domingo, fevereiro 07, 2010

DANUZA LEÃO

Como se tornar uma drag queen

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


SOUBE que vai ser inaugurada em Campinas, com o apoio do Ministério da Cultura, a primeira escola gay do Brasil: a Escola Jovem LGTB, para lésbicas, gays, transexuais e bissexuais.
Nela serão dados inúmeros cursos como expressão literária, expressão cênica e expressão artística, além de um inédito, para formar drag-queens. Já começa aí o preconceito: por que não ensinar também a trabalhar com mecânica, carpintaria, eletricidade, ou a consertar um ar-condicionado? Por que existem pessoas que acham que o mundo gay só é capaz -na cabeça deles- de fazer trabalhos "artísticos"?
Cada um, seja bailarino, lutador de box, cabeleireiro ou bombeiro, tem o direito de escolher com quem vai para a cama, se com alguém do mesmo sexo ou de outro. Detalhe: a escola está aberta também aos heterossexuais. Será que eles acham que vai ter fila de héteros querendo estudar lá?
Essa história de dar aulas para ensinar como se tornar uma drag-queen chega a ser ridícula; a vocação vem do berço e não precisa de professor para ensinar. Mesmo nascendo e crescendo numa fazenda no interior do Acre, uma drag, desde sua mais tenra infância, sabe se "montar" como ninguém.
Ela pega um pano, amarra na cintura, de umas frutinhas faz um colar, passa colorau na boca -mais vermelho que os batons de St. Laurent- e na falta de um sapato alto, anda na ponta dos pés; é com ela mesmo, e é preciso ser muito ignorante para pensar que para ser drag é preciso aprender.
Ao que me consta, o objetivo da humanidade é integrar, fazer com que os humanos de qualquer raça, cor ou religião se sintam como na realidade são -iguais. Se os colégios só para meninas ou só para meninos já não eram recomendados, o que dizer de um dirigido preferencialmente ao mundo gay? Então por que não pensar também em colégios só para brancos e outros só para negros?
As cotas nas universidades já são de um preconceito absurdo; o resultado será a segregação, em seu mais alto grau, e me admira que as autoridades hajam permitido essa aberração. O Brasil tem mania de ser moderninho, mas é bom não esquecer Hitler; é assim que começa.
O mundo é cruel, disso já se sabe, e as crianças, ainda mais cruéis que os adultos. Se eles já fazem maldades com o coleguinha que parece "diferente", imagine do que não serão capazes quando crescerem, sabendo que os "diferentes" estão agrupados, juntos, num só colégio. Aliás, desconfie dos homofóbicos: dentro de muitos deles mora um gay ainda adormecido.
Se a moda pega, veremos no futuro anúncios de edifícios e condomínios exclusivamente para gays, separando cada vez mais o que deveria ser integrado. Essa integração só poderá acontecer quando todas as pessoas do mundo -inclusive o mundo gay, que às vezes é bem preconceituoso- aprenderem que não existem diferenças entre os seres humanos, que as preferências sexuais de cada um são pessoais, e não dizem respeito a ninguém.
Por falar nisso, o Exército dos EUA está abrindo as portas para os assumidamente gays poderem servir "à pátria que eles tanto amam", segundo o presidente Obama; como somos atrasados. Ensinar a conviver com a diversidade, isso é que as escolas e o Ministério da Cultura deveriam fazer.

CHEIRO BRUSCHETTA

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Sem mede do passado

O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/02/10


O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que, se a oposição ganhar, será o caos.

Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse "o Estado sou eu". Lula dirá: "o Brasil sou eu!" Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições.

Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote — o governo do PSDB foi "neoliberal" — e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social.

Os dados dizem outra coisa. Mas, os dados, ora os dados... O que conta é repetir a versão conveniente.

Há três semanas, Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal.

Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado.

Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país.

Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e dele próprio.

Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI — com aval de Lula, diga-se — para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte.

Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto "neoliberalismo" peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista.

Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010:

"Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha seis milhões de barris de reservas. Dez anos depois produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela".

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia.

Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo.

De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo.

O Bolsa Escola atingiu cerca de cinco milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras seis milhões, já com o nome de Bolsa Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da Aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa "Toda Criança na Escola" trouxe para o ensino fundamental quase 100% das crianças de 7 a 14 anos.

Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de três milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas, se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

JANIO DE FREITAS

De volta ou para trás

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


AGU adota a coerção para reprimir ação de procuradores contra decisões, ilegais ou polêmicas, do governo

DUAS NOVIDADES contraditórias retomam, de uma parte, a participação da sociedade civil, que é própria da democracia mas esvaneceu; e, de outra, a pressão por maior avanço dos métodos antidemocráticos de Poder, cuja proliferação tem sido muito grande.
No primeiro caso está a promissora maneira como o novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, investiu-se do cargo. Com presteza rara, providenciou ações judiciais para bloqueio dos bens do governador José Roberto Arruda e sua trupe. E prepara ações definitivas, para uso se vir aceita, formalmente, a evidência de suborno de testemunha por Arruda.
Manifestantes, poucos, fazem em Brasília o habitual para os ativistas de sempre, com disposição e disponibilidade invejáveis. Mas as entidades e organizações representativas de setores sociais, cuja soma forma o que se chama de sociedade civil, têm demonstrado no escândalo Arruda o quanto se alienaram nos últimos anos, na medida de sua intimidação ante o avanço de Lula e seu governo sobre as práticas democráticas.
(Exemplos? Pois não, embora só uns poucos, porque suficientes. A ininterrupta liberação de bilhões do BNDES por ordem (incabível) de Lula, em benefício de interesses privados; as distorções na legislação, para favorecer negócios privados em áreas como telefonia e grandes empreitadas de construção; os grandes negócios opacos com armamentos; o comprometimento com a fábrica Dassault e o governo Sarkozy, em desconsideração às razões da FAB às comerciais, e aos desperdícios financeiros que se projetarão no futuro; governo por medidas provisórias; o desprezo à Constituição e à legislação eleitoral, com o ostensivo trabalho eleitoreiro de Lula pela pré-candidata que escolheu sozinho -e chega, que isso aborrece.)
O escândalo maior no escândalo de Arruda -ou no escândalo do momento em Brasília- não é a recepção de suborno por governantes e parlamentares. Isso é dia-a-dia brasileiro, se ontem não foi acolá é porque foi ali, e se não foi ali logo será. Mais chocante é a sem-cerimônia com que Arruda pode continuar tramando, de dentro do governo cavernoso, com seus 40 comandados. Nada e ninguém a constrangê-lo, com os dominantes deputados da Assembleia Distrital a conduzir o caso em que são os próprios réus, como seu chefe.
Se Ophir Cavalcanti der sequência a seu início restaurador, não lhe faltarão causas. É incerto, porém, que não lhe falte maior apoio, com a CNBB dedicada ao conservadorismo vaticano, e as demais entidades expressivas sumidas em si mesmas.
Ativada em linha oposta à que a OAB reanima, está a Advocacia-Geral da União com seu novo chefe, Luís Inácio Adams. A tese que impôs à AGU, para defender Lula e Dilma Rousseff naJustiça Eleitoral, está bem à altura da atitude dos dois viajantes eleitoreiros. "Válido lembrar", acha a AGU de Adams, "que por candidato somente pode ser considerado aquele que possui registro" [registro eleitoral de candidato].
Mas a legislação que proíbe ações eleitorais antes do período legal não se refere a ter ou não ter registro. Além disso, a tese de Adams, em documento da AGU, pressupõe que quem "possui o registro" pode praticar ações eleitoreiras antes do período autorizado pela lei, o que é incorreto.
Já que é "Válido lembrar", lembremos também que as ações questionadas de Lula e Dilma não são relativas a governo ou, por qualquer forma, à União. São ações pessoais, partidárias, de projetos seus como indivíduos e não como presidente e ministra. A Advocacia-Geral da União comparece ao Tribunal Superior Eleitoral em defesa, pois, de ações de autoria e finalidade estritamente pessoais, nada a ver com a União.
Avanço ainda mais revelador, a AGU adota a coerção e a impropriedade jurídica como instrumentos para reprimir a ação de procuradores da República contra decisões, ilegais ou polêmicas, do governo. A AGU comunica que vai processar já os procuradores que acusam falhas no processo de autorização para a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. E o fará, em outros assuntos, daqui para a frente.
À parte o fato de que Belo Monte e as usinas de Jirau e Santo Antonio estão cercadas de atos no mínimo suspeitos, por parte do governo federal, a AGU adota a pressão intimidatória em lugar do procedimento apropriado: o confronto das alegações divergentes perante o Judiciário.
O que a OAB promete a AGU recusa.

