sábado, setembro 10, 2016

Populistas, picaretas e arengueiros ideológicos - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 10/09

Nem todo detentor de mandato eletivo merece ser visto como político


Os áugures da Antiguidade romana tentavam adivinhar o futuro observando o voo de certas aves ou examinando as entranhas de determinados animais. Tenho tentado aprender com eles, observo o voo dos tucanos e de outras espécies que vez por outra sobrevoam o Planalto Central. Graças a tais exercícios, inclino-me a crer que cedo ou tarde a ansiada reforma política será incluída na lista de prioridades.

Reformar a estrutura institucional é realmente um imperativo, mas não creio que seja suficiente. Penso que precisamos também nos entender quanto ao próprio conceito de política, quanto à política que gostaríamos de ter e quanto ao que realisticamente podemos esperar que aconteça nessa área.

No Brasil atual, como em muitos outros países, o cidadão médio parece acreditar que o grande problema é o excesso de política e políticos. Creio que se equivoca redondamente; não vejo excesso, e sim falta. O que temos em excesso são picaretas, populistas e arengueiros ideológicos; políticos, temos muito poucos.

Os arengueiros são os mais fáceis de reconhecer; ouvir a frase inicial de seus bolodórios é o quanto se necessita para prever a vigésima. Hoje em dia, Lindbergh Farias é ao mesmo tempo seu deus e seu profeta, como ficou claro na sessão de 31 de agosto do Senado Federal.

Populistas e picaretas são um pouco mais complicados. Um traço característico dos populistas do mundo inteiro é a gastança, o desatino fiscal. Aí está Dilma Rousseff que não me deixa mentir. Outro traço tipicamente populista, não menos importante, é o desprezo pela ideia de uma ordem normativa impessoal consubstanciada na Constituição e nas leis. Dele decorre o entendimento de que o essencial da vida política é a malícia e o blefe, e, no limite, uma irrefreável propensão a atropelar e subjugar o Legislativo. Essa combinação de malícia e desprezo pelo Legislativo transpareceu com nitidez em 1993, quando o então candidato Lula, com o evidente objetivo de se isolar como líder inconteste do campo populista, afirmou que pelo menos 300 deputados federais não passavam de picaretas.

Longe de mim duvidar da existência de picaretas não apenas na Câmara dos Deputados, como também no Senado e até no Supremo Tribunal Federal (STF), a julgar pela premeditação com que Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski executaram o famigerado fatiamento do artigo 52, parágrafo único, da Constituição na sessão final do impeachment. Mas não creio que a Câmara seja majoritariamente integrada por picaretas. Lá, o que mais se vê são políticos que poderiam prestar um bom serviço na esfera dos Estados e municípios, mas acabam descendo de paraquedas em Brasília, transformados em despachantes federais pelo efeito conjunto do gigantismo da Câmara e por nossa capenga Federação, na qual os Estados e municípios sobrevivem numa condição de permanente mendicância.

Seja como for, as observações acima permitem inferir que nem todo detentor de mandato eletivo merece ser visto como político. O arengueiro não o é porque seu objetivo é propagar ideias preconcebidas, e não colaborar com outros integrantes do Congresso no exame de medidas conducentes ao bem comum. Tampouco o picareta de verdade, aquele que ingressa na disputa eleitoral com vista apenas a auferir vantagens pessoais, a receber o salário e as mordomias que o cargo eletivo lhe proporciona, a se promover por todos os meios que fortaleçam seus negócios privados; e até aquele, um tanto simplório, que apenas almeja contentar seu instinto gregário pelo convívio no meio político brasiliense. Nenhum desses enfrentaria as agruras da luta política se dispusesse de alternativas que mais facilmente lhe assegurassem tais vantagens.

Num plano mais geral, sabemos que política é essa luta que existe por toda parte, mediante a qual numerosos indivíduos e grupos tentam se apossar de uma fração qualquer do poder do Estado. Alguns o fazem porque a disputa em si e a eventual vitória lhes trazem recompensas; outros, porque se sentem convocados a colaborar permanentemente na busca de objetivos mais amplos, ligados ao bem comum da sociedade.

Em seu clássico ensaio A Política como Vocação, Max Weber referiu-se a esses dois tipos como aqueles que vivem da e aqueles que vivem para a política. Obcecado pela ideia de uma ciência política isenta de valores, ele não queria saber da expressão “bem comum”. Não se permitindo flertar com Aristóteles, limitou-se a constatar que políticos verdadeiros são os que vivem “para a política”, ou seja, os que a abraçam por vocação, como quem obedece a uma convocação ética ou divina.

Mas, convenhamos, não é em obediência a um chamado divino que populistas, picaretas e arengueiros ingressam na política. Esse é o busílis. Voltando ao início, essa é a constatação que levei em conta ao afirmar que os males do Brasil de hoje não se devem a um excesso, e sim a uma falta de políticos. Por motivos que não posso recapitular aqui, o restabelecimento do regime civil e democrático redundou num crescimento mais que proporcional dos três tipos mencionados relativamente ao político por vocação.

Uma disposição pessoal a lutar pelo poder é uma parte importante do conceito do Homo politicus, mas não o expressa em sua totalidade. Outro elemento importante é a “arte da associação”, ou seja, a capacidade dos membros de uma coletividade de se relacionarem entre si com o mínimo possível de blefe e malícia. Por último, mas não menos importante, com a devida vênia de Max Weber, é entender que o chamado (calling, vocação, Beruf) divino tem que ver com a busca do bem comum. Para os populistas, picaretas e arengueiros ele será sempre um ruído distante.

*Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro da Academia Paulista de Letras

De costas para a sociedade - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 10/09

De costas para a sociedade, governo não escapará ao fisiologismo

A efetivação do presidente Michel Temer, na imediata sequência do impeachment, processou-se como mero ato burocrático, despojado do simbolismo que o acontecimento impunha. Política também é feita de gestos e símbolos. Foram subestimados.

Ato contínuo, as forças derrotadas, que levaram o país à ruína e protagonizaram os maiores escândalos financeiros de toda a nossa história —mensalão, petrolão e agora o ataque aos fundos de pensão, o fundão—, foram às ruas, em atos de vandalismo explícito, "denunciar" as medidas de austeridade a que o país terá de recorrer para curar-se das lesões que elas próprias lhe impuseram.

O governo Temer começa a perder uma batalha vital: a da comunicação. O ambiente de desobediência civil, com conclamação a greve geral e até mesmo a guerra civil, proclamado por pelegos das centrais sindicais e autoridades da ordem deposta —a começar pela própria Dilma e seu mentor, Lula—, transmite ao público sinais invertidos: de que o impeachment não apenas é golpe mas imporá sacrifícios desnecessários para lesar "conquistas sociais".

Quem fala são investigados da Justiça –alguns já réus, caso de Lula, ou denunciados, caso de Dilma–, a adotar tom acusatório, quando têm só direito à defesa nas barras dos tribunais. E o que fazem o presidente e seu governo? Limitam-se a conversar com o Congresso, em busca de aprovar medidas legais contra a crise. Isso é indispensável, mas não basta. De costas para a sociedade, não escaparão ao fisiologismo.

O novo governo irá se legitimar nas ruas se estiver sintonizado, em permanente comunicação. É preciso que a sociedade saiba como estão as contas do país e quem e como as dilapidou. A analogia com o orçamento doméstico é de fácil assimilação pelo cidadão.

Simples: não se pode gastar mais do que se tem; não se pode endividar além da capacidade de pagar. O governo deposto gastou o que tinha e não tinha –e gastou mal. E roubou –muito.

Os números são eloquentes. Segundo os investigadores, o ataque aos fundos de pensão –um assalto a aposentados e viúvas de pensionistas!– soma mais de R$ 50 bilhões.

É mais que o petrolão, com os seus R$ 42 bilhões já auditados pela Lava Jato —e que o jornal "The New York Times" havia classificado como o maior roubo da história da humanidade. E há ainda por investigar, entre outros, BNDES, Caixa, Banco do Brasil, Dnit, Eletrobras. E a quadrilha é exatamente a recém-deposta pelo mais brando dos seus delitos, o crime de responsabilidade fiscal: PT, seu governo e seu aparato sindical, os mesmos que hoje bagunçam as ruas, no inacreditável papel de acusadores indignados.

É o ladrão acusando a vítima de roubá-lo. Sem interlocução do governo com as ruas, a vítima acabará abraçada ao ladrão e acusando a polícia e a Justiça. Já há sinais preocupantes.

