segunda-feira, junho 24, 2013

Revoltados e atrasados - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

O melhor diagnóstico até agora sobre as manifestações de rua veio do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência. Ele disse que as revoltas são estaduais e municipais. Não deixa de ser um alívio. Quem quiser ficar a salvo da confusão, já sabe: refugie-se no Brasil federal. Nada de ficar vagando pelo Brasil estadual e municipal, porque esse anda muito perigoso, cheio de gente insatisfeita e nervosa. No Brasil federal não, está tudo tranquilo.

Por sorte, Dilma Rousseff também está no Brasil federal, portanto a salvo do tumulto. Desse lugar calmo, sem culpa, ela disse que o que os manifestantes querem é o que o governo quer. São praticamente almas gêmeas. "Meu governo está ouvindo essas vozes pela mudança. Está empenhado e comprometido com a transformação social", informou Dilma. Disse que passeata é uma coisa normal, que ela mesma já fez muito. Parecia prestes a botar uma mochila nas costas e ir para a Avenida Paulista fazer a transformação social.

E mostrou sua visão de estadista: "Esta mensagem direta das ruas contempla o valor intrínseco da democracia".

Às vezes, Dilma exagera na erudição. Vai acabar deixando Luís de Camões encabulado. Ela já explicara que o combate à inflação é "um valor em si", demonstrando conhecimento profundo sobre as coisas da vida e seus valores intrínsecos.

"Esta mensagem direta das ruas é de repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público", afirmou Dilma, praticamente uma porta-voz dos revoltosos contra tudo isso que aí está.

Olhando para o circo, só há uma conclusão possível: os revoltosos - os do passe livre, os dos 20 centavos, os do Ocupem Wall Street sucursal brasuca, os do turismo cívico e os do civismo vândalo - merecem Dilma. Repetindo: os revoltosos merecem Dilma. Mais que isso: são cúmplices dela, pois estavam sentadinhos em casa, enquanto a grande líder mulher brasileira perpetrava suas obras completas de explosão das finanças públicas - a céu aberto, para quem quisesse ver. Agora a inflação dói no bolso? Tarde demais, meus queridos justiceiros.

Essa "presidenta", que vive lá na calmaria do Brasil federal com seus 40 ministérios (contando o do marketing, de João Santana, o único essencial), presidiu, entre outras festas, a distribuição de dinheiro público para o milagre da multiplicação de estádios da Copa. Em São Paulo, numa jogada comandada por Lula e seus amigos empreiteiros (que ele representa no exterior), o histórico Morumbi foi mandado para escanteio. Em seu lugar, surgiu o Itaquerão, novinho em folha, presente do ex-presidente ao seu clube do coração. Um mimo de R$ 1 bilhão. Sabem de onde vem esse dinheiro, bravos manifestantes? Exato: dos vossos bolsos. E onde estavam vocês quando nos esgoelávamos, aqui da imprensa, sobre essa gastança populista, protegida por índices lunáticos de aprovação da "presidenta", e avisávamos que a conta chegaria? Vocês não leem jornal?

Onde estavam vocês, quando a CPI do Cachoeira - com revelações da imprensa - estourou o esquema da Delta, empreiteira campeã de obras superfaturadas do PAC? Vocês sabiam que mais esse ralo de dinheiro público do governo popular ficou impune porque a CPI foi asfixiada por Dilma e sua turma? Por que vocês não saíram às ruas para gritar contra esse golpe?

Onde estavam vocês quando a "faxineira" asfixiou a CPI do Dnit e a investigação do maior foco parasitário de um governo que - no seu primeiro ano! -teve de demitir sete ministros suspeitos? Vocês não desconfiaram de nada? Vocês não leram que o dinheiro de vocês escoava para ONGs de fachada em convênios fantasmas? Vocês não viram essa praga, espalhada por vários ministérios do governo popular, apesar de a imprensa esfregar o escândalo na cara do Brasil? Vocês não notaram que a tecnologia do mensalão, a privatização partidária do dinheiro público, nunca saiu de cena, de Dirceu a Rosemary?

Vocês chegaram tarde, meus caros revolucionários. Quando o bolso dói, é porque o estrago nas contas públicas já é grande. Bem, antes tarde do que nunca. Mas prestem atenção: entendam logo o que vocês estão fazendo nas ruas, senão suas passeatas em breve estarão no mesmo museu dos escândalos que vocês não viram.


Brasil Nervoso - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

Fica cada dia mais difícil, sinceramente, confiar na palavra "popularidade". O dicionário não ajuda; o que está escrito lá dentro não combina com o que se vê aqui fora. Os institutos de pesquisa ajudam ainda menos — seus números informam o contrário do que mostram os fatos. As teses do PT, enfim, não servem para nada. Garantem por exemplo, que a ladroagem, as mentiras e a incompetência sem limites do governo só afetam uma pequena minoria que lê a imprensa livre — a "direita", os "inconformados" etc. Quando Dilma fica brava, como agora, fingem ignorar o que está na cara de todos: que a ira popular vem da acumulação dos desastres noticiados por essa mesmíssima imprensa. É simples. A presidente da Republica que continua sendo apresentada como a governante mais popular que o Brasil jamais teve, não pode colocar os pés num campo de futebol em Brasília. Ia fazer isso como previa o programa oficial no jogo de abertura da Copa das Confederações no dia 15 de junho. Desistiu ao ouvir a robusta vaia que o público lhe socou em cima logo ao aparecer no estádio — e teve de ficar trancada no cercadinho das autoridades, seu habitat protegido de sempre. Para não receber uma vaia ainda pior, também desistiu de fazer o discurso solene escrito para a ocasião. Pergunta: se a presidente Dilma Rousseff não pode aparecer nem falar em público, onde foi parar aquela popularidade toda?

O problema, no caso, é que se tratava de público de verdade — e não desses blocos que o PT monta para fazer o papel de povo, transporta em ônibus fretados com dinheiro público e premia com lanche grátis, em troca de palmas para a presidente. Dilma tentou chegar perto do povo brasileiro que existe na vida real: foi um fiasco, e ela terá de lidar agora com o pânico dos magos da ""comunicação" e "imagem" que fabricam diariamente a sua popularidade. Há alguma coisa muito errada nisso tudo. Para que servem todas as pesquisas de aprovação popular e a fortuna que o governo gasta em propaganda se a rua demonstra que não está aprovando nada, nem acreditando no que a publicidade oficial sobre o Brasil Carinhoso lhe conta? A primeira explicação do Palácio foi urna piada: as vaias foram dadas pela "classe média alta" que estava no estádio no dia do jogo inicial. Mas exatamente naquela mesma hora, do lado de fora, a polícia estava baixando o sarrafo numa multidão irada que protestava contra os gastos cada vez mais absurdos, a inépcia e a roubalheira frenética nas obras da Copa de 2014 — que o ex-presidente Lula, Dilma e o PT consideram a suprema criação de seus dez anos de governo. A essa altura, no mundo real. a casa já tinha caído.

O Brasil Carinhoso que existe nas fantasias do governo havia cedido lugar, desde a semana anterior ao Brasil Nervoso que existe na realidade — nervoso, enraivecido, violento, destrutivo, irracional e exasperado contra tudo o que acontece de ruim no seu cotidiano. Sua revolta começou contra um aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus de São Paulo, decidido pela estrela ascendente do PT o prefeito Fernando Haddad. Abriu espaço, como sempre, para marginais — gente que quebra tudo, incendeia e rouba TVs de tela plana de lojas saqueadas. Vazou rapidamente para outras trinta grandes cidades e continuou durante toda a semana passada, já envolvendo um universo de 250.000 pessoas, ou mais. e colocando à luz do sol uma revolta que ia muito além de protestos contra tarifas de transporte e atos criminais. Seu recado foi claro: o rei está nu. O povo está dizendo que este rei — o governo de farsa montado por Lula há mais de dez anos — rouba, mente, desperdiça, não trabalha, trapaceia, vai para a cama com empreiteiros de obras, entrega-se a escroques, cobra cada vez mais imposto e fornece serviços públicos que são um insulto ao país. Acha que pode comprar o povo com fornos de micro-ondas e outros badulaques de marquetagem. É covarde e hipócrita: depois de provar por A + B que o aumento das passagens era indispensável, a prefeitura paulistana, apavorada provou por A + B que não era, e cedeu a quem chamava de "baderneiros". Dilma por sua vez, elogiou a todos, dos manifestantes à polícia, e correu para pedir instruções a Lula — mas não admitiu que seu governo tenha a mais remota culpa por qualquer das desgraças que levaram o povo às ruas. Espera que a revolta se desfaça sozinha como em geral acontece com movimentos que não têm objetivos claros, liderança e disciplina — e volte à sua sagrada popularidade. Pode ser mais difícil, desta vez.


A pós-Lolita - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 24/06

O que é a "sexualidade de Freud"? A sexualidade é um abismo. "Um lugar para se perder"


A sensualidade pode ser mortal. Em tempos de vida higiênica como o tempo em que vivemos, talvez, em algum momento, a sensualidade venha a ser mesmo posta fora da lei.

