beatificação de João Paulo II e a morte de Osama bin Laden, o homem mais procurado do planeta, grande vilão do mundo moderno.


Dessa maneira enfática — seu tom habitual —, o Raul deu a partida no assunto que ocuparia o tempo do nosso encontro, na tarde do dia 5.
— É muita emoção num espaço de três dias — ponderou o Gustavo, recém-chegado de uma viagem a Berlim, realização de um sonho que o acompanhou desde criança, por influência de um tio alemão.
— Há muito tempo não se via o mundo tão festivo — comentou a Arlete, única mulher presente.
— Não vejo razão para tantas comemorações — palpitou Evandro, o cético do nosso grupo de amigos.
Todos nós olhamos para ele, interrogativamente. E Evandro não se fez esperar. Deu suas razões:
— Vamos examinar caso a caso. O casamento do príncipe foi o tempo todo comparado ao casamento do Charles com a Lady Di. E na comparação perdeu sempre. E, por mais bonita e pomposa que tenha sido a cerimônia, ficou aquela sensação de desgosto por lembrarmos da mãe do rapaz, que morreu da maneira que todos nós sabemos.
— Ah, nisso você tem razão. Senti ódio quando vi aquela bruxa da Camilla, madrasta do príncipe William, entrando na igreja como se fosse a mãe! Isso sem falar nos chapéus ridículos que as filhas usavam!
— Reação típica de mulher — ironizou o Gustavo.
— E você queria o quê? Que eu reagisse como homem? — devolveu Arlete.
Contemporizei:
— Tudo bem, não vamos brigar por causa disso. Continuando: o que é que você tem contra João Paulo II?
— Nada, mas ninguém pode ignorar que a beatificação dele, num tempo recorde, foi jogada de marketing da Igreja, tentando, com isso, recuperar, um pouco que seja, o prestígio perdido. E, com essa recuperação, ter de volta alguns fiéis que debandaram.
— Calma lá — saltou novamente Arlete, católica não praticante, mas fervorosa devota de Santa Rita de Cássia. — Você não lembra, não, quando ele morreu? O povo gritava nas ruas de Roma: “Santo subito! Santo subito!”, pedindo que João de Deus fosse beatificado no mesmo momento em que deu o último suspiro! Acho até que demorou demais! Seis anos!
— Vai me deixar continuar, Arlete? É por isso que não gosto de mulher nas nossas reuniões. Não param de falar.
— Você não gosta é do bom-senso das mulheres, isso sim!
Todos rimos da pretensão descarada. Arlete bufou e voltou a investir:
— E a morte do Bin Laden? Também não merecia uma comemoração?
— Não! Porque foi um assassinato! E assassinato não se comemora!
E foi a vez do Leandro de bufar, irritado com as intervenções.
Estávamos, como sempre, no Café Severino, cenário preferido dos nossos encontros de fim de tarde, essas tardes atuais, o sol tímido, revezando com a garoa, mais paulistana que carioca. Tempo assim, nem muito quente, nem muito frio, já dando para abandonar o vinho branco e voltar ao tinto.
Num ano em que perdemos alguns companheiros, esses encontros revestem-se de um significado ainda maior, em que nos olhamos e nos tocamos com carinho, numa demonstração de amizade que tem sempre um pouco de adeus.
Fazia eu essas reflexões um tanto melancólicas, os amigos ainda discutindo sobre as comemorações que marcavam aqueles dias e colocavam na primeira página dos jornais e na capa de todas as revistas as mesmas notícias e as mesmas fotos, quando o Zé Antonio — 40 anos, caçula do grupo — entrou no Café, um sorriso largo varando o rosto de orelha a orelha.
— Que felicidade é essa, rapaz? — perguntei eu.
— Não estão sabendo não? O Supremo Tribunal Federal reconheceu a união de casais do mesmo sexo! Temos agora os mesmos direitos que vocês, que se casaram com mulheres!
Nós todos nos levantamos e abraçamos nosso amigo muito querido. Erguemos as taças, brindamos, enfrentamos uma segunda garrafa, uma terceira... e saímos para a rua. A garoa desaparecera e o céu estava azul, azul clarinho, e um canteiro na calçada exibia algumas margaridas. E aí, então, lembrando das notícias discutidas naquela tarde, e vendo, principalmente, a felicidade que continuava dançando no rosto do Zé Antonio, ataquei de poeta:
— Já perceberam como este outono está com um jeitão de primavera?!

GOSTOSA

ANCELMO GÓIS - ‘Plus’ de Xuxa


‘Plus’ de Xuxa
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 14/05/11

Veja os perigos do portunhol. Xuxa, entrevistada ao vivo, quinta, por Susana Giménez, estrela da TV argentina, disse que gosta de dormir com um “edredom de penas”. Susana, então, reagiu surpresa: “Você põe penes?!” É que, em espanhol, “penes” é, digamos, o... “plus”. O “penes” que aquece o sono de Xuxa foi a notícia do dia, ontem, por lá. 

SP vai à guerra

O tucano Geraldo Alckmin ligou para o petista Devanir Ribeiro, coordenador da bancada paulista na Câmara, para pedir uma reunião com todos os 70 deputados do estado. Disse que São Paulo, que tem muito petróleo no pré-sal vai entrar na guerra pelos royalties. 

Rui Vicentinho 
Do deputado e ex-metalúrgico Vicentinho (PT-SP), que, como se sabe, formou-se em Direito na idade madura, ao defender o fim da prova da OAB: 
— Declinei de fazer o exame. Até Rui Barbosa, se fizesse, talvez não passasse... Ah, bom!