A elite vermelha do PT, que controla várias centrais sindicais, investe no caos, em defesa de seu projeto bolivariano, indiferente à crise, que já produziu 12 milhões de desempregados. Com uma mão, pressiona o governo por aumentos a categorias que já desfrutam de estabilidade funcional e ameaça com greve geral; com a outra, saqueia os fundos de pensão, lesando os aposentados. A sociedade precisa saber disso.



Precisa repudiá-las e entender que não se sai da crise sem sacrifício. Porém, é preciso a força moral do exemplo, cortando na própria carne. Daí o desastre simbólico dos aumentos e da submissão aos lobbies corporativistas. O governo precisa enfrentar o PT e seus asseclas, sobretudo agora, quando seus crimes começam a vir à tona.

A proibição do Waze e o direito à comunicação - ERICSON M. SCORSIM

GAZETA DO POVO - PR - 10/09

O poder público pode reprimir as condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros


O Projeto de Lei 5.596, de 2013, aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a proibição do uso de aplicativos, redes sociais e quaisquer outros recursos na internet para alertar motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito. O projeto de lei será ainda analisado por outras comissões legislativas da Câmara dos Deputados.

Segundo o projeto de lei, o provedor de aplicações de internet tem a obrigação de tornar indisponível o conteúdo associado ao aplicativo ou à rede social. Como sanção pelo descumprimento da regra, o projeto de lei prevê que o infrator terá de pagar multa de até R$ 50 mil, multa também aplicável à pessoa que fornecer informações sobre a ocorrência e localização de blitz para aplicativos, redes sociais ou quaisquer outros recursos na internet.

Em outras palavras, se aprovado este projeto de lei, fica proibida a utilização de aplicativos como o Waze, bem como a criação de páginas nas redes sociais destinadas a alertar os motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito.

Ora, este projeto de lei é contrário às diretrizes do Marco Civil da Internet, que estabelecem a plena liberdade de expressão, informação e comunicação, no âmbito da cidadania. O projeto de lei atinge em cheio o núcleo essencial do direito fundamental dos cidadãos quanto à utilização de aplicativos de internet. O Marco Civil da Internet ainda garante a plena liberdade dos modelos de negócios na internet e, consequentemente, a liberdade da empresa provedora de aplicações de internet. De fato, a empresa de tecnologia responsável pelo provimento do aplicativo com informações relacionadas ao trânsito não pode ser responsabilizada em lei pela conduta de seus respectivos usuários.

Além disso, há desproporcionalidade entre a medida legislativa e a finalidade por ela buscada (segurança no trânsito), daí a sua potencial inconstitucionalidade. Em vez de se adotar uma medida legislativa, extrema (a proibição do uso de aplicativos e redes sociais para fins de alerta de motoristas sobre ocorrência de blitz de trânsito), o Legislativo poderia adotar medidas de fomento à realização de campanhas educativas relacionadas ao trânsito, especialmente sobre o comportamento dos motoristas.

Sem dúvida alguma, o poder público tem a obrigação de fiscalizar a aplicação das regras do Código Nacional de Trânsito, inclusive com a repressão das condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a adoção de medida legislativa excessiva, com a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O direito à comunicação por aplicativos é protegido pela Constituição Federal, daí o controle rigoroso quanto ao exame da constitucionalidade de medidas restritivas a direitos fundamentais, tal como o direito à comunicação digital. Tema relevante, que envolve o direito e as novas tecnologias, com alto impacto sobre os cidadãos brasileiros, razão pela qual o referido projeto de lei merece análise bastante cuidadosa.


Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book Direito das Comunicações.

Conflitos jurídicos e crise econômica - ERNESTO MOREIRA GUEDES FILHO

ESTADÃO - 10/09

Crise traz sérias dificuldades para o cumprimento de contratos firmados no ambiente de negócios anteriormente



A atual crise econômica traz sérias dificuldades para o cumprimento de contratos firmados no ambiente de negócios anteriormente. A crise impõe uma nova realidade que pode inviabilizar economicamente o que foi contratado, forçando uma renegociação ou se transformando em conflitos nos tribunais. Esses conflitos vão gerar contingências difíceis de estimar, que travarão investimentos e prejudicarão o ambiente de negócios nos próximos anos, criando uma incerteza jurídica que afasta investidores. O aumento de custos e ineficiências decorrentes dessa situação ajudam a retardar a retomada da economia e a tornar seu crescimento menor.

Embora a crise acarrete queda de demanda em quase todas as atividades, uma das mais notáveis exceções refere-se às demandas por soluções de conflitos. Empresas que planejavam construir ou ampliar novas fábricas cancelam seus projetos. Contratos de compra de energia ou de matérias-primas deixam de fazer sentido, pois a quantidade contratada deixa de ser necessária. Pagamentos de dívidas atrasam ou não podem ser honrados, pois as receitas que permitiriam saldá-los não ocorrem. Essa situação implica tanto maior renegociação de contratos como um maior número de conflitos envolvendo disputas judiciais e arbitrais, entre empresas, entre sócios de uma mesma empresa ou entre o setor público e a iniciativa privada.

Um exemplo dessas consequências é dado pela situação extrema de inviabilidade do cumprimento de contratos que ocorre nas recuperações judiciais. O Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações mostra que em 2014 houve 828 pedidos de recuperação judicial; em 2015, foram 1.287, com crescimento de 55,4%. Já em 2016, apenas nos 7 primeiros meses, foram 1.098, com alta de 75% sobre os 627 pedidos no mesmo período em 2015 ou, mais impressionante ainda, um crescimento de 131% sobre os 476 casos de janeiro a julho de 2014. Os casos gigantescos da Sete Brasil e da Oi, ambos em 2016, indicam que o crescimento dos montantes envolvidos deve ter sido ainda maior.

Não temos dados sobre renegociação de contratos privados, mas a inquietação e a procura cada vez mais frequentes de soluções para problemas econômicos, incluindo a demonstração dos desequilíbrios sofridos, indicam que o problema cresceu muito nos últimos meses. A renegociação contratual é apenas o primeiro passo de um processo que pode evoluir para um contencioso judicial ou arbitral. Também não temos estatísticas representativas, mas os números de algumas das principais câmaras mostram que em 2015 houve crescimento expressivo, da ordem de 10% a 15%, do número de arbitragens requeridas.

Os contenciosos administrativos também devem crescer. No que tange ao pagamento de tributos, de um lado, as empresas têm maior incentivo para questionar as cobranças e, de outro, os governos buscam compensar a queda de arrecadação com maior número de autuações. Para os setores regulados, os questionamentos sobre regras e compromissos assumidos também se acentuam, seja pela inviabilidade de serem cumpridos na crise, seja pela simples incoerência econômica em sua determinação que, agora, ficou evidente. A enorme quantidade de medidas equivocadas, com sua lógica econômica frágil, que foram adotadas no governo passado constitui um fator adicional multiplicador de conflitos.

Tendo em vista as perspectivas para os próximos anos, o ambiente de negócios conflituoso deve seguir se agravando. A impossibilidade de uma parte cumprir um acordo pode impedir a contraparte de cumprir outros contratos, propagando problemas e inviabilidades em cadeia. O questionamento de uma medida administrativa na Justiça, antes cogitado, pode se tornar imperioso. Assim, da mesma forma que o desemprego responde de modo defasado ao ciclo econômico e deve continuar aumentando, podemos esperar uma intensificação e crescimento do número de conflitos e contenciosos entre empresas e de recuperações judiciais e falências.

*Economista, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada

A bolsa e a vida real - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 10/09

A bolsa ontem despencou 3,7% em um movimento de realização. De fato, a alta acumulada nos últimos meses impressiona. Foi de 59% desde o pior momento do ano, em janeiro, e chegou na semana a romper os 60 mil pontos. A valorização reflete a aposta dos investidores de que o pior período da recessão ficou para trás. Mas existem problemas reais na economia, como desemprego, inflação e incerteza sobre os juros.

Aforte queda do índice Ibovespa foi também provocada pelo risco de alta nos juros nos Estados Unidos. Mas, para se ter uma ideia da dimensão da alta, as ações PN da Petrobras triplicaram de valor, saindo da casa de R$ 4,2, em janeiro, para R$ 13,5, agora.

Ao mesmo tempo, a inflação continua preocupando. O IBGE divulgou o IPCA de agosto e, embora a taxa tenha caído em relação a julho, ela foi a maior para o mês desde 2007. Com isso, o índice acelerou no acumulado de 12 meses para 8,97%. Com a inflação de alimentos, a taxa de 0,3% foi a menor desde setembro, indicando que o choque de preços pode estar perto do fim. Mas, em um ano, os alimentos subiram 13,93%. Esses números ainda altos colocam incertezas sobre o início e a intensidade dos cortes de juros pelo Banco Central. Na terça-feira, ao divulgar a Ata do Copom, o BC condicionou a redução da Selic à aprovação do ajuste e ao fim do choque dos alimentos.

