segunda-feira, julho 08, 2019

Idiotas da autoestima - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 08/07

Os pais sentem culpa por acharem um saco tomar conta dos 'pentelhos'

Vou descrever uma cena e depois vou perguntar o que você acha dela. Cenário: um restaurante bem frequentado da zona oeste de São Paulo.

Uma criança com cerca de cinco anos corre perto da mesa onde se encontra sua família, com uma taça de vidro de vinho vazia nas mãos. A família conversa acaloradamente. O restaurante cheio, as mesas umas ao lado das outras. Sexta-feira à noite. De repente, um ruído de vidro quebrando. A criança, o que era óbvio de se esperar, derrubou a taça no chão.

É razoável imaginar que os pais não perceberam que a criança corria de um lado para o outro com a taça de vidro nas mãos. Às vezes, ainda mais numa sexta-feira à noite, tudo o que você quer é relaxar, e não ficar vigiando o “pentelho”. Com o ruído da taça se espatifando no chão, os pais se levantam e correm até a criança. Pedaços de vidros se espalham pelo chão, caindo, inclusive, nas mesas em volta, nos pratos das pessoas, e mesmo nos cabelos das mulheres próximas ao incidente. Vou propor duas reações possíveis que os pais tiveram e você “vota”.

Reação A. Os pais correm a acudir a criança para ver se tudo estava bem com ela e, em seguida, passam a pedir desculpas às pessoas próximas, mortos de vergonha pelo ocorrido. Em seguida, buscam ajuda dos garçons para limpar a área atingida pelos cacos minúsculos de vidro.

Reação B. Os pais correm a acudir a criança para ver se tudo está bem com ela, enchem a criança de beijos, dizem que não foi nada, que a culpa não foi dela, e voltam para a sua mesa sem se dirigir às pessoas das mesas em volta e sem buscar ajuda junto aos garçons a fim de garantir que os cacos de vidro não permaneçam, colocando todo mundo ao redor em situação de risco.

Se você votou na reação A, errou. O que aconteceu foi a reação B, por incrível que pareça. Talvez, não tão incrível assim. Afinal de contas, a única preocupação dos pais foi garantir que a criança não se sentisse culpada pelo que aconteceu. A rigor, os culpados foram eles, adultos, responsáveis pelo que uma criança de cinco anos faz.

As avós sempre nos ensinaram que crianças não podem mexer em determinadas coisas.

Mesmo que, num momento de desatenção, você não veja que seu filho brincava com um objeto de vidro (todo mundo pode perder de vista uma criança de vez em quando), na sequência do incidente, após ver se tudo está bem, você deveria vestir o manto da humildade e pedir desculpas aos outros.

Mas as avós estão fora de moda. O que está na moda é uma pedagogia e psicologia da economia da autoestima das crianças. E isso está destruindo a educação, as escolas e as próprias crianças.

Os pais mais jovens hoje fazem dos seus filhos pequenos ditadores, perguntando a eles o tempo todo “o que desejam”. Num movimento de suposta instauração do “direito das crianças” não fazerem o que não querem, os pais fazem dessas crianças adultos insuportáveis, incapazes de lidar com os desafios que qualquer vida normal traz para as pessoas.

Aposto que, em poucos anos, não haverá mais avaliação alguma nas escolas, e essas existirão apenas para reforçar a autoestima dos pequenos mimados de 25 anos. Mas, afinal de contas, qual a causa disso?

Seriam muitas. Muita gente capaz está estudando o fenômeno, tentando entender por que os jovens, hoje em dia, entram na universidade com uma idade mental afetiva de uma criança de dez anos. As escolas são usinas de idiotas da autoestima. Eu arriscaria uma intuição acerca de uma das possíveis causas.

Além do conhecido narcisismo epidêmico do mundo contemporâneo (que faz dos adultos uns retardados mentais em geral), acho que uma das principais causas desse fenômeno é a culpa que os pais sentem por acharem um saco ter que tomar conta do “pentelho” —quase sempre um pentelho único.

Filhos estão fora de moda e diminuem a sensação de felicidade, autonomia e autoestima dos próprios pais (neste caso especifico porque, quando você tem filhos, você é continuamente julgado pelas pessoas à sua volta, principalmente as mães).

O número de mentiras cresceu no mundo contemporâneo. Por exemplo: os pais morrem de medo que seus filhos venham a ser gays, lésbicas ou trans, mas quem confessar é fuzilado imediatamente.

A cultura Instagram transformou todos em idiotas de vidas posadas. A única forma de editar a criação dos filhos é fingir que está sempre tudo bem, e que tanto eles quanto os pais sempre vivem um roteiro de amor perfeito contínuo.


Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Moro já apoiou vazamento com um ‘propósito útil’ - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 08/07

Em artigo que escreveu antes da fama, sobre a italiana Operação Mãos Limpas, Sergio Moro defendeu clara e abertamente o vazamento de informações sigilosas quando a ação for motivada por um "propósito útil". Exatamente como propôs no caso do suborno que a Odebrecht pagou a autoridades da Venezuela, conforme notícia veiculada pela Folha, em parceria com o The Intercept.

No texto, escrito em 2004, Moro anotou que os responsáveis pela Operação Mãos Limpas "fizeram largo uso da imprensa." Segundo ele, a investigação "vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no 'L'Expresso', no 'La Republica' e outros jornais e revistas simpatizantes." Deu-se coisa semelhante na Lava Jato.

Moro acrescentou no artigo sobre a Itália: "Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva."

No caso exposto pela Folha e o Intercept, o então juiz Moro enviou mensagem ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa de Curitiba, sugerindo que vazasse dados que expunham o propinoduto por onde escorreram as verbas sujas da Odebrecht para autoridades da Venezuela. A delação estava protegida pelo sigilo. Um segredo chancelado pelo Supremo Tribunal Federal. A despeito disso, Moro e Dallagnol travaram o seguinte diálogo, em 5 de agosto de 2017:

— Sergio Moro: Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR?

— Deltan Dallagnol
: Concordo. Há umas limitações no acordo, então temos que ver como fazermos. Mais ainda, acho que é o caso de oferecer acusação aqui por lavagem internacional contra os responsáveis de lá se houver prova. Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos.

— Moro:
Tinha pensado inicialmente em tornar público. Acusação daí vcs tem que estudar viabilidade Deltan.

— Dallagnol, após enviar sinal de positivo peloTelegram: Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontânea e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público. Paralelamente, vamos avaliar se cabe acusação."

O material vazou, como se lê na reportagem. A Odebrecht chiou. Procurado, Moro, agora acomodado na poltrona de ministro da Justiça, não quis comentar o teor da conversa com Dallagnol. Mandou a assessoria reiterar que "não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente." Depois, pendurou no Twitter um post no qual praticamente confirma o diálogo eletrônico, ironizando o teor da reportagem:

"Novos crimes cometidos pela Operação Lava Jato segundo a Folha de S. Paulo e seu novo parceiro, supostas discussões para tornar públicos crimes de suborno da Odebrecht na Venezuela, país no qual juízes e procuradores são perseguidos e não podem agir com autonomia. É sério isso?"

No artigo de 2004 —disponível na internet, sob o título "Considerações sobre a Operação Mani Pulite"—, Moro como que enalteceu os vazamentos. Disse que, na Itália, "a publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados…"

Moro admitiu que vazamentos podem produzir danos: "Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado." Mas deu de ombros: "Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação Mani Pulite."

Ironicamente, a divulgação em conta-gotas das mensagens tóxicas que lhe são atribuídas levaram Sergio Moro a reproduzir maquinalmente procedimentos que se tornaram habituais no dia a dia dos investigados da Lava Jato. Mal comparando, o ex-juiz vive pesadelo semelhante ao que atormentou vários dos seus sentenciados. Moro está sempre um passo atrás do próximo vazamento.

Realistas vs. fantasistas - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 08/07

As fake news foram só o começo; o que vem por aí são as fake realities


Dá para dizer que estamos entrando em uma era em que o mundo fica cada vez mais Smart. Não no sentido de “smart” phones ou de “smart” cities, mas sim no sentido do acrônimo para Simplista, Mecanicista, Ahistórico, Reducionista e Tautológico.

Dentre os efeitos da mudança brutal das mídias em que estamos vivendo, está a dissolução progressiva de conceitos que tínhamos como sólidos, como verdade e história.

Dá até para dizer que a polarização que realmente importa no mundo de hoje não é a da direita versus esquerda, mas sim aquela entre realistas versus fantasistas.

Os primeiros são aqueles que ainda defendem a ideia de verdade, acreditando que os valores humanos ainda podem ser minimamente compartilhados.

Já para os segundos, nem realidade nem valores objetivos existem mais. São conceitos que se pulverizaram e com isso podem ser reinventados (ou sintetizados) o tempo todo. Surge assim uma nova profissão: a de fazedor de realidades.

Essa dualidade entre realistas e fantasistas pode ser descrita de outras maneiras (todas imperfeitas): essencialistas e relativistas, apocalípticos versus integrados (sendo os apocalípticos, nesse caso, os que ainda se fiam à ideia de verdade, e os integrados, aqueles que estão confortáveis com seu desaparecimento).

Vale notar que, nesse contexto, defender a verdade e a realidade se transforma em atitude conservadora, provavelmente fadada ao fracasso.