Aliás...

Vicentinho, veja que bonito exemplo, vai fazer mestrado em Direito. Diz que seu sonho é se tornar professor universitário. Além disso, planeja começar a escrever, ainda este ano, um livro de memórias sobre seus tempos de sindicalista. 

No mais
De um gaiato, ao saber que tinha pornografia no esconderijo de Bin Laden: 
— Pelo visto, o danadinho gostava também de fazer justiça com as próprias mãos... 

Bruno no cinema

O filme “Cilada.com”, baseado no personagem de Bruno Mazzeo em seu programa humorístico no canal a cabo Multishow, terá lançamento de gigante em julho. Serão 350 cópias em salas no país todo.

Alô, é Pimentel?
O ministro Fernando Pimentel veio ontem ao Rio para uma reunião no BNDES. O compromisso durou longas horas. Um 
amigo ligou várias vezes, e Pimentel sempre respondia:
— Não posso. Estou em reunião... 

Segue...
Depois da quinta tentativa, o amigo se desesperou e mandou um torpedo pelo celular: 
— No Rio, ninguém trabalha tanto na tarde de sexta. Você está mentindo! É. Pode ser.

Viva a diversidade!
Veja o efeito da decisão do STF de reconhecer a união homoafetiva. A Duloren, gigante das calcinhas, prepara uma campanha publicitária cujo mote será o amor entre gays. Um casal de gays de verdade será escolhido para estrelar os anúncios. As peças serão veiculadas ainda este ano.

Fator aeroporto

Ontem, com o Santos Dumont fechado durante horas, o precário sistema de informações irritou os passageiros. De repente, uma gargalhada ecoou na sala de embarque. Era a novelista Maria Adelaide Amaral, que acabara de ler no painel o aviso truncado: “Atraso meteoro.” Na verdade, a Infraero quis dizer... não sei.

Ô, Ana Juliaaaa
Lembra a miúda Ana Julia, menor bebê do Brasil, que nasceu com 260g na maternidade Perinatal, no Rio, em 2010? Dará uma festa de 1 ano, cheia de saúde, com amigos e todos os médicos que a salvaram. 

A preferida de Dilma

Amanhã, às 16h, a Cia. Bachiana Brasileira apresenta na Candelária a “Missa em si menor”, joia da música erudita, de Bach, com duas horas de duração. Testamento musical do grande compositor barroco, a obra é a preferida de Dilma. 

Búzios de Deus

Búzios, o balneário fluminense, será invadida em dezembro por mais de 6 mil... evangélicos! A cidade que convida ao pecado sediará a Escola de Líderes, com irmãos do país todo. 

Cena carioca 

Quinta, por volta de 15h, um pedinte entrou num ônibus 438 (Leblon-Vila Isabel) e distribuiu um aviso: “Tenho câncer no cérebro. Me ajude com dinheiro.” Depois, foi brincar com o trocador. Quando voltou para recolher o dinheiro, um passageiro desconfiou: “Mas você é o doente?
” E ele: “Claro, tenho câncer no cérebro, pô!” Ah, bom!

ILIMAR FRANCO - Pagando para ver


Pagando para ver 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 14/05/11

Os ruralistas apostam que a presidente Dilma vai prorrogar o decreto que suspendeu multas para quem não cumpriu a legislação ambiental. O decreto vale até 11 de junho. A prorrogação poderia ser feita caso até lá não tenha sido aprovado o novo Código. Os ruralistas dizem que o governo não daria na bandeja, para a oposição sacudir a roseira, 14,4 milhões de brasileiros que trabalham em 3,9 milhões de pequenas propriedades rurais.

"A única coisa que posso afirmar com certeza é que o decreto não será prorrogado” — Luiz Sérgio, ministro das Relações Institucionais, sobre o decreto que adia multas de quem não cumpriu a legislação ambiental

Palocci faz apelo ao líder do PMDB

Antes de embarcar para a Rússia, acompanhando o vice- presidente Michel Temer, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), conversou com o ministro Antonio Palocci (Casa Civil). Este pediu para o peemedebista que ele reveja sua posição de não votar nada até que seja aprovado o novo Código Florestal. Oito medidas provisórias, inclusive a que flexibiliza as regras das licitações para as obras
da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, correm o risco de perder a validade. O governo acha que será atendido e atribui a posição do líder, adotada na noite de quartafeira, ao calor da discussão. Henrique volta terça-feira. 

REFORÇO INSTITUCIONAL. A falta de secretarias estaduais e municipais de defesa da igualdade racial virou um dos temas principais da ministra Luiza Bairros (Igualdade Racial). “As estruturas existentes estão aquém das necessidades”, reclama Luiza. Pelo peso que a população negra tem nos estados no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais, ela vai defender junto aos governadores a criação de estruturas fortes para esse fim. 

Parceria
Os governadores e os prefeitos de algumas capitais estão sendo chamados para conversar com a presidente Dilma Rousseff. Sem
a adesão deles, o plano Brasil Sem Miséria, que será lançado em junho, não terá pernas para andar.

Articulando

● Os senadores petistas de estados não produtores trabalham numa nova proposta de divisão dos royalties do petróleo. Wellington
Dias (PT-PI) diz que a ideia é oferecer aos estados produtores metade de que eles gostariam de receber.

