FOLHA DE SP - 01/10
Continuamos bestas de carga iguais às que era possível contemplar em plena Revolução Industrial
1. Ironia: a única coisa que tolero em Karl Marx é, bem vistas as coisas, o genro. O nome do cavalheiro é Paul Lafargue e o seu "Direito à Preguiça" é texto que guardo junto à cama. Para ler e reler quando a ociosidade me ataca. Que nos diz Lafargue?
O óbvio: haverá coisa mais triste do que uma existência inteiramente dedicada ao trabalho? Sobretudo a um trabalho que nos escraviza e desumaniza?
Por isso Lafargue defende: mais importante do que os "direitos do homem" são os "direitos à preguiça". Que um dia, escreve ele, serão respeitados por uma civilização tecnologicamente avançada. Trabalharemos três horas, não mais. As máquinas farão o resto por nós.
Sorrio sempre quando leio esse pedaço de otimismo. Lafargue escrevia no século 19. O que diria ele se visitasse a Europa do século 21?
Em Portugal, por exemplo, a crise econômica levou a mudanças na jornada de trabalho. O país vai trabalhar agora, em média, 40 horas semanais. Uma hora a menos que na Alemanha, que lidera o ranking com 41.
Os lusos não serão caso único. Espanha, que trabalha em média 37 horas, prepara-se também para imitar o exemplo germânico. Como? Abolindo almoços longos. Abolindo a "siesta" depois do almoço. Abolindo jantares tardios. Abolindo a possibilidade dos nativos se deitarem tarde e de acordarem tarde. Em suma, abolindo Espanha.
Uma comissão parlamentar prepara-se para estudar todos esses "abusos" --os "abusos" que eu mais invejava em "nuestros hermanos"-- de forma a produzir uma legislação laboral que transforme os espanhóis em alemães.
Meu Deus: haverá maior crime do que transformar um povo, qualquer povo, à imagem e semelhança da Alemanha?
Amigos liberais, que olham com ternura para as minhas idiossincrasias conservadoras, dizem-me que não há alternativa: a Europa tem que trabalhar mais para produzir mais e ser mais competitiva a nível global.
Curiosamente, eu não contesto a lógica do raciocínio. Apenas o que esse raciocínio diz sobre a nossa patética civilização.
Sim, o progresso tecnológico cumpriu-se. Não se cumpriu a libertação humana que Lafargue imaginava. Com diferentes trajes e cenários, continuamos as bestas de carga iguais às que era possível contemplar em plena Revolução Industrial.
2. Gosto de viver em cidades porque gosto de caminhar em cidades. Também aqui sou o anti-Rousseau por excelência. No seu "Devaneios do Caminhante Solitário", o filósofo confessa que existem poucos prazeres comparáveis a uma caminhada pelo campo. Subscrevo tudo, exceto o campo.
Cidades. Carros que passam. Esse é o meu filme. E, por falar em filmes, haverá caminhada mais bela do que no filme"Paris", de Cédric Klapisch, que talvez explique as minhas paixões pela vadiagem urbana?
O filme tem duas histórias paralelas. A primeira é a de um professor (o sempre magistral Fabrice Luchini) que se apaixona por uma aluna e, sem surpresas, é abandonado por ela. Um solitário angustiado que gosta de caminhar pelas ruas de Paris sem nunca se aperceber desse fato redentor: o fato de estar vivo e de poder caminhar por Paris.
Pierre é o segundo personagem da segunda história. Doente, gravemente doente, ele regressa para a casa da irmã (Julliete Binoche, "mon amour") por não ter onde ficar até a hora de um transplante salvador.
A irmã acolhe-o. E, no final, quando a hora chega, eles despedem-se por imposição de Pierre e o táxi parte pelas ruas de Paris. A caminho do hospital.
É esse o momento em que o professor e Pierre se encontram. O primeiro, caminhante meditativo, perdido como sempre nas suas tristezas mundanas. E o segundo, que olha para ele através do vidro do carro, invejando o destino daquele pobre diabo. Invejando o luxo que é caminhar por Paris --sem hora, sem rumo. Sem cirurgia marcada.
Não sei quantas vezes penso nessa sequência quando caminho por Lisboa com o peso dos meus pequenos dramas. Mas também reparo que há carros que passam por mim. E rostos que olham para mim. Não sei o que dizem. Não sei em que pensam.
Mas suspeito que talvez um dia alguém passará por aquele pobre diabo, invejando a sorte que ele tem por simplesmente caminhar pela cidade.
terça-feira, outubro 01, 2013
Corrida para a catástrofe - GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo - 01/10
PARIS - "Nossa casa está queimando, e nós simplesmente olhamos para o outro lado", alertou, preocupado, o então presidente francês, Jacques Chirac, em 2002. E qual é a situação hoje, dez anos mais tarde? A casa continua queimando. A estrutura pega fogo, e o que é que nós fazemos? Olhamos para o outro lado.
O planeta vive (e morre) ao ritmo de furores atmosféricos, tsunamis, furacões, inundações, secas e tempestades. Somente no continente americano, 30 mil pessoas já morreram por causa dessa desordem da natureza e US$ 1 trilhão simplesmente viraram fumaça. Em 30 anos, na América, as catástrofes climáticas se multiplicaram por cinco.
O relatório que acaba de ser apresentado em Estocolmo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acrescenta a essas informações jornalísticas as certezas da ciência. A leitura dessas 20 páginas (que é o resumo de um texto gigantesco) dá vontade de dormir um pouco, enquanto esperamos o fim do mundo. Em vez de reduzir o seu ritmo, a corrida para a catástrofe acelerou.
Na reunião de cúpula anterior, os políticos acusaram o IPCC de dizer besteiras. Na realidade, o que ocorre é exatamente o contrário: em 2007, o IPCC, alarmado com o que descobria, amenizou suas conclusões. Ele dissera que o azul do céu poderia tornar-se cinza, mas, na verdade, o céu já estava negro.
Até o fim do século, as temperaturas aumentarão entre 0,3ºC e 4,8ºC. Então, as geleiras do Polo terão desaparecido. A neve se tornará mais rara. O nível do mar poderá subir 82 centímetros até 2100 (grande parte das maiores cidades do mundo foi construída no nível do mar). Acontecimentos extremos se tornarão correntes. Nas zonas úmidas choverá mais. Nas zonas secas, menos.
Limitemo-nos a observar que quem deu os primeiros alarmes, no século passado, diante da insensatez das civilizações, foram os pacifistas engajados na luta contra o perigo nuclear, paralelamente ao combate que os Verdes travavam em favor da ecologia.
Hoje, é como se tivéssemos voltado ao ponto de partida. Segundo o relatório do IPCC, na verdade, foi a ação do homem, seu gênio, sua ciência, sua indústria, que acabaram criando uma situação comparável a uma guerra nuclear em escala planetária.
Como explicar que, diante do incêndio, as sociedades se obstinem a desviar seu olhar? E, no entanto, o perigo é enorme, incomensurável. É verdade que, de longe em longe, soa um gongo: um tsunami, uma canícula, como um veneno sutil, invade aos poucos um organismo antes de infligir-lhe o golpe de misericórdia.
E há outra razão. A política não caminha ao lado da ecologia. Os países industrializados não estão minimamente dispostos a acalmar a fúria de suas fábricas. Os jovens e poderosos países emergentes hesitam em quebrar suas indústrias nascentes e deixam que os países mais antigos prossigam sua obra de poluição.
Talvez seja preciso acrescentar que as civilizações não pensam em seu futuro. Luís XV, quando seu reino caminhava para o colapso, teria dito: "Depois de mim, o dilúvio". Alguns anos depois de sua morte, em 1789, eclodiu a Revolução Francesa (como algumas frases históricas, é possível que essa tenha sido inventada pelos inimigos de Luís XV).
Acaso as mentalidades mudaram? Na próxima reunião de cúpula do clima (que se realizará na França, em 2015), saberemos se esses países estão preparados para enfrentar o mal. Talvez. Nos Estados Unidos, e mesmo na China, as autoridades dão o sinal de alarme. E as jovens gerações parecem mais preocupadas com o mundo que deixarão a seus filhos do que os industriais do século passado.
Os ecologistas contribuíram para despertar as consciências. Entretanto, ao mesmo tempo, eles não souberam inscrever sua ação no jogo político. Talvez eu esteja sendo influenciado pelo comportamento deplorável dos "ecologistas franceses", que perderam a alma e frequentemente a consciência, em troca de alguns miseráveis cargos ministeriais.
Enquanto isso, o CO2 continua perpetrando seus crimes. Um deles é inédito: o aumento da temperatura dos rios e dos braços de mar, cuja água é utilizada para resfriar as centrais nucleares construídas em suas proximidades, preocupa os governantes. Em maio, nos EUA, a Central de Millstone teve de desligar seus dois reatores porque as águas haviam atingido a temperatura de 26,6ºC. Na França, em várias ocasiões, no ano passado, alguns reatores tiveram de parar momentaneamente porque a água de resfriamento estava demasiado quente. É bizarra a ironia das coisas: o clima parece montar a guarda em torno das centrais nucleares para evitar incidentes./TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
PARIS - "Nossa casa está queimando, e nós simplesmente olhamos para o outro lado", alertou, preocupado, o então presidente francês, Jacques Chirac, em 2002. E qual é a situação hoje, dez anos mais tarde? A casa continua queimando. A estrutura pega fogo, e o que é que nós fazemos? Olhamos para o outro lado.
O planeta vive (e morre) ao ritmo de furores atmosféricos, tsunamis, furacões, inundações, secas e tempestades. Somente no continente americano, 30 mil pessoas já morreram por causa dessa desordem da natureza e US$ 1 trilhão simplesmente viraram fumaça. Em 30 anos, na América, as catástrofes climáticas se multiplicaram por cinco.
O relatório que acaba de ser apresentado em Estocolmo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acrescenta a essas informações jornalísticas as certezas da ciência. A leitura dessas 20 páginas (que é o resumo de um texto gigantesco) dá vontade de dormir um pouco, enquanto esperamos o fim do mundo. Em vez de reduzir o seu ritmo, a corrida para a catástrofe acelerou.
Na reunião de cúpula anterior, os políticos acusaram o IPCC de dizer besteiras. Na realidade, o que ocorre é exatamente o contrário: em 2007, o IPCC, alarmado com o que descobria, amenizou suas conclusões. Ele dissera que o azul do céu poderia tornar-se cinza, mas, na verdade, o céu já estava negro.
Até o fim do século, as temperaturas aumentarão entre 0,3ºC e 4,8ºC. Então, as geleiras do Polo terão desaparecido. A neve se tornará mais rara. O nível do mar poderá subir 82 centímetros até 2100 (grande parte das maiores cidades do mundo foi construída no nível do mar). Acontecimentos extremos se tornarão correntes. Nas zonas úmidas choverá mais. Nas zonas secas, menos.
Limitemo-nos a observar que quem deu os primeiros alarmes, no século passado, diante da insensatez das civilizações, foram os pacifistas engajados na luta contra o perigo nuclear, paralelamente ao combate que os Verdes travavam em favor da ecologia.
Hoje, é como se tivéssemos voltado ao ponto de partida. Segundo o relatório do IPCC, na verdade, foi a ação do homem, seu gênio, sua ciência, sua indústria, que acabaram criando uma situação comparável a uma guerra nuclear em escala planetária.
Como explicar que, diante do incêndio, as sociedades se obstinem a desviar seu olhar? E, no entanto, o perigo é enorme, incomensurável. É verdade que, de longe em longe, soa um gongo: um tsunami, uma canícula, como um veneno sutil, invade aos poucos um organismo antes de infligir-lhe o golpe de misericórdia.
E há outra razão. A política não caminha ao lado da ecologia. Os países industrializados não estão minimamente dispostos a acalmar a fúria de suas fábricas. Os jovens e poderosos países emergentes hesitam em quebrar suas indústrias nascentes e deixam que os países mais antigos prossigam sua obra de poluição.
Talvez seja preciso acrescentar que as civilizações não pensam em seu futuro. Luís XV, quando seu reino caminhava para o colapso, teria dito: "Depois de mim, o dilúvio". Alguns anos depois de sua morte, em 1789, eclodiu a Revolução Francesa (como algumas frases históricas, é possível que essa tenha sido inventada pelos inimigos de Luís XV).
Acaso as mentalidades mudaram? Na próxima reunião de cúpula do clima (que se realizará na França, em 2015), saberemos se esses países estão preparados para enfrentar o mal. Talvez. Nos Estados Unidos, e mesmo na China, as autoridades dão o sinal de alarme. E as jovens gerações parecem mais preocupadas com o mundo que deixarão a seus filhos do que os industriais do século passado.
Os ecologistas contribuíram para despertar as consciências. Entretanto, ao mesmo tempo, eles não souberam inscrever sua ação no jogo político. Talvez eu esteja sendo influenciado pelo comportamento deplorável dos "ecologistas franceses", que perderam a alma e frequentemente a consciência, em troca de alguns miseráveis cargos ministeriais.
Enquanto isso, o CO2 continua perpetrando seus crimes. Um deles é inédito: o aumento da temperatura dos rios e dos braços de mar, cuja água é utilizada para resfriar as centrais nucleares construídas em suas proximidades, preocupa os governantes. Em maio, nos EUA, a Central de Millstone teve de desligar seus dois reatores porque as águas haviam atingido a temperatura de 26,6ºC. Na França, em várias ocasiões, no ano passado, alguns reatores tiveram de parar momentaneamente porque a água de resfriamento estava demasiado quente. É bizarra a ironia das coisas: o clima parece montar a guarda em torno das centrais nucleares para evitar incidentes./TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Geografia do desgaste - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 01/10
A Prefeitura de São Paulo vai levar em conta o critério geográfico ao anunciar o reajuste da planta genérica de valores do IPTU, numa tentativa de reduzir o impacto negativo da medida sobre a avaliação de Fernando Haddad (PT). Bairros da periferia terão percentual de correção menor que os da região central. A composição desses índices dará a média de 24% de aumento. O discurso de auxiliares do prefeito para responder à esperada reação será o de que houve "justiça tributária".
Fora de área
Em busca de uma resposta sobre a possível filiação de José Serra ao PPS, Roberto Freire tenta conversar com o ex-governador paulista por telefone desde sexta-feira, sem sucesso.
Angry birds
Moradores de Curitiba protestaram contra evento com Aécio Neves e Beto Richa no fim de semana. Segundo notícias veiculadas em sites locais, duas saraivadas de rojões para saudar os tucanos teriam matado aves que vivem num bosque conhecido por ser um ninhal.
Fazendo arte
A Rede vai realizar uma intervenção artística na Praça dos Três Poderes, às 17h, para exibir depoimentos de apoiadores do partido em um telão. A ideia é demonstrar, mais uma vez, o "caráter nacional" da legenda, uma exigência do TSE.
Também quero
Deputados foram avisados de que, caso o TSE conceda registro à sigla de Marina Silva, mais dois partidos vão pedir a extensão da decisão da corte.
Pedala
Em um dos comerciais de TV que vão ao ar nesta semana e na próxima, Eduardo Campos diz que "o Brasil quer mudar", mas sem perder o que já foi conquistado. "É como se a gente estivesse andando numa bicicleta: se parar, cai", afirma.
Sintonia
Como Aécio, Campos aposta no empreendedorismo. Diz que as pessoas não querem "migalhas nem favores", mas um "desenvolvimento que inclua".
Metendo...
O ex-presidente Lula articulou nos bastidores a filiação de Josué Gomes da Silva ao PMDB de Minas a tempo de disputar as eleições de 2014. O petista discutiu o movimento com o vice-presidente, Michel Temer.
... a colher
A ideia da entrada do filho de José Alencar na legenda é reforçar o palanque do petista Fernando Pimentel ao governo estadual e, desta forma, desestabilizar a campanha presidencial de Aécio, que tem sua base política no Estado e não definiu o candidato à sucessão de Antonio Anastasia.
Fico
Petistas dizem que a ameaça de Luizianne Lins de sair do partido não passou de "firula" para ganhar espaço na sigla. A ex-prefeita de Fortaleza decidiu ficar, mas deixou a reunião com o presidente do PT, Rui Falcão, sem a promessa de disputar um cargo majoritário no Ceará.
Lá e cá
Alvo de petistas que pretendem explorar os preços dos pedágios das rodovias na eleição do ano que vem, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) sustenta que o discurso do PT "afugenta empresários" e que o fracasso de leilões de estradas federais pesará contra o partido na campanha de 2014.
Dependência
O subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Ivo Corrêa, foi reprovado no mestrado em Direito do Estado da USP (Universidade de São Paulo). O auxiliar de Gleisi Hoffmann não obteve nota mínima exigida na prova discursiva para ingressar no curso em 2014.
Visita à Folha
Aécio Neves, senador por Minas Gerais e presidente nacional do PSDB, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Heloísa Neves, assessora de imprensa.
TIROTEIO
"A área do governo Dilma com pior avaliação nas últimas pesquisas é a saúde. Em vez de trabalhar, Padilha só faz campanha eleitoral."
DO VEREADOR FLORIANO PESARO, líder do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo, sobre a gestão de Alexandre Padilha no Ministério da Saúde.
CONTRAPONTO
Teste vocacional
Durante um debate sobre a regulamentação da profissão de prostituta, em sessão da CPI do Tráfico de Pessoas, na Câmara, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) argumentou que considerava absurda a afirmação de que a medida poderia incentivar a prostituição.
--Regulamentar a prostituição vai aumentar o número de prostitutas? Essa é a afirmação mais estúpida que eu já ouvi na minha vida --disse o parlamentar.
Maria de Lourdes Barreto, presidente do Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará, emendou:
--Até porque isso é talento...
A Prefeitura de São Paulo vai levar em conta o critério geográfico ao anunciar o reajuste da planta genérica de valores do IPTU, numa tentativa de reduzir o impacto negativo da medida sobre a avaliação de Fernando Haddad (PT). Bairros da periferia terão percentual de correção menor que os da região central. A composição desses índices dará a média de 24% de aumento. O discurso de auxiliares do prefeito para responder à esperada reação será o de que houve "justiça tributária".
Fora de área
Em busca de uma resposta sobre a possível filiação de José Serra ao PPS, Roberto Freire tenta conversar com o ex-governador paulista por telefone desde sexta-feira, sem sucesso.
Angry birds
Moradores de Curitiba protestaram contra evento com Aécio Neves e Beto Richa no fim de semana. Segundo notícias veiculadas em sites locais, duas saraivadas de rojões para saudar os tucanos teriam matado aves que vivem num bosque conhecido por ser um ninhal.
Fazendo arte
A Rede vai realizar uma intervenção artística na Praça dos Três Poderes, às 17h, para exibir depoimentos de apoiadores do partido em um telão. A ideia é demonstrar, mais uma vez, o "caráter nacional" da legenda, uma exigência do TSE.
Também quero
Deputados foram avisados de que, caso o TSE conceda registro à sigla de Marina Silva, mais dois partidos vão pedir a extensão da decisão da corte.
Pedala
Em um dos comerciais de TV que vão ao ar nesta semana e na próxima, Eduardo Campos diz que "o Brasil quer mudar", mas sem perder o que já foi conquistado. "É como se a gente estivesse andando numa bicicleta: se parar, cai", afirma.
Sintonia
Como Aécio, Campos aposta no empreendedorismo. Diz que as pessoas não querem "migalhas nem favores", mas um "desenvolvimento que inclua".
Metendo...
O ex-presidente Lula articulou nos bastidores a filiação de Josué Gomes da Silva ao PMDB de Minas a tempo de disputar as eleições de 2014. O petista discutiu o movimento com o vice-presidente, Michel Temer.
... a colher
A ideia da entrada do filho de José Alencar na legenda é reforçar o palanque do petista Fernando Pimentel ao governo estadual e, desta forma, desestabilizar a campanha presidencial de Aécio, que tem sua base política no Estado e não definiu o candidato à sucessão de Antonio Anastasia.
Fico
Petistas dizem que a ameaça de Luizianne Lins de sair do partido não passou de "firula" para ganhar espaço na sigla. A ex-prefeita de Fortaleza decidiu ficar, mas deixou a reunião com o presidente do PT, Rui Falcão, sem a promessa de disputar um cargo majoritário no Ceará.