ARI CUNHA

Brasília Palace Hotel

CORREIO BRAZILIENSE - 07/02/10


Na inauguração do Brasília Palace, Juscelino faz crítica. Eu queria que fosse hotel maior do que o Waldorf Astória. Isso aqui não vai dar certo. Como era a inauguração, JK saiu meio descrente. Poucos meses depois, a parte que se dirigia para o lado da Churrascaria do Lago começou a perder o prumo. Seria absurdo o único hotel de Brasília ruir. Alegria para a oposição, que emprendia a maior luta em contrário. Engenharia resolve. Congela o terreno, põe macaco hidráulico que levanta um pouco o hotel. Nem os hóspedes sabiam do que ocorria. Até hoje o macaco hidráulico funciona. Estando no prumo, ficou caro, porém certo.


A frase que não foi pronunciada

“Com o ouvido na fala do político e o olho na ação.”
Regra para o bom voto em 2010



Educação


» Professores da Escola Parque 210/211 Norte terão oportunidade de conhecer o trabalho de Alba Lírio. Diretora da Vox Mundi no Brasil, ela implantou o projeto Crescer Cantando. A instituição é sediada na Califórnia e tem reconhecimento internacional. O trabalho apresenta repertório de cultura popular do Brasil e do mundo.

Modernidade

» Tecnologia candanga acompanha o tempo. O Lince, da Robotron, é um GPS que avisa a presença de pardais e barreira eletrônica. Agora, o software funciona também no iPhone. Os dados sobre a presença de pardais vão muito além do DF. Já funciona em vários estados.

Boi pirata

» Cenas impossíveis acontecem na página do Greenpeace. As ações do Ibama no combate ao desmatamento na Amazônia Legal são elogiadas. O município de Novo Progresso, no Pará foi alvo da operação Boi Pirata II e teve resultados concretos e positivos.

Mudança de hábito

» Antes de pensar grande é preciso atender com eficiência. As operadoras começam a abrir os olhos nesse sentido. Mais lojas e um atendimento melhor. Paulo Cesar Teixeira, da Vivo, aposta na gestão direta, com o aumento da satisfação dos clientes e motivação dos funcionários.

Descaso

» Parece piada. Discursos e palanque sobre o Programa de Direitos Humanos. A menos de 100km da capital, vários jovens, e não apenas seis, somem misteriosamente sem que o Estado dê respostas. Bela oportunidade para buscar votos. É só apresentar a solução.

Bullying

» Pig não é lá um apelido construtivo. Na comunidade europeia, Pigs são os países que dão trabalho à bolsa de valores. Portugal, Itália, Grécia e Espanha. A última queda teve o desemprego como justificativa. Enquanto isso, nos EUA, a taxa de desemprego também é expressiva. A diferença é que o dólar não se abala.

Xeque

» Mais uma no tabuleiro de xadrez. Ninguém vai saber até o último minuto quem será o vice de Serra. O PSDB joga pesado com o governador mineiro. Não cabe ao vice a derrota ou vitória da chapa. A incerteza já não é a mesma para Aécio no Senado.

Memória

» Baú do Mauro, no Diário do Povo, é a coluna mais acessada do Piauí. Destaque para a contribuição de Terezinha Veras Batista, que mora aqui em Brasília. Ela pousa ao lado de amigos, entre eles Heráclito Fortes. Ainda criança e bem à vontade.

Luz

» Tramita na Câmara um projeto interessante. Não se veem carros de autoescola circulando à noite. O motorista só está pronto para enfrentar as diversidades no trânsito quando souber dirigir em qualquer circunstância. Com os faróis acesos também. Será obrigatório ter aulas de direção à noite. O projeto é do senador Valdir Raupp.