Política cultural
● O presidente do Instituto Brasileiro de Museus, José Nascimento Júnior, pediu apoio aos deputados, em audiência pública na última terça-feira, para criar uma exceção, na Lei de Licitações, para a área cultural. Citou como exemplo a contratação de restauradores. “Hoje, para restaurar uma obra de arte ou um edifício é o mesmo processo, o que atrasa a salvaguarda de alguns bens culturais”, argumentou ele.

No sapatinho

● O ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) vai convidar o chanceler argentino Héctor Timerman para uma reunião no Brasil.
Segundo Patriota, os dois países precisam administrar o que chama de “problemas da abundância”.

No bolso
● Com a possibilidade da abertura dos arquivos secretos da diplomacia brasileira, há um temor, no Ministério das Relações Exteriores
e no governo, de que os países vizinhos sejam tentados a reivindicar indenizações do Brasil.

SÃO JOÃO. É intensa a pressão dos parlamentares sobre o governo para a liberação das emendas destinando recursos para as tradicionais festas juninas no Nordeste. Nada saiu até agora.
 RASGAÇÃO... Sobre a derrubada da sessão do Congresso para apreciar o veto à redistribuição dos royalties, fala o senador Lindbergh Farias (PT-RJ): “Estou impressionado, o Dornelles me deu uma aula”. 
● ... DE SEDA. Sobre o mesmo fato, agora quem diz é o senador Francisco Dornelles (PP-RJ): “Se não é o Lindbergh, não adiava aquela sessão”.

GOSTOSA

MÍRIAM LEITÃO - Brigas e barreiras


Brigas e barreiras
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 14/04/11
O governo nada fará na política de defesa comercial que fira as regras da Organização Mundial do Comércio, segundo garantiu ontem o ministro Fernando Pimentel. Ele negou inclusive que a medida fosse contra a Argentina: "Queremos apenas analisar o salto nas importações de carros", me disse. O governo deve abrir uma investigação de triangulação no caso dos calçados.
Pimentel disse que as medidas tomadas na área automobilística -suspensão da licença automática - não são protecionismo, nem estratégia de retaliação à Argentina, como fo-ram entendidas, mas apenas cautela para entender o que está havendo:
- Em 2010, o saldo comercial do setor ficou negativo em US$ 780 milhões. De janeiro a abril, pulou para US$ 1,9 bilhão.
Ele acha que é preciso monitorar esse aumento forte das importações, e lembra que isso é permitido pela OMC, desde que a concessão da licença de importação não demore mais que 60 dias.
-Não ultrapassaremos esse prazo de maneira alguma:
Na Argentina, a retenção de produtos brasileiros já chega em alguns casos a 300 dias e tem todos os sinais de protecionismo mesmo. Pimentel disse que vai abrir uma investigação para analisar os indícios de que a China está aproveitando brechas do Mercosul para trazer calçados, entrar em um dos países do bloco, e de lá mandar para o Brasil.
O ministro quer ter uma política comercial mais ativa, de defesa comercial como ele diz, mas que não fira qualquer regra internacional de comércio que caracterize protecionismo.
Defesa comercial todos os países fazem e é previsto dentroda OMC. O difícil é separar medidas de proteção contra o comércio desleal do atendimento aos lobbies para a defesa de interesses setoriais, o chamado protecionismo.
A Argentina hoje é destino de 9,2% das exportações brasileiras; tanto quanto os Estados Unidos, que recebe 9,6% do que exportamos; mais do que o dobro do que o Brasil vende para a Alemanha, que fica com apenas 4%. Portanto, é preciso saber como lidar com o vizinho complicado, com o qual temos densas relações comerciais.
O Brasil está numa situação complexa no comércio internacional. Ainda tem superávit, graças principalmente a onda de alta das commodities e às exportações do agronegócio. A indústria é fortemente deficitária. O câmbio joga contra porque o real está muito valorizado e isso não vai mudar tão cedo. Alguns setores reclamam com razão das práticas desleais de c-mércio de outros países; outros reclamam por oportunismo. Se não souber separar os dois, o Brasil pode entrar no caminho equivocado de proteger setores.
Problema mais complexo é a triangulação que a China faz para aproveitar vantagens concedidas a países do Mercosul. Quando a China enfrenta uma barreira antidum-ping, ela passeia com a mercadoria por outros países para contornar a medida. Além disso, ela representa uma complicação por ter o câmbio artificialmente desvalorizado, o que lhe dá uma vantagem indevida na competição pelos mercados. Esta semana o governo brasileiro conseguiu uma vitória que é simbólica, já que não tem consequência imediata, mas importante porque firma um princípio. Conseguiu que a Organização Mundial do Comércio inclua o câmbio como parte das suas análises. A OMC é a sucessora do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) firmado no mundo de câmbio fixo do pós-guerra. Hoje a armamais poderosa - e mais desleal - na competição entre os países é manter a moeda desvalorizada. Os EUA fazem isso com o excesso da emissão monetária, a China faz isso controlando o preço da moeda. Isso distorce todo o comércio internacional.
Outro evento na área comercial foi o anúncio da União Europeia de que pode retirar o país do Sistema Geral de Preferências. O Itamaraty protestou. O SGP é velho de décadas e é uma concessão feita a países pobres para que eles tenham acesso aos mercados dos países ricos. Melhor seria brigar por comércio mais livre. Sem as barreiras não tarifárias, cotas, subsídios internos a determinados produtos, o Brasil poderia exportar muito mais para a União Europeia.
O embaixador e conselheiro da Fiesp Rubens Barbosa explicou que o SGP não é negociado de governo a governo, portanto é inútil o Itamaraty protestar.É uma liberalidade voluntária, unilateral, concedida a empresas pela Europa, Japão e EUA:
- Não sabemos o que queremos: somos a 7a- economia mundial, mas queremos continuar recebendo vantagem de país pobre. O problema não é perder o benefício, é o governo não fazer esforço para reduzir o custo Brasil.
Há várias frentes de briga no comércio internacional. A menos aconselhável é a de tomar decisões para proteger setores. A semana termina com uma questão: o que não está resolvido é a enorme contradição de o principal parceiro no único bloco a que pertencemos, que tem tantas vantagens no mercado brasileiro, impor barreiras contra 600 produtos, criar regras que mantêm parados nos portos vários produtos ex-portados pelo Brasil. O Mercosul precisa de uma boa revisão para o balanço de vantagens e desvantagens da sua própria existência e uma estratégia para o futuro.