Esses dados contrastam com a recente melhora dos indicadores de confiança, mas é sempre assim em períodos de inflexão na economia. O diretor-superintendente do Grupo Astra, que produz material de construção, Manoel Flores, conta que já houve um forte aumento nas expectativas após a saída da presidente Dilma. Ele lembra que o primeiro semestre foi de cortes de empregos e elevação na ociosidade da fábrica. Nas conversas com revendedores, hoje, já há relatos mais animadores:

— Conversei com 40 representantes comerciais do setor e me disseram que o movimento está voltando às lojas. Os consumidores voltaram a entrar, a fazer contas e a perguntar principalmente sobre as condições de financiamento.

Ele acredita que serão necessários mais sinais para que a recuperação seja mais consistente. Calcula que, nesse ritmo, levará dois anos para voltar ao nível de emprego anterior à crise:

— Agora não prevemos mais demissões. Se o PIB do ano que vem crescer 2%, nosso setor consegue crescer 6%.

O economista da Acrefi Nicolas Tingas avalia que a economia irá crescer pelo menos 1% no que vem, porque o ciclo de queda foi muito forte e está perto do fim. No cenário em que o governo Temer consegue aprovar pelo menos duas medidas do ajuste fiscal, como o teto de gastos e a reforma da Previdência, a projeção sobe para 2% em 2017 e 3,5% em 2018.

— Existe uma parcela da sociedade que continua consumindo, porque tem mais condições, e haverá um forte ingresso de investimento estrangeiro. Isso vai se somar à recuperação que acontece depois de um longo período de queda. O desafio é ter esses dois impulsos ao mesmo tempo — disse.

Ele explica que, apesar da forte recessão, os empresários reajustam preços porque tiveram aumento de custos, como por exemplo, com tarifas de energia elétrica e gasolina. Por isso, a inflação está resistente.

O sócio e diretor da iDream, pequena empresa de venda de acessórios e reparos para telefonia celular, Leandro Tomasi, diz que o faturamento no mês de julho foi melhor do que o de junho, em cerca de 15%, e no mês de agosto foi melhor do que julho em 18%. Se, por um lado, o aumento do dólar e a inflação reduziram as vendas de aparelhos e acessórios, por outro, cresceu a procura por assistência técnica:

— Acho que este ano vamos aumentar o faturamento entre 10% e 18%, e no ano que vem entre 18% e 22%.

Ele diz que cortou 20% da folha de pagamento e conseguiu reduzir o valor gasto com aluguéis. A saída para driblar o encarecimento do crédito foi a aposta na abertura de franquias. O problema é que crescer, para ele, pode ser um risco:

— A gente, que está no Simples, já está tendo dificuldade enorme porque o teto da tributação não é corrigido há vários anos, que é de R$ 3,6 milhões. Não estão corrigindo nem a inflação. Trocar de faixa inviabiliza o negócio porque o custo aumenta entre 40% e 50%.

Essas são as dificuldades do momento atual. Fazer um ajuste fiscal sem penalizar a recuperação, e cortar os juros sem comprometer a queda da inflação.

O duplo custo do Judiciário - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 10/09

Sentimento com o Judiciário é dúbio; por um lado, é visto por muitos como o principal pilar institucional do país. Por outro, é acusado de alimentar a insegurança jurídica do país


A sociedade, não sem razão, se queixa do estado pesado, caro e ineficiente, que não consegue entregar serviços públicos de boa qualidade. Ainda que o alvo das críticas seja, geralmente, o Poder Executivo, o mal também acomete o Poder Judiciário. O sentimento com o Judiciário é dúbio. Por um lado, é visto por muitos como o principal pilar institucional do país. Por outro, é acusado de alimentar a insegurança jurídica do país, comprometendo o ambiente de negócios, gerando distorções alocativas na economia e nas políticas públicas. Não só de Lava Jato vive o Judiciário.

O custo do Judiciário no Brasil é extremamente elevado quando comparado a outros países de renda per capita similar, havendo pouco incentivo para os Tribunais controlarem os seus próprios gastos. Segundo Luciano Da Ros, o Poder Judiciário custa 1,3% do PIB, enquanto que Chile e Colômbia gastam pouco mais que 0,2% do PIB; Venezuela, 0,34% e Argentina, 0,13%. Já o sistema de justiça brasileiro, que inclui Ministério Público, Defensorias Públicas e Advocacia Pública, custa 1,8% do PIB, contra 0,37% em Portugal.

Para explicar a razão para tanta discrepância, o autor examina outros indicadores e conclui que a distorção não está no número de magistrados por habitante, que está em linha com a média mundial, mas cresce exponencialmente no número de servidores, terceirizados e afins. São 205 funcionários para cada 100.000 habitantes contra 42 no Chile e Colômbia. Na Argentina, 150. O Brasil também se destaca pelo elevado salário de juízes, dos mais elevados no mundo.

Os números não são nada bons, e em tempos de grave crise fiscal, convém reavaliar o destino dos gastos públicos; especialmente diante do inoportuno ajuste de salários do Judiciário, enquanto a escalada do desemprego tira o sono de muitos.

Apesar do alto custo, por incrível que pareça, talvez esse não seja principal problema do Judiciário. Afinal, se o sistema fosse caro, mas eficiente, gerando retornos para a sociedade, o elevado custo poderia ser palatável. Não é o caso. A posição do Brasil em rankings mundiais que avaliam a eficácia do sistema judicial, como o Doing Business, não é nada boa.

É verdade que há grande número de ações judiciais, justificando em alguma medida o elevado custo do Judiciário. O autor confirma a queixa dos magistrados de que o volume de trabalho os sobrecarrega. De qualquer forma, o indicador de novos processos por funcionário não seria elevado: 68,2 novos casos para cada funcionário no Brasil, contra 135,9 em Portugal.

A abrangente constitucionalização no país ajuda a explicar o volume de processos. A Constituição, muito detalhada, transformou matérias típicas de políticas públicas em direito constitucional. Por exemplo, se um direito individual é disciplinado em uma norma constitucional, ele se transforma, potencialmente, em ação judicial visando a garantir o cumprimento de direitos e garantias estabelecidos na Constituição. Não à toa o Brasil tem o único Supremo Tribunal Federal no mundo que julga habeas-corpus, típica medida saneadora primária. Um segundo problema é que o Estado é o grande litigante – quase 63% de todos os processos no Brasil envolve algum ente federativo ou estatal.

Outro ponto é que o sistema brasileiro de controle da constitucionalidade se tornou, com a Constituição de 1988, um dos mais abrangentes do mundo, segundo especialistas. Além das esferas de poder, entidades de classe dos vários segmentos da sociedade podem propor ações diretas de inconstitucionalidade, ações civis públicas e outras ações cujo efeito é coletivo.

O Brasil tem, portanto, um sistema que estimula a judicialização.

A ação do Judiciário, no entanto, acaba agravando o problema, em função do ativismo judicial, que se refere ao hiato entre a lei e a decisão de juízes. A lei, muitas vezes, tem servido para estabelecimento de discriminações e privilégios, não havendo imparcialidade por parte das instituições responsáveis por sua aplicação. Constroem doutrinas e atalhos de forma que a lei seja aplicada de forma seletiva. Esta é uma crítica ao comportamento de juízes que substituem os ditames constitucionais pela sua própria subjetividade. Muitas vezes, ao invés de cumprirem a lei, proferem sentenças com base em suas próprias convicções, muitas vezes estranhas à própria lei.

A judicialização e ativismo judicial formam uma combinação explosiva. O elevado poder discricionário de juízes e cortes alimenta um círculo vicioso: como há ativismo judicial, vale a pena se recorrer ao Judiciário. Além disso, custa pouco litigar e a demora nos processos é benéfica para quem não tem o direito.

Os agentes econômicos precisam incorporar em suas decisões de investimento esse risco. Vários setores, como saúde, bancos, e as relações trabalhistas são afetadas pelo ativismo judicial. As críticas são variadas, indo desde a falta de conhecimento e informação dos juízes sobre os temas julgados ao déficit de legitimidade democrática dos magistrados.