Sim, a sensualidade pode ser mortal, basta ler "Lolita", de Vladimir Nabokov. Hoje, o livro seria proibido, mas, claro, em nome das boas intenções. Agora acreditamos que inventamos uma nova forma de censura (antes a censura tinha uma motivação diferente, creem os semiletrados): "A censura em nome do bem".

O novo filme do diretor coreano Park Chan-wook, com Mia Wasikowska (no papel de Índia, uma Lolita que completa 18 anos) e Nicole Kidman (sua atormentada mãe), é uma pérola de estetização do lado sombrio do ser humano.

Mas, não se trata de uma estética suja (até o sangue é de um vermelho encantador), por isso a sofisticação nele nos lembra que mesmo que não sejamos seres "do bem", ainda somos seres belos.

Na filosofia, abordagens como essa são chamadas de "estetização da moral": a estética seria mais essencial do que a ética. Nietzsche é comumente acusado desta forma sofisticada de pecado.

Acima eu falava da beleza do vermelho sangue no filme. Aliás, o sangue na narrativa acompanha a iniciação de nossa heroína e poderia muito bem ser o sangue de sua primeira menstruação escorrendo pelas pernas ou da perda de sua virgindade manchando o lençol.

Em alguns momentos, lembramos dos bons momentos de David Lynch na sua série cult de TV dos anos 80, "Twin Peaks". A saia xadrez da colegial mortal de "Twin Peaks" é trocada pelo vestido "de menina" da estranha Índia, a filha pós-Lolita de Kidman no filme de Park Chan-wook.

Às vezes, esquecemos que a sensualidade feminina pode simplesmente brotar do chão, como uma força esmagadora da natureza.

"Segredos de Sangue" discute o eterno dilema do que em nós é herdado e do que em nós é "cultivado", ou, dito de outra forma, do que em nós seria passível de ser transformado ou criado pela educação ou pelo meio a nossa volta. Em inglês, o dilema "nature x nurture".

No filme, os "segredos" do sangue de Índia (que não vou contar, pode ficar tranquilo) são o que nela seria herdado. E assim, uma forma de destino do qual ela não escapará.

Sou daquele tipo de pessoa que acredita que temperamento é destino. Vejo isso todo dia em sala de aula. Mas, para muitos dos meus colegas, dizer isso seria ir contra "nosso mercado", a educação, infelizmente umas das áreas mais devastadas por bobagens pseudocientíficas e pseudofilosóficas no início deste século 21.

O filme se abre com a morte inesperada do pai de Índia, "seu grande amor". Ela detesta a mãe. Não gosta de ser tocada e aprendeu com o pai as delícias da caça. No momento do enterro do pai (morto num estranho acidente de carro), surge seu desconhecido tio Charlie, irmão mais novo de seu pai. O filme narra as aventuras de Índia descobrindo sua sexualidade e muito mais.

Mas sua sexualidade, "herdada" de alguma forma pelo tronco paterno, é a "sexualidade de Freud", não a sexualidade que hoje escorre pelas paredes do mundo, essa cadeia em céu aberto (Kafka ficaria espantado como as coisas pioraram de sua época para cá...). A sexualidade em voga hoje é uma sexualidade que pode ser posta a serviço da "boa política". A "biopolítica da libertação" nos deixará todos brochas.

O que é a "sexualidade de Freud"? Sim, devemos cuidar para não esquecermos o Freud enterrado em conceitos pseudofreudianos como "pulsão política".

O homem freudiano é uma pedra no sapato dos reformadores contemporâneos, e, nesse sentido, Freud terá que ser "esquecido" mesmo por aqueles que se dizem freudianos, mas que não suportam o que Freud nos ensinou: que a sexualidade é um abismo. Em uns, mais do que nos outros.

Como dizia o psicanalista francês Michel de Certeau, falando de mística, "um lugar para se perder".

O "homem freudiano" só civiliza às custas de muita dor. E não há do outro lado uma civilização curada de sua raiz sombria, como querem os freudianos das luzes.

Claro, nem todos somos Índias ou defloramos Índias. Mas ela continua bela.

Copa das passeatas - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 24/06

Os protestos nas cidades estão afetando o deslocamento de muita gente, inclusive em relação à Copa das Confederações.
Por via das dúvidas, Galvão Bueno chegou à Fonte Nova, sábado, seis horas antes do início do jogo contra a Itália.

Aliás...
Ronaldo Fenômeno tem sido um comentarista aplicado. Antes dos jogos, estuda os adversários e se interessa pelos detalhes técnicos.

Lá e cá
Para realizar a Eurocopa 2004, Portugal reformou e construiu novos estádios “padrão Fifa”. Hoje, três estádios novos, em Leiria, Portimão e Aveiro estão às traças.
Deve ser terrível viver num país... você sabe.

Conta salgada
Com o dólar disparando, já tem gente no setor prevendo que o petróleo e seus derivados podem ser responsáveis por 18 bilhões de reais no deficit da balança comercial brasileira em 2013.

Gente graúda
De um PM do Batalhão de Choque do Rio, vestido à paisana, explicando para outros dois policiais, por que detesta trabalhar em passeata de estudante:
— É pior do que enfrentar traficante. É uma molecada, mas com estrela no ombro.

Sois rei?
Em tempos de manifestações, Petrópolis reuniu umas 10.000 pessoas, na sexta. Um cartaz se destacou: “Majestade, enfia o laudêmio no SUS!”
É que, por lei, em todos os imóveis vendidos na cidade, uma porcentagem vai para a família real.

Nossa Senhora, valei
Antes do Brasil x Itália, o técnico Cesare Prandelli deu a Felipão uma imagem de Nossa Senhora de Caravaggio, padroeira do treinador brasileiro.
O título dado à mãe de Jesus na Itália refere-se a uma aparição que teria ocorrido na pequena cidade da Lombardia, em 1432.

Cinderela da seleção
Quando fez a mala para a viagem de Salvador a BH, Parreira, coordenador técnico da seleção, acabou não separando um sapato para usar. Como a bagagem foi na frente, ele ficou sem nenhum.
Sorte que Júlio César, nosso goleiro, calça o mesmo número e emprestou um Dolce & Gabanna.

Mas...
No hotel em Minas, o jogador procurou o chefe:
— E o meu sapato?

Nubentes gays
Abriu neste fim de semana, em Paris, o 1º Salão do Casamento Gay. O evento que pretende “apresentar aos futuros nubentes gays as principais tendências, da elegância à fantasia, em produtos, serviços e ideias 100% ajustados às novas circunstâncias sociais”.
Como se sabe, a França aprovou recentemente o casamento homoafetivo.

Bala de borracha
O grande compositor Toninho Geraes, autor de joias como “Uma prova de amor” e “Balancê”, levou um tiro de bala de borracha, quinta, na Lapa.
Ele estava num bar com amigos, quando começou um tumulto em frente. Toninho foi medicado e passa bem.

Musa eterna
Luma de Oliveira, aos 46 anos, deu uma repaginada no visual no Hospital da Plástica, na sexta-feira.
Uma das mais espetaculares rainhas de bateria que o Sambódromo do Rio já viu desfilar, fez plástica no rosto. Mexeu na região dos olhos e da boca.

O escolhido
Teve ator da peça “O caso da rua ao lado”, em cartaz na Maison de France, animado quando soube que uma produtora da Globo iria assistir à peça. Deu o melhor de si sonhando com um papel na emissora.
Mas, olha só, nenhum deles foi chamado, com exceção do... tapete. Ele vai ser usado na nova temporada do programa de Pedro Bial.

Humor de volta
“Muita calma nessa hora”, a comédia que levou 1,5 milhão de pessoas aos cinemas, vai ganhar uma continuação.
Dirigido por Felipe Jofilly, com produção de Augusto Casé, “Muita calma nessa hora 2” vai reunir nomes da nova geração do humor, como Bruno Mazzeo, Marcelo Adnet e Rafael Infante (do “Porta dos fundos”) com humoristas como Helio de La Pena e Paulo Silvino.

A moda de protestar
A onda de protestos chegou às salas de musculação da Bodytech, academia de bacanas na Rua General Urquiza, no Leblon.
Alunas chiques estão se mobilizando para conseguir que o pessoal da limpeza também possa malhar.

Patrulhas digitais - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 24/06

Aconteceu na Revolução Verde, massacrada depois do roubo da eleição presidencial no Irã, em 2009. E também na Primavera Árabe, uma estação que, vista pelo retrovisor, está cada vez mais fria e desfolhada. Aconteceu na Praça Taksim, em Istambul, e de novo, na última semana, em proporções continentais, de Porto Alegre a Vancouver, no Canadá.

A mídia social é facilitadora de ativismo político como nenhum outro meio de comunicação da história.

Mas, longe da Cinelândia e da Praça da Sé, acompanhando os protestos e outros fatos da semana numa rotina que cada vez mais inclui a mídia social como fonte de notícia, tive lembranças do meu começo em redações, ainda estudante de jornalismo. Observava editores experientes à minha volta negociando mentalmente com o próprio autocensor instalado pela ditadura militar. Eles tinham anos de prática. Uma citação, um adjetivo poderiam ser a diferença entre uma reportagem ver a luz do dia ou ir para o porão dos cortes.