História de Brasília

Está pegando fogo o ensino primário em Brasília. Por favor, salve dessa fogueira o plano de ensino, que é uma beleza.
(Publicado em 24/2/1961)

ELIANE CANTANHÊDE

Titanic do século 21

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


BRASÍLIA - O regime Hugo Chávez faz água por todos os lados. Quinto produtor de petróleo do mundo, a Venezuela vive uma crise interna grave, vê minguarem os seus aliados "esquerdistas" nas Américas e está pendurada internacionalmente na Rússia e no Irã, o que já diz tudo.
Chávez fez uma faxina institucional na Venezuela, virou-se de costas para os EUA e de frente para a América do Sul e planejou investimentos externos e a conversão dos fabulosos lucros do petróleo na transformação da sociedade e da quase inexistente planta industrial. O messianismo bobo, porém, afundou todos esses sonhos.
Onze anos depois, a Venezuela convive com fuga de investidores, estatizações, fechamento de TVs e uma crise na economia que não fica só nos números, mas atinge a vida das pessoas: que tal racionamento de água e de energia? Os aliados de primeira hora pulam do barco.
Chávez também imaginou uma América do Sul "bolivariana", unida e pronta a enfrentar a potência com regimes fechados e discursos a la Fidel. Falou-se até da "esquerdização" da região, com as eleições na Bolívia, no Equador e na Nicarágua, como se houvesse um processo. Mas o processo engasgou.
O Brasil, em vez de fechar, abre-se para o mundo. Na Colômbia e no Peru, a aliança com os EUA só recrudesceu. Na Argentina, os Kirchner têm problemas demais para brincar de esquerdistas. Agora, o Chile dobra à direita, e Honduras corta o fio da meada bolivariana na América Central e no Caribe.
A Rússia tem o pior desempenho dos Bric na crise econômica, e o Irã, isolado da comunidade internacional e matando seus dissidentes políticos e religiosos, só pensa naquilo: enriquecer urânio. Ambos têm mais o que fazer do que embalar a Venezuela.
Chávez sonhava com o "socialismo do século 21". Os venezuelanos acordam no "titanic do século 21" e sem comandante alternativo

CHAVEZ DO BRASIL

PAINEL DA FOLHA

À vista ou no cartão?

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02Q10


Pressionado por partidos e pela Federação Brasileira de Bancos, o Tribunal Superior Eleitoral deverá rever a instrução que libera doações de campanha por meio de cartão de crédito, adotada com o propósito de dar maior transparência ao processo.
Os críticos alegam que esse tipo de repasse levaria no mínimo um mês para chegar à conta de campanha, o que poderia ferir o prazo estipulado pelo próprio TSE para captação de doações (até o dia da eleição). Além disso, ao transferir os créditos, as operadoras não informam o CPF do doador. Segundo a Febraban, a adaptação exigiria "o desenvolvimento de sistemas pelos bancos", e não haveria mais tempo para tanto. O TSE tem até o próximo dia 5 para bater o martelo.


Se colar... Com as regras eleitorais em fase de audiências públicas, o TSE tem recebido uma série de pleitos dos partidos. O PT tenta liberar as chamadas "doações ocultas". "Expressão errônea, que os jornais de circulação nacional insistem em propalar", diz o texto enviado pela sigla.

...colou. Já o diretório mineiro do PSDB pede autorização para distribuir camisetas e bonés a cabos-eleitorais. E pergunta se poderá haver distribuição de combustível ao "pessoal a serviço".

Meteorologia 1. Adormecida havia algum tempo, voltou a correr a praça a especulação de que José Serra (PSDB) pode abdicar de concorrer à Presidência da República. Quase todos os propagadores da tese, porém, são parte (muito) interessada.

Meteorologia 2. Ao mesmo tempo, aqui e ali começam a aparecer petistas que já não descartam peremptoriamente a hipótese de o mineiro Aécio Neves aceitar ser vice em chapa encabeçada pelo governador de São Paulo.

Falar às bases. O comando da campanha de Dilma Rousseff (PT) prepara uma rodada de conversas da ministra com representantes de movimentos sociais apoiadores do governo Lula tão logo ela se desincompatibilize da Casa Civil, no fim de março.

Assim não vale. Em recente conversa reservada, Lula disse que, na negociação para resolver o enrosco PT-PMDB em Minas Gerais, não aceitará o argumento de que o ministro peemedebista Hélio Costa (Comunicações), hoje na liderança das pesquisas para governador, "é candidato de largada, mas não de chegada", bordão que os petistas locais não se cansam de repetir.

Veja bem. Nos corredores do STF, ouve-se que a necessidade de autorização da Assembleia para processar o governador, prevista na Constituição dos Estados, pode não se aplicar ao caso de José Roberto Arruda, pois o Distrito Federal tem apenas Lei Orgânica. A consulta do procurador-geral da República deve ser analisada pelo tribunal ainda neste semestre.