Essa polarização ainda vai perdurar por muito tempo, especialmente porque o velho mundo onde a “realidade” fazia sentido está morrendo, mas o novo mundo que virá depois disso ainda não nasceu.

Os sintomas da falência do real estão em toda parte: na expansão da crença de que a terra é plana, na rejeição às vacinas e na volta do sarampo.

Não é que a história vá desaparecer. Ela apenas perde também a objetividade, podendo ser também refeita ou remixada. É algo que o crítico inglês Simon Reynolds já havia sugerido no seu livro “Retromania”: a história (e a cultura) são hoje matéria-prima para o remix. Que, por sua vez, é incapaz de gerar um novo cânone, mas totalmente capaz de gerar infinitos pastiches, que podem ser servidos para vários grupos diversos, conforme seja conveniente.

Sem história nem verdade, a realidade pode ser reconfigurada a todo momento. Por incrível que pareça, essa é a concretização dos ideais de ícones da contracultura como Terence McKenna, Robert Anton Wilson ou Philip K. Dick.

Os três são, aliás, retratados no recém-lançado livro “High Weirdness”, do escritor californiano Erick Davis. É leitura obrigatória para entender o que acontece quando todos os referenciais se tornam fakes.

Nesse sentido, as “fake news” foram só o começo. O que vem por aí são as “fake realities”. O problema é que o mundo preconizado por Dick, McKenna e Wilson pregava uma suplantação do real em prol da dúvida. Já no mundo em que estamos começando a viver, há um triunfo das certezas. Muitas certezas.

Reader


Já era Um modelo único de banco e de contador

Já é A multiplicação das fintechs, startups financeiras

Já vem
 A multiplicação das acccountechs, startups contábeis

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Hora do balanço: os seis meses de Bolsonaro - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 08/07

A eleição de Bolsonaro criou uma forte expectativa na população brasileira de que a era petista – com seu projeto deletério de poder, que incluía o aparelhamento das instituições, o crescimento desordenado do Estado sobre a vida da sociedade, as políticas econômicas desastrosas, os empréstimos vultosos e inexplicáveis a companheiros ideológicos de outros países e a corrupção desenfreada – chegaria ao fim.

Ao acompanhar os fatos destes primeiros seis meses, é inegável que a ruptura com a forma anterior de governar efetivamente aconteceu, atendendo em boa medida os anseios dos brasileiros.

Para combater a corrupção e o inchaço estatal, os ministérios foram diminuídos e escolhidos na sua maioria, bem ou mal, a partir de critérios mais técnicos, e não para conseguir base de apoio no Congresso; várias medidas foram tomadas para o combate a fraudes; e o apoio a operações anticorrupção, como a Lava Jato, tem se mostrado irrestrito.

Também são de se louvar as medidas de abertura econômica que o governo adotou. Bolsonaro tem editado medidas provisórias e decretos para desburocratizar a atividade econômica e aumentar a participação internacional do Brasil nos negócios. A maior vitória nesse sentido é a conclusão do acordo de livre mercado assinado entre Mercosul e União Europeia que, apesar de ainda precisar de aprovação do Congresso e de levar alguns anos para ser consolidado, prenuncia um período de maior desenvolvimento para o país.

A população brasileira nutre uma grande esperança de que o processo de mudança iniciado com sua eleição avance

Outro ponto a ser considerado é a mudança de valores do governo, tanto interna como externamente. Bolsonaro manteve o seu compromisso de campanha em defender valores conservadores. Além disso, contrariou abertamente a linha terceiro-mundista, restritiva, do Partido dos Trabalhadores.

Estas características foram as linhas mestras de seu governo até aqui: realinhamento de valores, abertura econômica e espaço para propostas de combate à violência e à corrupção. Em muitos desses campos, a razoabilidade de algumas medidas e a efetividade delas podem e devem ser questionadas. Mas levando em conta a situação calamitosa em que o Brasil se encontrava, o presidente conseguiu avanços significativos nessas áreas.

É notável, ainda, o sucesso que alguns ministérios estão tendo em suas pastas. O Ministério da Infraestrutura, num trabalho consistente e estruturado, tem concluído muitas obras que podem destravar gargalos da economia brasileira. Outros ministérios também vêm realizando bons trabalhos, indicando que muitos dos nomes escolhidos por Bolsonaro foram acertados.

Entretanto, em vários momentos do passado semestre, a inexperiência coletiva da “nova administração” ficou patente. Inexperiência que, levando-se tudo em conta, pode-se traduzir, nas questões essenciais, no que se poderia chamar de capacidade de execução, que está permanentemente em teste, necessitando ser provada. Há uma percepção de que o pano de fundo do governo, suas linhas e diretrizes gerais correspondem às expectativas do eleitorado, mas a capacidade de defini-las mediante projetos claros e a capacidade de executá-las com celeridade estão aquém do esperado.