Neste tempo de explosões populares multiplicadas pela rede social, temos um novo censor e ele não usa uniforme verde-oliva. É possível que não esteja nem usando um completo traje civil, esteja de cuecas com seu tablet em casa. É o internauta colérico que canaliza a sua indignação pela rede e assumiu um poder extraordinário de colocar não apenas figuras públicas, mas qualquer cidadão na defensiva. Não se trata mais do debate entre o que é a justiça ou a demagogia do politicamente correto.

A expressão, este direito tão caro na democracia ocidental, está sendo amordaçada pela velocidade e a exposição planetária de queixas mesquinhas ou denúncias infundadas. E, mesmo quando a indignação tem fundamento, a velocidade e a virulência não permitem que se veja o todo, só o tweet.

O jornal britânico que leio diariamente, o Guardian, anunciou com destaque que seu concorrente The Evening Standard estava sob pressão para tirar o milionário colecionador Charles Saatchi de sua equipe de colunistas. Até um Talibã com sinal 3G numa caverna do Afeganistão sabe que Saatchi é o marido da chef e autora Nigella Lawson e foi fotografado apertando o pescoço da mulher num restaurante londrino. Pela briga, que foi interpretada como flagrante de violência doméstica, ele foi advertido pela polícia ao se apresentar voluntariamente na delegacia. Deu uma entrevista lamentável, dizendo que não tudo não passou de um "arrufo brincalhão".

As chamadas para as linhas de auxílio a vítimas de violência doméstica quadruplicaram na Grã-Bretanha. A vastamente querida Nigella saiu de casa e parou de tuitar suas mensagens de esperança e carboidratos. Mas, a não ser por ter tirado a aliança de casamento, a chef continua em silêncio e, fora as imagens granuladas que realmente sugerem agressão, nenhum dos internautas fantasiando sobre todo tipo de vingança contra o patético Saatchi pode dizer que conhece os fatos entre o casal.

E vem o Guardian, um jornal que acaba de entrar para a história com o vazamento da espionagem da Agência de Segurança Nacional americana, num gesto de defesa da nossa privacidade, e faz coro para um outro jornal demitir seu colunista. É preciso calar a boca de um milionário arrogante que pode ou não ser violento com sua mulher. Como prova da pressão indignada, o jornal cita dois colunistas concorrentes. Mas bastou a manchete do Guardian para a tuitosfera se acender com uma suposta campanha pró-extinção de uma coluna de opinião.

Vejam bem, minha pinimba com Charles Saatchi precede seu casamento com Nigella. O fundador e ex-executivo da maior agência de publicidade do mundo e o inventor de slogans que elegeram Margaret Thatcher é uma influência nefasta sobre a arte contemporânea britânica. Com seus bolsos profundos, seu comercialismo e interferência com o trabalho de curadores, o que ficou claro na infame exposição Sensation, em 1999, ele já merecia meu desprezo. Mas, se ele for calado como colunista por um episódio que ainda não foi esclarecido, nossa liberdade de expressar opinião vai sendo progressivamente imobilizada em formol, como os tubarões do insuportável Damien Hirst, um artista inventado por Saatchi.

Este episódio é apenas um e parte de um jornal que aprecio. Mas, na Babel digital, a paranoia precisa de pouco para ser despertada e desocupados se investem de patrulheiros de tudo - política ou costumes, religião ou ateísmo. Este "poder das massas" tão exaltado como um presente da mídia digital tem sua face totalitária. Censura o discurso, seja ele da adolescente com medo de bullying, ou do político eleito que precisa tomar uma decisão impopular. Neste cenário, o poder vem menos do voto do que de uma conta na rede social com milhões de seguidores.

Está bom, mas nem tanto - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 24/06

Um leitor me perguntou se tenho assistido aos jogos pela TV ou nos estádios. Por minha opção, vejo pela TV. Na Copa do Mundo, pretendo estar nos estádios. É mais emocionante, e posso ver detalhes que não vejo pela televisão, como o posicionamento dos zagueiros, quando o time está no ataque, mas posso deduzir, pelos espaços que existem entre os zagueiros e os volantes, quando o time recebe o contra-ataque.

Graças às excepcionais câmeras de TV, que mostram as imagens bem abertas e os detalhes, se foi pênalti, falta ou não, vejo coisas que não veria nos estádios, além de ter mais informações e desfrutar de uma confortável preguiça, para um sexagenário, mais perto dos 70 que dos 60.

De todos os narradores, das televisões abertas, fechadas e das que não transmitem a Copa das Confederações, gosto mais de Milton Leite, do SporTV. Ele une a descrição precisa do lance com críticas e elogios, no momento e na intensidade certas, além do bom humor.

O outro narrador do SporTV Luiz Carlos Júnior continua chamando a seleção espanhola de Fúria, nada mais ultrapassado.

Dos comentaristas, pelos conhecimentos técnicos e táticos e pelo senso crítico, prefiro os da ESPN Brasil, que não transmitem os jogos da Copa das Confederações. Ronaldo e Casagrande, da TV Globo, não dizem nada mais que o óbvio.

Como se esperava, o Brasil vai enfrentar o Uruguai na semifinal, e a Espanha, a Itália. A Espanha, contra a Nigéria, mostrou, novamente, sua deficiência, a falta de bons atacantes. Pedro, Soldado, Villa e Fernando Torres não estão à altura da qualidade do time.

Brasil e Espanha são favoritos, mas não será uma grandíssima zebra se ocorrer o contrário. O Uruguai, além da rivalidade, sabe jogar contra o Brasil. Os quatro gols que sofreu contra a Espanha, na final da Eurocopa-2012, ocorreram porque a Itália ficou com um jogador a menos durante grande parte do jogo.

Na primeira fase da competição, do meio para a frente, só Neymar brilhou, como se previa. Os outros, com bons e maus momentos, tiveram atuações sem serem especiais. Do meio para trás, David Luiz e Thiago Silva foram os destaques.

Apesar de o Brasil ter, do meio para a frente, apenas um jogador especial, a equipe fez nove gols em três partidas, além de criar outras chances. Isso mostra a força coletiva, especialmente a marcação por pressão, recuperando a bola perto do outro gol.

Assim como não podemos achar picuinhas para desmerecer as boas atuações e as vitórias do time brasileiro, não podemos ignorar os fatos, as deficiências individuais e coletivas nem as arbitragens caseiras. A Fifa é uma potência econômica.

Estatuto da vida - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADÃO - 24/06

O Estatuto do Nascituro, recentemente aprovado numa comissão da Câmara dos Deputados e remetido para apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), tem dado o que falar. Trava-se, na mídia tradicional e nas redes sociais, uma dura batalha ideológica. Sobra radicalismo. Falta argumentação racional. Nota-se, frequentemente, escassez de honestidade intelectual. Foi o que se viu em certos ataques ao Estatuto do Nascituro, um projeto que pretende dar garantias jurídicas ao embrião e que celebra o primeiro direito humano fundamental: o direito à vida.

Uma campanha nas redes sociais, repercutida na imprensa, tentou contaminar o estatuto com uma imagem negativa e carimbar o projeto com o difamatório rótulo de "bolsa estupro". O texto opinativo não deve ser um exercício de superficialidade. Deve, ao contrário, partir da análise objetiva dos fatos. Por isso, em respeito ao leitor, transcrevo o texto aprovado. Vale a pena ler com atenção.

"O Congresso Nacional decreta:

Art. 1.º Esta lei dispõe sobre normas de proteção ao nascituro.

Art. 2.º Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Parágrafo único. O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos ainda que in vitro, mesmo antes da transferência para o útero da mulher.

Art. 3.º Reconhecem-se desde a concepção a dignidade e natureza humanas do nascituro conferindo-se ao mesmo plena proteção jurídica.

§ 1.º Desde a concepção são reconhecidos todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física, e os demais direitos da personalidade previstos nos artigos 11 a 21 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

§ 2.º Os direitos patrimoniais do nascituro ficam sujeitos à condição resolutiva, extinguindo-se, para todos os efeitos, no caso de não ocorrer o nascimento com vida.

Art. 4.º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à família, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 5.º Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, a seus direitos.

Art. 6.º Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se destina, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar do nascituro como pessoa em desenvolvimento.

Art. 7.º O nascituro deve ser destinatário de políticas sociais que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu nascimento, em condições dignas de existência.

Art. 8.º Ao nascituro é assegurado atendimento através do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 9.º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o de qualquer direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, de deficiência física ou mental.

Art. 10.º O nascituro terá à sua disposição os meios terapêuticos e profiláticos disponíveis e proporcionais para prevenir, curar ou minimizar deficiências ou patologia.

Art. 11 O diagnóstico pré-natal é orientado para respeitar e salvaguardar o desenvolvimento, a saúde e a integridade do nascituro.

§ 1.º O diagnostico pré-natal deve ser precedido de consentimento informado da gestante.

§ 2.º É vedado o emprego de métodos para diagnóstico pré-natal que causem à mãe ou ao nascituro riscos desproporcionais ou desnecessários.

Art. 12 É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores.

Art. 13 O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no art. 128 do Código Penal Brasileiro: I - direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe; II - direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje.

§ 1.º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável por pensão alimentícia nos termos da lei.

§ 2.º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe.

Art. 14 Esta lei entra em vigor na data da sua publicação."