Lá e cá
Alvo de petistas que pretendem explorar os preços dos pedágios das rodovias na eleição do ano que vem, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) sustenta que o discurso do PT "afugenta empresários" e que o fracasso de leilões de estradas federais pesará contra o partido na campanha de 2014.
Dependência
O subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Ivo Corrêa, foi reprovado no mestrado em Direito do Estado da USP (Universidade de São Paulo). O auxiliar de Gleisi Hoffmann não obteve nota mínima exigida na prova discursiva para ingressar no curso em 2014.
Visita à Folha
Aécio Neves, senador por Minas Gerais e presidente nacional do PSDB, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Heloísa Neves, assessora de imprensa.
TIROTEIO
"A área do governo Dilma com pior avaliação nas últimas pesquisas é a saúde. Em vez de trabalhar, Padilha só faz campanha eleitoral."
DO VEREADOR FLORIANO PESARO, líder do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo, sobre a gestão de Alexandre Padilha no Ministério da Saúde.
CONTRAPONTO
Teste vocacional
Durante um debate sobre a regulamentação da profissão de prostituta, em sessão da CPI do Tráfico de Pessoas, na Câmara, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) argumentou que considerava absurda a afirmação de que a medida poderia incentivar a prostituição.
--Regulamentar a prostituição vai aumentar o número de prostitutas? Essa é a afirmação mais estúpida que eu já ouvi na minha vida --disse o parlamentar.
Maria de Lourdes Barreto, presidente do Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará, emendou:
--Até porque isso é talento...
Paraguai na cabeça - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 01/10
O presidente paraguaio Horacio Cartes garantiu ontem à presidente Dilma que seu país volta ao Mercosul até o fim do ano. Para desfazer o mal-estar, desde seu afastamento, Dilma ofereceu ao país vizinho a presidência rotativa, hoje exercida pela Venezuela. Essa, deveria ser ocupada pela Argentina, cuja presidente Cristina Kirchner teria aceito a mudança da ordem em nome da concórdia.
Uma semana tensa
Os estrategistas da presidente Dilma e do presidente do PSDB, Aécio Neves, vivem momentos de ansiedade. A disputa pelo Planalto vive dias de ebulição. Para os tucanos, é fundamental que o TSE dê um jeito pela criação da Rede, de Marina Silva. A presença desta na disputa é considerada fundamental para levar a eleição para o segundo turno. Para os petistas, o melhor dos mundos será aquele em que Marina decida não concorrer sem a sua Rede. Há ainda um estresse adicional. O ex-governador José Serra define esta semana se vai para a disputa interna no PSDB ou se anuncia sua filiação ao PPS com o objetivo de concorrer à Presidência da República.
"Se o TSE considerar a burocracia não vai dar para criar a Rede. Mas se os juizes levarem em conta a sociedade vai dar"
Alfredo Sirkls
Deputado federal (PV-RJ) e um dos defensores da criação da Rede
Fazendo a corte
O empresário Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice José Alencar, encontra-se hoje com o vice Michel Temer. Josué foi convidado para se filiar ao PMDB. O partido o quer concorrendo ao Senado ou a vice de Fernando Pimentel (PT).
Quem dá mais?!
Os socialistas do Ceará se desfiliaram ontem do partido e hoje devem anunciar o ingresso no PROS. Antes de deixar o partido, o governador Cid Gomes determinou ao tesoureiro do PSB local que transferisse o dinheiro em caixa para a conta do PSB nacional. O partido do governador, e candidato a presidente, Eduardo Campos recebeu R$ 250 mil.
A teia da Rede
O seu partido, a Rede, ainda não foi aprovado no TSE, mas Marina Silva continua surpreendendo. Pesquisa Ibope, divulgada ontem, revela que ela está disputando o segundo lugar no Rio Grande do Sul contra o candidato do PSDB, Aécio Neves.
Retrato da largada
O Instituto Vox Populi fechou no domingo uma pesquisa em Alagoas. Ela foi contratada pelo PMDB. Nela, Aécio Neves (PSDB), com 7,6%, e Eduardo Campos (PSB), com 6,9%, disputam o terceiro lugar. A candidata da Rede, Marina Silva, tem 13,6%, e a presidente Dilma tem 57,2%. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), lidera folgado a corrida para o governo.
Lá laia laia
Futuro partido do governador Cid Gomes, o PROS tem até hino. Ele está num vídeo no Youtube.
Seus versos dizem: "Sonhar não é demais. Somos todos brasileiros e não desistimos de lutar. Eu sou do PROS, não posso ser do contra"
Correndo atrás do prejuízo
O ministro Gastão Vieira (Turismo) está criando uma força-tarefa para analisar 2.800 processos de prestação de contas que estão na gaveta da pasta. Sua criação foi decidida após análise-piloto de 159 processos cujas contas foram reprovadas.
O ex-presidente da OAB, Cézar Britto, recrutou dois advogados cubanos. Eles vêm defender a lei trabalhista de Cuba no contexto do Mais Médicos.
Uma semana tensa
Os estrategistas da presidente Dilma e do presidente do PSDB, Aécio Neves, vivem momentos de ansiedade. A disputa pelo Planalto vive dias de ebulição. Para os tucanos, é fundamental que o TSE dê um jeito pela criação da Rede, de Marina Silva. A presença desta na disputa é considerada fundamental para levar a eleição para o segundo turno. Para os petistas, o melhor dos mundos será aquele em que Marina decida não concorrer sem a sua Rede. Há ainda um estresse adicional. O ex-governador José Serra define esta semana se vai para a disputa interna no PSDB ou se anuncia sua filiação ao PPS com o objetivo de concorrer à Presidência da República.
"Se o TSE considerar a burocracia não vai dar para criar a Rede. Mas se os juizes levarem em conta a sociedade vai dar"
Alfredo Sirkls
Deputado federal (PV-RJ) e um dos defensores da criação da Rede
Fazendo a corte
O empresário Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice José Alencar, encontra-se hoje com o vice Michel Temer. Josué foi convidado para se filiar ao PMDB. O partido o quer concorrendo ao Senado ou a vice de Fernando Pimentel (PT).
Quem dá mais?!
Os socialistas do Ceará se desfiliaram ontem do partido e hoje devem anunciar o ingresso no PROS. Antes de deixar o partido, o governador Cid Gomes determinou ao tesoureiro do PSB local que transferisse o dinheiro em caixa para a conta do PSB nacional. O partido do governador, e candidato a presidente, Eduardo Campos recebeu R$ 250 mil.
A teia da Rede
O seu partido, a Rede, ainda não foi aprovado no TSE, mas Marina Silva continua surpreendendo. Pesquisa Ibope, divulgada ontem, revela que ela está disputando o segundo lugar no Rio Grande do Sul contra o candidato do PSDB, Aécio Neves.
Retrato da largada
O Instituto Vox Populi fechou no domingo uma pesquisa em Alagoas. Ela foi contratada pelo PMDB. Nela, Aécio Neves (PSDB), com 7,6%, e Eduardo Campos (PSB), com 6,9%, disputam o terceiro lugar. A candidata da Rede, Marina Silva, tem 13,6%, e a presidente Dilma tem 57,2%. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), lidera folgado a corrida para o governo.
Lá laia laia
Futuro partido do governador Cid Gomes, o PROS tem até hino. Ele está num vídeo no Youtube.
Seus versos dizem: "Sonhar não é demais. Somos todos brasileiros e não desistimos de lutar. Eu sou do PROS, não posso ser do contra"
Correndo atrás do prejuízo
O ministro Gastão Vieira (Turismo) está criando uma força-tarefa para analisar 2.800 processos de prestação de contas que estão na gaveta da pasta. Sua criação foi decidida após análise-piloto de 159 processos cujas contas foram reprovadas.
O ex-presidente da OAB, Cézar Britto, recrutou dois advogados cubanos. Eles vêm defender a lei trabalhista de Cuba no contexto do Mais Médicos.
Voltei! Só pra zoar com o Timão! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 01/10
Enquete! O que é mais feio: tomar de quatro da Portuguesa ou a jaqueta Fanta Uva do Faustão?
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Voltei! Passei 15 dias fora! E o Sarney continua imortal? O Zé Dirceu já foi preso? A Marina tá sendo marinada? E o Aécio Neves continua contando piada nos intervalos da novela? Stand-up mineiro! Rarará!
Voltei! Só pra ver o Corinthians tomá de quatro da Portuguesa. Londres estava linda/ Alemanha uma beleza/ Enquanto eu viajava/ GOL DA PORTUGUESA! Rarará!
Aí cheguei a Londres, um hotel incrível, cinco estrelas, aqueles de porteiro com cartola. E sabe como se chamava o hotel? CORINTHIA! Vaaaaai Corinthia! Isso é carma, perseguição! Aí tirei uma foto do hotel, postei no Facebook e o povo caiu matando: "Sai daí, cara, a casa caiu!" "Já roubaram as malas?" "O mensageiro dá selinho?" "O porteiro é o Tite?" "Você aprontou alguma em Londres? Isso é cadeia!" E os corintianos: "Você tá no melhor lugar do mundo!". Rarará!
E aí fui pra Alemanha e carma, perseguição: eleição. Tava tendo eleição! E peguei a vitória da Angela Merkel. Com aquela cara de ressaca de Oktoberfest! E quem é mais linda: a Merkel com cara de ressaca ou a Dilma sóbria? Rarará!
Mas os alemães dizem que a Merkel tem cara de donuts! E ô mulher malamanhada, parece que saiu da boca da vaca!
E tinha uma candidata loira incrível: Linda Paus! Além de linda, tinha paus! Em terra de salsicha isso não é vantagem! E esse partido alemão perfeito pro Brasil: FDP!
E a Alemanha é uma aula de história. Visitei um prédio em Berlim Oriental que foi loja de departamentos de família judia, depois Secretaria de Educação da Juventude Nazista, depois sede do Partido Comunista e hoje é um hotel butique. Rarará!
E o Corinthians tomou de quatro. A Portuguesa fez macumba com bacalhau preto. E vinho do Porto! Chocolate de bacalhau! Rarará!
E eu vou fazer uma enquete: "O que é mais feio: tomar de quatro da Portuguesa ou a jaqueta Fanta Uva do Faustão?". O pior é tomar de quatro com a jaqueta do Faustão! Rarará! E a Portuguesa fez quatro gols, mas não tem torcida pra aplaudir. É como o Botafogo que apanhou de quatro, mas não tinha torcida pra vaiar! Rarará!
E o site de humor TrollFC revela que o Corinthians já faz o quadradinho de oito. Oito jogos sem vencer. Rarara! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Enquete! O que é mais feio: tomar de quatro da Portuguesa ou a jaqueta Fanta Uva do Faustão?
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Voltei! Passei 15 dias fora! E o Sarney continua imortal? O Zé Dirceu já foi preso? A Marina tá sendo marinada? E o Aécio Neves continua contando piada nos intervalos da novela? Stand-up mineiro! Rarará!
Voltei! Só pra ver o Corinthians tomá de quatro da Portuguesa. Londres estava linda/ Alemanha uma beleza/ Enquanto eu viajava/ GOL DA PORTUGUESA! Rarará!
Aí cheguei a Londres, um hotel incrível, cinco estrelas, aqueles de porteiro com cartola. E sabe como se chamava o hotel? CORINTHIA! Vaaaaai Corinthia! Isso é carma, perseguição! Aí tirei uma foto do hotel, postei no Facebook e o povo caiu matando: "Sai daí, cara, a casa caiu!" "Já roubaram as malas?" "O mensageiro dá selinho?" "O porteiro é o Tite?" "Você aprontou alguma em Londres? Isso é cadeia!" E os corintianos: "Você tá no melhor lugar do mundo!". Rarará!
E aí fui pra Alemanha e carma, perseguição: eleição. Tava tendo eleição! E peguei a vitória da Angela Merkel. Com aquela cara de ressaca de Oktoberfest! E quem é mais linda: a Merkel com cara de ressaca ou a Dilma sóbria? Rarará!
Mas os alemães dizem que a Merkel tem cara de donuts! E ô mulher malamanhada, parece que saiu da boca da vaca!
E tinha uma candidata loira incrível: Linda Paus! Além de linda, tinha paus! Em terra de salsicha isso não é vantagem! E esse partido alemão perfeito pro Brasil: FDP!
E a Alemanha é uma aula de história. Visitei um prédio em Berlim Oriental que foi loja de departamentos de família judia, depois Secretaria de Educação da Juventude Nazista, depois sede do Partido Comunista e hoje é um hotel butique. Rarará!
E o Corinthians tomou de quatro. A Portuguesa fez macumba com bacalhau preto. E vinho do Porto! Chocolate de bacalhau! Rarará!
E eu vou fazer uma enquete: "O que é mais feio: tomar de quatro da Portuguesa ou a jaqueta Fanta Uva do Faustão?". O pior é tomar de quatro com a jaqueta do Faustão! Rarará! E a Portuguesa fez quatro gols, mas não tem torcida pra aplaudir. É como o Botafogo que apanhou de quatro, mas não tinha torcida pra vaiar! Rarará!
E o site de humor TrollFC revela que o Corinthians já faz o quadradinho de oito. Oito jogos sem vencer. Rarara! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Para além do discurso - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 01/10
Devagar, devagarinho, o discurso do governo em matéria de política econômica está mudando. Falta saber até que ponto está disposto a uma virada real.
Em vez de limitar-se a proclamar as excelências do modelo adotado até agora, como tanto tem feito, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu ontem que é preciso muito mais investimento e muito mais produtividade do trabalho para sustentar o crescimento econômico.
Para aumentar a renda do brasileiro em 40% até 2022, disse ele, será necessário que o PIB avance à velocidade de 4% ao ano e que o investimento aumente 7% ao ano. Mantega se baseou em estudos que apontam para as seguintes conclusões: (1) "cada aumento de R$ 1 no investimento público em infraestrutura pode elevar em R$ 3 ou mais o crescimento do PIB no longo prazo"; e (2) um aumento de 1% no capital investido em infraestrutura gera um incremento de 0,48% a 0,53% na produtividade da economia. E emendou: "É preciso R$ 1 trilhão em concessões".
Embora tardia, a conversão do governo Dilma à necessidade premente do investimento parece sincera. Mas vai obrigar a mudanças de postura em outros segmentos.
A primeira necessidade é criar condições para tantas concessões dos serviços públicos. Não pode o governo seguir nessa matéria com o breque de mão puxado. Não dá para continuar a tratar o setor privado como um aproveitador dos bens do Estado e como permanente executor de "privatarias".
O respeito aos contratos não pode ser apenas da boca para fora, como transpareceu do discurso da presidente Dilma aos investidores internacionais em Nova York na última sexta-feira. O Brasil não respeita nem certos tratados internacionais, como vem acontecendo repetidas vezes com o Mercosul, dentro do pressuposto de que acerto político de dirigentes se sobrepõe a eventuais disposições da Lei e do Direito. Se é assim, como pode convencer o mundo de que respeita contratos, que desistiu do casuísmo e de que há segurança jurídica no Brasil?
Em segundo lugar, o investimento só pode crescer nas proporções apontadas pelo ministro Mantega se a poupança também crescer muito acima dos 16,6% do PIB, como acontece hoje. Há sinais de que o crédito dos bancos oficiais começa a ser contido. Mas ainda parece pouco se, no resto, o governo continua puxando pelo consumo em vez de incentivar a poupança.
Há razoável percepção de uma terceira exigência: a de que, na atual paisagem de pleno emprego, só é possível crescer à velocidade requerida, se houver forte aumento da produtividade do trabalho. Não basta afirmar que haverá mais recursos públicos para a educação quando a exploração do pré-sal engatar a terceira marcha e render para isso. Mais do que de multiplicação de verbas, a educação precisa de eficiência.
Até agora não foi explicado nem como esse aumento da produtividade do trabalho irá acontecer; nem como se cumprirá o prometido novo ciclo de investimentos em infraestrutura.
Devagar, devagarinho, o discurso do governo em matéria de política econômica está mudando. Falta saber até que ponto está disposto a uma virada real.
Em vez de limitar-se a proclamar as excelências do modelo adotado até agora, como tanto tem feito, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu ontem que é preciso muito mais investimento e muito mais produtividade do trabalho para sustentar o crescimento econômico.
Para aumentar a renda do brasileiro em 40% até 2022, disse ele, será necessário que o PIB avance à velocidade de 4% ao ano e que o investimento aumente 7% ao ano. Mantega se baseou em estudos que apontam para as seguintes conclusões: (1) "cada aumento de R$ 1 no investimento público em infraestrutura pode elevar em R$ 3 ou mais o crescimento do PIB no longo prazo"; e (2) um aumento de 1% no capital investido em infraestrutura gera um incremento de 0,48% a 0,53% na produtividade da economia. E emendou: "É preciso R$ 1 trilhão em concessões".
Embora tardia, a conversão do governo Dilma à necessidade premente do investimento parece sincera. Mas vai obrigar a mudanças de postura em outros segmentos.
A primeira necessidade é criar condições para tantas concessões dos serviços públicos. Não pode o governo seguir nessa matéria com o breque de mão puxado. Não dá para continuar a tratar o setor privado como um aproveitador dos bens do Estado e como permanente executor de "privatarias".
O respeito aos contratos não pode ser apenas da boca para fora, como transpareceu do discurso da presidente Dilma aos investidores internacionais em Nova York na última sexta-feira. O Brasil não respeita nem certos tratados internacionais, como vem acontecendo repetidas vezes com o Mercosul, dentro do pressuposto de que acerto político de dirigentes se sobrepõe a eventuais disposições da Lei e do Direito. Se é assim, como pode convencer o mundo de que respeita contratos, que desistiu do casuísmo e de que há segurança jurídica no Brasil?
Em segundo lugar, o investimento só pode crescer nas proporções apontadas pelo ministro Mantega se a poupança também crescer muito acima dos 16,6% do PIB, como acontece hoje. Há sinais de que o crédito dos bancos oficiais começa a ser contido. Mas ainda parece pouco se, no resto, o governo continua puxando pelo consumo em vez de incentivar a poupança.
Há razoável percepção de uma terceira exigência: a de que, na atual paisagem de pleno emprego, só é possível crescer à velocidade requerida, se houver forte aumento da produtividade do trabalho. Não basta afirmar que haverá mais recursos públicos para a educação quando a exploração do pré-sal engatar a terceira marcha e render para isso. Mais do que de multiplicação de verbas, a educação precisa de eficiência.
Até agora não foi explicado nem como esse aumento da produtividade do trabalho irá acontecer; nem como se cumprirá o prometido novo ciclo de investimentos em infraestrutura.
Saúde física e mental dos EUA - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 01/10
Disputa adoidada a respeito do programa de saúde de Obama paralisa política e ameaça economia do país
PARTE DO governo federal americano pode fechar a partir de hoje por falta de fundos para pagar despesas. Pode fechar porque o ano fiscal terminou, e a Câmara de Deputados deles não tinha aprovado o novo Orçamento pelo menos até quando esta coluna era escrita, às 20h30.
A maioria da Câmara é de deputados do Partido Republicano, ora dominado politicamente pela facção Tea Party, de direita dura e crua. Os republicanos exigem, grosso modo, que o governo democrata reduza tamanho e custo do programa de saúde que chamam de "Obamacare" (ObamaSUS, em tradução livre), única grande realização de Obama, aprovado em 2010 no Congresso e referendado quase integralmente pela Suprema Corte em 2012.
Sem isso, nada de Orçamento. Sem isso e sem o adiamento do início do "Obamacare" para 2014, também não aprovam o novo limite de endividamento do governo, que ficaria sem dinheiro para pagar sua dívida por volta de 17 de outubro.
Afora o ridículo e os prejuízos para cidadãos americanos, o fechamento do governo por algumas semanas não faz diferença para a economia dos EUA ou a do resto do mundo. Mas, se a ameaça de um inédito calote americano persistir, o mundo financeiro ficará tenso, consumidores e empresários ficarão apreensivos e uns décimos de crescimento irão para o ralo. Na hipótese de calote, não dá nem para pensar o que vai acontecer.