Bolsonaro, em inúmeras situações foi obrigado “a voltar atrás”, por fazer proposições irrefletidas, sem o necessário estudo ou embasamento. Certamente, as flutuações do mercado externo e interno não ficam imunes a esses vaivéns. Acrescenta-se a isso a falta de refinamento no papel de líder, com dificuldade de arbitrar com serenidade atritos entre membros do governo – por vezes alimentando-os de forma irrefletida –, ou “fritando” subordinados em público, bem como mostrando dificuldade em compreender o significado valioso da coordenação de negociações políticas legítimas (inevitável diante da saudável pluralidade de ideias que se encontram numa sociedade complexa, e que não se confunde com fisiologismo ou tratativas espúrias).

Mesmo apresentando essas limitações, não se pode afirmar que o presidente de hoje é igual àquele que iniciou o governo. Bolsonaro tem demonstrado capacidade de aprendizado. O próprio fato de voltar atrás com frequência, se de um lado denota irreflexão, por outro revela uma humildade e simplicidade que não são desprezíveis. No campo da articulação política, deu passos importantes, ainda que não decisivos, para melhorar a relação com o Legislativo. A reforma da Previdência, ponto capital para o sucesso de seu mandato, é prova disso. Além disso, o próprio diálogo com a imprensa melhorou, convidando frequentemente representantes de vários veículos de comunicação para cafés da manhã no Palácio do Planalto.

Bolsonaro parece ter compreendido que o papel da Presidência em uma democracia não é a de um comandante central que simplesmente despacha ordens de seu gabinete. E aos poucos está se adaptando às exigências do cargo, embora muitos desejariam, de forma não irrazoável, que isso se desse num ritmo mais veloz. No fundo, a população brasileira nutre uma grande esperança de que o processo de mudança iniciado com sua eleição avance, e que as reformas estruturantes que podem destravar o país finalmente sejam aprovadas. Não são expectativas pequenas e há muito que fazer. Oxalá o presidente tenha uma consciência cada vez maior dessa responsabilidade e esteja à altura do desafio.

Por que você odeia pagar pela bagagem? - SAMY DANA

O GLOBO - 08/07

Não é apenas pelo valor. A sensação de perder algo que sempre foi de graça faz você rejeitar a cobrança, mesmo se estiver ganhando

O veto recente do presidente Jair Bolsonaro à franquia,nos voos domésticos, de bagagem de até 23 quilos certamente desagrada a muitos passageiros. Ninguém gosta de jogar dinheiro fora. Mas a bagagem não era e nem nunca foi gratuita. Sem a cobrança, todas as pessoas, que usavam ou não, eram obrigadas a pagar pelo serviço, com o custo repassado às passagens.

Ninguém vai a um restaurante esperando ser cobrado pelo vinho, beba ou não. Por que com a bagagem os passageiros pensam diferente? Existe uma razão comportamental. Por muito tempo as pessoas pagavam mais caro pela passagem, com direito a refeição, mais espaço entre as poltronas etc. Com todos esses confortos incluídos em um valor único, não havia tanta reclamação. Mas quando algo que parecia de graça passou a ser cobrado, as pessoas sentiram que houve uma perda.

Somos mais sensíveis a perder R$ 50 do que ganhar R$ 50, explica a Teoria da Perspectiva, de Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia, e o colega Amos Tverski. Não houve reclamações quando as companhias passaram a vender pacotes de Wi-Fi a bordo, pois era um serviço novo. Ninguém contesta também que viajar com mais conforto na primeira classe custe mais. Se esses luxos se tornassem gratuitos de repente, certamente ficaríamos felizes.

Mas a dor de ficar sem algo que tínhamos provoca reações mais intensas do que ganhar, explicam os dois psicólogos em artigo de 1979. Rejeitamos mais a mudança se achamos que perdemos. A venda de passagens, além disso, nos força a decidir cada aquisição. Mais espaço para as pernas? Lanche a bordo? Sentar perto da janela? Cada escolha ativa a sensação de estar gastando.

Para o economista Scott Shane, as empresas aéreas também colaboram com esse sentimento quando anunciam que passarão a cobrar por algo que era de graça. Em um post em seu site pessoal, Shane, que também é professor na Universidade Case Western Reserve, diz que uma opção mais inteligente teria sido manter uma passagem mais cara com todos os serviços, mas oferecer a opção de desistir de alguns gastos.

Ao abrir mão de pagar pela comida em um voo de curta duração, do despacho da bagagem ou outro serviço, a tendência é se sentir mais economizando do que perdendo, explica Shane. Mas as empresas aéreas também defenderiam melhor os seus interesses, e com uma imagem mais simpática, se mostrassem aos passageiros que não apenas estão pagando a mais: a cobrança permite, por exemplo, embarcar e voar mais rápido.