Além disso, muitas vezes o sistema judiciário gera constrangimentos à gestão pública, como é o caso da ação dos tribunais de contas nas decisões de investimento em infraestrutura, e na concessão de benefícios sociais de forma generosa. Exemplos importantes são a concessão de aposentadoria rural (quase um terço dos benefícios rurais são concedidos judicialmente) e de benefício de assistência continuada, o LOAS (quase 20% concedidos judicialmente). O mesmo vale para o SUS e planos de saúde, que sofrem com imposições feitas pelo Judiciário, implicando custos enormes, muitas vezes de forma arbitrária. A percepção é que o Judiciário não tem noção de orçamento e de restrição orçamentária.

Outro exemplo de ativismo é a do Tribunal Superior do Trabalho (TST) na edição de súmulas. Trata-se de deliberação dos ministros – e não é lei aprovada no Congresso – que está acima de decisão das partes envolvidas. Súmulas que geram custos elevados e que acabam gerando insegurança jurídica. Como agravante, os tribunais regionais do trabalho muitas vezes mantêm orientações de jurisprudência contrárias a enunciados na esfera federal. A divergência de entendimentos estimula a judicialização.

A aplicação da Lei de Falências também deixa a desejar. O viés da Justiça em proteger o devedor (as empresas), contrariando a lei, acaba gerando ruídos e distorções no mercado de crédito. Ao proteger empresas ineficientes, em detrimento dos credores, acaba afetando todo o mercado de crédito e penalizando as demais empresas.

Não se trata de colocar toda a responsabilidade da confusão jurídica do país no colo do sistema Judiciário. Afinal, há um emaranhado de leis e jurisprudência, e mudanças excessivas de regras, muitas vezes sem critérios. Mas isso não tira a responsabilidade do sistema judiciário por piorar a alocação de recursos na economia – públicos e privados -, e alimentar a insegurança jurídica no Brasil, peça quebrada que atrapalha o bom funcionamento das válvulas da economia.

Procela agourenta - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 10/09

Os dados do Ideb referentes à educação se juntam aos indicadores econômicos e demográficos para formar uma tempestade perfeita. E é uma borrasca que traz maus presságios, pois os números sugerem que estamos desperdiçando nossas melhores chances de entrar para o clube dos países ricos.

A razão principal é que nosso bônus demográfico está se esgotando. Vivemos hoje no melhor dos mundos populacionais, que é aquele em que o contingente de pessoas em idade de trabalhar é maior que o de dependentes (crianças e idosos). É nessa fase que países reúnem as condições mais propícias ao crescimento e à elevação da renda "per capita". O quadro mais favorável vai mais ou menos até 2030. Depois disso, a proporção de idosos deverá ficar igual à de jovens e por fim superá-la, impondo custos crescentes aos sistemas previdenciário e de saúde.

A megarrecessão que vivemos, cortesia do governo Dilma, é desastrosa porque nos rouba anos preciosos. Estima-se que, se tudo correr bem, a renda "per capita" que tínhamos em 2013 voltará lá por 2021, já perto do fim da janela de bonança.

Como se isso fosse pouco, o Ideb agora mostra que o país não está conseguindo avançar na educação. Numa interpretação benigna, o Brasil estagnou —e num patamar muito ruim. Na principal comparação internacional, o Pisa, nossos alunos ocupam as últimas posições.

Isso significa que também vão ficando menores nossas chances de nos tornarmos um país próspero pela via do aumento da produtividade, que, cada vez mais, depende de um amplo contingente de cidadãos educados o bastante para ter ideias inovadoras e para extrair o máximo das mudanças tecnológicas que vêm do exterior.

Sem bônus demográfico e sem educação de qualidade, ficamos na dependência do imponderável para nos tornarmos um país desenvolvido. E o problema do imponderável é que, bem..., ele é imponderável.

Uma prioridade nefasta - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/09

Para parte significativa da base aliada do governo, a prioridade absoluta é garantir seus interesses eleitorais no pleito municipal


A frequência com que, no noticiário político, surgem manifestações de parlamentares governistas advertindo que o Palácio do Planalto deve agir com a máxima cautela para evitar que suas ações interfiram negativamente nas eleições municipais mostra o distanciamento desses políticos da grave realidade nacional. Essa atitude confirma, mais uma vez, que boa parte dos congressistas está muito mais preocupada com sua própria sorte do que com a da sociedade que representa. Para parte significativa da base aliada do governo, a prioridade absoluta é garantir seus interesses eleitorais no pleito municipal. O resto pode esperar. Isso significa deixar para depois, para um momento em que for de sua conveniência política, o exame das medidas indispensáveis para combater a crise, que, por isso, continuará a se agravar. É um comportamento irresponsável.

Um dos motivos alegados para o adiamento do envio ao Legislativo dos projetos necessários para enfrentar a crise é o esvaziamento das duas Casas do Congresso no período eleitoral. Prática consagrada, o chamado “recesso branco” do Congresso Nacional no auge das campanhas eleitorais de prefeitos e vereadores propicia a senadores e deputados a oportunidade de estar perto de suas bases municipais. Eles de fato precisam cultivar permanentemente suas bases, pois de lá vêm seus votos. Mas não lhes falta tempo para isso. A rigor, permanecem no Distrito Federal três dias por semana, mas nem por isso abrem mão do “recesso branco”.

Ao agir desse modo, os congressistas relegam para segundo plano o trabalho parlamentar para o qual conquistaram seus mandatos. Esse comportamento, embora aparentemente natural, contém, nas atuais circunstâncias, grande potencial de tornar ainda mais difícil e delicado o momento que o País vive.

Essa estranha lógica da atividade parlamentar implica a absurda inversão de valores que elide a responsabilidade que os representantes do povo têm de permanecer atentos às demandas dos cidadãos. Devem igualmente permanecer conscientes de que o papel que lhes cabe é também o de tentar harmonizar essas demandas com os limites institucionais e financeiros da administração pública, adaptando-as, quando necessário, às reais condições do governo.

A real situação do Tesouro Nacional, cujos recursos foram dilapidados pela administração lulopetista em programas populistas ou de interesse de grupos políticos e empresariais por ela escolhidos, não deixa dúvidas quanto à urgência de medidas que imponham desde já limites aos gastos públicos. O déficit colossal do sistema de Previdência Social e as realistas projeções de seu crescimento rápido nos próximos anos, caso suas regras não sejam mudadas, igualmente mostram a premência de sua reforma. Outras reformas, também necessárias para assegurar a retomada do crescimento e sua preservação, precisam ser discutidas e votadas.

Essas são algumas das tarefas que o País espera ver cumpridas, e a execução de boa parte delas está condicionada a decisões do Congresso Nacional. Eis aí a responsabilidade da qual seus membros não podem fugir, ainda que se entenda que tenham compromissos políticos em suas bases. Mas eleição municipal envolve questões municipais. Alegar, como fazem membros da base aliada, que grandes temas nacionais podem comprometer a campanha de seus correligionários é tentar justificar sua omissão.

Da mesma maneira, fogem da responsabilidade que seus mandatos lhes conferem parlamentares que tentam iludir os cidadãos com a ideia de que reformas como a da Previdência representam “subtração de direitos”, razão pela qual precisariam ser reduzidas ao mínimo, o que lhes retiraria qualquer eficácia.

Por isso, contraria os interesses do País a crescente pressão, em nome de interesses políticos, para o adiamento ou o abrandamento das medidas propostas pela equipe econômica para sanear as contas públicas e criar condições para a retomada do crescimento econômico.

A esperança da sociedade de um futuro melhor será tanto maior quanto mais firmeza e coerência demonstrarem os políticos – o presidente Michel Temer e sua base parlamentar – na busca das soluções para os graves problemas do País e na sua efetiva implementação.

A lei, na república das bananas - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 10/09

A lei, na república das bananas, dobra-se aos imperativos da velha ordem


"O Senado era quem tinha a palavra final sobre esse julgamento quanto ao mérito e o mérito envolvia também essa questão do fatiamento; portanto, entendo que isso não deve mais ser revisto". Fábio Medina Osório, o advogado-geral da União, não precisava emitir opinião sobre o tema, mas escolheu fazê-lo –e de modo incisivo. "O impeachment é página virada e não deve ser remexido pelo STF", declarou à Folha, enviando uma mensagem do governo a quem servia até a demissão, que se deu por outros motivos. Você ainda acredita que Temer não sabia da tramoia articulada entre o PT e o PMDB de Renan Calheiros e aplicada pelo operador Lewandowski?

A lei, na república das bananas e das caxirolas, dobra-se aos imperativos da ordem –ou melhor, da velha ordem ameaçada. Medina Osório repetiu orações patéticas, mas cunhadas para funcionarem como teses jurídicas respeitáveis: "Se violou ou não a Constituição, é uma matéria interna corporis. O Senado tem o direito, em tese, de errar por último." Tradução: o Planalto enuncia o paradigma de que a Constituição é "matéria interna corporis" da elite política. Os destinatários do recado são os ministros do STF. Senhores juízes, não subvertam a ordem em nome da lei!