Em 1995 e 1996, governo Clinton, o governo fechou. Não aconteceu nada. De 2011 a 2013, os republicanos impuseram derrotas a Obama, limitando gastos do governo e parte do crescimento de curto prazo.
O que quer o Tea Party, composto majoritariamente de homens, brancos, mais velhos, conservadores em termos comportamentais, quando não fundamentalistas cristãos, e em geral moradores de Estados mais pobres e/ou do Sul? Entre outras coisas, um retorno ao passado de governo pequeno em gasto e interferência na vida dos indivíduos. Grosso modo, isso é impossível.
O grosso do gasto americano é em Medicare (assistência médica pública para idosos), Medicaid (para pobres), Previdência (aposentadorias etc.) e Defesa. Os programas de saúde e previdência são populares e "imexíveis" praticamente desde que foram criados, nos anos 1930. Os de Defesa, com mais ou menos despesa, mantêm o império (e o Tea Party não quer mexer muito aí).
O que sobra? Gastos na margem, ou adicionais, e leis federais, regulamentações (ambientais, comportamentais, outras do gênero).
O "Obamacare" é um programa que pretende incentivar americanos pobres (que não têm cobertura alguma) a terem seguro de saúde e um plano de barateamentos; estende benefícios do sistema público.
Dá subsídios para quem fizer plano de saúde e penaliza por meio tributário quem não fizer. Incentiva a mutualização. Isto é, reunião de segurados ou de grupos de segurados de empresas pequenas. Mais gente segurada divide riscos e barateia os planos de saúde, que de resto terão de cobrir doenças pré-existentes e dependentes até 26 anos de idade.
Republicanos chamam isso de "socialismo" (palavrão, nos EUA), pelo caráter de "mútuo" e pelo fato de o plano ser quase compulsório. Mas empresas privadas, não o governo, vão oferecer o serviço. É esse o arranca-rabo americano.
Disputa adoidada a respeito do programa de saúde de Obama paralisa política e ameaça economia do país
PARTE DO governo federal americano pode fechar a partir de hoje por falta de fundos para pagar despesas. Pode fechar porque o ano fiscal terminou, e a Câmara de Deputados deles não tinha aprovado o novo Orçamento pelo menos até quando esta coluna era escrita, às 20h30.
A maioria da Câmara é de deputados do Partido Republicano, ora dominado politicamente pela facção Tea Party, de direita dura e crua. Os republicanos exigem, grosso modo, que o governo democrata reduza tamanho e custo do programa de saúde que chamam de "Obamacare" (ObamaSUS, em tradução livre), única grande realização de Obama, aprovado em 2010 no Congresso e referendado quase integralmente pela Suprema Corte em 2012.
Sem isso, nada de Orçamento. Sem isso e sem o adiamento do início do "Obamacare" para 2014, também não aprovam o novo limite de endividamento do governo, que ficaria sem dinheiro para pagar sua dívida por volta de 17 de outubro.
Afora o ridículo e os prejuízos para cidadãos americanos, o fechamento do governo por algumas semanas não faz diferença para a economia dos EUA ou a do resto do mundo. Mas, se a ameaça de um inédito calote americano persistir, o mundo financeiro ficará tenso, consumidores e empresários ficarão apreensivos e uns décimos de crescimento irão para o ralo. Na hipótese de calote, não dá nem para pensar o que vai acontecer.
Em 1995 e 1996, governo Clinton, o governo fechou. Não aconteceu nada. De 2011 a 2013, os republicanos impuseram derrotas a Obama, limitando gastos do governo e parte do crescimento de curto prazo.
O que quer o Tea Party, composto majoritariamente de homens, brancos, mais velhos, conservadores em termos comportamentais, quando não fundamentalistas cristãos, e em geral moradores de Estados mais pobres e/ou do Sul? Entre outras coisas, um retorno ao passado de governo pequeno em gasto e interferência na vida dos indivíduos. Grosso modo, isso é impossível.
O grosso do gasto americano é em Medicare (assistência médica pública para idosos), Medicaid (para pobres), Previdência (aposentadorias etc.) e Defesa. Os programas de saúde e previdência são populares e "imexíveis" praticamente desde que foram criados, nos anos 1930. Os de Defesa, com mais ou menos despesa, mantêm o império (e o Tea Party não quer mexer muito aí).
O que sobra? Gastos na margem, ou adicionais, e leis federais, regulamentações (ambientais, comportamentais, outras do gênero).
O "Obamacare" é um programa que pretende incentivar americanos pobres (que não têm cobertura alguma) a terem seguro de saúde e um plano de barateamentos; estende benefícios do sistema público.
Dá subsídios para quem fizer plano de saúde e penaliza por meio tributário quem não fizer. Incentiva a mutualização. Isto é, reunião de segurados ou de grupos de segurados de empresas pequenas. Mais gente segurada divide riscos e barateia os planos de saúde, que de resto terão de cobrir doenças pré-existentes e dependentes até 26 anos de idade.
Republicanos chamam isso de "socialismo" (palavrão, nos EUA), pelo caráter de "mútuo" e pelo fato de o plano ser quase compulsório. Mas empresas privadas, não o governo, vão oferecer o serviço. É esse o arranca-rabo americano.
O bem-estar e a bicicleta - ILAN GOLDFAJN
O GLOBO - 01/10
A emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente
Dizem que felicidade é a diferença da expectativa futura e a realidade que se impõe. O brasileiro tem sido feliz — pelo menos assim tem respondido às pesquisas —, o que pode ser resultado da melhoria dos indicadores econômicos nos últimos anos. Mas a melhora pode estar diminuindo, caso a tendência observada nos dados sociais divulgados pelo IBGE na última sexta-feira se confirmar. Para a felicidade (e sensação de bem-estar), a manutenção do progresso é fundamental. O que esperamos desses dados para a frente? E qual será a consequência para o futuro do País?
Vista de uma perspectiva histórica, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra um Brasil mudado. A população, que alcançou 196,9 milhões em 2012, cresce cada vez menos, aumentando apenas 0,8% em 2012 em relação ao ano anterior. Isso contribui para que haja menos pessoas desocupadas no Brasil, mesmo com crescimento recente baixo da economia, ajudando a explicar o paradoxo recente de desemprego baixo sem crescimento forte (em 2012 eram 6% em comparação com acima de 10% há alguns anos). Com o mercado de trabalho mais aquecido, o rendimento real do brasileiro no trabalho tem aumentado sistematicamente: só no ano passado o ganho foi de 5,8% acima da inflação. E, com mais renda, o acesso a bens e consumo é bem maior, graças à emergência da denominada “nova classe média” — em torno de 97% dos domicílios possuem geladeira e televisão e, mais do que a metade, celular e máquina de lavar roupa.
A mudança dos últimos anos incluiu também (e principalmente) o progresso nos indicadores sociais, apesar de um longo caminho ainda a percorrer. O Brasil é hoje um país muito menos desigual, o índice de Gini alcançou perto de 0,50 em 2012, recuando de níveis muito altos (só encontrados na África). A quantidade de analfabetos despencou para 8% do total nos últimos anos, e a média de anos de estudos subiu para sete anos e meio.
A grande novidade deste ano, no entanto, foi a desaceleração ou interrupção do progresso observado nos anos recentes. A desigualdade teve a menor queda dos últimos anos, ficando muito próxima do resultado de 2011. O porcentual de analfabetos teve até um pequeno aumento em 2012, mantendo o número acima de 15 milhões no País. A escolaridade média aumentou, embora a educação ainda seja deficiente.
Antes da divulgação do IBGE, o índice construído pelo Itaú para avaliar a evolução do bem-estar (que leva em consideração, além das condições econômicas, as condições humanas e a distribuição de renda) já mostrava o mesmo padrão.
O interessante é que há evidências na literatura acadêmica de que a sensação de bem-estar está associada à evolução futura desses indicadores sociais e econômicos, e não ao nível atingido. A razão é que as novas condições favoráveis são absorvidas e incorporadas ao dia a dia, exigindo novas melhoras para aumentar a sensação de bem-estar. Por exemplo, a emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente. Ao longo do tempo, haverá uma busca por melhoras adicionais e um olhar mais crítico à situação recém-conquistada.
A consequência disso é que a melhora dos indicadores enseja novos anseios, ainda mais quando a comparação internacional ainda é desfavorável. A demanda por mudanças e reformas vira a tônica da sociedade. Entendo os protestos no mundo como consequência da transição de uma década de ganhos robustos de renda e bem-estar para década atual pós-crise, cuja desaceleração nas economias emergentes desacelerou os ganhos de bem-estar.
Nesse sentido é importante avaliar a perspectiva futura no País. Apesar de as medidas tradicionais de evolução econômica como PIB, renda e consumo não serem suficientes para medir o bem-estar, há uma relação entre elas ao longo do tempo. O crescimento da economia facilita (apesar de não garantir) o progresso em várias áreas. Para manter o mesmo ritmo de ganhos nos indicadores sociais e da desigualdade, o desafio é aumentar o investimento, produtividade e crescimento da economia.
O progresso é como a bicicleta, não pode parar, nem mesmo desacelerar muito, sem gerar algum desequilíbrio na sensação de bem-estar. O Brasil precisa voltar a crescer, enfrentando os gargalos em infraestrutura, ampliando a qualidade da educação e buscando eficiência no setor público e privado. Mas sem deixar de lado dimensões cada vez mais importantes do bem-estar, como qualidade dos serviços públicos e uso eficiente dos recursos.
A emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente
Dizem que felicidade é a diferença da expectativa futura e a realidade que se impõe. O brasileiro tem sido feliz — pelo menos assim tem respondido às pesquisas —, o que pode ser resultado da melhoria dos indicadores econômicos nos últimos anos. Mas a melhora pode estar diminuindo, caso a tendência observada nos dados sociais divulgados pelo IBGE na última sexta-feira se confirmar. Para a felicidade (e sensação de bem-estar), a manutenção do progresso é fundamental. O que esperamos desses dados para a frente? E qual será a consequência para o futuro do País?
Vista de uma perspectiva histórica, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra um Brasil mudado. A população, que alcançou 196,9 milhões em 2012, cresce cada vez menos, aumentando apenas 0,8% em 2012 em relação ao ano anterior. Isso contribui para que haja menos pessoas desocupadas no Brasil, mesmo com crescimento recente baixo da economia, ajudando a explicar o paradoxo recente de desemprego baixo sem crescimento forte (em 2012 eram 6% em comparação com acima de 10% há alguns anos). Com o mercado de trabalho mais aquecido, o rendimento real do brasileiro no trabalho tem aumentado sistematicamente: só no ano passado o ganho foi de 5,8% acima da inflação. E, com mais renda, o acesso a bens e consumo é bem maior, graças à emergência da denominada “nova classe média” — em torno de 97% dos domicílios possuem geladeira e televisão e, mais do que a metade, celular e máquina de lavar roupa.
A mudança dos últimos anos incluiu também (e principalmente) o progresso nos indicadores sociais, apesar de um longo caminho ainda a percorrer. O Brasil é hoje um país muito menos desigual, o índice de Gini alcançou perto de 0,50 em 2012, recuando de níveis muito altos (só encontrados na África). A quantidade de analfabetos despencou para 8% do total nos últimos anos, e a média de anos de estudos subiu para sete anos e meio.
A grande novidade deste ano, no entanto, foi a desaceleração ou interrupção do progresso observado nos anos recentes. A desigualdade teve a menor queda dos últimos anos, ficando muito próxima do resultado de 2011. O porcentual de analfabetos teve até um pequeno aumento em 2012, mantendo o número acima de 15 milhões no País. A escolaridade média aumentou, embora a educação ainda seja deficiente.
Antes da divulgação do IBGE, o índice construído pelo Itaú para avaliar a evolução do bem-estar (que leva em consideração, além das condições econômicas, as condições humanas e a distribuição de renda) já mostrava o mesmo padrão.
O interessante é que há evidências na literatura acadêmica de que a sensação de bem-estar está associada à evolução futura desses indicadores sociais e econômicos, e não ao nível atingido. A razão é que as novas condições favoráveis são absorvidas e incorporadas ao dia a dia, exigindo novas melhoras para aumentar a sensação de bem-estar. Por exemplo, a emergência de um contingente da população para a classe média, com novo acesso a bens de consumo, gera uma sensação de melhora, mas não permanente. Ao longo do tempo, haverá uma busca por melhoras adicionais e um olhar mais crítico à situação recém-conquistada.
A consequência disso é que a melhora dos indicadores enseja novos anseios, ainda mais quando a comparação internacional ainda é desfavorável. A demanda por mudanças e reformas vira a tônica da sociedade. Entendo os protestos no mundo como consequência da transição de uma década de ganhos robustos de renda e bem-estar para década atual pós-crise, cuja desaceleração nas economias emergentes desacelerou os ganhos de bem-estar.
Nesse sentido é importante avaliar a perspectiva futura no País. Apesar de as medidas tradicionais de evolução econômica como PIB, renda e consumo não serem suficientes para medir o bem-estar, há uma relação entre elas ao longo do tempo. O crescimento da economia facilita (apesar de não garantir) o progresso em várias áreas. Para manter o mesmo ritmo de ganhos nos indicadores sociais e da desigualdade, o desafio é aumentar o investimento, produtividade e crescimento da economia.
O progresso é como a bicicleta, não pode parar, nem mesmo desacelerar muito, sem gerar algum desequilíbrio na sensação de bem-estar. O Brasil precisa voltar a crescer, enfrentando os gargalos em infraestrutura, ampliando a qualidade da educação e buscando eficiência no setor público e privado. Mas sem deixar de lado dimensões cada vez mais importantes do bem-estar, como qualidade dos serviços públicos e uso eficiente dos recursos.
Juros em alta - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 01/10
Não havia pior dia para se divulgar os dados fiscais de agosto. Ontem, o Banco Central também divulgou o Relatório Trimestral de Inflação. A nova tese do BC, que até agora ninguém entendeu, é que a política fiscal caminha para a "neutralidade" É uma forma de dizer que os gastos vão parar de subir e de realimentar a inflação. Pois, em agosto, o governo teve deficit primário.
O superávit primário vem minguando, mas agora foi pior: houve deficit primário. Não se sabe de onde o BC tirou a ideia de que os gastos do governo serão neutros porque, ao mesmo tempo, o Relatório de Inflação deixou a entender que os juros vão continuar subindo além do patamar atual de 9%. Diz o texto que mesmo que os juros subam para uma média de 9,89% ao ano, — cenário de mercado — nem mesmo no terceiro trimestre de 2015 o IPCA voltará para o centro da meta. Durante todo o governo Dilma e três trimestres do próximo período presidencial, a inflação não estará no centro da meta.
A inflação em 12 meses está em 6,09%, o que é 0,85% mais alta do que estava em agosto de 2012. Parece pouca diferença, mas os preços que o governo controla estão em 1,27% (2,5 pontos percentuais abaixo do ano passado, na mesma época) e os preços livres estão em 7,64%. Alimentos e bebidas estão em alta de 10,45%. Conclusão: a inflação só não está maior porque o governo está reprimindo os preços de tarifas públicas.
No relatório, a previsão de crescimento do PIB deste ano caiu de 2,7% para 2,5%. O herói do PIB foi a agropecuária que cresceu, 14,7%. O BC avisou que o PIB continuará em 2,5% nos primeiros dois trimestres do ano que vem. Ou seja, a economia, que estava começando a melhorar o ritmo, vai parar de acelerar, mas será um crescimento, segundo o BC, puxado menos pelo consumo e mais pelos investimentos e comércio exterior.
Na entrevista coletiva após a divulgação do Relatório, o diretor do Banco Central Carlos Hamilton afirmou que ainda "há muito trabalho a ser feito pela política monetária". O mercado entendeu que o relatório e essas palavras estão dizendo que a Selic poderá romper a barreira dos 10%. Mas será que o BC terá autonomia para subir juros em um ano eleitoral?
Pela manhã, Hamilton disse que há condições para que a política fiscal deixe de ser expansionista e se torne neutra. Essa é a mesma tese que estava na última ata do Copom. Os números têm mostrado um cenário diferente. À tarde, o próprio Banco Central divulgou que no mês de agosto o setor público registrou deficit primário de R$ 432 milhões. No ano, a economia para pagamento de juros é de R$ 54 bilhões, ou 1,73% do PIB, resultado muito menor que os R$ 74 bi economizados no mesmo período do ano passado.
O processo de desmonte da credibilidade fiscal do governo segue a pleno vapor. Segundo a consultoria Rosenberg Associados, de janeiro a agosto, as despesas primárias (que descontam o pagamento de juros) cresceram 5,8%. Houve alta de 14,5% nos gastos de custeio, de 6,5% nos gastos com previdência, e queda de 6,7% nos investimentos. O deficit nominal (medida que inclui o gasto com os juros) subiu a 3,17% em 12 meses até agosto, contra 2,47% do mesmo período do ano passado.
Dos números do relatório, um impressiona particularmente: o superávit comercial em 12 meses está em US$ 2,5 bilhões; em agosto do ano passado o acumulado em 12 meses era quase dez vezes mais: US$ 23 bilhões. O deficit em transações correntes (conceito mais amplo de contas externas) está em US$ 57,8 bi em oito meses. No ano passado, era de US$ 31,5 bi. Isso não é o fim do mundo, mas a conclusão é que o governo Dilma coleciona números medíocres ou preocupantes na economia.
Não basta desejar - ANTÔNIO DELFIM NETO
VALOR ECONÔMICO - 01/10
Inspirada num interessante trabalho promovido pela Fiesp ( Estratégia de Potencial Socioeconômico Pleno para o Brasil ) em que se propõe dobrar o PIB per capita brasileiro num horizonte de 15 anos, a Fundação Getulio Vargas hospedou um seminário com uma pergunta explícita: Quais as restrições macroeconômicas para o Brasil dobrar a renda per capita em 15 anos? .
Antes de tentar responder a tão desafiadora questão, vale a pena lembrar uma estória. Dizem as más línguas que Thomas Carlyle (1795-1881), um duro crítico da economia política de sua época e autor de grandes chistes sobre ela, é o autor da frase você pode transformar um papagaio num economista, se lhe ensinar as palavras: oferta e demanda .
Pois bem, o papagaio de Carlyle não teria dificuldade, ou constrangimento, de responder tranquilamente que, no Brasil de hoje, a condição necessária e suficiente é que a oferta e a demanda cresçam harmoniosamente à mesma taxa de 5,5% ao ano para evitar inflação e déficit em conta corrente .
Mas essa, obviamente, não é a resposta. É o próprio problema! Resolvê-lo é uma questão política: como induzir o poder incumbente a dar incentivos corretos ao setor privado para respondê-la?
A resposta correta à pergunta original é: Criar as instituições adequadas e os incentivos corretos para que o poder incumbente e os agentes econômicos coordenem livremente suas atividades para obtê-la, o que exige, como preliminar, a construção de uma sólida relação de confiança dos agentes entre si e deles com o poder incumbente .
Estamos um pouco longe de responder a tais condições, mas estamos ainda mais longe do apocalipse anunciado por alguns analistas financeiros, agora fortalecidos pelo recente texto da The Economist . Gostemos ou não, ela é a revista econômica de leigos e acadêmicos de todas as convicções ideológicas. É uma instituição com a arrogância e a certeza que lhe dão seus bem vividos 170 anos, mas deve ser entendida com o humor e ironia britânicos. Certamente exagerou para o bem em 2009 e vingou-se exagerando para o mal em 2013. Exagerou, mas não inventou nada.
Para entender nosso problema, é preciso considerar a seguinte identidade: crescimento possível do PIB = crescimento da produtividade do trabalhador ocupado + crescimento do número de trabalhadores ocupados
Nos próximos 15 anos, provavelmente a oferta de mão de obra não crescerá, em média, mais do que 1% ao ano. Logo, para que o PIB per capita cresça a 4,7% ao ano (o que o dobraria em 15 anos), será preciso que o PIB aumente à taxa de 5,7% ao ano, em média, o que, nas condições atuais de pressão e temperatura (internas e externas), é um número cavalar.