GUILHERME FIUZA - A ditadura cor-de-rosa


A ditadura cor-de-rosa
GUILHERME FIÚZA

O GLOBO - 14/05/11

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), uma espécie de gorila assumido, foi ao Senado protestar contra uma cartilha de prevenção à homofobia que o governo pretende distribuir. Acabou agredido pela senadora Marinor Brito (PSOL-PA), defensora dos homossexuais. Esses gorilas não sabem com quem estão se metendo.

A tal cartilha, que está sendo preparada pelo MEC, será distribuída em escolas públicas, no ensino fundamental. A ideia é ensinar à criançada que namorar pessoas do mesmo sexo é saudável, ou seja, que ser gay é normal. Nada como um governo progressista, disposto a formar a cidadania sexual de seu povo. Pelos cálculos do MEC, uma criança de sete anos de idade que chegar à escola e receber em mãos uma historinha de amor homossexual terá menor probabilidade de chamar o coleguinha de bicha, ou a coleguinha de sapatão.

É difícil imaginar o que se passará. na cabeça de cada uma dessas crianças diante do kit de orgulho gay do governo. Mas não é tão difícil imaginar o que se passa na cabeça do MEC, ou melhor, do ministro da Educação.

Assim como á quase totalidade da administração petista, o ministro da Educação, Fernando Haddad, só pensa naquilo - fazer política. Em 2010, no bicampeonato do vexame do Enem, ele estava trabalhando duro na campanha eleitoral de Dilma Rousseff. Sem tempo, portanto, para detalhes secundários, como a impressão trocada de gabaritos, que corrompeu a prova e infernizou a vida de mais de três milhões de estudantes. No ano anterior o Enem tinha naufragado após o vazamento da prova, e no ano seguinte Haddad foi premiado com a permanência no cargo pelo novo governo. Honra ao mérito.

Nesse meio tempo, o país caiu 20 posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU para educação (ficando em 93º, atrás de Botswana). Mas o ministro tem sempre uma "pesquisa interna" para oferecer aos jornalistas - dos quais nunca se descuida -, mostrando ótimas avaliações do ensino público. No governo da "presidenta", que vive dessa mitologia do oprimido, a cartilha sexual do companheiro Haddad é mais um afago no mercado politico GLS.

Um mercado que não para de crescer. Ao lado do avanço nos direitos dos gays, legítimo e importante, a indústria do politicamente correto vai criando um monstro. Foi esse monstro que distribuiu tapas na turma do deputado Bolsonaro. É o monstro que transforma uma boa causa em revanche, histeria e intolerância. Que quer ensinar orgulho gay em escola primária. É a estupidez travestida de virtude.

O barraco entre o gorila e a serpente aconteceu na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Ali se discutia o projeto que transforma homofobia em crime. É um pacote de regras restritivas, como a que proíbe um pregador evangélico, por exemplo, de criticar o homossexualismo fora dos limites de sua igreja. Os generais de 64 (heróis de Bolsonaro) não fariam melhor. O totalitarismo, quem diria, também está saindo do armário.

A relatora do projeto é a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que se retirou da sessão quando a confusão estourou. Ela teve sorte. Não de se livrar dos tapas, mas de escapar da sua própria lei. Menos de três anos atrás, ela fez insinuações de homossexualismo contra o prefeito de São Paulo,

Gilberto Kassab, seu adversário eleitoral na época. Talvez seja o caso de incluir uma ressalva no projeto, anistiando os companheiros progressistas que ferirem o orgulho gay por relevante conveniência política.

Mais do que nunca, a propaganda é a alma do negócio. Depois que Dilma Rousseff virou símbolo meteórico de afirmação feminina, ninguém mais segura os gigolôs da ideologia. Basta um slogan na cabeça e uma caneta na mão, e tem-se uma revolução de butique. Está prestes a ser aprovada a lei que obriga a fabricação de calcinhas e

cuecas com etiquetas de advertência contra o câncer de próstata e de colo do útero, além de sutiãs com propaganda de mamografia. É incrível que ainda continuem vendendo chocolate sem uma tarja de advertência contra a gordura e as espinhas.

É preciso ensinar a sociedade a ser saudável. O Estado politicamente correto sabe o que é bom para você. Em nome da modernização dos costumes, assiste.se a uma escalada medieval de proibição da propaganda de produtos que fazem mal, e de obrigatoriedade de mensagens que fazem bem. Até a obra de Monteiro Lobato quase entrou na dança: la ser crivada de notas explicativas a cada aparição de Tia Nastácia, em defesa da honra dos afrodescendentes. Os justiceiros do Conselho Nacional de Educação ainda não desistiram de corrigir o escritor.