Currículo 1.
O jornalista Edson Sombra, que denunciou à PF tentativa de suborno supostamente praticada por aliados de Arruda no novo capítulo do mensalão candango, atuou como informante da CPI da Grilagem de Terras no Distrito Federal, em 1995.

Currículo 2.
Ele era ligado à então deputada Maninha (ex-PT, hoje PSOL), relatora da comissão. Nos anos seguintes, foi assessor do senador cassado Luiz Estevão, para quem dirigia uma rádio.

Penas... Na aposta de que Orestes Quércia (PMDB) acabará por não concorrer, os tucanos José Anibal e Paulo Renato se bicam por uma vaga na disputa ao Senado.

...para o ar. Quando alguém pondera que outros partidos têm nomes de maior densidade eleitoral, aliados de ambos alegam que a votação de Geraldo Alckmin para o governo paulista dará conta de eleger um senador do PSDB.

Inflamável. Não é só a disputa regional para alterar a partilha dos royalties do petróleo da camada pré-sal que preocupa o governo durante a tramitação do conjunto de projetos no Senado. O Planalto teme a pressão contrária à ideia de a Petrobras ser a operadora única do pré-sal.
com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio


"A Justiça decidiu, então chega de picuinhas. Agora é conhecer o candidato e o programa da oposição e esperar o julgamento do povo."
Do deputado JOÃO PAULO CUNHA (PT-SP), sobre decisão de um ministro do TSE livrando a ministra Dilma Rousseff da acusação de ter feito campanha antecipada durante cerimônia em Minas.

Contraponto

Insustentável leveza


Numa reunião de dirigentes partidários e marqueteiros para decidir qual seria a linha do programa de televisão do PV exibido na quinta-feira passada, falava-se da conveniência de apresentar a candidata à Presidência Marina Silva "sem artifícios e com naturalidade".
-Vamos mostrar a Marina de carne e osso!- defendeu um dos presentes.
A senadora pelo Acre não viu problema em fazer piada com a própria silhueta:
-No meu caso, mais osso do que carne, né?

ABRAM SZAJMAN

Faltam trilhos

FOLHA DE SÃO PAULO



Se por um lado já está definido aonde o Brasil pode e quer chegar -ao topo da liderança mundial-, resta saber como iremos até lá


APÓS PASSAR incólume pela crise financeira internacional, o Brasil é apontado pela unanimidade dos analistas como um dos principais líderes na retomada do crescimento da economia mundial.
Internamente, a previsão é de que o PIB volte a crescer em ritmo superior a 5% ao ano, mantendo o processo de redução da pobreza e inclusão de milhões de pessoas nos mercados de trabalho e de consumo. Por essas conquistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas desfruta de índices inéditos de popularidade entre os brasileiros como também recebe prêmios e homenagens internacionais. Todo o prestígio acumulado pelo país contribuiu para que se destacasse no âmbito dos Brics e do G20 e ainda fosse escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Em contraste com esse cenário idílico, porém, somos surpreendidos por imagens na televisão que por vezes parecem nos mostrar que "o Haiti é aqui", como diz a canção de Caetano Veloso. São famílias inteiras soterradas sob os desmoronamentos causados pelas chuvas do verão, enquanto outras carregam, com água pela cintura, eletrodomésticos comprados à prestação e ainda não pagos, em desesperada tentativa de salvar das enchentes um patrimônio que é pequeno, mas fruto de tanto esforço.
Longe de serem obras do acaso, essas e outras ocorrências -como o blecaute que escureceu vários Estados no ano passado, os constantes atrasos aéreos, as estradas esburacadas, as ferrovias sucateadas e os portos saturados- são heranças de décadas de falta de planejamento, execução e manutenção da infraestrutura urbana, energética e de transportes.
Vez por outra, quando há uma tragédia que apenas evidencia o descalabro, como os grandes desastres aéreos, as autoridades vêm a público anunciar que vão fazer e acontecer para organizar o setor. Passa o tempo, a imprensa esquece o assunto e os passageiros continuam martirizados em bancos estreitos no interior das aeronaves e fora delas, nos poucos e defasados aeroportos que não conseguem atender com qualidade um movimento sempre crescente.
Já na década de 1940, o previdente líder empresarial Roberto Simonsen advertia que nenhum país cresce e aparece sem uma base que dê sustentação à sua produção e ao seu comércio externo. Dos gargalos que ele identificava -fornecimento de energia elétrica, organização dos transportes, mobilização de várias fontes de combustíveis e criação de uma indústria de base-, só os dois últimos foram razoavelmente desobstruídos ao longo de mais de sete décadas.
Na questão dos transportes, tanto urbano como de carga, estamos na situação oposta a que se encontrava o governo de Washington Luís (1926-1930), para quem "governar era abrir estradas".
Naquela época, o país inteiro tinha menos de 100 mil automóveis. Hoje, com nossas cidades e estradas congestionadas pelo transporte sobre pneus, poderíamos dizer que governar é assentar trilhos, sejam de metrô, de trens metropolitanos ou de carga.
Porém, enquanto ferrovias como a Norte-Sul, a Transnordestina e o ansiado trem-bala entre São Paulo e Rio permanecem como miragens, o metrô paulistano avança a passos de cágado, com a implementação de apenas 1,5 km por ano desde o início de sua construção, em 1968.
Inexiste uma ação coordenada entre os três níveis de governo, responsáveis pelas questões de infraestrutura, para o equacionamento dos problemas mais agudos, o que se verifica tanto no episódio das enchentes que assolam o Sul e o Sudeste como na crônica seca do Nordeste.
Para além da visibilidade eleitoral que possam ter programas como o PAC, é preciso fazer muito mais para que nossas cidades -onde efetivamente vivem as pessoas e onde acontecerão os jogos da Copa e da Olimpíada- deixem de parecer acampamentos medievais, sem lei e sem adequados serviços públicos, com a população entregue à própria sorte.
Esse é o debate que precisa prevalecer na campanha eleitoral que se avizinha. Se por um lado já está definido aonde o Brasil pode e quer chegar -ao topo da liderança mundial-, resta saber como iremos até lá. O trem do desenvolvimento econômico e social não se move por meio de discursos.
Para isso faltam trilhos, tanto no sentido figurado como no literal.