De que depende, afinal, o crescimento da produtividade do trabalhador? De uma série de fatores: 1) da sua higidez (saúde); 2) do nível da sua educação; 3) do incentivo à incorporação de tecnologia; 4) da qualidade das instituições e da natureza da regulação da mão de obra; 5) da maior integração com a economia internacional; e 6) da quantidade de capital físico (infraestrutura e investimento privado) por trabalhador.
Os dois primeiros devem continuar crescendo lentamente, mas a velocidades decrescentes. O terceiro pode ser estimulado por uma melhora do foco da política em curso. O quarto positivamente vai mal, como revelam os exageros das súmulas vinculantes do Tribunal Superior do Trabalho e as resistências corporativas a quaisquer aperfeiçoamentos (como é o caso, ainda agora, da terceirização), mesmo quando, como deve ser, respeitam integralmente os direitos individuais do trabalhador. O quinto exige a combinação de uma política cambial inteligente com uma ampla reformulação das tarifas efetivas que nos incorpore à nova estrutura integradora do comércio mundial de bens e serviços, e provavelmente não terá efeito sensível em menos de dois anos.
Resta, portanto, aumentar a quantidade de capital físico por trabalhador. Deve começar pelo sucesso dos leilões de concessões de infraestrutura, fundamentais para o aumento da produtividade em dois ou três anos, que é a faísca imediata para reacender a disposição de correr risco do setor privado, com o aumento do seu investimento, cujo efeito será imediatamente antecipado.
A presidente Dilma deu um sinal claro nessa direção na reunião de Nova York na última semana quando disse: Precisamos não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é mais eficiente, mais ágil e de menor custo .
Diretriz lúcida e precisa, da qual o Brasil tem o direito de esperar consequências práticas. O nosso crescimento não está escrito nos modelos. Depende do que nós, como sociedade, formos capazes de fazer. Só cresce quem crê que pode crescer e constrói as condições para fazê-lo.
Inspirada num interessante trabalho promovido pela Fiesp ( Estratégia de Potencial Socioeconômico Pleno para o Brasil ) em que se propõe dobrar o PIB per capita brasileiro num horizonte de 15 anos, a Fundação Getulio Vargas hospedou um seminário com uma pergunta explícita: Quais as restrições macroeconômicas para o Brasil dobrar a renda per capita em 15 anos? .
Antes de tentar responder a tão desafiadora questão, vale a pena lembrar uma estória. Dizem as más línguas que Thomas Carlyle (1795-1881), um duro crítico da economia política de sua época e autor de grandes chistes sobre ela, é o autor da frase você pode transformar um papagaio num economista, se lhe ensinar as palavras: oferta e demanda .
Pois bem, o papagaio de Carlyle não teria dificuldade, ou constrangimento, de responder tranquilamente que, no Brasil de hoje, a condição necessária e suficiente é que a oferta e a demanda cresçam harmoniosamente à mesma taxa de 5,5% ao ano para evitar inflação e déficit em conta corrente .
Mas essa, obviamente, não é a resposta. É o próprio problema! Resolvê-lo é uma questão política: como induzir o poder incumbente a dar incentivos corretos ao setor privado para respondê-la?
A resposta correta à pergunta original é: Criar as instituições adequadas e os incentivos corretos para que o poder incumbente e os agentes econômicos coordenem livremente suas atividades para obtê-la, o que exige, como preliminar, a construção de uma sólida relação de confiança dos agentes entre si e deles com o poder incumbente .
Estamos um pouco longe de responder a tais condições, mas estamos ainda mais longe do apocalipse anunciado por alguns analistas financeiros, agora fortalecidos pelo recente texto da The Economist . Gostemos ou não, ela é a revista econômica de leigos e acadêmicos de todas as convicções ideológicas. É uma instituição com a arrogância e a certeza que lhe dão seus bem vividos 170 anos, mas deve ser entendida com o humor e ironia britânicos. Certamente exagerou para o bem em 2009 e vingou-se exagerando para o mal em 2013. Exagerou, mas não inventou nada.
Para entender nosso problema, é preciso considerar a seguinte identidade: crescimento possível do PIB = crescimento da produtividade do trabalhador ocupado + crescimento do número de trabalhadores ocupados
Nos próximos 15 anos, provavelmente a oferta de mão de obra não crescerá, em média, mais do que 1% ao ano. Logo, para que o PIB per capita cresça a 4,7% ao ano (o que o dobraria em 15 anos), será preciso que o PIB aumente à taxa de 5,7% ao ano, em média, o que, nas condições atuais de pressão e temperatura (internas e externas), é um número cavalar.
De que depende, afinal, o crescimento da produtividade do trabalhador? De uma série de fatores: 1) da sua higidez (saúde); 2) do nível da sua educação; 3) do incentivo à incorporação de tecnologia; 4) da qualidade das instituições e da natureza da regulação da mão de obra; 5) da maior integração com a economia internacional; e 6) da quantidade de capital físico (infraestrutura e investimento privado) por trabalhador.
Os dois primeiros devem continuar crescendo lentamente, mas a velocidades decrescentes. O terceiro pode ser estimulado por uma melhora do foco da política em curso. O quarto positivamente vai mal, como revelam os exageros das súmulas vinculantes do Tribunal Superior do Trabalho e as resistências corporativas a quaisquer aperfeiçoamentos (como é o caso, ainda agora, da terceirização), mesmo quando, como deve ser, respeitam integralmente os direitos individuais do trabalhador. O quinto exige a combinação de uma política cambial inteligente com uma ampla reformulação das tarifas efetivas que nos incorpore à nova estrutura integradora do comércio mundial de bens e serviços, e provavelmente não terá efeito sensível em menos de dois anos.
Resta, portanto, aumentar a quantidade de capital físico por trabalhador. Deve começar pelo sucesso dos leilões de concessões de infraestrutura, fundamentais para o aumento da produtividade em dois ou três anos, que é a faísca imediata para reacender a disposição de correr risco do setor privado, com o aumento do seu investimento, cujo efeito será imediatamente antecipado.
A presidente Dilma deu um sinal claro nessa direção na reunião de Nova York na última semana quando disse: Precisamos não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é mais eficiente, mais ágil e de menor custo .
Diretriz lúcida e precisa, da qual o Brasil tem o direito de esperar consequências práticas. O nosso crescimento não está escrito nos modelos. Depende do que nós, como sociedade, formos capazes de fazer. Só cresce quem crê que pode crescer e constrói as condições para fazê-lo.
O outro lado do enigma - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 01/10
As informações da Pnad-2012 sobre emprego e renda reforçaram os dados apresentados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Embora com diferenças na forma de apuração - a Pnad, por exemplo, tem abrangência nacional e a PME se restringe às seis principais regiões metropolitanas -, nos dois levantamentos a taxa de desemprego resiste em níveis historicamente baixos, apesar do ambiente econômico adverso e do modesto crescimento do PIB. A Pnad, portanto, reforçou o já conhecido "enigma" do desemprego baixo na economia brasileira.
Mas o "enigma" do baixo desemprego combinado com baixo crescimento tem um outro lado. Esse outro lado do "enigma" pode ser resumido na seguinte charada: como é possível a economia crescer tão pouco com desemprego tão baixo? Afinal, se mais gente trabalha, maior deveria ser a produção de bens e serviços. Esse argumento intuitivo, porém, nem sempre confere com a realidade. É possível encontrar situações em que a economia cresce em ritmo mais forte com menos gente empregada e o inverso, como no caso brasileiro atual, também pode ser verdadeiro.
Por trás desses movimentos, aparentemente "enigmáticos", dá para perceber que opera o fenômeno da produtividade. Mas desse achado em diante as explicações se complicam. É tão fácil entender que, quanto mais eficiente for o uso dos recursos disponíveis para a produção, maior será a produtividade, quanto é difícil calculá-la e separar os elementos que a determinam e influenciam. Fatores demográficos, educacionais, tecnológicos, financeiros e de infraestrutura são apenas alguns dos mais relevantes.
Embora seja possível encontrar dezenas - talvez centenas - de resultados diferentes em exercícios de cálculo da evolução da produtividade na economia brasileira, uma coisa é certa: nas duas últimas décadas, os valores encontrados são baixos e se concentram em torno de uma média anual não muito superior a 1%.
Aumentos de produtividade costumam dar o ar da graça em fases de expansão econômica mais forte e mais rápida, mas nem sempre tem de ser necessariamente assim. O crescimento econômico mais acelerado entre 2003 a 2010, por exemplo, foi um acontecimento pouco relacionado com a trajetória da produtividade, que se manteve quase imóvel nesse intervalo de tempo. Estudos calculam que metade da expansão da economia nesse período se deveu à ampliação do mercado de trabalho, com a incorporação de grande contingente de trabalhadores ao estoque de mão de obra.
Como já se começou a ver a partir de 2011, a absorção de novas ondas de trabalhadores não tem sido suficiente para empurrar a economia ladeira acima. Será menos ainda daqui para a frente. Embora a População em Idade Ativa (PIA) ainda tenha um espaço para crescer, sua tendência é começar a se estabilizar em pouco mais de cinco anos. Mesmo o previsto aumento da participação da mão de obra feminina no total da População Economicamente Ativa (PEA) e a também previsível melhora da escolarização geral do pessoal ocupado terão condições de assegurar apenas por si não mais do que soluços de crescimento.
É nesse contexto que a elevação da produtividade, depois de duas décadas de estagnação em níveis muito baixos, assume importância crítica. Isso só será possível se houver efetiva criação de ambiente propício ao investimento eficiente em capital físico - infraestrutura, difusão tecnológica de produtos e processos - e humano, com seus efeitos multiplicadores.
Estimativas recentes indicam que a produtividade geral da economia brasileira, depois de um pico de 66% no longínquo ano de 1976, mal chega hoje a 40% da produtividade americana. Se não deixa de expressar um desastre de política econômica, também não deixa de indicar a existência de um largo espaço para avançar.
As informações da Pnad-2012 sobre emprego e renda reforçaram os dados apresentados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Embora com diferenças na forma de apuração - a Pnad, por exemplo, tem abrangência nacional e a PME se restringe às seis principais regiões metropolitanas -, nos dois levantamentos a taxa de desemprego resiste em níveis historicamente baixos, apesar do ambiente econômico adverso e do modesto crescimento do PIB. A Pnad, portanto, reforçou o já conhecido "enigma" do desemprego baixo na economia brasileira.
Mas o "enigma" do baixo desemprego combinado com baixo crescimento tem um outro lado. Esse outro lado do "enigma" pode ser resumido na seguinte charada: como é possível a economia crescer tão pouco com desemprego tão baixo? Afinal, se mais gente trabalha, maior deveria ser a produção de bens e serviços. Esse argumento intuitivo, porém, nem sempre confere com a realidade. É possível encontrar situações em que a economia cresce em ritmo mais forte com menos gente empregada e o inverso, como no caso brasileiro atual, também pode ser verdadeiro.
Por trás desses movimentos, aparentemente "enigmáticos", dá para perceber que opera o fenômeno da produtividade. Mas desse achado em diante as explicações se complicam. É tão fácil entender que, quanto mais eficiente for o uso dos recursos disponíveis para a produção, maior será a produtividade, quanto é difícil calculá-la e separar os elementos que a determinam e influenciam. Fatores demográficos, educacionais, tecnológicos, financeiros e de infraestrutura são apenas alguns dos mais relevantes.
Embora seja possível encontrar dezenas - talvez centenas - de resultados diferentes em exercícios de cálculo da evolução da produtividade na economia brasileira, uma coisa é certa: nas duas últimas décadas, os valores encontrados são baixos e se concentram em torno de uma média anual não muito superior a 1%.
Aumentos de produtividade costumam dar o ar da graça em fases de expansão econômica mais forte e mais rápida, mas nem sempre tem de ser necessariamente assim. O crescimento econômico mais acelerado entre 2003 a 2010, por exemplo, foi um acontecimento pouco relacionado com a trajetória da produtividade, que se manteve quase imóvel nesse intervalo de tempo. Estudos calculam que metade da expansão da economia nesse período se deveu à ampliação do mercado de trabalho, com a incorporação de grande contingente de trabalhadores ao estoque de mão de obra.
Como já se começou a ver a partir de 2011, a absorção de novas ondas de trabalhadores não tem sido suficiente para empurrar a economia ladeira acima. Será menos ainda daqui para a frente. Embora a População em Idade Ativa (PIA) ainda tenha um espaço para crescer, sua tendência é começar a se estabilizar em pouco mais de cinco anos. Mesmo o previsto aumento da participação da mão de obra feminina no total da População Economicamente Ativa (PEA) e a também previsível melhora da escolarização geral do pessoal ocupado terão condições de assegurar apenas por si não mais do que soluços de crescimento.
É nesse contexto que a elevação da produtividade, depois de duas décadas de estagnação em níveis muito baixos, assume importância crítica. Isso só será possível se houver efetiva criação de ambiente propício ao investimento eficiente em capital físico - infraestrutura, difusão tecnológica de produtos e processos - e humano, com seus efeitos multiplicadores.
Estimativas recentes indicam que a produtividade geral da economia brasileira, depois de um pico de 66% no longínquo ano de 1976, mal chega hoje a 40% da produtividade americana. Se não deixa de expressar um desastre de política econômica, também não deixa de indicar a existência de um largo espaço para avançar.
A herança maldita - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 01/10
Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista
O lulismo vai deixar sinais indeléveis no Estado brasileiro. E, pelo visto, deve permanecer no poder até, no mínimo, 2018. Inexiste setor do Estado em que não tenha deixado sua marca. A eficácia na tomada do aparelho estatal é parte de um projeto de manietar o país, de controlar os três poderes.
O grande empresariado foi se transformando em um dos braços do Estado. A cada dia aumentou sua dependência dos humores governamentais. Ter uma boa relação com o Palácio do Planalto virou condição indispensável para o sucesso. O empresário se tornou capitalista do capital alheio, do capital público. Para a burguesia lulista, nenhum empreendimento pode ter êxito sem a participação dos fundos de pensão dos bancos e empresas estatais, dos generosos empréstimos do BNDES e da ação direta do governo criando um arcabouço legal para facilitar a acumulação de capital — sem esquecer as obras no exterior, extremamente lucrativas, de risco inexistente, onde a empresa recebe de mão beijada, sem concorrência, como as realizadas na África e na América Latina.
A petrificação da pobreza se transformou em êxito. Coisas do lulismo. As 14 milhões de famílias que recebem o benefício do Bolsa Família são, hoje, um importante patrimônio político. Se cada família tiver, em média, 4 eleitores, estamos falando de 1/3 do eleitorado. A permanênciaad aeternum no programa virou meio de vida. E de ganhar eleição. Que candidato a presidente teria coragem de anunciar o desejo de reformar o programa estabelecendo metas de permanência no Bolsa Família?
A máquina do Estado foi inchada por milhares de petistas e neopetistas. Além dos quase 25 mil cargos de assessoria, nos últimos onze anos foram admitidos milhares de novos funcionários concursados — portanto, estáveis. Diversamente do que seria razoável, a maior parte não está nas áreas mais necessitadas. Um bom (e triste) exemplo é o das universidades federais. Foi realizada uma expansão absolutamente irresponsável. Faculdades, campi, cursos, milhares de funcionários e docentes, para quê? Havia algum projeto de desenvolvimento científico? A criação dos cursos esteve vinculada às necessidades econômicas regionais? Foi realizado algum estudo das carências locais? Ou tudo não passou, simplesmente, de atendimento de demandas oligárquicas, corporativas e para dourar os números do MEC sobre o total de universitários no país?
Sem ter qualquer projeto para o futuro, foi acentuado o perfil neocolonial da nossa economia. Vivemos dependentes da evolução dos preços das commodities no mercado internacional — e rezando para que a China continue crescendo. Não temos uma política industrial. O setor foi perdendo importância. O investimento em ciência e tecnologia é ínfimo. A chamada nova economia tem importância desprezível no nosso PIB. A qualificação da força de trabalho é precária. Convivemos com milhões de analfabetos como se fosse um dado imutável da natureza.
A política externa amarrou o destino do Brasil a um terceiromundismo absolutamente fora de época. Nos fóruns internacionais, o país se transformou em aliado preferencial das ditaduras e adversário contumaz dos Estados Unidos. Abandonamos o estabelecimento de acordos bilaterais para fomentar o comércio. Enquanto o eixo dinâmico do capitalismo foi se transferindo para a região Ásia-Pacífico, o Brasil aprofundou ainda mais sua relação com o Mercosul. Em vez de buscar novas parcerias, optamos por transformar os governos bolivarianos em aliados incondicionais.
Entre os artistas, a dependência estatal foi se ampliando. Uma simples peça de teatro, um filme, um show musical, nada mais é realizado sem que tenha a participação do Estado, direta ou indiretamente. Ter bons relações com o lulismo virou condição indispensável para a obtenção de “apoio cultural”. Nunca na história republicana artistas foram tão dependentes do governo — nem no Estado Novo. E cumprem servilmente o dever de obediência ao governo, sem qualquer questionamento.
O movimento sindical foi apresado pelo governo. Os novos pelegos controlam com mão de ferro “seus” sindicatos. Recebem repasses milionários sem ter de prestar contas a nenhum organismo independente. Não vai causar estranheza se o Congresso — nesta escalada de reconhecer novas profissões — instituir a de sindicalista. A maioria dos dirigentes passou rapidamente pela fábrica ou escritório e está há décadas “servindo” os trabalhadores. Ser sindicalista virou um instrumento de ascensão social. E caminho para alçar altos voos na política.
O filé mignon do sindicalismo são os fundos de pensão das empresas e bancos estatais. Seus diretores — do dia para a noite — entraram no topo da carreira de profissionais do mercado financeiro. Recebem salários e bonificações de dar inveja aos executivos privados. Passam a conviver com a elite econômica. São mimoseados pela burguesia financeira de olho nos recursos milionários dos fundos. Mas ser designado para a direção do Fundo de Amparo ao Trabalhador é o sonho dourado dos novos pelegos.
Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista. Os valores éticos e republicanos não combinam com sua ação política. Daí a necessidade de aparelhar todas as instâncias do Estado. E colocá-las a seu serviço, como já o fez com o Congresso Nacional; hoje, mero puxadinho do Palácio do Planalto.
Na república lulista, não há futuro, só existe o tempo.
Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista
O lulismo vai deixar sinais indeléveis no Estado brasileiro. E, pelo visto, deve permanecer no poder até, no mínimo, 2018. Inexiste setor do Estado em que não tenha deixado sua marca. A eficácia na tomada do aparelho estatal é parte de um projeto de manietar o país, de controlar os três poderes.
O grande empresariado foi se transformando em um dos braços do Estado. A cada dia aumentou sua dependência dos humores governamentais. Ter uma boa relação com o Palácio do Planalto virou condição indispensável para o sucesso. O empresário se tornou capitalista do capital alheio, do capital público. Para a burguesia lulista, nenhum empreendimento pode ter êxito sem a participação dos fundos de pensão dos bancos e empresas estatais, dos generosos empréstimos do BNDES e da ação direta do governo criando um arcabouço legal para facilitar a acumulação de capital — sem esquecer as obras no exterior, extremamente lucrativas, de risco inexistente, onde a empresa recebe de mão beijada, sem concorrência, como as realizadas na África e na América Latina.
A petrificação da pobreza se transformou em êxito. Coisas do lulismo. As 14 milhões de famílias que recebem o benefício do Bolsa Família são, hoje, um importante patrimônio político. Se cada família tiver, em média, 4 eleitores, estamos falando de 1/3 do eleitorado. A permanênciaad aeternum no programa virou meio de vida. E de ganhar eleição. Que candidato a presidente teria coragem de anunciar o desejo de reformar o programa estabelecendo metas de permanência no Bolsa Família?