É interessante ter um ex-BBB no Congresso defendendo os direitos dos homossexuais. Mas é estranho ter no reacionário Jair Bolsonaro a voz solitária contra os excessos da patrulha GLS. Talvez a consciência brasileira mereça, de fato, ser governada pelas cartilhas demagógicas do MEC.

GUILHERME FIÚZA é jornalista

GOSTOSA

CORA RÓNAI - Considerações sobre o xoom


Considerações sobre o xoom
CORA RÓNAI
O GLOBO - 14/05/11
Comparativos de hardware são muito úteis na escolha de um produto, mas, em última instância, o que ganha (ou não) o coração do usuário é a adequação do produto ao que se pretende fazer com ele. Relembro uma parte importante da crônica passada: o iPad foi feito para ser usado na vertical, ao passo que o Xoom foi claramente pensado na horizontal. Essa não é uma diferença insuperável (os dois têm acelerômetros que permitem aos apps girarem de acordo com a posição do tablet) - mas é fundamental para entender e, em última instância, escolher um ou outro. O Xoom tem uma tela ligeiramente mais comprida, ideal para ver filmes; a tela do iPad é a perfeição em pessoa para ler revistas.
Quem acha que o Xoom é uma versão ampliada de um celular Android (como é o Samsung Tab) pode ir tirando o cavalinho da chuva. O Honeycomb, primeiro sistema Android desenvolvido exclusivamente para tablets, foi inteiramente redesenhado e é praticamente um outro animal. Nem mesmo as três teclas regulamentares do sistema se encontram no tablet, mas sim na tela, no canto esquerdo.
Isso significa que o usuário de Android que compra o Xoom sai, num primeiro momento, da zona de conforto à qual está acostumado, e vai ter que aprender dois ou três truques novos. Para quem gosta de acompanhar a evolução dos tempos e dos produtos é uma diversão a mais; para quem está contente com o que tem e não quer saber de curvas de aprendizado pode ser uma decepção.
Sob este aspecto, o iPad é um acerto com o grande público: sua interface é praticamente a mesma do iPhone, e não há diferenças de software perceptíveis, exceto o aumento de velocidade do sistema.
O Xoom sofre com os inevitáveis perrengues de trazer a versão 1.0 de um sistema operacional. Ainda tem detalhes a acertar e a operação não é 100% macia. Vale investir na experiência?
A meu ver,com certeza, sobretudo se você, como eu, tem ódio mortal do iTunes e do cerceamento à liberdade que ele significa. O Xoom, como qualquer bom Android, acaba sendo o que se quer que ele seja: os arquivos estão todos ao alcance da mão e ninguém precisa hackeá-lo para poder usá-lo decentemente.
Duas coisas se destacam particularmente nesse ótimo tablet: a velocidade e o tempo de duração da bateria. Ele abre qualquer app ou website num piscar de olhos e aguenta um dia inteiro de uso pesado, com diversos programas e janelas rodando. Não há nada igual para acessar a internet, inclusive porque, ao contrário do iPad, o Xoom usa Flash, e o Flash na rede é praticamente universal.
Há outras características interessantes no Honeycomb. Gostei muito da administração das várias janelas, da integração nativa com os produtos Google, da possibilidade de desinstalação dos aplicativos via Market e, sobretudo, dos widgets altamente funcionais. Exemplo: o do Gmail mostra as primeiras mensagens da lista. Até aí, normal - é o que fazem todos os widgets de e-mail. Mas o do Honeycomb permite que a gente role a lista de emails recebidos sem precisar abrir o programa. Não é o máximo?
Em relação aos aplicativos, sim, é verdade - o iPad tem infinitamente mais opções do que o Android. Entretanto, das centenas de milhares de aplicativos disponíveis no mercado, a gente usa mesmo meia dúzia - e essa meia dúzia é essencial. Gmail, Google, Dropbox, Mapas, Twitter, Facebook e alguma suíte de aplicativos no padrão MS, como a Documents to Go (ela existe no sistema). Na verdade, alguns apps são até melhores no Android, como o Kindle e, como escrevi antes, toda a família Google. Tenho centenas de aplicativos instalados tanto no Samsung Tab quanto no Xoom e, do outro lado, no iPad - e, de tudo que uso, a única coisa que realmente me faz falta no Xoom é o meu novo vício no iOS, o Instagram, uma comunidade de fotografia. Além disso, sabe-se que é só questão de tempo para que, efetivamente, os apps sejam universais. Prometo para a semana que vem uma lista dos aplicativos que acho fundamentais para a vida de qualquer tableteiro.
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Notícia "Parem as Máquinas": acaba de sair o novo nível de AngryBirds Rio! Não tive tempo de jogar ainda (chegou na madrugada de sexta-feira), mas dá para adiantar que é na praia e que as duas ararinhas aparecem logo de primeira.
Agora, com licença, que eu tenho um assunto urgente e cheio de penas me esperando...