O texto do estatuto está aí. De corpo inteiro. Contra fatos não há argumentos. Na barriga da mulher grávida não há um carretel, uma azeitona ou um tumor. Palpita uma vida. Como a sua. Como a minha. Compreendo quem se posiciona do outro lado, mas não respeito quem usa a impostura para impor sua opinião. Não é verdade que o estatuto anulará o artigo 128 do Código Penal, e passará a ser crime punível o aborto de um filho fruto de estupro. Pelo contrário, o texto explicita que fica "ressalvado o disposto no art. 128 do Código Penal". O aborto de um filho fruto de estupro, portanto, continuará a não ser punido.

Não é verdade que o estatuto vai promover uma "bolsa estupro". É muito curioso que certos defensores do Bolsa Família, um programa de indiscutível sucesso, assestem suas baterias contra programas de apoio às mulheres vítimas de estupro.

O brasileiro é a favor da vida. Não se trata apenas de uma opinião, mas de um fato medido em inúmeras pesquisas. Na verdade, a defesa da vida está alinhada com os mais belos valores da democracia.

A revolta da cidade - MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

FOLHA DE SP - 24/06

É sobretudo no âmbito local, berço da insatisfação das ruas, que as explicações e soluções precisam ser buscadas


Embora não se possa descartar que fatores políticos e econômicos tradicionais, como o aumento da inflação e o desgaste dos governos, tenham atuado na eclosão das manifestações, o berço dos protestos é o mal-estar na cidade. É sobretudo no processo selvagem e precário da urbanização brasileira que se deve buscar a origem da insatisfação difusa que tomou as ruas.

A cidade é o palco onde a vida transcorre e as contradições se materializam. É no trânsito bloqueado e na viagem diária de quatro horas de busão para ir e voltar do trabalho que a ineficiência do Estado deixa de ser um tema abstrato --ou um slogan de empresários-- para apresentar-se em sua cruel concretude no cotidiano das pessoas.

E o mesmo vale para o mau atendimento nos hospitais e postos de saúde; para a escola que não ensina; para a favela que não se saneia; e para o faroeste estúpido da insegurança pública.

São situações que de maneira diferente afetam a todos, inclusive os felizes beneficiados pela ascensão social dos anos Lula. Neguinho já comprou TV de plasma e smartphone, mas a vida de neguinho não é só isso. Neguinho quer mais.

Na procura por alternativas, a lógica e as mediações tradicionais nos levariam rumo à estação da política institucional --cujo ponto final é o terminal Brasília.

Não creio, porém, que as demandas das ruas possam ser absorvidas ou equacionadas por uma pauta política de tipo federal. A resposta não é reforma política ou tributária. É preciso encurtar as mediações e buscar arranjos locais para encontrar soluções factíveis para os problemas reais --mesmo que em nenhuma hipótese elas venham da noite para o dia.

Não, não estou aderindo à perspectiva autonomista radical do Movimento Passe Livre, ao repúdio à democracia representativa em nome de uma utopia coletivista "horizontal". O que estou dizendo é que parece possível encontrar novas formas de articulação local para decidir sobre os problemas das cidades --e depois encaminhar as demandas, se for o caso, às esferas que se mostrarem necessárias.

Esses arranjos não partidários por certo se politizariam no debate das questões específicas, mas deveriam evitar de antemão a surrada disputa do tipo "petralhas x demo-tucanos" --que, aliás, tomou uma merecida surra da massa.

No transporte, por exemplo, decisões relativas à expansão do metrô, à modernização dos trens ou aos corredores de ônibus, que dependem de investimentos do Estado e da prefeitura, precisam ser tomadas de modo coordenado, com debate e participação direta dos cidadãos.

Vai nessa direção um documento da organização Rede Nossa São Paulo, que sugere a criação de um conselho municipal para consolidar as propostas em debate com vistas à formulação de um plano de mobilidade urbana na capital. A ideia é que as opções sejam apresentadas e o modelo final definido por referendo.

É uma iniciativa que ampliaria a participação direta em tema crucial para o cotidiano da cidade, evitando que a decisão final ficasse nas mãos (ou nos bolsos) de parlamentares capturados pelo lobby das empre$as --uma das razões evidentes do desprestígio das instâncias representativas nos protestos. Claro que caminho análogo poderia ser seguido em outras áreas.

Enfim: imaginação no poder, reconfiguração da cidade, mais ação e menos blá-blá-blá.

Faltam professores - ANDREA RAMAL

O GLOBO - 24/06

O Brasil tem um déficit de 300 mil professores na educação básica. Em alguns estados, como Rio Grande do Norte, as escolas precisam fazer rodízio de aulas: o aluno fica em casa dois dias por semana, enquanto o professor atende outra turma.

Segundo pesquisa da Fundação Carlos Chagas, só 2% dos jovens brasileiros querem ser professores.

O número de docentes formados caiu pela metade nos últimos anos. Por que isso acontece? Primeiro, porque a remuneração não atrai talentos.

O piso salarial é de R$ 1.567, 10% do que ganha um professor na Suíça e cinco vezes menos do que em quase todos os países da Europa e nos EUA.

Segundo, porque aumentou a cobrança da sociedade por resultados, sem melhoria nos recursos para lecionar e nas condições de trabalho. Só 4% das salas de aula das escolas públicas têm computadores, apenas 28% têm biblioteca. Há escolas sem água potável e sem banheiro. A indisciplina e a violência na escola aumentaram, tornando a profissão estressante e insegura.

Terceiro, pelas perspectivas reduzidas de ascensão profissional. O plano de carreira inexiste em boa parte das redes. A preparação dos docentes é defasada frente às necessidades dos estudantes da cibercultura, e há poucas oportunidades de formação continuada.

Quarto, porque a profissão está socialmente desprestigiada. Quase meio milhão de professores leciona sem diploma de ensino superior.

Dos quase 60 mil professores que dão aulas de física, mais da metade não tem formação na área (MEC, 2012). Um estudo da Fundação Lemann mostra que 30% dos que ingressam nas licenciaturas estão entre os alunos do ensino médio com desempenho mais fraco. Esses fatos reforçam uma falsa ideia de que qualquer um pode lecionar. As famílias tampouco promovem, em casa, a importância da figura do mestre.

Agora o MEC está montando um portal inspirado na Khan Academy, com videoaulas pela internet. Será que o Ministério e as redes de ensino desistiram dos professores? Deixam de levar em conta, entretanto, que o ensino à distância e o autodidatismo puro têm bons resultados em culturas com hábitos de leitura e estudo consolidados, o que, no nosso caso, ainda precisa se construir - certamente com a orientação de professores motivados e bem formados.

Ao esquecer os professores, o Brasil marca passo na construção de um novo projeto de país - na contramão do que deu certo em países que, pela educação de qualidade, construíram economias fortes e sustentáveis.

Diário de bordo - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 24/06

Dilma Rousseff vai voltar atrás parcialmente na decisão que tornou sigilosos todos os dados sobre gastos de viagens presidenciais, anunciada no fim de maio. Pressionada pelos protestos em todo o país, que exigem transparência no gasto público, a presidente vai anunciar, juntamente com outras medidas, que serão liberadas as informações sobre suas despesas, do vice Michel Temer, de ministros e assessores. Ficarão sob sigilo apenas os custos e as informações relativas à segurança.

Discurso... Presidente do PSDB e virtual adversário de Dilma no ano que vem, Aécio Neves procurou os governadores e prefeitos de capitais para fechar uma pauta do partido para a reunião de hoje com a presidente.

... próprio A lista incluirá propostas administrativas e nos campos ético e político. O senador diz que os protestos permitem debater o pacto federativo, contra o que chama de ''centralismo da União''.

Gol contra Aécio aponta oportunismo de Dilma ao dissociar o governo dos gastos com a Copa. "Ela passou seis meses inaugurando estádios como se fossem seus para agora dizer, erradamente, que não há recursos federais.''

É a política Governadores do PT, capitaneados por Jaques Wagner (BA), devem tentar avançar hoje na discussão da reforma política. Ele defende financiamento público de campanhas, fim das coligações proporcionais e coincidência das eleições.

Timing Dilma avisou a Luís Roberto Barroso que não irá à sua posse no STF, marcada para quarta-feira, assim como não foi às dos demais ministros nomeados por ela. O Planalto tem grande preocupação com a solenidade, que coincidirá com uma passeata contra a corrupção e com o jogo Brasil x Espanha.

Sem saída O acesso ao Supremo é facilmente bloqueável caso o ato feche a Praça dos Três Poderes. Na sexta, Joaquim Barbosa conversou com Barroso. Decidiram manter a data da posse.

Cadê? Políticos notaram o silêncio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que foi protagonista em atos na ditadura militar, nas Diretas-Já e no Fora Collor, diante da atual onda de protestos.

Nas nuvens Fernando Haddad (PT) e Guido Mantega (Fazenda) viajarão juntos hoje a Brasília. A carona mostra que foi superado o mal-estar depois que o ministro vetou novas desonerações fiscais sobre transportes, pedidas pelo prefeito para viabilizar o recuo no reajuste da passagem de ônibus.

Figurino O PT passou a ver as candidaturas de Lindbergh Farias (RJ) e Alexandre Padilha (SP), ambos na faixa dos 40 e ex-líderes dos caras-pintadas em 1992, como um meio para tentar atingir a juventude cética com o partido.