A máquina do Estado foi inchada por milhares de petistas e neopetistas. Além dos quase 25 mil cargos de assessoria, nos últimos onze anos foram admitidos milhares de novos funcionários concursados — portanto, estáveis. Diversamente do que seria razoável, a maior parte não está nas áreas mais necessitadas. Um bom (e triste) exemplo é o das universidades federais. Foi realizada uma expansão absolutamente irresponsável. Faculdades, campi, cursos, milhares de funcionários e docentes, para quê? Havia algum projeto de desenvolvimento científico? A criação dos cursos esteve vinculada às necessidades econômicas regionais? Foi realizado algum estudo das carências locais? Ou tudo não passou, simplesmente, de atendimento de demandas oligárquicas, corporativas e para dourar os números do MEC sobre o total de universitários no país?
Sem ter qualquer projeto para o futuro, foi acentuado o perfil neocolonial da nossa economia. Vivemos dependentes da evolução dos preços das commodities no mercado internacional — e rezando para que a China continue crescendo. Não temos uma política industrial. O setor foi perdendo importância. O investimento em ciência e tecnologia é ínfimo. A chamada nova economia tem importância desprezível no nosso PIB. A qualificação da força de trabalho é precária. Convivemos com milhões de analfabetos como se fosse um dado imutável da natureza.
A política externa amarrou o destino do Brasil a um terceiromundismo absolutamente fora de época. Nos fóruns internacionais, o país se transformou em aliado preferencial das ditaduras e adversário contumaz dos Estados Unidos. Abandonamos o estabelecimento de acordos bilaterais para fomentar o comércio. Enquanto o eixo dinâmico do capitalismo foi se transferindo para a região Ásia-Pacífico, o Brasil aprofundou ainda mais sua relação com o Mercosul. Em vez de buscar novas parcerias, optamos por transformar os governos bolivarianos em aliados incondicionais.
Entre os artistas, a dependência estatal foi se ampliando. Uma simples peça de teatro, um filme, um show musical, nada mais é realizado sem que tenha a participação do Estado, direta ou indiretamente. Ter bons relações com o lulismo virou condição indispensável para a obtenção de “apoio cultural”. Nunca na história republicana artistas foram tão dependentes do governo — nem no Estado Novo. E cumprem servilmente o dever de obediência ao governo, sem qualquer questionamento.
O movimento sindical foi apresado pelo governo. Os novos pelegos controlam com mão de ferro “seus” sindicatos. Recebem repasses milionários sem ter de prestar contas a nenhum organismo independente. Não vai causar estranheza se o Congresso — nesta escalada de reconhecer novas profissões — instituir a de sindicalista. A maioria dos dirigentes passou rapidamente pela fábrica ou escritório e está há décadas “servindo” os trabalhadores. Ser sindicalista virou um instrumento de ascensão social. E caminho para alçar altos voos na política.
O filé mignon do sindicalismo são os fundos de pensão das empresas e bancos estatais. Seus diretores — do dia para a noite — entraram no topo da carreira de profissionais do mercado financeiro. Recebem salários e bonificações de dar inveja aos executivos privados. Passam a conviver com a elite econômica. São mimoseados pela burguesia financeira de olho nos recursos milionários dos fundos. Mas ser designado para a direção do Fundo de Amparo ao Trabalhador é o sonho dourado dos novos pelegos.
Em meio a esta barafunda, não causam estranheza o ataque, o controle e a sujeição do Supremo Tribunal Federal à horda lulista. Os valores éticos e republicanos não combinam com sua ação política. Daí a necessidade de aparelhar todas as instâncias do Estado. E colocá-las a seu serviço, como já o fez com o Congresso Nacional; hoje, mero puxadinho do Palácio do Planalto.
Na república lulista, não há futuro, só existe o tempo.
Interesse e política do mensalão - TALES A. M. AB'SÁBER
FOLHA DE SP - 01/10
Petistas e antipetistas recusam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão e pertencimento às práticas corruptas brasileiras
Durante 20 anos, o Partido dos Trabalhadores teve no parâmetro ético, baseado na crítica à tradicional condescendência com a corrupção pelo alto, uma de suas principais balizas, identitária para a concepção do fazer político no Brasil.
O PT de fato encarou a corrupção brasileira como uma perversão sociológica, ligada ao patrimonialismo espúrio da tradição política mais arcaica, e também como um desvio econômico significativo para a e eficácia de um governo popular.
Lideranças como Lula, José Dirceu e José Genoino sustentavam a necessidade da crítica dura à corrupção, que se estendia dos monumentais escândalos sem punição gerados na ditadura militar à manipulação econômica que levou à queda de Collor, até os episódios de derrapagem na "zona cinzenta" da política de privatizações peessedebista, que, para seus atores, deveria restar fora de julgamento.
Paixões e jogos profundos de interesses contrariados deveriam se pôr em cena quando, com virada significativa na incorporação da tradição de centro direita brasileira, o PT se viu, no poder, envolvido em escândalo de corrupção. Uma inversão espetacular do sentido das coisas, que podia quase ser lida como um lance de ficção do tipo folhetim.
O PT, que também tinha origens em movimentos católicos populares, deveria pagar com o próprio sacrifício os pecados de todo o sistema, recebendo a punição dura que até então ninguém recebera. Como o partido sempre sustentou, a democracia devia ter início com a sua chegada ao poder e, não tendo exigido nada da velha corrupção, pagaria com a própria punição para cumprir o seu vaticínio.
Dialeticamente, o juiz negro de grande formação indicado por Lula ao Supremo para fazer reparação social de imagem mostrou-se forte inimigo dos modos tradicionais de corrosão da política, e armou-se o circo da gigantesca disputa simbólica produzida ao redor da punição dos políticos petistas.
Seriam eles os maiores corruptos brasileiros de todos os tempos? Ou bodes expiatórios para a manutenção do status quo? Tudo não passaria de uma lição da direita nos recém-convertidos aos seus próprios jogos? Ou estávamos diante de avanços democráticos que não deveriam retroceder? Ou tudo ao mesmo tempo?
Enquanto petistas recusavam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão às práticas corruptas brasileiras, antipetistas recusavam a realidade óbvia de que o próprio sistema da corrupção lhes pertencia. Criaram-se dois campos de paixão algo delirante, que representam profunda distorção dos próprios sujeitos da política.
Eram as apostas de uma inédita novela política, televisionada ao vivo, que envolvia questões cruciais em conjunto com todo tipo de baixo interesse. Os próprios petistas não ajudaram ao recusarem a responsabilidade política e ao demandarem, com desfaçatez, a lassidão da Justiça que permitiria a impunidade.
O maior erro foi não ter transformado um processo de ilegalidades políticas em um processo de crítica da política das ilegalidades, que o velho partido de esquerda aceitou como nova sina natural. Nesse sentido, mais forte, o PT encenou um episódio de fracasso exemplar.
O julgamento tornou-se uma aula sobre um dos Poderes mais tecnicamente constituído, que pode ter ensinado o modo de funcionar das coisas da Justiça. Jogando dentro da lei, o governo usou o tempo para fazer a indicação de dois juízes que já votaram pela aceitação dos embargos infringentes e poderão agora votar contra a aceitação do crime de formação de quadrilha.
Jogo jogado. Ele implica o excesso de poder franqueado ao poder. Quando a presidente pode indicar seus juízes para julgar os homens de seu partido, podemos reconhecer o ponto irônico que Nietzsche chamou de "a graça da lei", ou seja, o seu caráter ambivalente e perverso, em que uma margem de inimputabilidade para o poder sempre está felizmente garantida.
Petistas e antipetistas recusam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão e pertencimento às práticas corruptas brasileiras
Durante 20 anos, o Partido dos Trabalhadores teve no parâmetro ético, baseado na crítica à tradicional condescendência com a corrupção pelo alto, uma de suas principais balizas, identitária para a concepção do fazer político no Brasil.
O PT de fato encarou a corrupção brasileira como uma perversão sociológica, ligada ao patrimonialismo espúrio da tradição política mais arcaica, e também como um desvio econômico significativo para a e eficácia de um governo popular.
Lideranças como Lula, José Dirceu e José Genoino sustentavam a necessidade da crítica dura à corrupção, que se estendia dos monumentais escândalos sem punição gerados na ditadura militar à manipulação econômica que levou à queda de Collor, até os episódios de derrapagem na "zona cinzenta" da política de privatizações peessedebista, que, para seus atores, deveria restar fora de julgamento.
Paixões e jogos profundos de interesses contrariados deveriam se pôr em cena quando, com virada significativa na incorporação da tradição de centro direita brasileira, o PT se viu, no poder, envolvido em escândalo de corrupção. Uma inversão espetacular do sentido das coisas, que podia quase ser lida como um lance de ficção do tipo folhetim.
O PT, que também tinha origens em movimentos católicos populares, deveria pagar com o próprio sacrifício os pecados de todo o sistema, recebendo a punição dura que até então ninguém recebera. Como o partido sempre sustentou, a democracia devia ter início com a sua chegada ao poder e, não tendo exigido nada da velha corrupção, pagaria com a própria punição para cumprir o seu vaticínio.
Dialeticamente, o juiz negro de grande formação indicado por Lula ao Supremo para fazer reparação social de imagem mostrou-se forte inimigo dos modos tradicionais de corrosão da política, e armou-se o circo da gigantesca disputa simbólica produzida ao redor da punição dos políticos petistas.
Seriam eles os maiores corruptos brasileiros de todos os tempos? Ou bodes expiatórios para a manutenção do status quo? Tudo não passaria de uma lição da direita nos recém-convertidos aos seus próprios jogos? Ou estávamos diante de avanços democráticos que não deveriam retroceder? Ou tudo ao mesmo tempo?
Enquanto petistas recusavam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão às práticas corruptas brasileiras, antipetistas recusavam a realidade óbvia de que o próprio sistema da corrupção lhes pertencia. Criaram-se dois campos de paixão algo delirante, que representam profunda distorção dos próprios sujeitos da política.
Eram as apostas de uma inédita novela política, televisionada ao vivo, que envolvia questões cruciais em conjunto com todo tipo de baixo interesse. Os próprios petistas não ajudaram ao recusarem a responsabilidade política e ao demandarem, com desfaçatez, a lassidão da Justiça que permitiria a impunidade.
O maior erro foi não ter transformado um processo de ilegalidades políticas em um processo de crítica da política das ilegalidades, que o velho partido de esquerda aceitou como nova sina natural. Nesse sentido, mais forte, o PT encenou um episódio de fracasso exemplar.
O julgamento tornou-se uma aula sobre um dos Poderes mais tecnicamente constituído, que pode ter ensinado o modo de funcionar das coisas da Justiça. Jogando dentro da lei, o governo usou o tempo para fazer a indicação de dois juízes que já votaram pela aceitação dos embargos infringentes e poderão agora votar contra a aceitação do crime de formação de quadrilha.
Jogo jogado. Ele implica o excesso de poder franqueado ao poder. Quando a presidente pode indicar seus juízes para julgar os homens de seu partido, podemos reconhecer o ponto irônico que Nietzsche chamou de "a graça da lei", ou seja, o seu caráter ambivalente e perverso, em que uma margem de inimputabilidade para o poder sempre está felizmente garantida.
Delírios de um povo sitiado - RODRIGO CONSTANTINO
O GLOBO - 01/10
O desejo de acreditar na postura ‘moderada’ de grupos que ainda contam com grande contingente de fanáticos religiosos é irresistível
“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)
Participo hoje do evento Oriente Médio: Crise e Esperança, com os jornalistas Caio Blinder, Diogo Mainardi, Guga Chacra e Reinaldo Azevedo. O tema está na ordem do dia, com toda a confusão na Síria e o agora evidente fracasso da Primavera Árabe, que chegou a encantar muitos “especialistas”.
A aparente tentativa de se aproximar do Ocidente por parte do presidente iraniano Rouhani despertou novas esperanças em muitos. Arrisco dizer que vão se decepcionar novamente. Ignoram a premissa básica de que muitos na região simplesmente não aceitam a existência de Israel.
Em “The Oslo Syndrome”, Kenneth Levin apresenta uma tese interessante de por que tantos judeus se enganam em relação às intenções de seus inimigos. O fenômeno seria, antes de tudo, psicológico. Vale resumi-lo, até porque não é do interesse apenas dos judeus, mas de todo o Ocidente.
O autor vai buscar em Anna Freud parte da explicação. Muitas crianças abusadas adotam um comportamento estranho de culpa, como se algo de ruim nelas justificasse sua situação. No afã de conquistar de alguma maneira o amor do parente que a abusa, a criança transfere a responsabilidade para si própria.
Outra possível explicação diz respeito à ingenuidade das crianças. O abuso normalmente vem junto com acusações de que tal ato é consequência de alguma coisa errada que ela fez, e a criança aceita tal fardo pelo valor de face.
Uma terceira possibilidade seria o narcisismo típico da infância. As crianças estão inclinadas a se enxergar como o centro do mundo e se atribuir poderes grandiosos. Isso cria a predisposição para assumirem a responsabilidade de tudo aquilo que acontece com elas, bom ou ruim.
Tais crianças se deparam com duas escolhas: podem compreender que são vítimas de forças e circunstâncias fora de seu controle, o que pode levar a certo desespero; ou podem atribuir os abusos que sofrem a seu próprio comportamento equivocado, assumir responsabilidade e alimentar culpa, o que cria a ilusão de controle da situação.
Caberia a própria criança, então, mudar o comportamento, ser “boazinha”, e por meio dessa reforma ela seria deixada em paz e o abuso terminaria. A primeira escolha é a mais realista. Mas a segunda oferece uma quase irresistível alternativa ao desespero do confronto com a realidade.
Agora podemos compreender melhor a reação de muitos diante dos inimigos islâmicos. Uma sociedade acuada, difamada, atacada e sob constante risco de abuso acaba desenvolvendo mecanismos de fuga que transferem para si própria a culpa do que acontece. Ainda que seja só pela esperança de, ao agir assim, ser deixada em paz por aqueles que a querem destruir.
O acordo que Yasser Arafat recusou em Camp David em 2000 deixou clara essa postura. Israel cedeu em praticamente todas as demandas, inclusive a de um Estado Palestino com a capital em Jerusalém, o controle do Monte do Templo, a devolução de aproximadamente 95% da margem ocidental e toda a Faixa de Gaza, e um pacote de compensação de US$ 30 bilhões para os refugiados de 1948.
O príncipe saudita Bandar exortou Arafat a aceitar a generosa oferta, afirmando que rejeitá-la seria um crime. Arafat, entretanto, escolheu o crime, pois seu terrorismo dependia da manutenção do “bode expiatório”. A paz simplesmente não era do interesse das lideranças palestinas, ligadas a grupos radicais.
Mas o desejo de acreditar na postura “moderada” de grupos que ainda contam com grande contingente de fanáticos religiosos é irresistível para um povo sitiado. Cada mínimo aceno na direção de uma contemporização, ainda que seja uma tática dissimulada para ganhar tempo, é visto como prova de que tudo será diferente e que, agora, haverá paz. Se ao menos o nosso lado ceder mais um pouco...
Essa reflexão vale para muitos outros casos. Podemos pensar nos empresários sempre difamados em uma cultura onde o lucro é visto como fruto da exploração. Cansados de tanta propaganda enganosa e tantos ataques, muitos resolvem ceder e até elogiar o socialismo. Pensam que assim serão aliviados.
Ou então em um candidato que, “acusado” de defender a privatização, vira um outdoor ambulante de marcas estatais. Ou, por fim, em um grande veículo de imprensa que, insistentemente acusado de “golpista” pelos verdadeiros golpistas, acaba cedendo e apelando para um revisionismo histórico para agradar aos inimigos, hoje no poder.
Nada adianta, claro, quando o inimigo só aceita a nossa destruição.
O desejo de acreditar na postura ‘moderada’ de grupos que ainda contam com grande contingente de fanáticos religiosos é irresistível
“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)
Participo hoje do evento Oriente Médio: Crise e Esperança, com os jornalistas Caio Blinder, Diogo Mainardi, Guga Chacra e Reinaldo Azevedo. O tema está na ordem do dia, com toda a confusão na Síria e o agora evidente fracasso da Primavera Árabe, que chegou a encantar muitos “especialistas”.
A aparente tentativa de se aproximar do Ocidente por parte do presidente iraniano Rouhani despertou novas esperanças em muitos. Arrisco dizer que vão se decepcionar novamente. Ignoram a premissa básica de que muitos na região simplesmente não aceitam a existência de Israel.
Em “The Oslo Syndrome”, Kenneth Levin apresenta uma tese interessante de por que tantos judeus se enganam em relação às intenções de seus inimigos. O fenômeno seria, antes de tudo, psicológico. Vale resumi-lo, até porque não é do interesse apenas dos judeus, mas de todo o Ocidente.
O autor vai buscar em Anna Freud parte da explicação. Muitas crianças abusadas adotam um comportamento estranho de culpa, como se algo de ruim nelas justificasse sua situação. No afã de conquistar de alguma maneira o amor do parente que a abusa, a criança transfere a responsabilidade para si própria.
Outra possível explicação diz respeito à ingenuidade das crianças. O abuso normalmente vem junto com acusações de que tal ato é consequência de alguma coisa errada que ela fez, e a criança aceita tal fardo pelo valor de face.
Uma terceira possibilidade seria o narcisismo típico da infância. As crianças estão inclinadas a se enxergar como o centro do mundo e se atribuir poderes grandiosos. Isso cria a predisposição para assumirem a responsabilidade de tudo aquilo que acontece com elas, bom ou ruim.
Tais crianças se deparam com duas escolhas: podem compreender que são vítimas de forças e circunstâncias fora de seu controle, o que pode levar a certo desespero; ou podem atribuir os abusos que sofrem a seu próprio comportamento equivocado, assumir responsabilidade e alimentar culpa, o que cria a ilusão de controle da situação.
Caberia a própria criança, então, mudar o comportamento, ser “boazinha”, e por meio dessa reforma ela seria deixada em paz e o abuso terminaria. A primeira escolha é a mais realista. Mas a segunda oferece uma quase irresistível alternativa ao desespero do confronto com a realidade.
Agora podemos compreender melhor a reação de muitos diante dos inimigos islâmicos. Uma sociedade acuada, difamada, atacada e sob constante risco de abuso acaba desenvolvendo mecanismos de fuga que transferem para si própria a culpa do que acontece. Ainda que seja só pela esperança de, ao agir assim, ser deixada em paz por aqueles que a querem destruir.
O acordo que Yasser Arafat recusou em Camp David em 2000 deixou clara essa postura. Israel cedeu em praticamente todas as demandas, inclusive a de um Estado Palestino com a capital em Jerusalém, o controle do Monte do Templo, a devolução de aproximadamente 95% da margem ocidental e toda a Faixa de Gaza, e um pacote de compensação de US$ 30 bilhões para os refugiados de 1948.
O príncipe saudita Bandar exortou Arafat a aceitar a generosa oferta, afirmando que rejeitá-la seria um crime. Arafat, entretanto, escolheu o crime, pois seu terrorismo dependia da manutenção do “bode expiatório”. A paz simplesmente não era do interesse das lideranças palestinas, ligadas a grupos radicais.
Mas o desejo de acreditar na postura “moderada” de grupos que ainda contam com grande contingente de fanáticos religiosos é irresistível para um povo sitiado. Cada mínimo aceno na direção de uma contemporização, ainda que seja uma tática dissimulada para ganhar tempo, é visto como prova de que tudo será diferente e que, agora, haverá paz. Se ao menos o nosso lado ceder mais um pouco...
Essa reflexão vale para muitos outros casos. Podemos pensar nos empresários sempre difamados em uma cultura onde o lucro é visto como fruto da exploração. Cansados de tanta propaganda enganosa e tantos ataques, muitos resolvem ceder e até elogiar o socialismo. Pensam que assim serão aliviados.
Ou então em um candidato que, “acusado” de defender a privatização, vira um outdoor ambulante de marcas estatais. Ou, por fim, em um grande veículo de imprensa que, insistentemente acusado de “golpista” pelos verdadeiros golpistas, acaba cedendo e apelando para um revisionismo histórico para agradar aos inimigos, hoje no poder.
Nada adianta, claro, quando o inimigo só aceita a nossa destruição.