RUTH DE AQUINO - O metrô e sua gente diferenciada


O metrô e sua gente diferenciada

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Época
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Não quero metrô perto de casa porque... bem, porque não preciso. Tenho carro e motorista. A minha família tem vários carros. Com o metrô ao lado, o bairro se degrada, se adensa. Somos mais abordados por pessoas flutuantes. Vem uma gente diferenciada de outros lugares. Vem drogado, mendigo, camelô. E com isso mais roubo, mais violência. Quem pensa e fala assim é uma minoria não esclarecida e barulhenta da zelite do Sudeste. Haja preconceito, egoísmo e ignorância.
O vocabulário e os argumentos são tão toscos e tortuosos que o movimento contra o metrô em áreas chiques de São Paulo e do Rio de Janeiro virou motivo de chacota na internet. Um churrascão com farofa, cachaça e som portátil foi convocado para este fim de semana em frente ao Shopping Higienópolis, bairro paulistano elegante de 55 mil moradores. É um protesto popular contra a cegueira de alguns.
O estopim foi o plano de mudar a estação prevista na esquina da Rua Sergipe com a Avenida Angélica, a principal do bairro. Em agosto do ano passado, a psicóloga Guiomar Ferreira, de 55 anos, há 25 em Higienópolis, comprava vinho quando resolveu abrir a boca: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada...”
O que poderia ser uma opinião isolada virou um abaixo-assinado de 3.500 moradores. Eles não precisam de metrô. Mas reclamam do trânsito caótico e precisam muito de pobres. Cozinheira, passadeira, faxineira, motorista e jardineiro chegam às casas dos patrões em transporte público. E penam em ônibus lotados, precários e caros.
Dona Guiomar não representa todos os ricos do bairro. Mas ela e seus colegas da Associação Defenda Higienópolis fizeram tanta pressão que, inicialmente, conseguiram mudar o metrô para o Pacaembu, onde ele atenderia menos passageiros. Não se sustenta a alegação oficial de “critérios técnicos” para a mudança. É tão óbvio que o poder público cedeu ao lobby de moradores influentes que já se estuda um terceiro lugar para a estação da discórdia. O mais grave de tudo é o governo colocar o interesse de uma minoria acima do bem coletivo.
Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem direito de exigir bons serviços públicos
Que tipo de cidade se deseja? Partida ou integrada? Com ou sem engarrafamentos monstruosos? Que tipo de transporte queremos? O elitista, obsoleto e poluidor “um carro para uma pessoa” ou um transporte digno de massas? “Massa” inclui o operário, a empregada, o professor, o estudante, a madame, o profissional liberal, o empresário. É assim no Primeiro Mundo. Turistas brasileiros elogiam as redes de metrô na Europa e nos Estados Unidos. Preferem hospedar-se perto de uma estação, por conforto. O que os torna tão cegos quando voltam ao patropi?
Não é só em São Paulo que alguns tentam se fechar em seu gueto, como se adiantasse. Acontece também no Rio, onde ricos convivem com favelas. Moradores do Quadrilátero do Charme em Ipanema, que reúne as maiores grifes da cidade, são contra a futura estação de metrô na Praça N. Sa. da Paz. Um abaixo-assinado diz que a primeira estação do bairro, na Praça General Osório, “trouxe um adensamento insuportável, e o morador perdeu o direito a sua praia no fim de semana”.
“Não podemos deixar que o nosso bairro vire um despejadouro de gente que vai usá-lo e deixar o bagaço”, continua o abaixo-assinado. “Não somos contra o metrô, mas Ipanema é um bairro pequeno, onde as pessoas fazem tudo a pé.” As pessoas quem, cara pálida? Essa última declaração não é só provinciana, é uma tolice mesmo. Então ninguém sai de Ipanema? Se alguém quer ir ao centro da cidade, faz o quê? Pega o carro importado com vidros pretos na garagem e enfrenta o trânsito, xinga o seu próximo, estaciona em fila dupla e deixa a chave com o flanelinha ilegal.
É natural que a população queira ordem, segurança e limpeza. Mas muitas vezes é a classe alta que promove as badernas. Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem a menor noção do que significa viver em comunidade nem tem o direito de exigir serviços públicos de qualidade. É uma gente diferenciada.

CLÁUDIO GONÇALVES COUTO - Territórios seriam menos danosos


Territórios seriam menos danosos 
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO
FOLHA DE SÃO PAUL0 - 14/05/11