Existe um ganho de tempo para todo mundo na cobrança do despacho de bagagens, indica um estudo de 2016. Quando as grandes empresas americanas começaram a cobrança, a Southwest resistiu, mantendo o despacho gratuito. Isso permitiu a Mariana Nicolae, Mazhar Arıkan, Vinayak Deshpande e Mark Ferguson, quatro professores da Universidade do Kansas, comparar como a tarifa influenciou o comportamento dos passageiros.

Em nove milhões de voos analisados, de 2007 a 2009, as pessoas passaram a carregar menos bagagem para não pagar os US$ 20 cobrados, em média, pelas empresas. Com menos volumes a embarcar, os aviões decolaram entre três e quatro minutos mais cedo. Todo mundo chegou mais rápido ao destino.

Dependendo do destino, o brasileiro paga muito pela passagem de avião. É natural que novas cobranças levem a reclamações. Mas nossa reação, muitas vezes, é irracional. A solução não virá impedindo as empresas de buscarem a saúde financeira, mas de mais competição. Se tivéssemos um mercado com muitas empresas, haveria mais ganhos nas tarifas para os passageiros. E em algumas a passagens.

Comparando alhos com bugalhos - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 08/07

Riscos e retornos de duas aplicações, aparentemente iguais, podem ser diferentes

Descontente com o ganho que vem obtendo nas aplicações, Paulo está pensando em transferir parte dos recursos para outro agente. Embora tenha sido classificado como investidor conservador em ambas as instituições, ele está confuso com os argumentos apresentados por ambas, para explicar a diferença da rentabilidade entre os dois.

O agente comercial da nova instituição demonstra que as aplicações conservadoras dela resultaram em maiores ganhos, em comparação com as do banco atual. Explica que as aplicações propostas têm risco um pouco superior às atuais, mas ainda assim adequadas ao investidor.

O gerente do banco aponta que, na verdade, o risco das aplicações sugeridas é maior do que o agente está alegando, pois são aplicações em títulos privados, ao passo que o banco usa títulos públicos, mais seguros. Nessa disputa pelo cliente, Paulo está perdido e pede ajuda para saber quem está com a razão.

Como o tema é retorno em relação ao risco incorrido, vamos considerar que o custo de investir é o mesmo nas duas casas, premissa essencial para comparar a rentabilidade dos fundos de investimento, ditos conservadores, em duas instituições distintas.

A classificação do perfil do investidor e do produto comercializado é definida de forma independente, por cada instituição, de acordo com o modelo adotado por elas. Não há um padrão que resulte em diagnósticos idênticos. Assim, é possível encontrar uma certa diferença entre as duas classificações, de mesmo perfil e de mesmo tipo de fundo.

Vamos examinar as diferenças possíveis entre dois fundos, do tipo “renda fixa”, por exemplo. Embora o tipo do fundo seja o mesmo e a classificação de risco seja idêntica, a política de investimento pode ser bem diferente e, consequentemente, o risco potencial do investidor.

De acordo com a CVM, órgão regulador dos fundos de investimento, o risco de crédito dos fundos de renda fixa, por exemplo, será de livre escolha do gestor, já que admite que 100% da carteira seja constituída por títulos públicos ou privados.

Assim, um fundo que opta por investir exclusivamente em títulos públicos federais pode ser considerado livre do risco de crédito, enquanto outro fundo, que investe 20%, 30% ou mais em títulos privados, sujeitos ao risco de crédito, expõe o investidor a mais risco.

Outra diferença importante é que esses fundos devem investir, no mínimo, 80% do patrimônio em juros, prefixado, pós-fixado ou índices de inflação. Uma posição maior ou menor em taxa prefixada ou índices de inflação proporcionará risco, volatilidade e rentabilidade muito diferentes ao investidor.

E as diferenças não param por aí. A CVM permite que até 20% do fundo invista em outros ativos, ações, por exemplo, ou derivativos, ou, ainda, investimentos no exterior. Tudo isso debaixo de uma mesma bandeira: “renda fixa”.

Um fundo não é melhor do que o outro. São diferentes, apesar de terem a mesma classificação. E, se são diferentes, proporcionam rentabilidades distintas em razão do nível de risco da carteira. Podem estar comparando alhos com bugalhos...

Concluindo, de acordo com a regulamentação vigente, dois fundos podem ter a mesma classificação “renda fixa”, segundo o órgão regulador, ambos serem “conservadores”, segundo classificação de risco da instituição, e terem risco —e retorno— muito diferentes.