Fogueira Padilha está "sob grande pressão" com a reação aos protestos que será lançada hoje, segundo quem acompanhou as conversas no fim de semana. Terá a chance de viabilizar sua candidatura com o programa Mais Médicos e as demais medidas para a saúde, mas se inviabilizará caso elas não decolem.

Doutor acordou Joga contra o ministro a forte oposição do setor ao programa de ''importação'' de profissionais para atuar no Brasil. Entidades marcaram para quarta-feira atos em todo o país contra o projeto.

Caixa-preta O prefeito de Salvador (BA), ACM Neto (DEM), mandou a área técnica do governo preparar para divulgação urgente a planilha com os custos e os repasses para empresas de ônibus. Na capital baiana, o serviço de transporte passará pela primeira licitação neste ano.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Pauta do uso do dinheiro público não é de direita nem de esquerda. Questão da ética antecede a filiação partidária."
DO GOVERNADOR JAQUES WAGNER (PT-BA), para quem o combate à corrupção passa por maior transparência e pela reforma política para melhorar o sistema.

contraponto


Agruras de um prefeito anônimo
Às voltas com os protestos em Curitiba, o prefeito Gustavo Fruet (PDT) ainda enfrentou na semana passada as piores chuvas do ano. No sábado, foi à região mais afetada, na divisa com Araucária, para uma vistoria. Como chovia muito, vestiu uma capa amarela da Defesa Civil.

--Você aí, me ajuda aqui a colocar minha moto ali em cima --disse um motoqueiro preso na enchente.

Fruet, sem se identificar, atendeu o pedido.

--Mais para a direita --reclamou o motoqueiro.

Um assessor quis dizer quem era, mas Fruet o conteve.

--Deixa pra lá. Mas nunca mais visto essa capa...


Evitar o estresse - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 24/06

Não bastassem as complicações da própria economia, agora os mercados andam de orelha em pé com o desenrolar dos últimos acontecimentos políticos e sociais no Brasil, por causa da inevitável associação com outras situações precedentes na história. O que está sendo posto em xeque no Brasil não é um regime tirânico mas o poder político que se formou no decorrer do processo de democratização pós-1985. O desencanto virou um rastilho de pólvora, com a chamada maioria silenciosa dando aval ao protesto de grupos de ativistas, e no lugar de minorias barulhentas temos vistos multidões protestando pelas ruas. Mas o Brasil não se parece nem um pouco com a Paris de 1789, nem a São Petersburgo de 1917 ou qualquer outra nação oprimida por regimes autoritários. Porém, se há no horizonte uma ameaça às instituições, por menor que seja, os mercados logo reagem negativamente, com os agentes econômicos adotando uma postura defensiva para proteger seus capitais e patrimônio. Essa é a razão de o Banco Central estar mais atuante nos diferentes segmentos do mercado financeiro. Até o Tesouro resolveu moderar as emissões de títulos, para deixar os mercados mais líquidos nas datas de rolagem da dívida interna. Da parte das autoridades monetárias, é que deve ser feito em um quadro agitado como a atual.

Resultados rápidos
Cerca de 30% dos passageiros dos voos internacionais em Guarulhos embarcam apenas com bagagem de mão. Não faz sentido então que tenham de passar pelos balcões de check-in se podem confirmar, pela internet, o lugar no voo. Os novos administradores do aeroporto dispensaram o selinho antes exigido pela Infraero nos cartões de embarque, e só com isso 60 pessoas que faziam tal controle foram remanejadas para outras funções. Com a rearrumação de espaços, a capacidade do antigo estacionamento foi ampliada em mais 600 vagas. As pessoas que trabalham ou prestam serviços diários no aeroporto agora usam uma área reservada, o que permitiu a criação de um estacionamento VIP com 400 vagas. E também um novo estacionamento foi inaugurado com 2.500 lugares, de modo que a oferta, que era muito crítica, aumentou em 3.500 vagas desde que os novos concessionários assumiram a administração do maior aeroporto brasileiro.
Os resultados obtidos em tão pouco tempo reforçaram a convicção da Invepar, principal sócio do grupo concessionário de Guarulhos, que as chamadas receitas de serviços extras serão mais importantes que as tarifárias originárias da movimentação de passageiros e aeronaves. Isso aumentou o apetite da Invepar para participar das licitações do Galeão e de Confins, o que dependerá de uma mudança nas regras até agora anunciadas. A Invepar terá de convencer o governo que pode administrar dois desses grandes aeroportos sem que isso afete a concorrência, pois se baseia em estudos internacionais que consideram haver competição apenas entre os que ficam a uma distância máxima de duas horas de carro de um para outro (este seria o caso de Viracopos, Congonhas e Guarulhos). A Invepar também argumenta que a administração conjugada de dois aeroportos não concorrentes propicia ganhos de escala. O consórcio de Guarulhos tem programados investimentos da ordem de R$ 120 milhões em tecnologia de informação, que pode ser compartilhada com a administração de outro aeroporto.

Búzios com conta de luz inteligente
Este ano a Ampla começou a instalar medidores inteligentes em estabelecimentos comerciais e residências de Búzios. A aceitação é voluntária mas os planos da empresa são de usar todo o município de Búzios como modelo para testar a possibilidade de os consumidores terem tarifas diferenciadas conforme o horário de uso da energia elétrica. Esses medidores, conhecidos como smart grid, ainda não são hoje usados largamente porque custam caro. Mas a Ampla aposta que os medidores inteligentes podem trazer benefícios tanto para os consumidores quanto para a empresa, à medida que os clientes se habituarem a usar certos aparelhos eletrodomésticos que "puxam" energia em horários de energia mais barata. Por exemplo, de 22 horas até 17 horas do dia seguinte, a tarifa será mais baixa; com preço intermediário, entre 17 e 18 horas e 21 e 22 horas; e mais caro de 18 às 21 horas.
Já foram instalados 333 medidores inteligentes no município. Pelo celular, o consumidor agora consegue ligar ou desligar alguns circuitos da casa, experiência testada até em um quiosque próximo à conhecida Rua das Pedras, no centro. Do total de 12 mil consumidores, a Ampla espera adesão aos medidores inteligentes de pelo menos metade até dezembro, chegando aos demais no ano que vem.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 24/06

Empresa chinesa fabricará smartphones no país em julho
A chinesa Huawei vai começar a produzir seus primeiros smartphones em Sorocaba (SP) no mês que vem. Serão mais de 100 mil unidades neste ano.

Os smartphones da marca que serão fabricados no país custarão entre US$ 300 e US$ 600, segundo o executivo, diz Veni Shone, CEO da Huawei do Brasil.

"Dependerá do modelo, ainda não podemos dizer exatamente. Os smartphones têm de ser feitos aqui para reduzir as taxas e oferecer preços melhores", segundo ele.

O forte da empresa no país é a produção de equipamentos para redes de telefonia e ela tem planos de expandir a fábrica de Sorocaba, os escritórios e abrir lojas.

A ampliação da planta ainda está em fase de negociação com proprietários de áreas na cidade. Os escritórios dependem do movimento das operadoras.

"Se elas forem para outras regiões, nós iremos também. E as lojas estão em estudos."

O ano de 2012 foi um ano difícil para a empresa no Brasil, com perda de receita.

"O resultado neste ano deverá ser igual ou um pouco maior que o de 2012", afirma.

Os altos custos trabalhista e tributário tornam difícil produzir no país, que deveria investir mais em educação, como a China, observa ele.

Shone tem aulas de português aos finais de semana.

"Aos sábados, durante três horas, porque aos domingos, tenho de fazer reuniões para entender melhor o Brasil. Quando morei em outros países não precisava trabalhar tanto. O Brasil é mais complicado", acrescenta.

14
são as sedes regionais no mundo

3.000
são os funcionários no Brasil

6
são os escritórios no país, que ficam em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Recife

3
são as outras unidades: em Manaus (fábrica), em Campinas (centro de pesquisa e de treinamento) e Sorocaba (planta e centro de distribuição)

PARA BRASILEIRO VER
O Consulado- Geral Britânico em São Paulo vai fazer um "road show" por cidades brasileiras para estimular investimentos de empresas nacionais no Reino Unido. A meta é levar para lá 30 companhias brasileiras até 2016.

"As empresas brasileiras estão mudando de uma época de exportação para uma época mais de internacionalização", diz John Doddrell, cônsul-geral em São Paulo.

Serão mais de 40 atividades entre agosto e setembro. O evento começa em São Paulo e vai a Recife, Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e, possivelmente, Campinas.

Os setores de maior interesse são: tecnologia, serviços financeiros, ciências da vida, energia e engenharia para infraestrutura, área em que o país ainda tem grandes projetos.

"Queremos atingir mil empresas e levar entre 10 e 15 interessadas para ver as oportunidades lá, em outubro", afirma. "Londres é um centro financeiro e de tecnologia, ideal para fazer negócios", acrescenta.

Há 40 companhias brasileiras no Reino Unido. O crescimento foi de 30% desde 2010.

Pacto... A Fapesp firmou um acordo com a ATN (grupo de universidades australianas) para cooperação em pesquisa científica e tecnológica, válido por cinco anos.