A possível criação de três novos Estados na Federação, a partir da divisão do Pará, não é um assunto que interesse apenas aos (por enquanto) paraenses.
Trata-se de questão do máximo interesse de toda a população brasileira, pois a divisão de unidades federativas traz implicações não somente para as populações que nelas vivem, mas para o país como um todo. As razões são tanto de natureza política como econômica, pois, se tal divisão vier a ocorrer, todos os demais Estados serão prejudicados política e economicamente.
O prejuízo econômico adviria dos inevitáveis custos que a criação de novos Estados acarretaria.
Segundo cálculos feitos por Rogério Boueri, economista do Ipea, o custeio das duas novas unidades federativas custaria anualmente, já de saída, no mínimo R$ 2,2 bilhões para Tapajós e R$ 2,9 bilhões para Carajás. Como suas arrecadações não seriam suficientes para cobrir tal custo, a União teria de repassar-lhes R$ 2,16 bilhões, todos os anos.
Sem contar ainda os custos de investimento, já que diversas obras públicas de infraestrutura teriam de ser feitas, desde a construção dos edifícios governamentais até a base de transportes.
A esses custos "locais" devem-se acrescer os gastos dos novos Estados fora de seus territórios, com seus novos deputados e senadores, assim como seu respectivo espaço físico e funcionários.
Já o prejuízo político adviria do aumento do desequilíbrio de representação no Congresso Nacional. Hoje o Pará conta com 17 deputados federais e três senadores; com a divisão, passariam a 24 deputados e nove senadores.
A região Norte do país, hoje já bastante super-representada, ficaria ainda mais, e o valor relativo dos eleitores viventes em outras unidades federativas, mais populosas, tornar-se-ia ainda mais diminuto.
Haveria também o problema de definir como absorver os novos membros no Congresso, pois, embora o mais provável seja aumentar o número de cadeiras, alguns defendem a diminuição da representação de alguns Estados. Aí a situação se tornaria ainda pior quanto à equidade representativa.
Certamente, a população do Pará que vive nas regiões a serem divididas tem seus motivos para defender a divisão, assim com o têm (ainda mais) as elites políticas patrocinadoras da consulta.
Cidadãos dos virtuais Estados de Tapajós e de Carajás queixam-se que sua distância com relação à capital do Estado é causa da desatenção do poder público estadual a seus reclamos e necessidades.
Para muitos que vivem em Tapajós, por exemplo, as relações são mais estreitas com Manaus que com Belém -o que dá boa indicação do tamanho do problema.
A questão é saber se a criação de novos Estados é a única saída possível. Uma solução que tem sido diligentemente ignorada em casos como estes é a de dividir Estados existentes não para criar Estados novos, mas territórios federais -uma entidade territorial prevista constitucionalmente, mas que tem sido mera figura de ficção legal.
A Carta Magna prevê a criação de territórios como algo possível a partir do desmembramento de Estados. Os territórios seriam parte da União, mas poderiam futuramente ser reintegrados a seus Estados de origem, se as condições políticas se tornarem favoráveis a isso.
Essa saída, contudo, não tem interessado às elites políticas locais, pois diminui o tamanho de seu botim: em vez de oito novos deputados por novo ente, seriam apenas quatro; não haveria senadores; o governador seria indicado pelo governo federal e responsável perante ele. E, claro, os custos seriam muito menores, além de não se causar um desequilíbrio federativo como o provocado pela criação de Estados.
Se o resto do país se dispuser a aceitar a divisão, deveria exigir que fosse por territórios federais.
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO, cientista político, é professor do Departamento de Gestão Pública e da pós-graduação em administração pública e governo da EAESP-FGV (Fundação Getulio Vargas).

CESAR MAIA - Comissão da Verdade



Comissão da Verdade 
CESAR MAIA

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/11

O Informe da Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru cobre 20 anos, de 1980 a 2000. Em agosto de 2003, foi entregue ao presidente Alejandro Toledo. O relatório foi transformado no documentário "Para que Não se Repita", dividido em 12 blocos, com seis horas de duração.
O escopo do informe e o período que cobre foram amplos: "Esclarecer as violações contra os direitos humanos cometidas pelo Estado e por grupos terroristas entre maio de 1980 e novembro de 2000". Cada "comissão" criada na América Latina tem um escopo e um período de análise diferentes.
O relatório mostra a complexidade de uma comissão desse tipo. Foram 69 mil vítimas no período: 90% de mortos e 10% de desaparecidos.
O informe destaca o Sendero Luminoso/Partido Comunista Peruano, apresentando-o como um grupo terrorista. Também trata das causas históricas da violência no Peru, a discriminação de índios e negros e as diferenças sociais.
Após sublinhar as características democráticas dos ex-presidentes Fernando Belaúnde e Alan García, relata ações repressivas do Exército e da polícia tidas como terroristas.
Em Ayacucho, base do Sendero onde lecionava seu líder, Abimael Guzmán ou "presidente Gonzalo" (preso desde 1992), concentrou-se a violência, passando depois a Lima.
O governo de Alberto Fujimori, que liquidou o Sendero, tem seus méritos minimizados e, nesse caso, associa-se a ele a repressão e o terrorismo da polícia e do Exército.
Destaca-se ainda o papel das milícias locais (rondas), armadas pelo próprio Exército e atuando em cada região com independência. Mesmo informando casos de terror praticados pelos "ronderos", o relatório tenta realçá-los como autodefesas das comunidades, e que teriam tido papel básico.
Para concluir, o informe condena a passividade da Justiça e do Ministério Público, que deveriam ter tido papéis ativos, mas seriam responsáveis, por omissão, por crimes contra os direitos humanos.
O documento "esquece" o MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru), ostensivamente financiado pelo tráfico de drogas e responsável pelo sequestro múltiplo na Embaixada do Japão, desintegrado pela inteligência policial em operação cinematográfica e ao vivo, no período Fujimori.
De tudo o que mostra o relatório/documentário, o mais importante é o risco do trabalho de comissão similar passar a cumprir um papel político, ter uma abrangência sem limites e igualar ou encobrir excessos de forças heterogêneas.
Uma comissão de tal tipo pode terminar servindo para atirar em qualquer direção e, assim, incorporar riscos de excitar e deformar a memória.
Por isso, nunca poderá ser governamental nem ter cor ideológica. Deve ter foco específico e detalhado em um período.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

MERVAL PEREIRA - Uma visão verde


Uma visão verde 
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 14/05/11

O embate entre os ambientalistas e o relator do novo Código Florestal, deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, ganhou uma nova dinâmica a partir da admissão pública do deputado de que foi leviano ao acusar o marido da ex-senadora Marina Silva de ter feito contrabando de mogno da Floresta Amazônica.