O fatiamento da Constituição obedece a dois propósitos. O primeiro é a lenda petista de que o Senado reconheceu a natureza golpista do impeachment ao preservar os direitos políticos de Dilma. Seus arautos, pensadores em missão partidária, zombam da inteligência do público, obliterando o fato de que a maioria dos senadores votou pela inabilitação da ex-presidente. Bem mais relevante é o segundo: subordinar o texto constitucional a arranjos parlamentares de ocasião. Dezenas de figuras notórias de diversos partidos, na situação ou na oposição, acalentam planos de reciclagem política amparados no paradigma de Medina Osório.

Creio que Temer, um suposto notável constitucionalista, tem pouco com que se preocupar. Nas suas calculadas entrevistas em off, docemente constrangidos, os ministros do STF confessam que subscreverão o esbulho. De olho nas próprias biografias, registram que Lewandowski passou a Constituição num triturador de papel usado. Porém, de olho numa ordem que prezam mais que a lei, advertem para a precedência do "direito do Senado". Um observador atento, mas ingênuo, anotará a contradição: esses são os mesmos juízes que interferiram nos detalhes arcanos dos trâmites regimentais do processo do impeachment, sem nunca invocar o "direito da Câmara". Já um observador cínico concluirá que, para o STF, acima da Constituição, encontra-se o Palácio.

Manifestantes, palavras de ordem, vidraças partidas. O ruído nas praças confunde os sentidos, sugerindo uma ilusória radicalização. De fato, eles não querem "Diretas, Já!", mas um discurso de campanha –ou, nas franjas, uma reunificação da militância à esquerda do lulismo. O governo pende no fio do TSE, cujos juízes arrastam às calendas o processo sobre o financiamento eleitoral da chapa Dilma/Temer, protegendo os interesses vitais do Palácio. Significativamente, os tribunos das ruas permanecem calados diante da infinita procrastinação. É que Temer oferece, afinal, um produto em alta demanda: a restauração da ordem.

Definindo a transição em curso, FHC selecionou uma metáfora certeira, mas plena de implicações ambíguas. "A situação atual é como se fosse uma pinguela. Não é uma ponte, é uma pinguela. Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio." Ok: "pinguela" é o governo Temer e "rio", a tal da catástrofe. Mas quem, exatamente, "cai no rio" caso a ponte precária não resista? "A nação" –eis a resposta clássica, que identifica a sociedade inteira à sua elite política. No altar dessa "nação", o STF sacrificará o contrato constitucional, declarando-o "matéria interna corporis" do Senado. Bananas. Caxirolas.


Uma coisa de cada vez - ADRIANA FERNANDES

ESTADÃO - 10/09

A reforma da Previdência precisa ser mais esclarecida para a sociedade


O presidente Michel Temer tem de escolher logo as suas prioridades. É muito difícil colocar na rua três grandes reformas (fiscal, previdenciária e trabalhista) e achar que o Congresso vai votá-las antes de 2018, quando os parlamentares estarão todos voltados para os seus projetos eleitorais particulares.

Uma coisa de cada vez é o que bom senso recomendaria. Ainda assim, há conselheiros influentes do presidente que defendem a tática do rolo compressor para tentar aprová-las o quanto antes, o que concentraria o desgaste político de medidas impopulares num período mais curto, enquanto a economia ganha tração e volta a crescer.

Alguns acreditam que essa estratégia transfere logo para o colo dos parlamentares o problema e ajuda a mostrar o compromisso do governo com as reformas.

Há até avaliações internas de que a diluição do debate em torno das mudanças das regras da Previdência e trabalhistas poderia até mesmo desviar a atenção no Congresso. Seria uma cortina de fumaça permitindo a aprovação mais rápida da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria um teto para os gastos do Orçamento até o final do ano. Uma reforma técnica e complexa, sem grande apelo popular, porque seus efeitos não atingem diretamente a vida do cidadão, como aposentadorias, empregos e salários.

Essa é uma aposta de risco, porém, dado o frágil capital político do presidente depois das sequelas que permanecem com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ao embaralhar as negociações das reformas, o presidente pode não conseguir avançar em nenhuma delas, dando munição contra o próprio ajuste fiscal, preocupação que ronda a equipe econômica.

No início do período de interinidade, o presidente elegeu a criação do teto de gasto, que altera o regime fiscal brasileiro atrelando o crescimento das despesas à inflação, como prioridade das prioridades. Depois, sob a batuta do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o governo partiu para anúncios a conta-gotas das medidas que farão parte da reforma da Previdência. A estratégia trouxe mais insegurança para a população em relação ao alcance das mudanças nas regras das aposentadorias.

E, agora, num erro estratégico de comunicação, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, antecipou que a proposta de reforma trabalhista pretende elevar o limite da jornada diária de 8 horas para até 12 horas. Resultado: grita geral. Foi a deixa para a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e líderes da oposição ganharem uma bandeira poderosa num momento delicado de protestos contra Temer. Até o ex-presidente Lula, que já mira as eleições de 2018, encampou as críticas.

Atos estão sendo organizados nas principais capitais e sindicalistas pedem greve geral em protesto contra as reformas e em defesa dos direitos dos trabalhadores.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, quer que a base aliada se concentre na aprovação da PEC, uma batalha que, sozinha, já se mostrava de grande complexidade. O ministro sabe que não pode repetir o mesmo erro de Joaquim Levy, que ao assumir o Ministério da Fazenda quis abraçar o mundo e resolver todos os problemas econômicos ao mesmo tempo. O que não ajudou em nada.

É compreensível que o governo tente mostrar serviço o quanto antes. Ainda mais depois que o Comitê de Política Monetária (Copom) condicionou a queda da taxa de juros a avanços no ajuste fiscal. Mas a reforma da Previdência precisa ser mais esclarecida para a sociedade antes de ser enviada. Se o governo mandar a proposta sem uma boa comunicação, será muito mais difícil de aprová-la.

É preciso convencer que as regras atuais são muito mais generosas no Brasil em comparação com outros países e que a situação é insustentável para os próximos anos. A questão é mandar quando tiver criado esse ambiente mais favorável.

Pouco importa se vai se enviada antes ou depois das eleições, porque a sua tramitação será demorada. Deve levar um ano de tramitação, na melhor das expectativas.

Um estranho no ninho - MERVAL PEREIRA

O Globo - 10/09

Ex-ministro esbarrou em interesses políticos. A demissão do advogado-geral da União (AGU) Fábio Medina Osório pode ser explicada pela disputa de poder — num governo que começa a se estruturar com base num núcleo político de líderes do PMDB — e, por outro lado, pela necessidade de trabalhar em equipe sem perder a autonomia.

Não há dúvida de que o estilo impetuoso de Medina Osório e sua ambição política deixaram espaço para intrigas e mal-entendidos, mas o fato de não ter ligações políticas sólidas dentro do partido que assumiu o governo deixou-o isolado na sua posição firme de combate à corrupção fora do, digamos assim, modelo concebido pelo núcleo duro do Palácio do Planalto, especialmente o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, quem lhe deu o aval para a nomeação.

Desde o início Medina Osório parecia um estranho no ninho. Perdeu o status de ministro sem que fosse comunicado antes; foi acusado de ter tomado indevidamente um avião da FAB para ir a Curitiba; ou de ter sido displicente no episódio da primeira destituição do presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, que acabou revertida pelo Supremo.

Na verdade estava sendo fritado por uma intriga política que ele atribuiu na época ao secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, afilhado de Eduardo Cunha, advogado do PMDB há longos anos e da confiança do próprio presidente Michel Temer.

Sua luta para montar uma equipe própria acabou gerando atritos dentro da AGU, e ele foi boicotado internamente, inclusive pela funcionária nomeada para o seu lugar, Grace Mendonça, que comicamente alegou a falta de um HD para não copiar documentos requisitados por Medina Osório ao STF.

Semana passada, pediu a exoneração de Luís Carlos Martins Alves Júnior, o número dois da AGU, que é ligado ao ministro Eliseu Padilha. A intriga sobre o avião da FAB foi provocada pela razão da viagem: Medina Osório fora a Curitiba para um encontro com os procuradores da Operação Lava-Jato, críticos da nova Lei de Leniência, e abriu um processo contra as empreiteiras atingidas pela Operação Lava-Jato, pedindo R$ 11 bilhões de indenização ao Tesouro, o que incomodou setores que negociavam um acordo de leniência mais favorável às empreiteiras. E o processo foi aberto no Paraná, certamente de acordo com os procuradores.