Trens, ônibus & vans - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 01/10
A resposta de uma consulta ao TSE em 2009 é o principal motivo da corrida de muitos políticos aos novos partidos. É que o texto praticamente transforma os partidos objetos de fusão ou as novas agremiações em meios de transporte para outras legendas, sem quebra da tal fidelidade partidária
Se alguém tiver a curiosidade de ler algumas consultas feitas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há alguns anos, verá que os novos partidos, principalmente, o Solidariedade e o Pros, podem se tornar uma carta de alforria destinada àqueles que se incomodam com a fidelidade partidária. Em tese, se for levada ao pé da letra a resposta do ministro Ricardo Lewandowski à consulta 1.695/2009, basta o congressista irritado com a fidelidade partidária buscar um desses partidos que se tornará senhor absoluto do mandato, se quiser deixar a nova legenda. Assim, esses partidos recém-chegados servirão apenas como um meio de transporte para que o deputado possa se filiar logo depois onde bem entender, sem ser incomodado.
Lewandowski, obviamente, não tratava de nenhum caso específico ao relatar a consulta, feita pelo então deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Mas a resposta do ministro, segundo especialistas em direito eleitoral, traz um entendimento claro e uma tese perturbadora, dada a profusão de novos partidos. Resumindo, em seu voto, o ministro cita que, respeitada a justa causa da desfiliação partidária, não há como um novo partido reclamar o mandato do deputado. E baseia a tese nas decisões anteriores não só do TSE como também do Supremo Tribunal Federal.
Diz Lewandowski que, ao analisar mandados de segurança a respeito de fidelidade partidária, o STF “teve em conta o partido originário e o eleitor”, mas diz que o caso de suma importância já tem um entendimento no tribunal. “Conforme esse entendimento, filiado a outro partido pelo qual não se elegeu, não há que se falar na possibilidade de a nova agremiação requerer o cargo. (…) É possível que o parlamentar se desfilie de partido sem que reste carecterizada a possibilidade de decretação de perda do cargo por infidelidade partidária a que se refere o normativo, que tem aplicação restrita à relação partidária existente no momento das eleições”, diz o texto, que leva a assinatura de Lewandowski.
Se a tese valer para todo e qualquer caso, explica-se a migração tão repentina de deputados a partidos desconhecidos e sem identidade ideológica. É que, assim que se filiarem ao novo partido, eles podem pular para outra estação sem serem incomodados. Ou seja, quem ingressou no PEN, ou mesmo no PSD, pode perfeitamente usá-los como um trem capaz de levar um deputado a qualquer estação.
Obviamente, Rollemberg não tinha a menor ideia do que estava criando ao fazer a consulta, há quatro anos. Ele queria apenas saber o que poderia ocorrer diante da seguinte situação: o parlamentar é eleito pelo partido A que, posteriormente, é incorporado ao partido B. Inconformado com a incorporação, o parlamentar se desfilia e ingressa no partido C. Dada essa hipótese, ele pergunta se “o parlamentar poderia se desfiliar do partido C, sem perder o mandato, para ingressar num novo partido, considerando que o partido C não é aquele pelo qual se elegeu originalmente?”. Outra pergunta: qual partido teria legitimidade para reclamar a vaga: o partido pelo qual originalmente se elegeu ou o partido do qual o parlamentar se desfiliou por último? Obviamente, segundo alguns especialistas, a tese vale também para novos partidos.
Enquanto isso, no Congresso…
A sorte é que muitos políticos só se deram conta dessa tese — e da possibilidade da carta de alforria — esta semana, quando faltam menos de dez dias para o fim do prazo de filiação partidária. Se houvesse mais tempo, talvez mais de 60% do Congresso pegassem um trenzinho desses aí só para ficarem donos dos próprios mandatos.
Essa perspectiva no futuro nos deixa a certeza de que, se os partidos tradicionais não tomarem providências no sentido de clarear a legislação sobre filiação partidária, certamente a “bagunça” ficará pior. Agora, os deputados podem levar fundo partidário e tempo de tevê às novas legendas. Se ingressarem nesses partidos nesta terça-feira e saírem amanhã, como fica? Carregam a fração com eles ou deixam a título de “indenização” ou “partilha de bens” ao novo partido? Essas perguntas ainda não têm resposta, até porque essa história está em construção. A semana ainda guarda muitas emoções e, diante dessa tese, fica mais pesado ainda.
E o Lula, hein?
Ele é esperado amanhã na filiação partidária de Josué Gomes da Silva, filho do falecido ex-vice-presidente José Alencar. Josué chega ao PMDB pelas mãos de Lula e de Michel Temer para tentar enfraquecer o senador Aécio Neves em Minas Gerais. Daí, a festa de hoje. Mas essa é outra história.
Se alguém tiver a curiosidade de ler algumas consultas feitas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há alguns anos, verá que os novos partidos, principalmente, o Solidariedade e o Pros, podem se tornar uma carta de alforria destinada àqueles que se incomodam com a fidelidade partidária. Em tese, se for levada ao pé da letra a resposta do ministro Ricardo Lewandowski à consulta 1.695/2009, basta o congressista irritado com a fidelidade partidária buscar um desses partidos que se tornará senhor absoluto do mandato, se quiser deixar a nova legenda. Assim, esses partidos recém-chegados servirão apenas como um meio de transporte para que o deputado possa se filiar logo depois onde bem entender, sem ser incomodado.
Lewandowski, obviamente, não tratava de nenhum caso específico ao relatar a consulta, feita pelo então deputado Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Mas a resposta do ministro, segundo especialistas em direito eleitoral, traz um entendimento claro e uma tese perturbadora, dada a profusão de novos partidos. Resumindo, em seu voto, o ministro cita que, respeitada a justa causa da desfiliação partidária, não há como um novo partido reclamar o mandato do deputado. E baseia a tese nas decisões anteriores não só do TSE como também do Supremo Tribunal Federal.
Diz Lewandowski que, ao analisar mandados de segurança a respeito de fidelidade partidária, o STF “teve em conta o partido originário e o eleitor”, mas diz que o caso de suma importância já tem um entendimento no tribunal. “Conforme esse entendimento, filiado a outro partido pelo qual não se elegeu, não há que se falar na possibilidade de a nova agremiação requerer o cargo. (…) É possível que o parlamentar se desfilie de partido sem que reste carecterizada a possibilidade de decretação de perda do cargo por infidelidade partidária a que se refere o normativo, que tem aplicação restrita à relação partidária existente no momento das eleições”, diz o texto, que leva a assinatura de Lewandowski.
Se a tese valer para todo e qualquer caso, explica-se a migração tão repentina de deputados a partidos desconhecidos e sem identidade ideológica. É que, assim que se filiarem ao novo partido, eles podem pular para outra estação sem serem incomodados. Ou seja, quem ingressou no PEN, ou mesmo no PSD, pode perfeitamente usá-los como um trem capaz de levar um deputado a qualquer estação.
Obviamente, Rollemberg não tinha a menor ideia do que estava criando ao fazer a consulta, há quatro anos. Ele queria apenas saber o que poderia ocorrer diante da seguinte situação: o parlamentar é eleito pelo partido A que, posteriormente, é incorporado ao partido B. Inconformado com a incorporação, o parlamentar se desfilia e ingressa no partido C. Dada essa hipótese, ele pergunta se “o parlamentar poderia se desfiliar do partido C, sem perder o mandato, para ingressar num novo partido, considerando que o partido C não é aquele pelo qual se elegeu originalmente?”. Outra pergunta: qual partido teria legitimidade para reclamar a vaga: o partido pelo qual originalmente se elegeu ou o partido do qual o parlamentar se desfiliou por último? Obviamente, segundo alguns especialistas, a tese vale também para novos partidos.
Enquanto isso, no Congresso…
A sorte é que muitos políticos só se deram conta dessa tese — e da possibilidade da carta de alforria — esta semana, quando faltam menos de dez dias para o fim do prazo de filiação partidária. Se houvesse mais tempo, talvez mais de 60% do Congresso pegassem um trenzinho desses aí só para ficarem donos dos próprios mandatos.
Essa perspectiva no futuro nos deixa a certeza de que, se os partidos tradicionais não tomarem providências no sentido de clarear a legislação sobre filiação partidária, certamente a “bagunça” ficará pior. Agora, os deputados podem levar fundo partidário e tempo de tevê às novas legendas. Se ingressarem nesses partidos nesta terça-feira e saírem amanhã, como fica? Carregam a fração com eles ou deixam a título de “indenização” ou “partilha de bens” ao novo partido? Essas perguntas ainda não têm resposta, até porque essa história está em construção. A semana ainda guarda muitas emoções e, diante dessa tese, fica mais pesado ainda.
E o Lula, hein?
Ele é esperado amanhã na filiação partidária de Josué Gomes da Silva, filho do falecido ex-vice-presidente José Alencar. Josué chega ao PMDB pelas mãos de Lula e de Michel Temer para tentar enfraquecer o senador Aécio Neves em Minas Gerais. Daí, a festa de hoje. Mas essa é outra história.
Fins lucrativos - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 01/10
Como são 32 poderiam ser 320 os partidos brasileiros que o problema continuaria residindo no método e não na quantidade. As legendas são legais, mas não são em sua maioria legítimas. Ou, por outra, as regras legitimam o padrão da negociata que chegou aos píncaros do desassombro, como se vê nas declarações e movimentações dos capitães das duas mais recentes: PROS e Solidariedade.
Ambos, o ex-vereador/caixeiro viajante Eurípedes Júnior e o deputado/sindicalista Paulo Pereira da Silva, abriram os respectivos guichês assim que obtido o registro na Justiça Eleitoral, com desenvoltura assombrosa. Sobretudo pela aceitação dos métodos no mundo político: nenhum partido, parlamentar ou governante parece ter nada contra a comercialização explícita de prerrogativas partidárias e de benefícios públicos.
Ao contrário. Não obstante vários deles pertencentes às ditas siglas tradicionais teorizem sobre o absurdo dessas empresas de fachada, na prática se valem delas para acomodar seus interesses, bajulam os fundadores e fecham seus contratos sem a menor cerimônia, em meio a manifestações efusivas.
As mercadorias: controle regional da legenda, domínio do tempo de rádio e televisão e repasse dos recursos do Fundo Partidário a cada parlamentar cooptado conforme os votos teoricamente transplantados de um partido ao outro. Entre 40% e 50% é a parcela combinada.
Vamos aos fatos. Mal comparando, o que foi o mensalão senão a transferência de dinheiro às legendas que formariam a maioria do governo petista no Congresso mediante os instrumentos do PT no manejo do poder? O conceito é o mesmo, repetido nas barbas de todos com aval inclusive dos que se imaginam muito diferentes dos políticos condenados no Supremo Tribunal Federal.
O consumidor, no caso o eleitor/contribuinte/financiador da farra, fica sem defesa. Nem à Justiça pode recorrer porque saíram dos tribunais - Superior Eleitoral e Supremo Federal - as decisões que facilitaram a proliferação do comércio. Notadamente aquela que contrariou a lei que dá acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de televisão somente aos partidos já submetidos ao crivo das urnas e a outra que dá a novas legendas a prerrogativa de tornar inimputável a prática do troca-troca mercantil.
Hoje, qualquer um que detenha o controle da técnica e do tempo de coleta e validação das assinaturas necessárias ao registro pode criar um desses quiosques aos quais se dão indevidamente o nome de partidos políticos.
O defeito não está no número de legendas. Reside, isso sim, na concepção de que devam necessariamente ser financiadas e sustentadas por dinheiro público. Cortem-se as verbas e consequentemente haverá redução do interesse de se fundarem partidos ao molde de armazéns.
E como viverão eles? Ora, entidades de direito privado que são, virem-se como quiserem ou puderem. O Estado não tem, ou não deveria ter, obrigação de sustentá-los. Não há benefício democrático algum nessa maneira de se fazer as coisas. A liberdade de associação partidária está garantida pela Constituição.
A partir daí a maneira como cada força sobrevive é problema delas: que conquistem adeptos com suas ideias, que estabeleçam formas de arrecadação de dinheiro obviamente dentro da legalidade e partam para a disputa eleitoral nas condições criadas pela própria competência. Quem não tiver não se estabelece e ponto final.
A democracia brasileira não sairá por isso ferida. Ao contrário, pode começar a funcionar bem melhor. Isto já que da reforma política só se ouve falar quando algum escândalo aperta os calos de suas excelências, que até agora só demonstraram disposição de mudar as coisas para pior.
Como são 32 poderiam ser 320 os partidos brasileiros que o problema continuaria residindo no método e não na quantidade. As legendas são legais, mas não são em sua maioria legítimas. Ou, por outra, as regras legitimam o padrão da negociata que chegou aos píncaros do desassombro, como se vê nas declarações e movimentações dos capitães das duas mais recentes: PROS e Solidariedade.
Ambos, o ex-vereador/caixeiro viajante Eurípedes Júnior e o deputado/sindicalista Paulo Pereira da Silva, abriram os respectivos guichês assim que obtido o registro na Justiça Eleitoral, com desenvoltura assombrosa. Sobretudo pela aceitação dos métodos no mundo político: nenhum partido, parlamentar ou governante parece ter nada contra a comercialização explícita de prerrogativas partidárias e de benefícios públicos.
Ao contrário. Não obstante vários deles pertencentes às ditas siglas tradicionais teorizem sobre o absurdo dessas empresas de fachada, na prática se valem delas para acomodar seus interesses, bajulam os fundadores e fecham seus contratos sem a menor cerimônia, em meio a manifestações efusivas.
As mercadorias: controle regional da legenda, domínio do tempo de rádio e televisão e repasse dos recursos do Fundo Partidário a cada parlamentar cooptado conforme os votos teoricamente transplantados de um partido ao outro. Entre 40% e 50% é a parcela combinada.
Vamos aos fatos. Mal comparando, o que foi o mensalão senão a transferência de dinheiro às legendas que formariam a maioria do governo petista no Congresso mediante os instrumentos do PT no manejo do poder? O conceito é o mesmo, repetido nas barbas de todos com aval inclusive dos que se imaginam muito diferentes dos políticos condenados no Supremo Tribunal Federal.
O consumidor, no caso o eleitor/contribuinte/financiador da farra, fica sem defesa. Nem à Justiça pode recorrer porque saíram dos tribunais - Superior Eleitoral e Supremo Federal - as decisões que facilitaram a proliferação do comércio. Notadamente aquela que contrariou a lei que dá acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de televisão somente aos partidos já submetidos ao crivo das urnas e a outra que dá a novas legendas a prerrogativa de tornar inimputável a prática do troca-troca mercantil.
Hoje, qualquer um que detenha o controle da técnica e do tempo de coleta e validação das assinaturas necessárias ao registro pode criar um desses quiosques aos quais se dão indevidamente o nome de partidos políticos.
O defeito não está no número de legendas. Reside, isso sim, na concepção de que devam necessariamente ser financiadas e sustentadas por dinheiro público. Cortem-se as verbas e consequentemente haverá redução do interesse de se fundarem partidos ao molde de armazéns.
E como viverão eles? Ora, entidades de direito privado que são, virem-se como quiserem ou puderem. O Estado não tem, ou não deveria ter, obrigação de sustentá-los. Não há benefício democrático algum nessa maneira de se fazer as coisas. A liberdade de associação partidária está garantida pela Constituição.
A partir daí a maneira como cada força sobrevive é problema delas: que conquistem adeptos com suas ideias, que estabeleçam formas de arrecadação de dinheiro obviamente dentro da legalidade e partam para a disputa eleitoral nas condições criadas pela própria competência. Quem não tiver não se estabelece e ponto final.
A democracia brasileira não sairá por isso ferida. Ao contrário, pode começar a funcionar bem melhor. Isto já que da reforma política só se ouve falar quando algum escândalo aperta os calos de suas excelências, que até agora só demonstraram disposição de mudar as coisas para pior.
Mais justiça - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 01/10
Existem 90 milhões de conflitos na Justiça. A briga nos tribunais parece ser um esporte nacional — quase tão popular quanto o futebol
O voto é considerado o principal instrumento de um regime democrático. E, nessa área — com lamentáveis exceções nos cafundós do país — o brasileiro não tem contra o que protestar.
Contamos com um sistema político corretamente montado na maior parte do território. Ou em boa parte dele, numa visão menos otimista, mas provavelmente, lamentavelmente, mais realista. Quanto aos mencionados cafundós, não somos muito diferentes de outros países igualmente (ou formalmente?) democráticos e de grandes dimensões — mas com um nível de maturidade política mais desenvolvido do que existe na maioria deles.
Digamos assim: não somos parecidos com a Suécia ou a Holanda, mas podemos nos considerar entre os times da primeira divisão na turma abaixo do Equador. Dá para o gasto, digamos assim outra vez, mas é igualmente vasto o espaço para considerável melhoria. A classe política tem ciência disso — e prova disso é o trabalho, terminado na semana passada, de uma comissão de juristas criada no Senado, visando a melhorar em diversos aspectos o trabalho do Judiciário.
Especificamente, trata-se de atualizar a Lei de Arbitragem e criar um marco legal para a solução de conflitos. A situação atual pode ser definida como alarmante: existem 90 milhões de conflitos na Justiça. A briga nos tribunais parece ser um esporte nacional — quase tão popular quanto o futebol.
Uma novidade que pode dar mais agilidade à Justiça será a criação da arbitragem, que permitirá à administração pública resolver conflitos em contratos com empresas privadas por meio de arbitragem extrajudicial.
Espera-se que, com as novidades anunciadas, o Brasil deixe de ser um dos países com maior número de litígios nos tribunais. Ou com melhor solução para os litígios, dirão os pessimistas. E acrescentarão, abrandando um pouco o pessimismo: será um alívio para o Judiciário — possivelmente influindo não apenas na rapidez das suas decisões como, sem demérito para o seu trabalho atual, na própria qualidade das decisões.
Existem 90 milhões de conflitos na Justiça. A briga nos tribunais parece ser um esporte nacional — quase tão popular quanto o futebol
O voto é considerado o principal instrumento de um regime democrático. E, nessa área — com lamentáveis exceções nos cafundós do país — o brasileiro não tem contra o que protestar.
Contamos com um sistema político corretamente montado na maior parte do território. Ou em boa parte dele, numa visão menos otimista, mas provavelmente, lamentavelmente, mais realista. Quanto aos mencionados cafundós, não somos muito diferentes de outros países igualmente (ou formalmente?) democráticos e de grandes dimensões — mas com um nível de maturidade política mais desenvolvido do que existe na maioria deles.
Digamos assim: não somos parecidos com a Suécia ou a Holanda, mas podemos nos considerar entre os times da primeira divisão na turma abaixo do Equador. Dá para o gasto, digamos assim outra vez, mas é igualmente vasto o espaço para considerável melhoria. A classe política tem ciência disso — e prova disso é o trabalho, terminado na semana passada, de uma comissão de juristas criada no Senado, visando a melhorar em diversos aspectos o trabalho do Judiciário.
Especificamente, trata-se de atualizar a Lei de Arbitragem e criar um marco legal para a solução de conflitos. A situação atual pode ser definida como alarmante: existem 90 milhões de conflitos na Justiça. A briga nos tribunais parece ser um esporte nacional — quase tão popular quanto o futebol.
Uma novidade que pode dar mais agilidade à Justiça será a criação da arbitragem, que permitirá à administração pública resolver conflitos em contratos com empresas privadas por meio de arbitragem extrajudicial.
Espera-se que, com as novidades anunciadas, o Brasil deixe de ser um dos países com maior número de litígios nos tribunais. Ou com melhor solução para os litígios, dirão os pessimistas. E acrescentarão, abrandando um pouco o pessimismo: será um alívio para o Judiciário — possivelmente influindo não apenas na rapidez das suas decisões como, sem demérito para o seu trabalho atual, na própria qualidade das decisões.
Tamanho não é documento - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 01/10
CINGAPURA - Como é que Cingapura, país com apenas 716 km? e 5,4 milhões de habitantes e que só alcançou sua independência na década de 1960, conseguiu dar o pulo do gato e virar "tigre asiático"?
São duas palavras mágicas: rumo e planejamento. Tudo aqui é idealizado, decidido e executado para daí a 20, 30 anos. Não para ontem.