Aldo fez a acusação em meio à disputa pela votação do Código, irritado ao saber das críticas de Marina ao seu projeto, e chegou a dizer que, como líder do governo na época, agira para evitar que ele fosse convocado para depor em uma CPI. Ontem, admitiu que pegara pesado e disse que só soube das acusações ao marido da ex-candidata à Presidência da República pelo Partido Verde “pelos jornais”.

Mas não desmentiu que evitara o depoimento na CPI.

De qualquer maneira, a partir dessa leviandade, é possível também supor que nem tudo o que o relator do novo Código Florestal diz corresponde à verdade.

O deputado federal Alfredo Sirkis, um dos líderes ambientalistas e fundador do PV, por exemplo, diz que o projeto de Aldo Rebelo tem mesmo muitas “pegadinhas” para favorecer os ruralistas e garante que, por trás do discurso da senadora Kátia Abreu e do relator Aldo Rebelo, supostamente em favor dos pequenos agricultores, existem outros interesses encobertos.

“A questão da agricultura familiar e da pequena propriedade que produz alimentos, e das culturas de arroz, maçã, etc... sobretudo no Sul, já está resolvida há semanas”, garante Sirkis, segundo quem já há consenso entre os ambientalistas de que esses pequenos agricultores devem ficar de fora daquelas exigências.

“O problema é que o Aldo tenta permitir aos grandes, acima de quatro módulos fiscais, se beneficiarem da isenção de recuperação das APPs (Áreas de Preservação Permanente) e Reservas Legais ardilosamente, via desmembramentos ou permitindo aplicar essa isenção até quatro módulos fiscais a propriedades maiores”.

Na última versão do projeto, segundo Sirkis, desapareceu a referência à data a partir da qual não seriam permitidos desmembramentos de terras que pudessem servir a essa finalidade.

“Parecida com essa, havia pelo menos 12 de ‘pegadinhas’ e casuísmos no texto”, acusa.

Naquela última versão do relatório, uma das pegadinhas mais graves, segundo ele, é a que torna praticamente inócua “a principal arma que tem permitido, nos últimos anos, fazer cair dramaticamente o desmatamento na Amazônia, a suspensão do acesso ao crédito dos bancos oficiais aos proprietários que sofreram embargo por desmatamento ilegal”.

A medida, segundo ele, vem funcionando muito melhor do que multas do Ibama, “que eles empurram com a barriga e não pagam”.

No texto, Aldo criou chicanas que tornam o dispositivo virtualmente inaplicável, acusa o deputado Alfredo Sirkis, que acha que, de fato, seria perfeitamente possível um Código Florestal equilibrado integrando bem agricultura, produção de alimentos com a defesa e recomposição de matas ciliares e de encostas, tão fundamentais para prevenir tragédias como as do Rio, recentemente, e de Santa Catarina, já duas vezes.

“O grande obstáculo tornou- se a total parcialidade do relator Aldo Rebelo, que abandonou qualquer veleidade de isenção para adotar postura facciosa na elaboração dos seus relatórios e, sobretudo, no discurso sectário de desqualificação dos ambientalistas, que absurdamente coloca a serviço da agricultura francesa e norte-americana, ressuscitando um discurso antigo da extrema direita militar, nos anos 80.”

Aldo virou a La Pasionaria dos ruralistas, ironiza Sirkis, referindo-se à líder comunista espanhola símbolo da resistência às tropas de Franco na Guerra Civil.

Alfredo Sirkis diz que o objetivo dos ambientalistas é uma espécie de “superávit florestal”: garantir que daqui para a frente se refloreste significativamente mais do que se perdeu em desmatamento nos anos recentes.

No plano micro, a recomposição das matas ciliares, faixas de proteção dos rios e das encostas em zonas de risco, para impedir novas tragédias como as de Friburgo ou Teresópolis.

“Gostaríamos de construir uma nova lei florestal clara, simples, sem “pegadinhas”, que dê segurança jurídica a todos.” Um dos pontos importantes, diz Sirkis, é a criação de mecanismos econômicos para estimular a recuperação ambiental, com a possibilidade de produtores rurais pagarem parte de sua dívida com bancos oficiais em reflorestamento, e o governo brasileiro recuperar isso atraindo créditos de carbono.

“Com a dificuldade que os EUA e a China terão nas próximas décadas para reduzir suas emissões provenientes de suas termoelétricas a carvão (respectivamente 50% e 80% da sua geração), sua única saída será compensálas”, diz Sirkis, para quem o Brasil está particularmente bem posicionado para receber elevados recursos para reflorestar e manter de pé suas florestas.

“Reflorestar e manter florestas precisa ter valor econômico, virar um bom negócio, e o Código Florestal precisaria tratar disso também”.

Ao contrário, segundo Sirkis, “o que os ruralistas querem é fazer valer o princípio da consolidação de desmatamentos passados, prometendo preservação no futuro”.

Mas isso fica ameaçado pelas várias modalidades de anistia aberta ou tácita que buscam via projeto do Aldo Rebelo, diz ele, para quem “a impunidade do ‘pra trás’ promete desmatamentos para a frente”.

Os ambientalistas, convencidos de que no Brasil desmata-se ilegalmente e não há como fiscalizar, controlar ou reprimir tudo, dizem que, “se sinalizamos que um devastador sempre poderá, no futuro, se livrar de punições e obrigações de recuperação, estamos fritos”, na definição de Sirkis.