Duas ações recentes de Medina Osório teriam irritado Padilha, com quem ele teve a última conversa, tensa, na noite de quinta-feira: a cobrança de uma multa à empreiteira Camargo Corrêa e o pedido de acesso aos inquéritos da operação no STF, concedido por Teori Zavascki, que acabaram não se realizando pelo boicote de Grace relatado acima.

Fábio Medina Osório tinha um perfil completamente diferente dos recentes titulares da AGU nos governos petistas, notadamente Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo. Ele levava ao pé da letra o fato de que o advogado-geral da União não era o advogado do presidente da República, mas dos interesses da União, tanto que, numa medida que também irritou o Palácio do Planalto pelos problemas políticos que poderia causar, questionou o fato de Cardozo defender a presidente Dilma quando ainda era o AGU.

Na conversa de quinta-feira, Padilha teria lhe dito que ele tinha que ser o AGU do Temer. Não há ainda a certeza de que, como vem afirmando, Medina Osório foi demitido por estar do lado dos procuradores da Lava-Jato, mas apenas de que ele assumiu posições políticas relevantes sem consultar o núcleo político do PMDB, que comanda o novo governo.

Sua tentativa de autonomia funcional esbarrou em interesses políticos que tanto podem ser espúrios, quanto mais sutis do que suas manobras bruscas de promotor de Justiça de carreira que foi. Somente o tempo nos dirá.


Supremo Tribunal Federal sob nova direção - LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

FOLHA DE SP - 10/09

Virada a página do impeachment (Dilma Rousseff já deixou o Palácio da Alvorada), as atenções se voltam para o desempenho de outra mulher, a ministra Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira (12), pelos próximos dois anos, a presidência do STF.

A direção do Supremo é resultante de um rodízio. Não é fruto de disputa ideológica. A margem de discricionariedade do presidente é reduzida, incapaz de interferir no conteúdo das decisões monocráticas e coletivas do tribunal. Tem as atribuições de presidir as sessões do Pleno, composto pelos 11 ministros, e estabelecer as pautas de julgamento.

Mas a imagem pública que se construiu da nova presidente –religiosa, discreta e austera– pode ser positiva para o país e para o próprio sentimento feminista.

Não deixa de ser curioso ver a simplicidade estampada em seu rosto (prefere processos a festas, quebrou em 2007 o tabu da saia como vestimenta ao ingressar no recinto de julgamento usando calça e blazer, foi o primeiro integrante do STF a divulgar seu holerite) em contraposição a um cerimonial que preza o salto alto e ainda se preocupa em coibir "sandálias rasteiras".

É na presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que o papel de Cármen Lúcia pode significar uma mudança real. Tem o desafio de reverter o legado corporativista de Ricardo Lewandowski.

Muito embora o espírito da Constituição seja o da transparência absoluta em matéria de remuneração e de atividade extrajudicial de magistrados, para Lewandowski, como noticiou em julho o jornal "Valor Econômico", juízes não precisam informar os "honorários" recebidos por palestras proferidas porque "nós não somos obrigados a revelar quanto recebemos nas atividades privadas". Mas que mal faria esta providência para a credibilidade da Justiça, sobretudo depois que se verificou pelas investigações da Lava Jato que palestra também pode ser instrumento disfarçado de pagamento indevido?

Hoje, os vencimentos dos magistrados (resolução do CNJ de 2012) devem ser expostos nos sites dos tribunais, sob a rubrica "transparência", o que representa um avanço extraordinário.

Em muitos Estados, o roteiro para o acesso aos dados é complexo. Em alguns, a busca parece infrutífera. Em São Paulo, a transparência existe: é possível consultar o "detalhamento da folha de pagamento do pessoal" com as planilhas da remuneração da magistratura paulista mês a mês.

O que se vê, no entanto, é que o teto constitucional estabelecido para os vencimentos dos magistrados parece obra de ficção. Além da "remuneração paradigma", de pouco mais de R$ 30 mil, com as vantagens pessoais e eventuais, indenizações e gratificações o valor pago a desembargadores costumeiramente ultrapassa a casa de R$ 60 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil.

Os famosos "penduricalhos" beneficiam ainda membros do Ministério Público e de outras carreiras jurídicas. É o caso do constrangedor "auxílio moradia", pago indiscriminadamente a todos os juízes brasileiros, mesmo que eles não necessitem da ajuda.

Há um vespeiro político e funcional a ser dominado no âmbito do Poder Judiciário. Para o bem das contas públicas. Cármen Lúcia talvez tenha o perfil ideal para este enfrentamento. É esperar e ver.


O PT DÁ UMA CANSEIRA! - PERCIVAL PUGGINA

DIÁRIO DO PODER - 10/09

Milicianos petistas desfilam em grandes centros aos gritos de "Fora Temer!". Aparentam grande descontentamento, como se lhes houvessem tomado algo muito valioso, tipo assim, digamos, uma presidente como Dilma Rousseff. Naquelas mentes, o Brasil, sem Dilma, sem o PT e com Lula dando explicação para delegado, será tomado pelo caos. Sob o novo governo, supõem, irromperão escândalos na Petrobrás, nas obras federais, nos programas sociais. Os fundos de pensão dos trabalhadores serão dilapidados. A inflação alcançará dois dígitos, o país entrará em recessão e cairá em descrédito, o desemprego se abaterá sobre milhões de famílias. Cairá a renda do trabalhador. Receiam que, com Temer, negocistas reunidos em torno do poder farão transações danosas ao Brasil, comprarão sucatas no exterior e entregarão patrimônio nacional a países de direita. Então, diante desse cenário desolador, as milícias se impacientam e, vez por outra, partem para a ofensiva.

Vivesse entre nós, Miguel de Cervantes não faria o indômito D. Quixote de la Mancha direcionar suas investidas a inocentes moinhos de vento, mas o faria arremeter contra as novas lixeiras. Só um conservador ordinário como Sancho Pança não percebe nelas o potencial reacionário a exigir destruição total. Eu sempre soube que as lixeiras seriam as primeiras vítimas de uma reação esquerdista no Brasil. É muito simbolismo para passarem incólumes. Logo a seguir, pelo estardalhaço que causam e pela transparência que sugerem, viriam as vidraças. Fogo nas lixeiras! Abaixo as vidraças! E, claro, "Fora Temer!".

Tenho encontrado pessoas que depois de desfilarem entre milhões, nas ruas e praças do Brasil, se deixam impressionar pela gritaria dos esparsos grupelhos esquerdistas. Ora, meus caros, nos últimos 30 anos, não houve nem há governo, municipal, estadual ou federal que, tendo o PT como oposicionista, cumpra mandato sem escutar alarido semelhante. O "Fora quem não seja nosso!" faz parte do pujante e rico arsenal retórico do partido. E quando o grito sai de um peito com estrela nada há nele de golpista. É simples manifestação de justificada "repulsa cívica".

Então, o que estamos assistindo não pode causar surpresa. O sentimento que essas manifestações me inspiram é de perplexidade pela contradição formal entre os milicianos de rostos expostos e os de rostos encobertos. Como entender condutas tão diferentes num mesmo evento? Enquanto estes últimos têm consciência da própria incivilidade e falta de compostura, os primeiros parecem orgulhar-se do que são e do que fazem. Pois prefiro os que tapam a cara. Parecem-se mais com seres humanos. Em algum lugar pulsa uma consciência. Os outros, ou deixaram a vergonha de lado em ressaca ideológica, ou, o que é bem pior, seja a soldo, seja como voluntários, querem restaurar o caos que o petismo produziu. E que o país se exploda.

Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

O assalto aos fundos de pensão - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo  - 10/09

Os fundos de pensão, depois de terem sido aparelhados pelo petismo, foram instrumentalizados para ajudar os tradicionais “amigos do rei”



O PT pode ter saído do governo federal, mas sua lista de escândalos segue crescendo. Dias atrás, a Operação Greenfield, da Polícia Federal, mostrou com que gana o partido estendeu seus tentáculos sobre os fundos de pensão de empresas estatais, especialmente o Petros (da Petrobras), o Postalis (dos Correios), o Previ (do Banco do Brasil) e o Funcef (da Caixa Econômica Federal).

O principal modus operandi exposto pela Greenfield foi o “superfaturamento” de Fundos de Investimento em Participações (FIPs), usados por empresas que desejam captar dinheiro no mercado. Os fundos de pensão pagavam por cotas de FIPs mais do que elas realmente valiam, segundo Vallisney Oliveira, juiz da 10.ª Vara Federal de Brasília que autorizou a operação. Entre as companhias beneficiadas estão algumas encrencadas na Lava Jato, como OAS, Engevix e Sete Brasil, e os investigados incluem alguns dos “campeões nacionais” que já contaram com generosas ajudas do BNDES, como os irmãos Batista, controladores da JBS.