Uma das casas parece estar equivocada ao ofertar produtos de risco moderado/agressivo para um investidor conservador, segundo seu próprio diagnóstico. Compete ao investidor pesquisar, conhecer, entender, avaliar as diferenças. E trocar de assessor, se for o caso.

Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”

Aprovar acerto entre UE e Mercosul seria suicídio político de Macron - MATHIAS ALENCASTRO

FOLHA DE SP - 08/07

Agricultura representa menos de 5% da economia francesa, mas ocupa quase metade da superfície nacional


Florent-Claude é um banal servidor do Ministério da Agricultura em pleno mal-estar existencial. Personagem fictício de “Serotonina”, último romance do mais renomado autor francês da atualidade, MichelHouellebecq, ele testemunha a angústia da França rural desfigurada pela globalização.

Numa das passagens mais emblemáticas do livro, Florent-Claude explica passo a passo como a entrada de produtos argentinos provocaria a extinção dos tradicionais pêssegos-vermelhos do Roussillon.

Frequentemente apontado como um dos intérpretes do conservadorismo francês, Houellebecq vislumbra duas ameaças para a identidade da nação: os imãs muçulmanos e os negociadores do Mercosul.

Nicolas Hulot é um ex-apresentador do popular programa de viagens e aventuras chamado Ushuaia. Uma espécie de Luciano Huck com ideias claras, Hulot se converteu em ativista ambiental e, depois de muita hesitação, aceitou chefiar o superministério da Ecologia idealizado por Emmanuel Macron em 2017.

A experiência durou pouco mais de um ano. Na semana passada, Hulot saiu da reserva para atacar violentamente o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Florent-Claude e Nicolas Hulot divergem em quase tudo, mas compartilham um ódio visceral aos acordos comerciais.

Atordoado pela revolta dos “coletes amarelos”, Macron sabe que a maior ameaça para o centrismo surge quando gregos e troianos se unem em torno de uma agenda. A agricultura representa menos de 5% da economia francesa, mas a atividade ocupa quase metade da superfície nacional.

O salão da agricultura, megaevento que ocorre todo inverno em Paris, continua sendo o mais importante ponto de peregrinação para os políticos franceses e um teste de popularidade decisivo para presidentes e presidenciáveis.

Para relançar o seu mandato de cinco anos e chegar a 2022 em condições de derrotar Marine Le Pen, Macron precisa consolidar a sua aliança com os ecologistas, que superaram socialistas e afins nas últimas eleições europeias, e os ruralistas, cada vez mais tentados pela candidata de extrema direita.

Principal instigador dessa geringonça de centro, o premiê Édouard Philippe negocia o apoio de prefeitos de regiões rurais e conservadoras nas eleições municipais do próximo ano, tidas como decisivas para o partido de Macron.

Nas condições atuais de pressão e temperatura, aprovar o acordo entre a UE e o Mercosul seria um ato de suicídio político por parte de Macron. Numa só tacada, ele alienaria o apoio dos ecologistas, lançaria a pré-candidatura de Nicolas Hulot e entregaria de bandeja todas as lideranças ruralistas a Marine Le Pen.

No melhor dos casos, Macron vai esperar dias melhores para tentar ratificar o acordo no Parlamento. Num cenário irrealista de vitória esmagadora como em 2017, ele poderia tentar aprovar o acordo no Congresso logo depois das eleições de 2022. Caso contrário, ele pode sabotar o acordo para satisfazer sua base em pleno ciclo eleitoral.

Nesse contexto, o governo Bolsonaro, sua imagem calamitosa na Europa e suas provocações inúteis não passam de um bom álibi para Macron ajustar sua decisão em função das angústias dos camponeses e fazendeiros franceses.

Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

Luz e contraluz - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 08/07

Acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos


Trouxe o livro de Steven Pinker para a estrada. Na forma papel, só é possível quando me desloco de automóvel. Tem quase 700 páginas, o que pesa muito para quem vai trabalhar com as mãos, ainda que levemente, todo o dia. “O novo iluminismo” é uma defesa da razão, ciência e progresso. Há um imenso campo de discussão sobre essas três palavras.

Recolhi até agora algo que me estimulou a pensar sobre o momento. Pinker aponta a religião como uma adversária do iluminismo. De fato, há dois momentos perigosos em atitudes religiosas. Um deles é colocar suas regras morais acima da felicidade das pessoas. Daí a dificuldade de aceitar o homossexualismo e as diversas identidades sexuais. O “New York Times” perguntou como as pessoas se definiam. As respostas foram múltiplas e variadas.

Outro momento delicado é o questionamento da ciência a partir de uma visão da fé. Pinker cita o caso do júri de um professor americano que ensinava Darwin, que ficou conhecido como o julgamento do macaco. É histórico. Eu mesmo citei o filme sobre aquele júri, “O vento será tua herança”, quando a ministra Damares questionou o espaço que se dava a Darwin.