Já na independência, Cingapura concluiu que seu mercado interno jamais impulsionaria o crescimento e entrou na contramão. Enquanto o Brasil e muitos outros "em desenvolvimento" executavam a política de substituição de importações, essa Cidade-Estado fez como a Suécia e jogou as fichas na abertura econômica, com estímulo ao investimento externo e ao capital privado interno.
Foi um projeto bumerangue, que reverteu em recursos para habitação, saúde, tecnologia e, claro, educação. Detalhe: para ajustar a formação dos cidadãos à estratégia da abertura ao exterior, o inglês passou a ser língua obrigatória.
Exemplo do sucesso: 87% da população têm casa própria, e as "casas públicas" não parecem nada com os projetos habitacionais para pobres construídos no Brasil. Aqui, elas têm boa qualidade e preços cada vez mais altos (por falar em altura, os prédios executivos do centro têm até 70 andares).
E Cingapura fez o óbvio. Potencializou as vantagens: o porto de águas profundas serve a toda a região, o número de turistas/ano é três vezes maior do que o da população. E driblou as desvantagens: não havia água? Pois, hoje, o sistema de tratamento de água atrai técnicos de todo o mundo.
Nada na vida é perfeito, e o regime político é atípico, curioso: o mesmo partido e a mesma família mandam no país há décadas e as decisões são tomadas de cima para baixo. Eleições há, o que não há é alternância real de poder. Mas, se o povo está feliz, de barriga cheia e com emprego, casa para morar e escola para estudar, quem está aqui para reclamar?
CINGAPURA - Como é que Cingapura, país com apenas 716 km? e 5,4 milhões de habitantes e que só alcançou sua independência na década de 1960, conseguiu dar o pulo do gato e virar "tigre asiático"?
São duas palavras mágicas: rumo e planejamento. Tudo aqui é idealizado, decidido e executado para daí a 20, 30 anos. Não para ontem.
Já na independência, Cingapura concluiu que seu mercado interno jamais impulsionaria o crescimento e entrou na contramão. Enquanto o Brasil e muitos outros "em desenvolvimento" executavam a política de substituição de importações, essa Cidade-Estado fez como a Suécia e jogou as fichas na abertura econômica, com estímulo ao investimento externo e ao capital privado interno.
Foi um projeto bumerangue, que reverteu em recursos para habitação, saúde, tecnologia e, claro, educação. Detalhe: para ajustar a formação dos cidadãos à estratégia da abertura ao exterior, o inglês passou a ser língua obrigatória.
Exemplo do sucesso: 87% da população têm casa própria, e as "casas públicas" não parecem nada com os projetos habitacionais para pobres construídos no Brasil. Aqui, elas têm boa qualidade e preços cada vez mais altos (por falar em altura, os prédios executivos do centro têm até 70 andares).
E Cingapura fez o óbvio. Potencializou as vantagens: o porto de águas profundas serve a toda a região, o número de turistas/ano é três vezes maior do que o da população. E driblou as desvantagens: não havia água? Pois, hoje, o sistema de tratamento de água atrai técnicos de todo o mundo.
Nada na vida é perfeito, e o regime político é atípico, curioso: o mesmo partido e a mesma família mandam no país há décadas e as decisões são tomadas de cima para baixo. Eleições há, o que não há é alternância real de poder. Mas, se o povo está feliz, de barriga cheia e com emprego, casa para morar e escola para estudar, quem está aqui para reclamar?
O espírito da lei - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 01/10
Se faltam ao Rede Sustentabilidade, o partido que a ex-senadora Marina Silva quer criar, cerca de 30 mil assinaturas certificadas para atingir o mínimo exigido na legislação eleitoral, sobram diretórios regionais aprovados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. O partido está formado em nada menos que 15 estados brasileiros, o que lhe dá a indiscutível marca nacional, que é o espírito da legislação.
Ao afirmar ontem que a criação de novos partidos políticos não faz bem à estabilidade da democracia brasileira, o presidente do Supremo tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, tocou num dos pontos ; centrais da discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode decidir ainda hoje, o mais tardar amanhã, o destino do partido que a ex-senadora Marina Silva pretende criar.
Há ministros que consideram que é preciso flexibilizar o entendimento da legislação para que não haja pesos diferentes nas decisões, que desde a aprovação do PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab têm sido bastante benevolente com os políticos.
Também nos casos do PROS e do Solidariedade, aprovados recentemente, houve flexibilização da legislação. As denúncias de fraudes não chegaram a sensibilizar a maioria do plenário, que considerou em suma que eventuais desvios poderiam ser investigados e punidos posteriormente, sem que o registro do partido sofresse prejuízos.
No caso do PSD, houve uma discussão sobre as exigências da legislação. Embora tenha apresentado 538.263 assinaturas, além do mínimo exigido de 491 mil, o PSD tinha listas autenticadas apenas por cartórios eleitorais e outras consolidadas por TREs.
A divergência principal ocorreu porque a Lei dos Partidos, de 1995, determina a comprovação do apoio por meio dos
cartórios eleitorais, mas uma resolução recente do TSE determina que os Tribunais Regionais Eleitorais devem emitir documentos para comprovar que o partido obteve o apoio necessário.
A maioria dos ministros entendeu, no entanto, que as assinaturas certificadas por cartórios deveriam ser aceitas para comprovar os apoios em nível nacional. A certificação dos TREs seria necessária apenas para a formalização dos diretórios regionais do novo partido.
A ex-senadora Marina Silva levou aos ministros do TSE documentos que demonstram que o Rede Sustentabilidade apresentou um total de 650 mil assinaturas, sendo que pelo menos 95 mil delas foram rejeitadas sem que os cartórios dessem uma justificação. Há diversos depoimentos de pessoas que tiveram suas assinaturas rejeitadas (como a cantora Adriana Calcanhoto, e vários jovens e idosos), porque não votaram na eleição municipal de 2012, não sendo possível aos cartórios eleitorais checar seus dados.
Acontece que a legislação não exige que o eleitor esteja em dia com suas obrigações para fins de apoio a um partido político, bastando que o seu nome e o número do título confiram.
Voltando ao comentário do ministro Joaquim Barbosa, vários ministros concordam em que tem que haver uma revisão do sistema partidário, mas não se pode fazê-la de forma casuística, prejudicando um partido que representa de fato uma parcela do eleitorado que já deu cerca de 20 milhões de votos a Marina Silva na última eleição presidencial, e a aponta como segunda colocada em todas as pesquisas de opinião do momento.
Ao afirmar ontem que a criação de novos partidos políticos não faz bem à estabilidade da democracia brasileira, o presidente do Supremo tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, tocou num dos pontos ; centrais da discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode decidir ainda hoje, o mais tardar amanhã, o destino do partido que a ex-senadora Marina Silva pretende criar.
Há ministros que consideram que é preciso flexibilizar o entendimento da legislação para que não haja pesos diferentes nas decisões, que desde a aprovação do PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab têm sido bastante benevolente com os políticos.
Também nos casos do PROS e do Solidariedade, aprovados recentemente, houve flexibilização da legislação. As denúncias de fraudes não chegaram a sensibilizar a maioria do plenário, que considerou em suma que eventuais desvios poderiam ser investigados e punidos posteriormente, sem que o registro do partido sofresse prejuízos.
No caso do PSD, houve uma discussão sobre as exigências da legislação. Embora tenha apresentado 538.263 assinaturas, além do mínimo exigido de 491 mil, o PSD tinha listas autenticadas apenas por cartórios eleitorais e outras consolidadas por TREs.
A divergência principal ocorreu porque a Lei dos Partidos, de 1995, determina a comprovação do apoio por meio dos
cartórios eleitorais, mas uma resolução recente do TSE determina que os Tribunais Regionais Eleitorais devem emitir documentos para comprovar que o partido obteve o apoio necessário.
A maioria dos ministros entendeu, no entanto, que as assinaturas certificadas por cartórios deveriam ser aceitas para comprovar os apoios em nível nacional. A certificação dos TREs seria necessária apenas para a formalização dos diretórios regionais do novo partido.
A ex-senadora Marina Silva levou aos ministros do TSE documentos que demonstram que o Rede Sustentabilidade apresentou um total de 650 mil assinaturas, sendo que pelo menos 95 mil delas foram rejeitadas sem que os cartórios dessem uma justificação. Há diversos depoimentos de pessoas que tiveram suas assinaturas rejeitadas (como a cantora Adriana Calcanhoto, e vários jovens e idosos), porque não votaram na eleição municipal de 2012, não sendo possível aos cartórios eleitorais checar seus dados.
Acontece que a legislação não exige que o eleitor esteja em dia com suas obrigações para fins de apoio a um partido político, bastando que o seu nome e o número do título confiram.
Voltando ao comentário do ministro Joaquim Barbosa, vários ministros concordam em que tem que haver uma revisão do sistema partidário, mas não se pode fazê-la de forma casuística, prejudicando um partido que representa de fato uma parcela do eleitorado que já deu cerca de 20 milhões de votos a Marina Silva na última eleição presidencial, e a aponta como segunda colocada em todas as pesquisas de opinião do momento.
O voo da galinha - ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo - 01/10
A extensa reportagem da revista inglesa The Economist sobre o Brasil devia servir como um programa de governo para a presidenta Dilma.
A revista é reconhecidamente a melhor do mundo em seriedade e profundidade de informação. No entanto, nossa raivosa e arrogante Chefa considerou a matéria uma espécie de oposição à sua administração cada vez mais 'bolivariana': "A revista está mal informada, etc." e repetiu os slogans que seus assessores petistas lhe sopram. É tão impressionante isso tudo. O tom geral da matéria deplora, lamenta que o Brasil, com todas as condições para uma decolagem, um 'take off', esteja jogando tudo para o alto, tanto pelo olho nas eleições quanto pela teimosia ideológica de enfiar o País dentro de um programa arcaico e inútil. Claro que os governistas acusarão a revista de "imperialista", de "neoliberal", de estar do lado das "grandes corporações" - o mesmo uso que fizeram sobre a espionagem americana na Petrobrás (será que descobriram por que a Petrobrás comprou uma refinaria no Texas por 1 bilhão e 200 milhões de dólares que não consegue vender nem por 100 milhões?).
Essa gente que está no poder bota sempre a culpa de nossa indigência em alguém de fora. Nosso amigo e líder Nicolás Maduro, da Venezuela, disse que a falta de papel higiênico, de comida e de energia é tudo culpa dos Estados Unidos. Seguimos sua linha.
Aliás, preparem-se para uma eventual reeleição da Dilma que, ao que tudo indica, vai partir para o 'bolivarianismo' explícito, como já declara o PT e em seu site. Será que a nova Dilma vai se 'cristinizar' para a construção do 'socialismo imaginário' que justificou o 'mensalão'?
Na realidade, a revista, em seu artigo chamado Será que o Brasil se detonou?, praticamente só faz perguntas. "Por quê?" - pergunta a revista o tempo todo.
Por que, entre os países emergentes, nós temos o pior desempenho? Terá sido apenas um voo de galinha (chicken flight?), pois aproveitamos muito mal a enxurrada de dinheiro que entrou aqui nos últimos anos? Por quê? Por que o governo não ataca os problemas principais, enunciados por qualquer economista sério do mundo e se detém em remédios demagógicos, como buscar médicos medíocres em Cuba para fazer propaganda socialista nas cidades pobres, como o ridículo trem-bala, como os estádios bilionários para a Copa, que até nosso povo 'futeboleiro' condenou nas manifestações? Por que o famoso PAC, com seu 'desenvolvimentismo tardio' não consegue terminar nem 20% das obras propostas? Por que o governo não consegue privatizar (opa: 'fazer concessões') nem rodovias, nem ferrovias, nem aeroportos, sem errar várias vezes, sem conseguir redigir contratos decentes, atraentes? Por que o rio S. Francisco continua parado, com grandes regos secos que o Exército fez? Por que não explicam à população as causas dos atrasos, em vez de gastarem bilhões em propaganda enganosa? Por que o número de carros dobrou em 10 anos e as estradas continuam podres e paralisadas? Por que a China acaba de cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja por causa da dificuldade do 'gargalo Brasil'? Por que a maior produção de soja no mundo fica na fila infinita de caminhões porque não há silos, detidos pela burocracia mais atrasada do planeta? Por que a inflação pode se descontrolar de novo? Por que contrataram mais de 100 mil pelegos para boquinhas no governo, em vez de cortar custos da atividade-meio? Por que estimular o consumo, sem estimular o aumento da oferta? Por que os preços no Brasil são o dobro de qualquer país do mundo, sendo que o chamado 'Big Mac Index', a ferramenta de comparação de preços, mostra que nosso Big Mac é 72% mais caro que em qualquer lugar e carros custam 45 mais caro que no México, EUA? "Ah... porque a carga tributária é de 36% do PIB e nos outros países semelhantes não passa de 21%." Então, por que não lutar por uma reforma tributária profunda, em vez de jogadas periódicas premiando uma ou outra atividade? Por quê? "Ah, porque é muito difícil passar no Legislativo..." Mas, por que não usar toda a força da maioria que têm para isso? Por que a agroindústria, tão esquecida pelo governo (que gosta mais do MST), nos salva todo ano com sua lucratividade? Será que vai bem justamente porque o governo não se meteu? Por que o SUS é a porta do inferno? Por que a educação zero está impedindo a produção nacional, sem mão de obra para nada? Por que temos o recorde mundial de analfabetismo funcional? Por que será que os investidores internacionais têm medo de vir para cá, ultimamente? Será que é porque eles sabem que nós mudamos regras, não respeitamos contratos nem marcos regulatórios e porque nós queremos lhes enfiar o Estado goela abaixo? Por que será que, de todo o dinheiro arrecadado para as aposentadorias no País, 50% é para pagar apenas 20 % dos aposentados (setor público, claro), enquanto a outra metade é para pagar os 80% restantes? Por que somente 1,5% do PIB é investido em infraestrutura, quando no resto do mundo é por volta de 4%? Por quê? Nossa infraestrutura é a 114 pior entre 148 países.
Ou seja, continuamos sob 'anestesia mas sem cirurgia' (Simonsen). Por quê? Talvez a resposta esteja em Platão e sua carroça. Ele disse que é dificílimo guiar um carro com dois cavalos diferentes - um bom marchador e outro manco e lento. É nosso destino, em um governo dividido entre o 'bolivarianismo' e as necessidades óbvias, reais do País. Ao contrário do que proclamam, o óbvio pragmatismo administrativo não é 'de direita' não, e seria bom para o crescimento e para reduzir a desigualdade.
A matéria do The Economist tem a boa intenção de nos acordar para a racionalidade; não quer nos destruir, não é da 'oposição'. A reportagem da revista, que é lida no mundo inteiro, serve para nos lembrar da famosa frase de Reagan (sim, o reacionário) - perfeita para nos definir: "O Estado não é a solução; o Estado é o problema".
Ah, sim; a revista esqueceu de mencionar uma importante força da natureza que nos impele para o erro: a muito esquecida categoria política da... Burrice.
A extensa reportagem da revista inglesa The Economist sobre o Brasil devia servir como um programa de governo para a presidenta Dilma.
A revista é reconhecidamente a melhor do mundo em seriedade e profundidade de informação. No entanto, nossa raivosa e arrogante Chefa considerou a matéria uma espécie de oposição à sua administração cada vez mais 'bolivariana': "A revista está mal informada, etc." e repetiu os slogans que seus assessores petistas lhe sopram. É tão impressionante isso tudo. O tom geral da matéria deplora, lamenta que o Brasil, com todas as condições para uma decolagem, um 'take off', esteja jogando tudo para o alto, tanto pelo olho nas eleições quanto pela teimosia ideológica de enfiar o País dentro de um programa arcaico e inútil. Claro que os governistas acusarão a revista de "imperialista", de "neoliberal", de estar do lado das "grandes corporações" - o mesmo uso que fizeram sobre a espionagem americana na Petrobrás (será que descobriram por que a Petrobrás comprou uma refinaria no Texas por 1 bilhão e 200 milhões de dólares que não consegue vender nem por 100 milhões?).
Essa gente que está no poder bota sempre a culpa de nossa indigência em alguém de fora. Nosso amigo e líder Nicolás Maduro, da Venezuela, disse que a falta de papel higiênico, de comida e de energia é tudo culpa dos Estados Unidos. Seguimos sua linha.
Aliás, preparem-se para uma eventual reeleição da Dilma que, ao que tudo indica, vai partir para o 'bolivarianismo' explícito, como já declara o PT e em seu site. Será que a nova Dilma vai se 'cristinizar' para a construção do 'socialismo imaginário' que justificou o 'mensalão'?
Na realidade, a revista, em seu artigo chamado Será que o Brasil se detonou?, praticamente só faz perguntas. "Por quê?" - pergunta a revista o tempo todo.
Por que, entre os países emergentes, nós temos o pior desempenho? Terá sido apenas um voo de galinha (chicken flight?), pois aproveitamos muito mal a enxurrada de dinheiro que entrou aqui nos últimos anos? Por quê? Por que o governo não ataca os problemas principais, enunciados por qualquer economista sério do mundo e se detém em remédios demagógicos, como buscar médicos medíocres em Cuba para fazer propaganda socialista nas cidades pobres, como o ridículo trem-bala, como os estádios bilionários para a Copa, que até nosso povo 'futeboleiro' condenou nas manifestações? Por que o famoso PAC, com seu 'desenvolvimentismo tardio' não consegue terminar nem 20% das obras propostas? Por que o governo não consegue privatizar (opa: 'fazer concessões') nem rodovias, nem ferrovias, nem aeroportos, sem errar várias vezes, sem conseguir redigir contratos decentes, atraentes? Por que o rio S. Francisco continua parado, com grandes regos secos que o Exército fez? Por que não explicam à população as causas dos atrasos, em vez de gastarem bilhões em propaganda enganosa? Por que o número de carros dobrou em 10 anos e as estradas continuam podres e paralisadas? Por que a China acaba de cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja por causa da dificuldade do 'gargalo Brasil'? Por que a maior produção de soja no mundo fica na fila infinita de caminhões porque não há silos, detidos pela burocracia mais atrasada do planeta? Por que a inflação pode se descontrolar de novo? Por que contrataram mais de 100 mil pelegos para boquinhas no governo, em vez de cortar custos da atividade-meio? Por que estimular o consumo, sem estimular o aumento da oferta? Por que os preços no Brasil são o dobro de qualquer país do mundo, sendo que o chamado 'Big Mac Index', a ferramenta de comparação de preços, mostra que nosso Big Mac é 72% mais caro que em qualquer lugar e carros custam 45 mais caro que no México, EUA? "Ah... porque a carga tributária é de 36% do PIB e nos outros países semelhantes não passa de 21%." Então, por que não lutar por uma reforma tributária profunda, em vez de jogadas periódicas premiando uma ou outra atividade? Por quê? "Ah, porque é muito difícil passar no Legislativo..." Mas, por que não usar toda a força da maioria que têm para isso? Por que a agroindústria, tão esquecida pelo governo (que gosta mais do MST), nos salva todo ano com sua lucratividade? Será que vai bem justamente porque o governo não se meteu? Por que o SUS é a porta do inferno? Por que a educação zero está impedindo a produção nacional, sem mão de obra para nada? Por que temos o recorde mundial de analfabetismo funcional? Por que será que os investidores internacionais têm medo de vir para cá, ultimamente? Será que é porque eles sabem que nós mudamos regras, não respeitamos contratos nem marcos regulatórios e porque nós queremos lhes enfiar o Estado goela abaixo? Por que será que, de todo o dinheiro arrecadado para as aposentadorias no País, 50% é para pagar apenas 20 % dos aposentados (setor público, claro), enquanto a outra metade é para pagar os 80% restantes? Por que somente 1,5% do PIB é investido em infraestrutura, quando no resto do mundo é por volta de 4%? Por quê? Nossa infraestrutura é a 114 pior entre 148 países.