ABRAM SZAJMAN, 70, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Presidente da British Telecom vê muita burocracia no Brasil

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


A carga tributária é elevada no Brasil. Mas questões tributárias há em todos os países. O maior problema no país e em vizinhos latinos ainda é a burocracia. A opinião é do presidente mundial da British Telecom (BT), Michael Rake.
No Brasil, a gigante atua só na área de TI (tecnologia da informação), em que tem mais de 300 clientes, entre eles Nestlé, Fiat, Pão de Açúcar e Caixa Econômica Federal.
A operação brasileira corresponde a 60% dos US$ 300 milhões anuais que a BT fatura na América Latina. Leia trechos da entrevista concedida na Suíça, na semana passada.

Há ainda [ no governo Lula ] muita burocracia e muita complexidade. Com um país com esse tamanho de população, está bem claro que não suporta a complexidade da burocracia
MICHAEL RAKE
presidente mundial da British Telecom

INVESTIMENTOS
Estamos investindo pesadamente em fibras ópticas, estamos aprimorando para melhorar a velocidade, a resiliência em banda larga. E, além disso, estamos felizes por estar na América do Sul e temos feito muita pesquisa em desenvolvimento na Índia, na China, nos EUA e no Reino Unido.
A América do Sul é um mercado extremamente relevante, especialmente pela questão demográfica, de alimentos e de mudança climática. A combinação entre população e recursos naturais é importante para o crescimento. Os EUA estão cada vez mais hispânicos.

"BICs"
Temos 2.000 pessoas na América do Sul, 600 baseadas no Brasil, onde fornecemos serviços de tecnologia. É rentável e esperamos expandir as atividades. O Brasil é particularmente importante porque há muito investimento indo para lá. É um dos Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]. Provavelmente, fala-se mais agora em BICs porque é mais Brasil, Índia e China. O Brasil é visto como atraente pelo tamanho.

BUROCRACIA
A maior dificuldade na América do Sul é o ainda alto nível de burocracia. Também tem na Índia e na China. Mas é provavelmente menor.

HERANÇA
Espanhóis e portugueses são, por natureza, digamos, de grandes processos. Vocês foram colônias desses países e [a burocracia] ainda é muito como era.