Pinker considera também na base do contrailuminismo o que chama de uma tendência tribal que se expressa também no nacionalismo, na hostilidade às iniciativas globais. Referia-se mais aos Estados Unidos após a vitória de Trump. Mas esse traço é diferente no Brasil. Apesar da ideologia antiglobalista, o governo não só assinou como comemorou o acordo com a Comunidade Europeia. Na verdade, um passo na integração internacional.

E o avanço de um movimento muito amplo, apesar da resistência de Trump. É a marcha do capitalismo com todas as suas consequências, nem sempre positivas, sobretudo para os que vão sendo deixados para trás.

Bolsonaro precisou aceitar o discurso que muitos dos seus seguidores questionam. Isso me faz pensar em algo: como esquerda e direita são parecidas diante do capitalismo. O discurso é crítico, mas nas grandes decisões têm de seguir a corrente. É como se o capitalismo global avançasse sem travas, deixando a possibilidade de mudanças sempre para o futuro. Não há volta atrás.

Bolsonaro mantém seu discurso hostil à preocupação ambiental dos europeus. Minha suposição é que, diante desse tema também decisivo em termos globais, ele até possa seguir falando as mesmas coisas. Mas será julgado pela sua adesão prática ao Acordo de Paris.

Tem a solidariedade de Trump. Mas ambos me lembram um pouco a piada do papagaio que foi jogado para fora de um avião, junto com um passageiro que reclamava do serviço de forma inconveniente. Em plena queda entre as nuvens, o papagaio disse para o passageiro ejetado com ele:

— Até que, para quem não tem asas, você é bastante folgado.

A situação do Brasil é muito diferente da americana. Bolsonaro é muito arrojado ao afirmar que sobrevoou a Europa duas vezes e não viu florestas. Florestas existem, algumas até encantadas, como a Hallerbos, na Bélgica; a Negra, na Alemanha; a de Epping, na Inglaterra.

O problema é que a Europa, depois de 17 anos de monitoramento, constatou, ao examinar 130 mil amostras, que em suas florestas há decadência crescente das árvores. Sem contar que o alto nível de consumo de seus habitantes contribui também para a redução de muitas florestas pelo mundo.

A Europa reconhece o problema de suas florestas. No próprio relatório, a Comunidade fala de suas medidas sobre a poluição, uma das causas dessa decadência. Se a intenção for criticar a Europa, nada melhor do que se basear na sua própria autocrítica.

Esse acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo para novos investimentos. Uma tênue promessa para o futuro. Não creio que vamos alcançá-lo dando cotoveladas.

O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmou que houve um aumento de 88% em áreas desmatadas na Amazônia. É um dado que compara junho de 2018 com junho de 2019.

Os métodos do Inpe são transparentes. O governo disse que neles há ideologia, manipulação.

Aqui sim é preciso falar de ciência. Por enquanto, o governo contesta os fatos apenas com sua fé. Luz e contraluz.

Fim de privilégio esdrúxulo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 08/07


Qual o sentido em se obrigar os contribuintes a continuarem sustentando juízes corruptos e criminosos?


Entre as medidas que constam do relatório da reforma da Previdência aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados, uma determina o fim da aposentadoria compulsória como punição para juízes condenados por corrupção, desvio de função e improbidade administrativa. Incluída na Constituição e na Lei Orgânica da Magistratura, essa sanção disciplinar foi classificada como um “privilégio esdrúxulo” pelo relator da Proposta de Emenda Constitucional da reforma previdenciária, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Pela legislação em vigor, quando um juiz perde o cargo por decisão administrativa adotada pelas corregedorias judiciais ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele tem direito a receber a aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Sensatamente, o relator da reforma previdenciária afirmou que, do ponto de vista ético e legal, nada justifica que juízes tenham tratamento diferente ao atribuído pela reforma previdenciária ao regime comum dos servidores públicos. Se a proposta for aprovada, ela será aplicada aos magistrados que forem afastados compulsoriamente daqui para a frente. Os que já foram afastados, contudo, continuarão recebendo a aposentadoria regularmente.

Custa crer que a medida moralizadora proposta pelo relator, que ainda terá de ser aprovada em duas sessões plenárias na Câmara e no Senado, tenha demorado tanto tempo para voltar a ser discutida. Entre 2003 e 2013 tramitaram no Senado e na Câmara propostas semelhantes, que revogavam o direito à aposentadoria de juízes afastados compulsoriamente e estabeleciam regras mais severas para punir magistrados corruptos. Por causa da oposição de entidades de juízes, porém, elas não foram aprovadas. Em diferentes ocasiões os dirigentes dessas entidades alegaram que o fim da aposentadoria compulsória era uma tentativa do Legislativo de enfraquecer o Judiciário. Também afirmaram que, embora alguns juízes possam cometer “falhas”, não seria “justo” que fossem afastados sem receber qualquer remuneração. Segundo eles, a perda do cargo já é uma sanção rigorosa e a cassação da aposentadoria, além de ser uma sanção “adicional”, permitiria ao poder público “apropriar-se” das contribuições previdenciárias que os juízes aposentados fizeram ao longo de sua vida.