...tecnológico Cada uma das partes deve investir até R$ 200 mil por ano no financiamento de projetos de bioenergia, aviação e nanotecnologia, entre outras áreas.

DESEMBOLSO IMPULSIVO
Super e hipermercados são os locais que mais fazem consumidores comprarem por impulso, segundo uma pesquisa do SPC Brasil que será divulgada amanhã sobre o uso de crédito pelos brasileiros.

Dos 604 entrevistados em todas as capitais do país, 34% disseram encher os carrinhos com mais itens do que planejavam (nas classes A e B, foram 29% e, na C, 38%).

"O homem é o que mais costuma gastar no supermercado porque não se preocupa com promoções, nem em mudar de marca, e compra mais produtos congelados" diz Ana Paula Bastos, economista do SPC Brasil.

Quando foram questionados sobre quais produtos geram gastos inesperados, 56% apontaram peças de roupas.

Como era permitido dar várias respostas, aparecem ainda na lista calçados e acessórios (43%), perfumes e cosméticos (29%) e livros (15%).

LIGA NA PRODUÇÃO
A Cipatex, que produz ligas plásticas e químicas, investiu cerca de R$ 20 milhões para passar a fornecer 8.000 toneladas de geomembranas (manta de liga plástica) durante oito meses para uma empresa chilena.

Com a vitória na licitação internacional para oferecer o produto, a empresa prevê aumentar em 25% a sua produção neste ano.

Saltos em alta
O valor da produção das fábricas de calçados brasileiras foi de R$ 23,9 bilhões em 2012, um crescimento de 9,6% em relação ao ano anterior, segundo a Abicalçados (associação do setor).

O aumento foi motivado pelo aquecimento do consumo interno, de acordo com Abdala Jamil Abdala, diretor da entidade e presidente da Francal (feira de calçados).

A ineficácia do Estado e suas consequências - JORGE J. OKUBARO

O Estado de S.Paulo - 24/06

Talvez se possa dizer que as múltiplas e nem sempre facilmente identificáveis causas das impressionantes manifestações nas ruas das principais cidades do País nos últimos dias decorrem do afastamento do Estado brasileiro das preocupações da sociedade em geral e das aflições cotidianas de cada cidadão em particular.

São ainda difusas, é verdade, as razões que, além do aumento - revisto em diversas cidades - das tarifas de ônibus, levaram às ruas multidões que até há pouco pareciam conformadas com a situação presente. As manifestações deixaram claro que havia, latente, uma série de descontentamentos, cujas origens vão da descrença no sistema de representação política e da revolta com os desvios do dinheiro público à má qualidade das políticas públicas e suas consequências na vida de cada um. Tem-se a sensação de que se paga mais por cada vez menos e cada vez piores serviços públicos, ao mesmo tempo que se vê cada vez mais dinheiro do contribuinte tomando o rumo de bolsos e cofres privados. O País deveria estar refletindo sobre isso há mais tempo.

Há casos flagrantes de ineficácia de políticas públicas, em geral decorrente do mau uso das verbas do governo, não apenas e necessariamente por corrupção - que aparenta ser cada vez mais intensa -, mas também por falta de competência. O tempo crescente que boa parte dos moradores de São Paulo perde no trajeto entre a casa e o trabalho, e vice-versa, por causa da lentidão dos ônibus é um desses casos, e foi um dos motivos que levaram os manifestantes às ruas. Insegurança, maus serviços de saúde são outros.

Para o setor produtivo, as más condições da malha rodoviária nacional, das ferrovias, dos portos e aeroportos, a burocracia excessiva, a rápida corrosão da credibilidade da política fiscal, as pressões inflacionárias são outros exemplos de políticas e práticas inadequadas do governo.

Mas há um problema que, embora não seja tão óbvio, por não produzir efeitos imediatos, vem sendo apontado com mais insistência. Cresce, entre os que saíram às ruas - sobretudo os que, por serem estudantes, são vítimas diretas e imediatas -, a compreensão de que, além dos problemas que os afetam no presente, há outro mais grave, o da educação, que ameaça comprometer seu futuro e o do País.

Vistos pelas estatísticas, o problema parece não existir. De acordo com o Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022 apresentado na semana passada no Senado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o que, proporcionalmente, o Brasil investe em educação, 5,7% do Produto Interno Bruto (PIB), é muito próximo do que investem países como Holanda, França e Estados Unidos. A escolaridade média da população de 15 anos ou mais passou de 6,4 para 7,5 anos entre 2000 e 2010.

Mas o problema do ensino brasileiro não é de quantidade, e sim de qualidade. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) relativo a 2009, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi classificado em 54.º lugar entre 65 economias. Na qualidade do ensino de Matemática, a posição do Brasil é ainda pior, 57.º lugar, atrás de Chile, México e Argentina.

São muitas as causas do atraso do ensino brasileiro em relação aos demais países, mesmo aqueles em estágio de desenvolvimento comparável ao nosso. Uma das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes sintetiza bem uma delas: "Professor vale mais que o Neymar". Não se trata, é claro, de desmerecer as qualidades do titular da seleção brasileira e do mais novo integrante da espetacular equipe do Barcelona, mas de trazer ao conhecimento da população os maus efeitos da degradação das políticas públicas na área da educação, um dos quais é o aviltamento da profissão de professor do ensino público; outro, consequência do anterior, é a contínua perda da qualidade do ensino.

Além do ensino básico, no qual o Brasil vai ficando para trás, há ainda o problema da educação profissional, orientada para a formação da mão de obra requisitada pelo mercado de trabalho. De acordo com a CNI, apenas 6,6% dos estudantes brasileiros do ensino médio regular fazem cursos profissionalizantes. Nos países desenvolvidos, segundo dados apurados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o índice é de cerca de 50% (55% no Japão, 52% na Alemanha e 41% na França e na Coreia do Sul).

Da mesma forma, é muito baixa a porcentagem dos profissionais de nível superior graduados na área tecnológica, o que dificulta o avanço da inovação no País. Somente 5% dos graduados em faculdades no Brasil formam-se em Engenharia.

Foram essas as razões que levaram a CNI a colocar a educação como a questão central para dar ao País condições de crescer em ritmo compatível ao da evolução do resto do mundo. "Uma sociedade educada é essencial na construção de instituições e de um ambiente favoráveis aos negócios", diz a entidade, no resumo dos fatores-chave para a competitividade. "A educação também é o principal insumo para a inovação", completa.

O que pelo menos uma parte dos que saíram às ruas nos últimos dias está mostrando é que a necessidade de melhora do ensino brasileiro, tanto na educação básica como nas de nível mais alto, está deixando de ser tema apenas de um grupo ainda restrito de especialistas e de cidadãos preocupados com o futuro. Quanto mais pessoas se interessarem por isso - e por outras graves deficiências das políticas públicas -, maiores as chances de as autoridades buscarem as respostas corretas.

Se isso não ocorrer, cedo ou tarde, não apenas os professores e os alunos, mas todos os brasileiros acabarão sofrendo as consequências desse descaso. Cidadãos menos preparados terão mais dificuldades para alcançar melhores condições de vida para si e sua família. Com profissionais menos preparados, mais dificuldades terá o País para alcançar níveis mais altos de produtividade e de competitividade. Outros países vêm obtendo resultados econômicos notáveis graças à qualidade de seu sistema de ensino.

Falso dilema - MAURO LAVIOLA

O GLOBO - 24/06
Tomando por base o rol de acordos bilaterais de comércio que vêm ocupando as prateleiras da OMC, notadamente após a última reunião da Aliança do Pacífico realizada em Cáli, na Colômbia, chega-se à conclusão de que o Brasil está atrasado em matéria de relações comerciais com o mundo mais desenvolvido, além de estar perdendo espaço para seus produtos industriais nos mercados tradicionais da América Latina. Advoga-se, inclusive, uma reformulação do Mercosul capaz de propiciar maior liberdade negociadora de seus integrantes com outros parceiros além-bloco.

O Uruguai, capitaneado por seu presidente, puxou firmemente esse trem em recente encontro em Madri com representantes da União Europeia.

Nessa última década multiplicaram-se, exponencialmente, desobediências e afrontas às normas comunitárias, por força de medidas inteiramente autárquicas de todos os países membros sob variados argumentos para sanar efeitos de crises externas e/ou necessários ajustamentos nas respectivas economias. A tal ponto que nem mesmo uma área de livre comércio está funcionando no bloco. Seus dois maiores sócios, sem capacidade de reagir aos percalços operacionais, transformaram o Mercosul num ente eminentemente político criando um imbróglio jurídico-institucional - incorporação da Venezuela e suspensão do Paraguai - de difícil deglutição.

Agora, a sociedade brasileira parece ter acordado para as amarras que estão prendendo os avanços do país, interna e externamente. No âmbito interno, nossas mazelas são por demais conhecidas na infraestrutura, na carga tributária, na falta de competitividade nos bens industrializados e na ameaça de novo surto inflacionário. Recorre-se, então, à possível abertura da economia via acordos comerciais com países mais desenvolvidos para "implantar no país uma aura de produtividade".

Contudo, nenhum dos dois caminhos parece ser viável no curto prazo, mas o "Brasil tem pressa porque está atrasado em relação ao mundo".