Embora nenhum político tenha sido alvo da Greenfield, Ministério Público Federal e Polícia Federal estão certos de que o esquema tinha a participação de “autoridades políticas” que tinham “clara ascendência sobre os diretores dos fundos de pensão que são indicados pelas entidades patrocinadoras”, nas palavras usadas no pedido de busca e apreensão – um dos mandados teve como alvo a casa do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Em muitos países, os fundos de pensão são uma força importante da economia – apenas nos Estados Unidos eles detêm mais de US$ 20 trilhões. Que eles usem esse dinheiro para investir no mercado financeiro, em empresas ou em infraestrutura é absolutamente normal – e, em alguns casos, muito importante; basta lembrar o papel que os fundos tiveram nas maiores e mais recentes privatizações e leilões de concessão ocorridos no Brasil, como da Vale, da Embraer, das empresas de telecomunicações e, mais recentemente, de aeroportos em todo o país. Em praticamente todos esses casos houve participação pesada de Petros, Previ e Funcef.

E, em busca de uma melhor remuneração para quem coloca seu dinheiro nos fundos de pensão, o gestor corre o risco, sim, de cometer erros e fazer escolhas equivocadas – imaginar o contrário seria ter uma expectativa irreal a respeito desses profissionais. Mas o que a Operação Greenfield mostrou foi algo muito diferente de um investimento feito de forma honesta e que deu errado. Os fundos de pensão, depois de terem sido aparelhados pelo petismo, foram instrumentalizados para ajudar os tradicionais “amigos do rei”, no Brasil e no exterior, em detrimento dos próprios pensionistas atuais e futuros. Que explicação decente haveria para que o Postalis despejasse dinheiro em títulos da dívida argentina e venezuelana, dois países que estavam praticamente falidos? Na melhor das hipóteses, apenas a condenável camaradagem ideológica; na pior delas, essa mesma camaradagem aliada a esquemas escusos, de acordo com investigações da Polícia Federal realizadas já no fim do ano passado.

Quando afirmamos, em editorial no último fim de semana, que “o aparelhamento da máquina pública ainda terá consequências por muito tempo”, a Operação Greenfield ainda não havia sido realizada. Mas já se sabia que os empregados das estatais teriam de pagar o preço desse aparelhamento: aposentados e funcionários dos Correios terão 17% de seus vencimentos descontados por 23 anos para cobrir o rombo do Postalis; os da Caixa terão de ajudar com pouco menos de 3% por 17 anos; algo similar deverá ocorrer no Petros. O PT prejudicou – para ficar em uma expressão bondosa, porque a realidade parece ser bem mais cruel – o presente de inúmeros aposentados e o futuro de milhares de funcionários das estatais; façanha notável para um partido que se diz “dos Trabalhadores”.


Tempo é dinheiro no atraso do ajuste fiscal - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 10/09

Governo não deve subestimar a gravidade da crise e faz bem ao não deixar para remeter a reforma da Previdência ao Congresso depois das eleições


É provável que o relaxamento das tensões com a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff tenha feito o governo Temer perder em certa medida o sentido de urgência da crise econômica. Alguns poucos sinais positivos na economia — ilusórios, porque não se sustentam — podem ter ajudado este clima, agravado pela posição de alguns dos novos inquilinos do Planalto de que é preferível deixar passarem as eleições de outubro para enviar ao Congresso temas mais sensíveis, como a reforma da Previdência.

Erro crasso, causado pela falsa sensação de que se “bateu no fundo do poço”. Ora, a economia não se recuperará de forma sustentada por qualquer efeito mágico de uma lei da gravidade às avessas. Ainda bem que o presidente foi sensível aos alertas e determinou o envio da reforma independentemente do calendário eleitoral.

É certo que a emenda do teto para os gastos públicos já tramita na Câmara, mas, sem que se neutralizem causas da elevação autônoma dos gastos — a Previdência, uma das principais delas —, o teto será mais uma daquelas medidas que não pegam.

A sociedade brasileira deixou passar muito tempo para colocar a Previdência nos trilhos, com a fixação de idade mínima como requisito para a reivindicação do benefício. Há, ainda, um fator de propulsão dessa despesa, que tem sido a política de aumentos reais do salário mínimo, indexador desses gastos.

Dados esclarecedores de artigo do economista Raul Velloso, em “O Estado de S.Paulo”: de pouco antes de 1988, quando a Constituição foi promulgada — sob a ideia de o Estado resolver todos os problemas sociais —, até 2015, o peso dos benefícios previdenciários de um salário mínimo nos gastos federais passou de 3% para 25%. Por isso, se nada for feito não demorará muito para 100% das receitas da União serem usadas só para os gastos com o INSS. É certo que antes disso uma crise ainda mais grave eclodirá.

O tempo corre contra o Brasil. Quanto mais demorar o ajuste, pior. Estudo de Rubens Pena Cysne, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV-Rio, e de Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), estima este custo. Revelado pelo GLOBO, o trabalho considera que, se nada for feito ainda este ano, mas apenas a partir do primeiro trimestre de 2017, a conta do ajuste aumentará em R$ 21 bilhões, 0,35% do PIB. Será particularmente desastroso se o Planalto, devido a atrasos, for tentado a lançar mão de mais impostos. Com isso, retardará a retomada do crescimento. Aumentará custos das empresas, prejudicará o combate à inflação.

Também quanto mais rápido o ajuste começar, mais cedo o Banco Central poderá seguir um calendário para a redução dos juros, importante fator de desequilíbrio das próprias contas públicas.

O Copom não pode é se antecipar à ordem natural das coisas: baixar juros na “vontade política”, sem ajuste, porque será repetir o que fez a dupla Dilma/Alexandre Tombini, jogando a inflação para um patamar mais elevado, na fronteira do teto superior da meta (6,5%). O crescimento da crise fiscal fez o resto: derrubou o PIB e colocou a inflação nos dois dígitos.


Precedente inovador - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/09

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que empresas e funcionários têm competência legal para negociar diretamente condições de trabalho, quando as entidades sindicais da categoria se recusarem a fazê-lo



Abrindo um importante precedente, que coincide com a colocação da reforma da legislação trabalhista na agenda política pelo governo do presidente Michel Temer, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que empresas e funcionários têm competência legal para negociar diretamente condições de trabalho, quando as entidades sindicais da categoria se recusarem a fazê-lo.

A decisão foi tomada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais da Corte e o caso envolve um acordo feito pela empresa Braskem diretamente com seus empregados, contra a vontade do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química e Petroquímica da cidade de Triunfo, no Rio Grande do Sul. O acordo instituiu turnos ininterruptos de 12 horas de jornada, entre maio de 1997 e maio de 1999.

Editada em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) admite, no artigo 617, a possibilidade de negociação direta entre empregados e empregadores, quando as entidades sindicais não a promoverem em tempo hábil. Quatro décadas e meia depois, a Constituição de 1988 fixou em seis horas a jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, mas permitiu que esse horário seja alterado por meio de negociações coletivas.

Ao julgar o caso da Braskem, a Subseção I do TST teve de avaliar se o artigo 617 da CLT foi admitido pela Constituição, pois, pela hierarquia das leis, a norma constitucional prevalece sobre leis ordinárias, como é o caso das leis trabalhistas. Até esse julgamento, os Tribunais Regionais do Trabalho (TSTs) não admitiam a possibilidade da negociação direta, alegando que, com o advento da Constituição, o artigo 617 da CLT teria perdido validade.

Por maioria, os ministros da Subseção I entenderam que esse artigo não é incompatível com a Constituição, motivo pelo qual ele continua em vigor. Além disso, enfatizando a conexão entre os dois textos legais, os ministros reafirmaram que a negociação direta entre empregados e empregadores só poderá ser realizada quando os sindicatos trabalhistas e as federações e as confederações correspondentes se recusarem a promovê-la. Com a decisão do TST, os TRTs a partir de agora terão apenas de analisar se os requisitos exigidos para a negociação coletiva direta estão presentes nos casos concretos que tiverem de julgar.

Dirigentes de sindicatos trabalhistas criticaram duramente a decisão da Subseção I do TST, alegando que, por deixar os trabalhadores desamparados, ela coloca os direitos sociais em risco. Segundo o advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química e Petroquímica de Triunfo, Marthius Cavalcanti Lobato, a entidade teria aceitado negociar com a Braskem, mas não concordou com nenhuma das propostas apresentadas. E a empresa, em vez de procurar a federação e a confederação sindical, teria apresentado um abaixo-assinado dos empregados pedindo negociação direta, o que foi aceito pelo TST, disse ele ao jornal Valor.