Ou seja, continuamos sob 'anestesia mas sem cirurgia' (Simonsen). Por quê? Talvez a resposta esteja em Platão e sua carroça. Ele disse que é dificílimo guiar um carro com dois cavalos diferentes - um bom marchador e outro manco e lento. É nosso destino, em um governo dividido entre o 'bolivarianismo' e as necessidades óbvias, reais do País. Ao contrário do que proclamam, o óbvio pragmatismo administrativo não é 'de direita' não, e seria bom para o crescimento e para reduzir a desigualdade.
A matéria do The Economist tem a boa intenção de nos acordar para a racionalidade; não quer nos destruir, não é da 'oposição'. A reportagem da revista, que é lida no mundo inteiro, serve para nos lembrar da famosa frase de Reagan (sim, o reacionário) - perfeita para nos definir: "O Estado não é a solução; o Estado é o problema".
Ah, sim; a revista esqueceu de mencionar uma importante força da natureza que nos impele para o erro: a muito esquecida categoria política da... Burrice.
Dilema atroz - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 01/10
SÃO PAULO - O juiz deve julgar os casos que lhe são submetidos com o objetivo de cumprir a lei ou de fazer justiça? Estranhamente, as duas posições são perigosas.
Se o magistrado se dá o direito de passar por cima das normas escritas e dos precedentes para decidir segundo sua consciência, acabou-se a segurança jurídica. O direito brotaria da cabeça do juiz, e não mais de um sistema de repartição de Poderes, como convém às democracias.
Se, por outro lado, o julgador se prende ao texto da lei, ignorando as consequências de suas sentenças, pode cometer as piores injustiças. É nessa situação que está o TSE, que precisa decidir se vai ou não conferir registro de partido político à Rede.
O grupo liderado por Marina Silva não foi capaz de apresentar as 490 mil assinaturas certificadas por cartório que a lei exige. Mas, se trocarmos as lentes do formalismo jurídico pelas da análise política, é uma piada o TSE conceder reconhecimento aos recém-criados Solidariedade e Pros, que ficam em algum lugar entre a legenda de aluguel e o partido de ocasião, e negá-lo à Rede, a única coisa parecida com uma organização política com ideologia distinguível e certa representatividade a surgir no Brasil nas últimas décadas.
O problema de origem aqui é a lei, que parece especialmente estúpida. É preciso muito amor pela burocracia para achar que coletar centenas de milhares de assinaturas de eleitores e certificá-las num cartório possa ser resposta racional a qualquer problema. Existem alternativas. Minha favorita é tornar totalmente livre a criação de legendas, mas só repassar verbas do Fundo Partidário às que obtivessem desempenho mínimo.
Voltando à Rede, a incompetência organizacional dos sonháticos põe o TSE numa sinuca de bico. Ou rasga a lei, ou comete flagrante injustiça. Penso que, se alguém tem legitimidade para ignorar formalismos, são as cortes superiores. Providenciar o pretexto jurídico é a parte fácil.
SÃO PAULO - O juiz deve julgar os casos que lhe são submetidos com o objetivo de cumprir a lei ou de fazer justiça? Estranhamente, as duas posições são perigosas.
Se o magistrado se dá o direito de passar por cima das normas escritas e dos precedentes para decidir segundo sua consciência, acabou-se a segurança jurídica. O direito brotaria da cabeça do juiz, e não mais de um sistema de repartição de Poderes, como convém às democracias.
Se, por outro lado, o julgador se prende ao texto da lei, ignorando as consequências de suas sentenças, pode cometer as piores injustiças. É nessa situação que está o TSE, que precisa decidir se vai ou não conferir registro de partido político à Rede.
O grupo liderado por Marina Silva não foi capaz de apresentar as 490 mil assinaturas certificadas por cartório que a lei exige. Mas, se trocarmos as lentes do formalismo jurídico pelas da análise política, é uma piada o TSE conceder reconhecimento aos recém-criados Solidariedade e Pros, que ficam em algum lugar entre a legenda de aluguel e o partido de ocasião, e negá-lo à Rede, a única coisa parecida com uma organização política com ideologia distinguível e certa representatividade a surgir no Brasil nas últimas décadas.
O problema de origem aqui é a lei, que parece especialmente estúpida. É preciso muito amor pela burocracia para achar que coletar centenas de milhares de assinaturas de eleitores e certificá-las num cartório possa ser resposta racional a qualquer problema. Existem alternativas. Minha favorita é tornar totalmente livre a criação de legendas, mas só repassar verbas do Fundo Partidário às que obtivessem desempenho mínimo.
Voltando à Rede, a incompetência organizacional dos sonháticos põe o TSE numa sinuca de bico. Ou rasga a lei, ou comete flagrante injustiça. Penso que, se alguém tem legitimidade para ignorar formalismos, são as cortes superiores. Providenciar o pretexto jurídico é a parte fácil.
A piada de 32 siglas - CARLOS ALEXANDRE
CORREIO BRAZILIENSE - 01/10
Quanto vale um político? Quanto vale um partido? E quanto dinheiro eles podem arrecadar para vencer uma eleição e se manter no poder? Essas perguntas dominaram, com a discrição necessária, as intensas negociações que nas últimas semanas aconteceram entre partidos e pré-candidatos nas próximas eleições. Pobre eleitor, obrigado a assistir esse triste espetáculo. A poucos dias do prazo final para registro de filiação partidária, a política se rende ao rasteiro toma lá dá cá de promessa de cargos e de futuras verbas. Está praticamente erguido o teatro para convencer o eleitorado de que sim, em 2014, poderemos separar o joio do trigo.
É impossível levar a sério a política de um país com 32 partidos. A profusão de siglas reduz a nada o debate ideológico, o confronto de teses, a comparação de políticas públicas, o legítimo duelo entre governo e oposição. Temos partidos de aluguel, deputados de aluguel, ideologia de aluguel. Temos tempo de televisão negociável, vagas disponíveis para suplentes, discursos sob encomenda, pose para fotos, reunião entre bancadas. Não importam a coerência, os princípios, as diferenças. Para conquistar as urnas, os fins justificam todo acordo.
Naturalmente, não se pode exigir trajetória retilínea de qualquer ator político. As circunstâncias podem levar a decisões difíceis, contraditórias e por vezes contrárias ao que se disse e se fez outrora. Para ficar apenas no PT, partido que tem história e não pode ser equiparado às legendas disponíveis na próxima esquina, constitui tarefa árdua explicar a diferença entre as críticas à privatização tucana, tema da campanha de 2010, e o problemático regime de concessões que se estende às profundezas do pré-sal. A questão ética também se tornou delicada, com o precedente do mensalão. Outros partidos tradicionais igualmente acumulam problemas. Basta lembrar o conhecido apetite por cargos do PMDB, ou a ausência de coesão do vacilante PSDB.
Mas as incongruências identificáveis nas maiores legendas diferem muito do mercadão eleitoral que se instalou no Brasil. Essa volatilidade fragiliza o discurso dos candidatos perante aqueles que pretendem confiar o voto com algum critério. Ao redor dos grandes, observa-se uma miríade de legendas, de pequena e média grandeza, a orbitar no jogo político. Talvez a Rede, de Marina Silva, consiga trazer um sopro novo a esse universo. E chegamos, então, ao fundo do poço, aos partidos que oferecem a porta de entrada para o submundo eleitoral.
É assim, eleitor, que nos aproximamos de 2014. Torçamos por uma reforma política a partir de 2015.
É impossível levar a sério a política de um país com 32 partidos. A profusão de siglas reduz a nada o debate ideológico, o confronto de teses, a comparação de políticas públicas, o legítimo duelo entre governo e oposição. Temos partidos de aluguel, deputados de aluguel, ideologia de aluguel. Temos tempo de televisão negociável, vagas disponíveis para suplentes, discursos sob encomenda, pose para fotos, reunião entre bancadas. Não importam a coerência, os princípios, as diferenças. Para conquistar as urnas, os fins justificam todo acordo.
Naturalmente, não se pode exigir trajetória retilínea de qualquer ator político. As circunstâncias podem levar a decisões difíceis, contraditórias e por vezes contrárias ao que se disse e se fez outrora. Para ficar apenas no PT, partido que tem história e não pode ser equiparado às legendas disponíveis na próxima esquina, constitui tarefa árdua explicar a diferença entre as críticas à privatização tucana, tema da campanha de 2010, e o problemático regime de concessões que se estende às profundezas do pré-sal. A questão ética também se tornou delicada, com o precedente do mensalão. Outros partidos tradicionais igualmente acumulam problemas. Basta lembrar o conhecido apetite por cargos do PMDB, ou a ausência de coesão do vacilante PSDB.
Mas as incongruências identificáveis nas maiores legendas diferem muito do mercadão eleitoral que se instalou no Brasil. Essa volatilidade fragiliza o discurso dos candidatos perante aqueles que pretendem confiar o voto com algum critério. Ao redor dos grandes, observa-se uma miríade de legendas, de pequena e média grandeza, a orbitar no jogo político. Talvez a Rede, de Marina Silva, consiga trazer um sopro novo a esse universo. E chegamos, então, ao fundo do poço, aos partidos que oferecem a porta de entrada para o submundo eleitoral.
É assim, eleitor, que nos aproximamos de 2014. Torçamos por uma reforma política a partir de 2015.
Farofa de besouro - XICO GRAZIANO
O Estado de S.Paulo - 01/10
Causou impacto, recentemente, a invenção do hambúrguer de laboratório. Pudera! Ninguém imaginava que as pesquisas com células-tronco, reconhecidas na saúde humana, pudessem produzir algo parecido com uma fábrica de carne. Assunto empolgante.
Existe forte movimento científico, puxado por pesquisadores heterodoxos, tentando descobrir novas fontes de proteína, necessárias para vencer o desafio alimentar da humanidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), a demanda por comida de boa qualidade aumentará, no mínimo, 60% até 2050. Crescimento populacional, urbanização, aumento de renda e elevação da expectativa de vida das pessoas são os fatores principais desse movimento.
A previsão negativa de Malthus, feita em 1798, ficou famosa na História da humanidade. Mas não vingou. A agricultura conseguiu vencer o dilema entre o crescimento populacional e a oferta de alimentos, seja expandindo as terras cultivadas, seja, simultaneamente, elevando sua produtividade por área por meio da incorporação de tecnologia. A fome que, desgraçadamente, ainda persiste alhures se deve à má distribuição da renda entre as famílias, não à incapacidade de produção rural. Problema econômico, não agronômico.
Porém, mesmo passando por sucessivas "revoluções verdes", parecem agora surgir dificuldades adicionais para a agropecuária prosseguir em sua saga vitoriosa. Primeiro, porque os reclamos ambientais da modernidade limitam a incorporação de novas terras, ainda florestadas, à produção, conforme se percebe claramente no Brasil. A opinião pública, ao contrário do passado, não quer o desmatamento. Antes inexistiam limites à força expansiva no campo e, assim, todas as terras cultiváveis da Europa, do Oriente Médio, dos Estados Unidos, do Japão, da China e da Índia acabaram cedendo sua natural biodiversidade ao plantio e à criação. Floresceram as cidades.
Comparadas ao Velho Mundo, na América Latina a urbanização e a expansão da agropecuária se deu tardiamente. De forma semelhante, em muitos países asiáticos, como a Malásia e a Indonésia, e na maioria da África a ocupação produtiva do território somente agora é que ocorre para valer. Existe nesses países, ainda, boa disponibilidade de terras aráveis. Mas a grita da sociedade em favor da preservação ambiental restringe a sua ocupação. O machado, ou a motosserra, perderam totalmente o prestígio.
Em segundo lugar, em vastas localidades surgem restrições à continuidade da boa prática agrícola. O risco aterrador da desertificação pode atingir, ao final deste século, 40% da superfície terrestre. Na África, a degradação nos países subsaarianos periga afetar até 50% do território. Na Ásia e na América Latina, estimam-se 357 milhões de hectares prejudicados. Segundo a teoria do aquecimento global, cerca de metade das terras produtivas sofrerá com graves secas. O equilíbrio hídrico compromete-se pelo rebaixamento do lençol freático ao norte da China, onde residem 550 milhões de pessoas. Na Austrália é a salinização dos solos o grande vilão. Só notícia ruim.
Existem outros fatores. Economistas agrários mostram que os chamados "ganhos marginais" do avanço tecnológico são decrescentes, quer dizer, será cada vez mais difícil incrementar a produtividade da terra. Argumenta-se também, com certa razão, que o confinamento de animais está elevando o uso de rações balanceadas, fabricadas à custa da produção de grãos, especialmente soja, milho e sorgo. Se, por hipótese, fosse eliminado o consumo de carne, como apregoam os vegetarianos, sobrariam mais cereais no mundo, embora isso alterasse a qualidade na dieta humana. Por fim, muito alimento está sendo direcionado para o consumo dos bichos de estimação, cães e gatos, cuja população só aumenta.
Por essas e outras, um novo paradigma alimentar se gesta nos ousados laboratórios. Não apenas se sintetiza carne, como também se buscam fontes de proteína não convencionais. Nessa equação futurista, os insetos colocam-se na dianteira. Gafanhotos, besouros, baratas, grilos, formigas apresentam, em média, cerca de 50% de proteína em seus organismos, o dobro da encontrada nas carnes de mamíferos e aves, cinco vezes mais que em cereais ou batata. Ademais, seus esqueletos pectíneos se mostram ricos em ferro e vitaminas. Com elevada capacidade de reprodução, prevê-se facilidade na criação de insetos, possibilitando ter volume e rendimento na produção. Vem aí a insetocultura.
A entomofagia, quer dizer, a prática de ingerir insetos, sugere asco. Mas para muitas populações tradicionais eles são iguaria. No Vale do Paraíba paulista, abdomes da formiga saúva, conhecidos como bunda de içá, comem-se na frigideira há tempos. No Maranhão, larvas de besouro (boró ou gongo) encontradas no coco do babaçu são consumidas desde as origens indígenas. Noutras regiões do mundo, insetos também fazem parte do costume alimentar. No Japão fazem-se pratos com as cantantes cigarras, abatidas antes que sua casca endureça. Na Indonésia apreciam-se as libélulas. No México, ovos de formigas negras gigantes denominam-se "caviar dos insetos". Os vietnamitas e os chineses gostam de escorpiões. Grande é a lista de esquisitices entomofágicas.
Tudo depende do costume alimentar, que muda com o tempo. Hoje em dia se ingerem petiscos indecifráveis como nuggets, kani, snacks, sem que as pessoas tenham ideia do seu conteúdo, cor e sabor artificiais. Precisando, acostumar-se-iam com uma farofa de besouro, bem temperada. Tem mais. Algas, micro-organismos, vermes, cascas, componentes ricos em proteínas, calorias e vitaminas, entraram na agenda da comida do futuro. Na mira do gourmet.
Causou impacto, recentemente, a invenção do hambúrguer de laboratório. Pudera! Ninguém imaginava que as pesquisas com células-tronco, reconhecidas na saúde humana, pudessem produzir algo parecido com uma fábrica de carne. Assunto empolgante.
Existe forte movimento científico, puxado por pesquisadores heterodoxos, tentando descobrir novas fontes de proteína, necessárias para vencer o desafio alimentar da humanidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), a demanda por comida de boa qualidade aumentará, no mínimo, 60% até 2050. Crescimento populacional, urbanização, aumento de renda e elevação da expectativa de vida das pessoas são os fatores principais desse movimento.
A previsão negativa de Malthus, feita em 1798, ficou famosa na História da humanidade. Mas não vingou. A agricultura conseguiu vencer o dilema entre o crescimento populacional e a oferta de alimentos, seja expandindo as terras cultivadas, seja, simultaneamente, elevando sua produtividade por área por meio da incorporação de tecnologia. A fome que, desgraçadamente, ainda persiste alhures se deve à má distribuição da renda entre as famílias, não à incapacidade de produção rural. Problema econômico, não agronômico.
Porém, mesmo passando por sucessivas "revoluções verdes", parecem agora surgir dificuldades adicionais para a agropecuária prosseguir em sua saga vitoriosa. Primeiro, porque os reclamos ambientais da modernidade limitam a incorporação de novas terras, ainda florestadas, à produção, conforme se percebe claramente no Brasil. A opinião pública, ao contrário do passado, não quer o desmatamento. Antes inexistiam limites à força expansiva no campo e, assim, todas as terras cultiváveis da Europa, do Oriente Médio, dos Estados Unidos, do Japão, da China e da Índia acabaram cedendo sua natural biodiversidade ao plantio e à criação. Floresceram as cidades.
Comparadas ao Velho Mundo, na América Latina a urbanização e a expansão da agropecuária se deu tardiamente. De forma semelhante, em muitos países asiáticos, como a Malásia e a Indonésia, e na maioria da África a ocupação produtiva do território somente agora é que ocorre para valer. Existe nesses países, ainda, boa disponibilidade de terras aráveis. Mas a grita da sociedade em favor da preservação ambiental restringe a sua ocupação. O machado, ou a motosserra, perderam totalmente o prestígio.
Em segundo lugar, em vastas localidades surgem restrições à continuidade da boa prática agrícola. O risco aterrador da desertificação pode atingir, ao final deste século, 40% da superfície terrestre. Na África, a degradação nos países subsaarianos periga afetar até 50% do território. Na Ásia e na América Latina, estimam-se 357 milhões de hectares prejudicados. Segundo a teoria do aquecimento global, cerca de metade das terras produtivas sofrerá com graves secas. O equilíbrio hídrico compromete-se pelo rebaixamento do lençol freático ao norte da China, onde residem 550 milhões de pessoas. Na Austrália é a salinização dos solos o grande vilão. Só notícia ruim.
Existem outros fatores. Economistas agrários mostram que os chamados "ganhos marginais" do avanço tecnológico são decrescentes, quer dizer, será cada vez mais difícil incrementar a produtividade da terra. Argumenta-se também, com certa razão, que o confinamento de animais está elevando o uso de rações balanceadas, fabricadas à custa da produção de grãos, especialmente soja, milho e sorgo. Se, por hipótese, fosse eliminado o consumo de carne, como apregoam os vegetarianos, sobrariam mais cereais no mundo, embora isso alterasse a qualidade na dieta humana. Por fim, muito alimento está sendo direcionado para o consumo dos bichos de estimação, cães e gatos, cuja população só aumenta.
Por essas e outras, um novo paradigma alimentar se gesta nos ousados laboratórios. Não apenas se sintetiza carne, como também se buscam fontes de proteína não convencionais. Nessa equação futurista, os insetos colocam-se na dianteira. Gafanhotos, besouros, baratas, grilos, formigas apresentam, em média, cerca de 50% de proteína em seus organismos, o dobro da encontrada nas carnes de mamíferos e aves, cinco vezes mais que em cereais ou batata. Ademais, seus esqueletos pectíneos se mostram ricos em ferro e vitaminas. Com elevada capacidade de reprodução, prevê-se facilidade na criação de insetos, possibilitando ter volume e rendimento na produção. Vem aí a insetocultura.
A entomofagia, quer dizer, a prática de ingerir insetos, sugere asco. Mas para muitas populações tradicionais eles são iguaria. No Vale do Paraíba paulista, abdomes da formiga saúva, conhecidos como bunda de içá, comem-se na frigideira há tempos. No Maranhão, larvas de besouro (boró ou gongo) encontradas no coco do babaçu são consumidas desde as origens indígenas. Noutras regiões do mundo, insetos também fazem parte do costume alimentar. No Japão fazem-se pratos com as cantantes cigarras, abatidas antes que sua casca endureça. Na Indonésia apreciam-se as libélulas. No México, ovos de formigas negras gigantes denominam-se "caviar dos insetos". Os vietnamitas e os chineses gostam de escorpiões. Grande é a lista de esquisitices entomofágicas.
Tudo depende do costume alimentar, que muda com o tempo. Hoje em dia se ingerem petiscos indecifráveis como nuggets, kani, snacks, sem que as pessoas tenham ideia do seu conteúdo, cor e sabor artificiais. Precisando, acostumar-se-iam com uma farofa de besouro, bem temperada. Tem mais. Algas, micro-organismos, vermes, cascas, componentes ricos em proteínas, calorias e vitaminas, entraram na agenda da comida do futuro. Na mira do gourmet.
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