Brigas e barreiras
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 14/04/11
O governo nada fará na política de defesa comercial que fira as regras da Organização Mundial do Comércio, segundo garantiu ontem o ministro Fernando Pimentel. Ele negou inclusive que a medida fosse contra a Argentina: "Queremos apenas analisar o salto nas importações de carros", me disse. O governo deve abrir uma investigação de triangulação no caso dos calçados.Pimentel disse que as medidas tomadas na área automobilística -suspensão da licença automática - não são protecionismo, nem estratégia de retaliação à Argentina, como fo-ram entendidas, mas apenas cautela para entender o que está havendo:
- Em 2010, o saldo comercial do setor ficou negativo em US$ 780 milhões. De janeiro a abril, pulou para US$ 1,9 bilhão.
Ele acha que é preciso monitorar esse aumento forte das importações, e lembra que isso é permitido pela OMC, desde que a concessão da licença de importação não demore mais que 60 dias.
-Não ultrapassaremos esse prazo de maneira alguma:
Na Argentina, a retenção de produtos brasileiros já chega em alguns casos a 300 dias e tem todos os sinais de protecionismo mesmo. Pimentel disse que vai abrir uma investigação para analisar os indícios de que a China está aproveitando brechas do Mercosul para trazer calçados, entrar em um dos países do bloco, e de lá mandar para o Brasil.
O ministro quer ter uma política comercial mais ativa, de defesa comercial como ele diz, mas que não fira qualquer regra internacional de comércio que caracterize protecionismo.
Defesa comercial todos os países fazem e é previsto dentroda OMC. O difícil é separar medidas de proteção contra o comércio desleal do atendimento aos lobbies para a defesa de interesses setoriais, o chamado protecionismo.
A Argentina hoje é destino de 9,2% das exportações brasileiras; tanto quanto os Estados Unidos, que recebe 9,6% do que exportamos; mais do que o dobro do que o Brasil vende para a Alemanha, que fica com apenas 4%. Portanto, é preciso saber como lidar com o vizinho complicado, com o qual temos densas relações comerciais.
O Brasil está numa situação complexa no comércio internacional. Ainda tem superávit, graças principalmente a onda de alta das commodities e às exportações do agronegócio. A indústria é fortemente deficitária. O câmbio joga contra porque o real está muito valorizado e isso não vai mudar tão cedo. Alguns setores reclamam com razão das práticas desleais de c-mércio de outros países; outros reclamam por oportunismo. Se não souber separar os dois, o Brasil pode entrar no caminho equivocado de proteger setores.
Problema mais complexo é a triangulação que a China faz para aproveitar vantagens concedidas a países do Mercosul. Quando a China enfrenta uma barreira antidum-ping, ela passeia com a mercadoria por outros países para contornar a medida. Além disso, ela representa uma complicação por ter o câmbio artificialmente desvalorizado, o que lhe dá uma vantagem indevida na competição pelos mercados. Esta semana o governo brasileiro conseguiu uma vitória que é simbólica, já que não tem consequência imediata, mas importante porque firma um princípio. Conseguiu que a Organização Mundial do Comércio inclua o câmbio como parte das suas análises. A OMC é a sucessora do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) firmado no mundo de câmbio fixo do pós-guerra. Hoje a armamais poderosa - e mais desleal - na competição entre os países é manter a moeda desvalorizada. Os EUA fazem isso com o excesso da emissão monetária, a China faz isso controlando o preço da moeda. Isso distorce todo o comércio internacional.
Outro evento na área comercial foi o anúncio da União Europeia de que pode retirar o país do Sistema Geral de Preferências. O Itamaraty protestou. O SGP é velho de décadas e é uma concessão feita a países pobres para que eles tenham acesso aos mercados dos países ricos. Melhor seria brigar por comércio mais livre. Sem as barreiras não tarifárias, cotas, subsídios internos a determinados produtos, o Brasil poderia exportar muito mais para a União Europeia.
O embaixador e conselheiro da Fiesp Rubens Barbosa explicou que o SGP não é negociado de governo a governo, portanto é inútil o Itamaraty protestar.É uma liberalidade voluntária, unilateral, concedida a empresas pela Europa, Japão e EUA:
- Não sabemos o que queremos: somos a 7a- economia mundial, mas queremos continuar recebendo vantagem de país pobre. O problema não é perder o benefício, é o governo não fazer esforço para reduzir o custo Brasil.
Há várias frentes de briga no comércio internacional. A menos aconselhável é a de tomar decisões para proteger setores. A semana termina com uma questão: o que não está resolvido é a enorme contradição de o principal parceiro no único bloco a que pertencemos, que tem tantas vantagens no mercado brasileiro, impor barreiras contra 600 produtos, criar regras que mantêm parados nos portos vários produtos ex-portados pelo Brasil. O Mercosul precisa de uma boa revisão para o balanço de vantagens e desvantagens da sua própria existência e uma estratégia para o futuro.
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