Até o momento, o acórdão da decisão da Subseção I do TST, cuja redação ficou a cargo do ministro João Oreste Dalazen, ainda não foi publicado. Contudo, por mais que dirigentes sindicais e advogados trabalhistas a critiquem, essa decisão vai ao encontro das inovações que membros do governo Temer pretendem introduzir na velha legislação trabalhista de 1943, para adequá-la à complexidade da economia brasileira. Concebida quando o País ainda engatinhava em matéria de industrialização, a CLT tornou-se uma camisa de força tanto para o setor industrial quanto para o setor de serviços, ambos cada vez mais funcionalmente diversificados. O denominador comum dessas inovações é o princípio de que o negociado entre empregados e empregadores, nas convenções coletivas sobre condições de trabalho, prevaleça sobre o que está legislado. As instâncias inferiores da Justiça do Trabalho já se manifestaram contrárias a essas inovações, sob a justificativa de que elas ameaçam conquistas sociais. Mas, como o precedente aberto deixa claro, esse não é o entendimento de parte da última instância da instituição.

Soma zero - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/09

Resultados desalentadores ou deprimentes das provas nacionais de avaliação dos estudantes, como o recuo no aprendizado de matemática detectado nos exames do Saeb, provocam debate vívido, mas vazio, sobre descumprimento de metas oficiais de desempenho.

Não há dúvida de que as notas dos exames são ruins, ainda que exista controvérsia sobre a qualidade dos indicadores. Qual o sentido, porém, de haver metas sem que se defina um roteiro preciso de providências para atingi-las?

Tal roteiro nacional inexiste. Nem mesmo está definido um plano de solução para os problemas sobre os quais há mais consenso entre especialistas.

Os currículos são extensos, desiguais e descumpridos. Os professores não são formados para as tarefas práticas elementares, técnicas de ensino e procedimentos em sala de aula. Profissionais sem formação específica na disciplina ocupam mais de 50% dos postos.

Os cursos superiores até formam profissionais licenciados em número suficiente para as escolas. No entanto, a carreira não é atrativa.

Deficiências de formação no ensino básico são amplificadas quando um estudante mal formado em leitura e operações matemáticas básicas é confrontado com 13 disciplinas no ensino médio. O desempenho em matemática no nível secundário é especialmente desastroso; regrediu progressivamente ao ponto em que estava em 2005.

Além do reduzido número de centros de excelência e da falta de professores especializados, não há explicação geral e convincente além da baixa qualidade dos programas de matemática. Cerca de 51% dos docentes não têm formação na área; em português, o problema é também considerável: 42% sem treinamento específico.

Sem prejuízo do aperfeiçoamento de currículos e professores de matemática, o efeito combinado do elenco de problemas gerais do ensino contribui para dificultar ainda mais o ensino das disciplinas que são pilares do aprendizado.

Como é de costume, o mau resultado dos exames levou autoridades federais a proclamarem uma campanha pela aprovação de uma lei de reforma do ensino médio. Em seus pontos principais, prevê a universalização do ensino em tempo integral no ciclo em 20 anos (e para metade das matrículas, em dez anos), além de permitir certa flexibilização dos currículos.

Terá escasso efeito prático no médio prazo, por ser vaga e limitada. De resto, não está à vista a melhora da formação dos professores.

Leis podem criar esteios para a ação, mas não suscitam providências nem planos para envolver da União às prefeituras num programa paulatino de mudanças, com aumentos incrementais de meios para que se atinjam metas. Em termos de reforma do ensino o país ainda não aprendeu nem o elementar.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DE PARTIDA, DILMA OPTOU PELA MORTE DO CÃO ‘NEGO’
A pergunta não se calava em Brasília desde a partida da ex-presidente Dilma Rousseff para Porto Alegre: “Cadê ‘Nego’?” Era referência ao cão da raça labrador que ela ganhou do ex-ministro José Dirceu ao assumir a Casa Civil no governo Lula. Nesta sexta, 9, a assessoria de Dilma confirmou: Nego foi morto (ou “sacrificado”), por opção da ex-presidente cassada, sob a alegação que estava “muito velho e doente”.

CONSTERNAÇÃO

O clima dos funcionários do Palácio Alvorada é de consternação e revolta, com a morte de Nego com cinco injeções.

NÃO PRECISAVA MATAR

Afeiçoados ao dócil labrador, funcionários do Alvorada afirmam que Nego tinha condições de sobrevida digna, até sua morte natural.

CÃO DESCARTÁVEL

Esperava-se no Alvorada que Dilma levasse Nego com ela para Porto Alegre, mas isso teria sido desaconselhado pelo veterinário.

O QUE ERA RUIM, PIOROU

Ao ordenar o “sacrifício” de Nego, Dilma só fez piorar a sua imagem já muito negativa junto aos funcionários do Alvorada.

GOVERNO SUSPEITA DO JUÍZO DO EX-CHEFE DA AGU

No Planalto e no Congresso são frequentes insinuações sobre o juízo do ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) Fábio Osório Medina. Após ser demitido pelo presidente Michel Temer, ele acusou o governo de tentar “abafar a Lava Jato”, afirmando que perdeu o cargo por pretender investigar a participação de membros do atual governo no roubo à Petrobras. Só há um detalhe: a AGU não é órgão investigativo.

CARTEIRADA NO HISTÓRICO

O ex-AGU Fábio Medina foi acusado de protagonizar maluquices como “carteirada” para usar jatinho e tomar iniciativas sem consultar Temer.

EX-AGU NÃO ERA UM ‘RP’

Além da acusação de se indispor com subordinados, Medina também não teria conseguido manter boas relações com ministros do STF.

ATO FINAL RUIDOSO

Fábio Medina descompensou ao receber do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) o recado de que Michel Temer decidira demiti-lo.

JUÍZO FISCAL

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da proposta do limite de gastos públicos, destaca a importância do ajuste fiscal do governo. “Ou é o ajuste fiscal ou o dia do juízo fiscal”, avalia.

TÁTICAS PARECIDAS

O deputado Daniel Coelho (PSDB-PE) compara Eduardo Cunha ao ex-presidente Lula. “Ambos agridem a Justiça, tentam desqualificar as investigações e subestimam a inteligência dos brasileiros”.

PATROCÍNIO

A Caixa fechou patrocínio com o Botafogo. Agora, no Rio, só falta o Fluminense, entre os quatro grandes. O Botafogo terá R$ 12 milhões por ano. Corinthians, R$ 30 milhões e Flamengo R$ 25 milhões.

SEPARADAS POR UMA DÉCADA

Mais de uma década depois, o Supremo Tribunal Federal empossará uma mulher, ministra Cármen Lúcia, na sua presidência, segunda, 12. Em 2006, a Ellen Gracie foi a primeira da História a ocupar o cargo.

SÓ VENDO PARA CRER

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) não acredita que a cassação de Eduardo Cunha esteja resolvida. “Só vou ter a convicção (da cassação) quando estiver a apuração do resultado”, afirma.

NOS BASTIDORES...

Os candidatos às presidências do Senado e da Câmara aproveitam os holofotes voltados para a cassação de Eduardo Cunha. Ideia é costurar as alianças enquanto o foco das denúncias é o peemedebista.

SEM JURIDIQUÊS

Com linguagem simples e didática, o Manual Esquemático das Eleições 2016, do mestre em Direito Constitucional e doutor em Direito do Estado Erick Wilson Pereira, é item obrigatório de consultas sobre as novas regras eleitorais, aliás, muito peculiares.

EM CIMA DO MURO

Candidato a presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) procurou agradar as duas forças do PMDB. Absteve-se no fatiamento do impeachment, afagando Renan Calheiros (AL) e Romero Jucá (RR).

PENSANDO BEM...

...a vinte dias das eleições, o principal tema na política brasileira é... a cassação de Eduardo Cunha.


PODER SEM PUDOR

JÓQUEI VALENTE

Gaúcho com a faca na bota, o general e ex-governador Flores da Cunha achou, certa vez, numa corrida de cavalos, que o jóquei fora desonesto.

- Você roubou a corrida, seu safado!

- Ladrão é sua mãe! - reagiu o jóquei, para a perplexidade geral.

- Muito bem, você reagiu como homem - surpreendeu Flores da Cunha - se outra tivesse sido sua resposta, confirmaria que era um canalha.

Cumprimentou o jóquei e foi embora.