Para ter autonomia em negociação internacional, a diplomacia brasileira inicialmente necessita driblar ou reformular a decisão (CMC 32/00) que determina entendimentos externos apenas em conjunto, o que até hoje só resultou em insípidos acordos. Até estudei a abertura de um waiver (autorização temporária) na citada Decisão, mas o assunto deve merecer maiores reflexões.

Na esfera interna o esforço terá de ser hercúleo para reverter os malfeitos que afrontam nossa economia, e não creio que acordos de livre comércio, embora desejáveis, consigam romper o ciclo perverso de baixa competitividade de nosso parque industrial e da infernal ciranda burocrática que assola o país.

Estamos frente a um falso dilema, por isso devemos atacar esses dois flancos com praticidade e liderança.

O discurso, as entrelinhas e os fantasmas - DANIELA CHIARETTI

Valor Econômico - 24/06

Em 5 de junho, dia mundial do meio ambiente, a presidente Dilma Rousseff fez um discurso de dez páginas, durante reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em Brasília, tentando mostrar como o Brasil caminha para a economia de baixo carbono. Mas foram oito linhas de sua fala, que ganharam destaque no dia seguinte.

"Temos de enfrentar o fato de que, se continuarmos a fazer hidrelétricas a fio d"água (...), haverá uma tendência inexorável de aumento das térmicas na nossa matriz", era o resumo da ópera. A presidente não disse, mas a alternativa às hidrelétricas a fio d"água são hidrelétricas com reservatórios, provavelmente grandes, certamente na Amazônia. Nesse discurso não dito há espaço para muita controvérsia.

As três grandes usinas que o Brasil constrói neste momento, e onde investe bilhões, são a fio d"água. Ali as turbinas gerarão energia a partir do fluxo natural do rio, sem grandes quedas - no fio da água. A água que entrar no reservatório sairá rapidamente para virar megawatts. As usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará, são assim.

Projetos novos, como São Luiz do Tapajós, idem - desenhada para 6.133 MW e inundar 1.630 km2 de Amazônia. Projeto antigo, como a gigante Itaipu, no rio Paraná, também é a fio d"água. Tem lago-monstro, de 1.350 km2, potência instalada para 14 mil MW e fornece 18% da energia consumida no Brasil. Ou seja, ser a fio d"água não é garantia de pouca inundação.

O que está nas entrelinhas do discurso presidencial é que as próximas usinas brasileiras terão reservatórios plurianuais, para permitir acumulação de água e garantir que a capacidade de geração de energia não fique tão dependente do regime de chuvas. Funcionam como um "back up" para a época de seca e evitam o que acontece hoje: sem chuva e com reservatórios baixos, ligam-se as térmicas, o que aumenta gastos e a emissão de gases-estufa. Pior, a segurança energética em risco faz ressurgirem leilões para térmicas a carvão, o que não acontecia desde 2009.

O discurso da presidente segue a lógica do setor elétrico: reservatórios são fundamentais. E como o país só utiliza 7% do potencial hidrelétrico da região Norte, basta ligar lé com cré para entender que o alvo é a Amazônia.

Mas há outras lógicas além daquela. Há quem suspeite que a conversão dos rios brasileiros em megawatts pode não dar certo em muitos casos. "Infelizmente o governo está achando que pode brigar com a geografia", diz o professor Celio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Há grandes planícies na Amazônia, ou seja, grandes reservatórios são possíveis só se forem alagadas áreas enormes, com todos os problemas sociais e ambientais a reboque. "Não sou contra usinas na Amazônia, mas é preciso que sejam concebidas levando em consideração o bioma, as características geográficas, os aspectos sociais e ambientais."

Bermann, que ajudou no desenvolvimento dos estudos de aproveitamento hidrológico do rio Xingu na década de 80, é um crítico severo de Belo Monte. Lembra que estão sendo investidos R$ 32 bilhões em uma usina com potência instalada para gerar 11 mil MW, mas que durante vários meses, em função da baixa vazão do Xingu, não produzirá mais que 1.100 MW.

"Irão necessariamente construir uma usina rio acima", desconfia. "A discussão de retomar o modelo antigo dos grandes reservatórios é reabrir campo para que os antigos projetos do Xingu possam ser refeitos", acredita. "Olha o perigo aí", concorda Philip Fearnside, pesquisador-sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, e que há mais de 30 anos estuda a região.

O governo diz que desse risco não se corre. Em 2008. o Conselho Nacional de Política Energética baixou uma resolução garantindo que não seriam construídas mais hidrelétricas no rio Xingu além de Belo Monte. Uma das usinas projetadas no passado, Babaquara, inundaria 6.140 km2 e afetaria diretamente os índios caiapós, sempre em pé de guerra contra o projeto. "Não dá para condenar todas as hidrelétricas. Mas o que precisa acontecer, e não está acontecendo, é uma discussão pública e democrática, de como irá se usar a energia", diz Fearnside.

A safra de grandes hidrelétricas do passado produziu uma série de erros tenebrosos. O fantasma da hidrelétrica de Balbina é o que mais assombra. Projetada para acabar com a falta de energia de Manaus, é um dos maiores desastres ecológicos, financeiros, energéticos e sociais da história do país. Construída no rio Uatumã, no Estado do Amazonas, inundou 2360 km2 de floresta para uma capacidade de geração pífia, de 250 MW. Em 1983, o Uatumã baixou tanto que o rio virou um pequeno igarapé e os engenheiros da Eletronorte encarregados das obras o cruzaram em carros comuns, descreve Fearnside. "Cada megawatt nominal de Balbina sacrificou 31 vezes mais floresta do que Tucuruí", conta.

O custo da usina duplicou, os peixes morreram, a madeira não foi aproveitada, a qualidade da água ficou ruim. A vegetação cresceu nas águas rasas, produzindo metano, um gás-estufa 25 vezes mais nocivo que o CO2. Balbina afetou dramaticamente o destino dos waimiris-atroaris que viviam por ali. É a pior usina do país. "O maior benefício de Balbina é a lição sobre como não planejar o desenvolvimento da Amazônia", diz Fearnside.

É verdade que hoje se conhece muito mais da Amazônia, e o setor elétrico tem mais tecnologia para não repetir erros do passado. No discurso do governo, no entanto, não se escuta nada sobre otimizar o consumo, reduzir, ter mais eficiência. Fearnside lembra que 5% de toda a eletricidade do Brasil é usada para esquentar água em chuveiro elétrico, quando se poderia usar energia solar. Chuveiros elétricos são baratos e poucas cidades no Brasil têm estrutura para gás canalizado, mas aqui há consenso: a hora do banho simultânea no país sempre foi um pesadelo para o sistema elétrico.

Se o Brasil desse uma virada... - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O GLOBO - 24/06
Há indícios de inconformidade com o desempenho da economia no Brasil. Observa-se uma desaceleração acentuada da atividade econômica. O crescimento do PIB em 2012 foi de 0,9%. O ritmo da inflação anual, de 6,5%, está na parte superior da meta estabelecida pelo Banco Central. Este é um fenômeno a respeito do qual a opinião pública é particularmente sensível porque recorda episódios inflacionários anteriores. A baixa produtividade conduziu à perda de dinamismo no setor industrial. Por vários motivos, o chamado Custo Brasil aumentou.

A coerência do manejo macroeconômico está sendo questionada por acadêmicos, investidores e dirigentes políticos. As autoridades reagem aos problemas conjunturais com medidas descoordenadas. Ao tempo em que o governo tentava reativar a economia estimulando o consumo, o Banco Central elevava a taxa de juros para controlar a inflação. De diferentes partes da sociedade civil, surgem chamados para que seja retificado o rumo da política econômica. Algumas sugestões são do tipo conjuntural. Outras fazem referência a problemas estruturais. A que se comenta abaixo é uma destas.

O economista Edmar Bacha propôs dar uma virada no modelo de crescimento do Brasil. Bacha é conhecido como inspirador do Plano Real, que pôs fim à espiral inflacionária, em 1994. É diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica - Casa das Garças, um prestigioso centro de conhecimento com sede no Rio de Janeiro. Em traços gerais, sua proposta busca revitalizar a estrutura industrial do país, projetando-a em direção ao mercado mundial por meio de um esquema que transformaria a lógica de proteção tradicional. As barreiras alfandegárias atuais seriam substituídas por uma taxa de câmbio mais desvalorizada. O objetivo é dar um novo rumo à indústria, integrando-a de forma competitiva à economia internacional.

O programa requerido para tornar efetiva a proposta teria duração de vários anos e incluiria os seguintes componentes:

* Reduzir a carga tributária sobre as empresas de 60% para 40%.

Anunciar que, ao fim de quatro anos, o nível de proteção alfandegária seria baixado de 35% para 5%. Também seriam eliminadas as exigências de conteúdo nacional nas compras estatais. Em lugar disso, haveria uma desvalorização de 20%, tanto por conta da abertura comercial como via intervenção do Banco Central no mercado de câmbio. Esta é a parte central da proposta.

* Seria ativada a negociação de acordos de livre comércio. Para tanto, o Mercosul deixaria de ser uma união aduaneira para converter-se numa zona de livre comércio. Cada país membro teria liberdade para subscrever os acordos de comércio que considerasse convenientes.