Desde que começou a funcionar, em 2005, o CNJ já puniu 35 juízes de primeira instância, 22 desembargadores e 1 ministro do Superior Tribunal de Justiça com aposentadoria compulsória, por venda de liminares e sentenças para bicheiros, narcotraficantes e donos de casas de bingo, estelionato e desvio de recursos públicos. Nesse período, esses 58 magistrados receberam vencimentos totais de R$ 137,4 milhões, em valores corrigidos pela inflação. Com esse valor seria possível pagar no mesmo período, 1.562 aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

As informações foram divulgadas após a aprovação do relatório da reforma previdenciária pela revista em seu site, e os valores foram atualizados por um escritório por ela especialmente contratado para esse fim. Segundo a reportagem, esses juízes foram aposentados em períodos distintos, mas, na média, recebem o benefício há cinco anos e dois meses. Neste período, o valor médio do benefício pago pelo INSS foi de R$ 1.415, enquanto a média mensal salarial dos 58 magistrados punidos foi de R$ 38 mil. Em outras palavras, cada excluído dos quadros da magistratura recebe, por mês, o equivalente ao pagamento de 27 aposentados.

É no mínimo estranho que associações de juízes não queiram que se aplique a alguns de seus membros as medidas que prescrevem para cidadãos comuns. Por isso, a iniciativa do relator Samuel Moreira merece aplauso, na medida em que tenta pôr fim a um prêmio atribuído a quem comprovadamente se revelou indigno da toga. Qual o sentido em se obrigar os contribuintes a continuarem sustentando juízes corruptos e criminosos?

Não é o povo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 08/07

Planalto e Moro tentam limitar à esfera política debate sobre conversas vazadas

Jair Bolsonaro (PSL) deu na sexta-feira (5) sua declaração mais reveladora a respeito dos questionamentos à conduta pregressa do hoje ministro Sergio Moro, da Justiça. “O povo vai dizer se estamos certos ou não”, disse o presidente.

A frase escancara uma estratégia do Palácio do Planalto e do titular da Justiça —tanto quanto possível, tratar apenas na esfera política da divulgação de conversas que revelam uma proximidade indevida entre Moro, quando juiz da Lava Jato, e procuradores da operação.

Aposta-se, claro, no respaldo da opinião pública ao ministro, capaz de mobilizar manifestações de apoio como as que tomaram ruas do país no domingo de 30 de junho.

“Eu vejo, eu ouço”, gabou-se o ex-magistrado diante dos atos, nos quais se ouviram ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal.

Um par de dias depois, ele ainda mostraria disposição para o enfrentamento ao falar por mais de sete horas na Câmara dos Deputados, sob ataque dos oposicionistas que querem a revisão da sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Joga-se com o inegável —e merecido— prestígio da Lava Jato na sociedade. Não poucos terão visto os parlamentares inquisidores como meros defensores da corrupção própria ou de aliados.

Entretanto a percepção do eleitorado a respeito do tema se mostra mais sofisticada, conforme indica a pesquisa Datafolha publicada neste domingo (7).

Para 58% dos brasileiros, as trocas de mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil, depois analisadas também por esta Folha e pela revista Veja, mostram atuação inadequada de Moro. São 31% os que aprovam os procedimentos.

As proporções se repetem entre os que defendem a revisão de decisões judiciais, em caso de irregularidades, e os que entendem serem mais importantes os resultados do combate à corrupção.

Em nada mudou, porém, a divisão em torno da condenação de Lula, justa para 54% e injusta para 42% —este percentual oscilando na margem de erro ante os 40% de sondagem de abril de 2018.

Os clamores populares talvez sejam decisivos na permanência ou não de Moro no Executivo. Não podem sê-lo, certamente, na delicada análise jurídica que o caso impõe.

Novos diálogos revelados reforçam a impressão de cumplicidade entre o ex-juiz e os acusadores, mas ao Supremo restará traçar a linha entre o aceitável e o suficiente para anular um julgamento. Isso, óbvio, se os vazamentos forem admitidos como evidências.

Ao ministro cabe apresentar esclarecimentos objetivos sobre seus atos, anteriores e atuais. A popularidade, como todo político deveria aprender, é um ativo volátil.