O Brasil experimentaria uma transformação econômica se decidisse adotar uma política industrial similar à das nações do Leste da Ásia. É instrutivo refletir sobre as repercussões que teria esse giro em alguns países da América Latina.

Fantasia desorganizada - RUBENS RICUPERO

FOLHA DE SP - 24/06

Se nossos jovens quiserem purificar o sistema político, eles terão de canalizar a insatisfação para as eleições


Não é com as Diretas Já ou o Fora Collor que se parecem as manifestações atuais.

Aquelas iniciativas foram enquadradas e dirigidas por líderes políticos. Possuíam objetivo único e bem definido: o fim da ditadura, o fim de um presidente. Visavam, no fundo, substituir os que detinham o poder.

O movimento de agora é um primo pobre e muito longínquo de Maio de 68. Não apenas na maciça participação de jovens e estudantes, na caótica desorganização (Maio de 68 era bem mais estruturado), na rejeição do sistema político.

As maiores semelhanças são de essência: não querem conquistar o poder, mas, num caso, o de 68, "mudar a vida", no outro, "mudar o Brasil".

O Movimento Passe Livre é muito mais prosaico no ponto de partida: o protesto contra o aumento das passagens. Se desta vez o protesto "pegou", foi porque o descaso com a inflação provocou o agravamento dos conflitos distributivos, como dizem os economistas.

O MPL não tem nem de longe a radicalidade universal do sonho utópico de Maio de 68. Tampouco se compara com os parisienses no sopro poético de buscar no Manifesto Surrealista a inspiração para inesquecíveis slogans como: "Seja realista: exija o impossível!".

Não obstante, os manifestantes brasileiros não carecem de virtudes estimáveis. Restabeleceram o exercício direto da cidadania, demonstraram que o mar de corrupção não afogou a consciência moral dos jovens, revelaram senso de hierarquia de valores e prioridades superior ao de um governo empenhado em anestesiar os cidadãos com o desperdício circense da Copa.

Onde os nossos jovens se meteram num beco sem saída foi na rejeição em bloco de toda a política. Se quiserem purificar o sistema político, terão de enfiar as mãos na massa, canalizar a insatisfação para as eleições, único meio legítimo de conquistar o poder e mudar a sociedade.

Os discípulos de Marcuse não queriam virar governo por crerem que todo poder é dominação e alienação. Condenaram-se à impotência e ao niilismo: não é de surpreender que tenham dado lugar aos movimentos terroristas dos anos de chumbo.

Nosso movimento é uma manifestação a mais da crise mundial da democracia representativa. A saída, porém, está em construir mecanismos de participação direta que corrijam os desvios do sistema. Como, por exemplo, o "recall", a revogação do mandato pelos eleitores.

Não será fácil, mas um foco claro como esse é mais exequível do que esperar que um sistema irremediavelmente sórdido e corrupto se reforme sem pressão irresistível do povo.

A euforia das passeatas, a intoxicação de se sentir ator e sujeito do próprio destino, traz de volta o que ensinavam os gregos: a mais nobre expressão da vida humana é participar do governo da cidade. Para isso, é preciso ter, como dizia Celso Furtado, uma "fantasia organizada".

Não se pode ter manifestação sem itinerário, sem segurança que elimine os provocadores, sem respeito à liberdade e propriedade alheia.

Na falta disso, cai-se no "espontaneismo". Na Espanha, espontâneo é aquele entusiasta de tourada que salta na arena para tourear com o paletó. Quase sempre acaba em tragédia e chifrada...

O movimento que pareceu sair do nada - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 24/06

Há movimentos que saem do nada? Ninguém esperava que o Passe Livre mobilizasse assim a nação. Mas isso não significa que tais manifestações sejam um completo enigma. O que não se pode é prever se e quando se darão, nem quais serão seus resultados. Ou seja, não se sabe do seu antes nem do seu depois. Mas vou comentar o que se sabe delas.

Primeiro, este tipo de grande movimento que parece vir do nada começa com o maio de 68 francês, que é além disso o seu paradigma. No dia 15 de março daquele ano, o jornalista Pierre Viansson-Ponté lamentava que "a França [estivesse] entediada", conformista. Uma semana depois, a repressão a protestos contra a guerra do Vietnã e à entrada de rapazes nos quartos das alunas da Universidade de Nanterre detonava o movimento que, rapidamente, cresceu.

Esses movimentos vão bem além de suas causas imediatas. Estas se repetem dezenas de vezes, sem nada resultar. E de repente, a explosão. Que é um acontecimento muito maior que suas possíveis causas. Acontecimento, em inglês, é "happening"; ora, nas línguas latinas, desde os anos 1960 chamamos de "happening" uma grande festa, às vezes promovida por artistas, que tem as características de acontecer só uma vez, não tendo ensaios nem podendo ser repetida. Um acontecimento máximo, um acontecimento em estado puro. Daí, que esses eventos únicos sejam festas. Quem participou dos muitos movimentos de 1968 - na França, em Nova York ou na Califórnia, na Alemanha, na então Tchecoslováquia ou no Brasil - viveu esse clima de festa. Quem se manifestou pelas Diretas-Já em 1984 ou pelo impeachment de Collor, em 1992, festejou nas ruas. Daí, um tom de alegria. As pessoas descobrem que a política pode ser alegre.

Por isso, ocupam as ruas. A causa imediata das manifestações foi o transporte público de péssima qualidade, que impõe aos pobres o gasto de quatro a oito horas por dia para ir e vir do emprego - uma segunda jornada de trabalho, não paga em dinheiro e que onera a saúde física e mental dos trabalhadores. Mas vejam o simbolismo: estão falando do transporte, isto é, do movimento (e reclamando contra a lentidão, a falta de movimento). "A vida é movimento", dizia em 1651 o filósofo Thomas Hobbes. Estão reclamando da estagnação, que é morte, e clamando pela vida. Uma política que clame por causas ligadas à vida é coisa rara. Não é a política das instituições, não é a da governabilidade, não é a do Parlamento.

E assim a causa imediata funciona como um ímã. Ela atrai tudo o que seja "do bem". Os manifestantes lhe agregam a demanda pela saúde, pela educação e até pelas palavras de ordem que não são da ordem, mas da liberdade, como o célebre "é proibido proibir" do 68 francês, ou o "seja realista, exija o impossível". Tudo adquire as cores das grandes mudanças, daquelas que não aparecem no dia a dia, mas surgem como uma revelação, uma epifania, um momento em que se descobrem novas potencialidades para o mundo e para a vida com o outro, para o viver-juntos. Por isso mesmo, cintila sempre a perspectiva de que uma outra política, mais vital, é possível.

Nem tudo são flores. O Brasil padece de uma cultura política fragílima. Anos de pregação segundo a qual todos os nossos problemas decorrem da corrupção - convicção esta que é uma marca clara da ignorância política - fazem muitos acreditarem que o outro, aquele que discorda deles, não pode ser uma pessoa honesta. Muitos ignoram o que significam democracia e política, a saber: há divergências sérias na condução dos assuntos públicos, que cabe ao voto resolver, mas dentro do respeito ao outro. Chamar o outro de ladrão ou bandido é destituí-lo dos direitos políticos e considerá-lo criminoso. Isso não deveria acontecer, salvo exceções comprovadas de crimes cometidos, entre petistas e tucanos, entre republicanos e democratas, entre trabalhistas e tories. Mas acontece, no Brasil, com alarmante frequência. Daí que, quando as ruas se abrem para o imaginário, uma parte dele seja agressivo e violento. Cito um ativista do Passe Livre, que esteve dia 21 no debate que coordenei no Instituto de Estudos Avançados da USP: a direita e o crime, disse ele, estão hackeando nossos movimentos.

E o "day after"? A revelação de que você pode ocupar as ruas, de que por algumas horas pode tirá-las dos carros e fazer uma festa ali é tão poderosa que corre o risco de ser apenas uma catarse, uma pausa no meio de uma vida que antes e depois será conformista. Muitos manifestantes de 1968, das Diretas ou do impeachment lembram esses momentos como apenas uma festa, mas que em nada mudou suas vidas. Ganharam liberdade sexual, é tudo. Será uma pena se assim for. Epifanias devem mudar, sim, a vida de quem as tem. Você não pode ter uma revelação e não se converter... Que os políticos procurem conduzir "business as usual" é até compreensível, mas as pessoas que sentiram o gosto do diferente deveriam inseri-lo em suas vidas.

Isso, mesmo sabendo, o que é bastante amargo, que a curto prazo quem colhe os frutos não é quem os semeou. A Primavera Árabe, obra de jovens democratas, levou ao poder gente conservadora, como os extremistas da Tunísia e do Egito. Maio de 68 conduziu, em junho daquele ano, à vitória eleitoral da direita. Mas hoje ninguém lembra a direita francesa da época, e todos recordam os estudantes, os jovens, o mês de maio. A sociedade muda. E, assim como 1968 se deu em pelo menos três continentes, de 2011 para cá pode estar surgindo uma segunda onda dessas manifestações tão vitais: com a Espanha, países árabes, Turquia e Brasil, elas parecem estar-se espraiando pelo mundo. O que virá desta segunda onda?