TRIBUTAÇÃO
É sempre um balanço entre a oportunidade e a dificuldade de fazer negócios. Há questões tributárias em todos os países. Está muito claro que o Brasil quer investimentos e quer que os negócios andem bem. Isso e a população de quase 200 milhões são suficientes para encorajar as pessoas a investir e a lidar com a burocracia e a tributação. Há ainda [no governo Lula] muita burocracia e muita complexidade. Com um país com esse tamanho de população, está bem claro que não suporta a complexidade da burocracia. O Brasil é a maior economia e onde esperamos crescer mais.

EMBREAGEM
A Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) vai lançar, em parceria com a ESPM, um MBA em gestão de negócios com foco no mercado automotivo. O curso será ministrado em 420 horas/aulas e será realizado no campus da ESPM na cidade de São Paulo.

13º SALÁRIO
Em janeiro, a linha BB Crédito 13º Salário, do Banco do Brasil, alcançou R$ 119,3 milhões em contratações, desempenho 73% superior ao do mesmo período de 2009. A quantidade de contratações registrou 155 mil novas operações, crescimento de 37% na comparação com janeiro de 2009.

NO ESPELHO
A grife italiana Missoni, que inaugurou em dezembro sua primeira loja no Brasil, no shopping Iguatemi, em São Paulo, se prepara para abrir mais uma unidade no país. A próxima loja, que será localizada no Iguatemi de Brasília, ainda não tem data de inauguração definida, segundo Romy Dryzun, diretora de marketing da Missoni no Brasil. Nas novas prateleiras estarão, além das linhas de moda feminina e masculina, objetos e móveis da marca. "Também já estamos em negociação para expandir a Missoni para as regiões Nordeste e Sul, por meio de multimarcas", afirma Dryzun. O tíquete médio da loja aberta há cerca de dois meses em São Paulo é de R$ 4.000.

NAMORO
Os dois maiores bancos chineses, o Industrial & Commercial Bank of China (ICBC) e o China Construction Bank (CCB), têm feito consultas com vistas ao ingresso no mercado brasileiro. Eles pretendem atuar no atacado. O ICBC é a maior instituição financeira do mundo em valor de mercado.

CAVIAR À FRANCESA
A Petrossian, grife francesa de caviar e iguarias de luxo fundada por armênios, desembarca no Brasil em maio. A butique de 40 m2 será no shopping Cidade Jardim e terá mesinhas no corredor para degustação de caviar com champanhe, ao preço de R$ 150 a porção de 15 gramas. Joseph Tutundjian, que, com Toninho Abdalla, tem a representação da grife, conta que desde 2008 vinha amadurecendo a ideia de fazer esse investimento, mas os planos foram adiados por conta da crise. "Depois que a Hermès abriu sua butique no shopping Cidade Jardim, em setembro, nos animamos a tocar o projeto, cujo contrato assinamos em outubro, em Paris." O projeto arquitetônico da butique veio de Paris. O investimento inicial, que inclui a loja e o primeiro lote de compras, foi de 750 mil. Estarão em oferta quase cem produtos -de caviar, foie gras e salmão defumado a vodca Petrossian e suco de trufas. Essa não é a única investida de Tutundjian no mercado de luxo. Ao lado de Adballa e mais dois sócios, ele inaugura no dia 18 de março a primeira concessionária no Brasil das marcas Bentley e Bugatti, em São Paulo.

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e MARIANA BARBOSA

SUELY CALDAS

Se não for factoide, é bem-vinda

O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/02/10


Quando a crise financeira global eclodiu, em setembro de 2008, governos e instituições financeiras afetados começaram a construir alguns consensos. Em desvantagem e desmoralizados por erros cometidos que levaram à crise, executivos de bancos concordaram que: 1) As instituições, sobretudo fundos e bancos de investimento, precisam ter suas operações vigiadas e regulamentadas; 2) até então omissos, os bancos centrais devem se preparar para fiscalizar e regulamentar o mercado; 3) se quiserem recuperar a credibilidade, abalada por não terem previsto a quebradeira de grandes bancos, as agências de risco têm de mudar seus critérios de avaliação; e 4) regras preventivas devem ser incentivadas, entre elas a remuneração de prêmios por desempenho dos executivos para evitar atuações levianas e exageradas, geradoras de bolhas e de correntes da felicidade que o ex-presidente do banco central dos EUA Alan Greenspan chamava com elegância de "exuberância do mercado".

Nos EUA, na Europa e no Japão os governos gastaram trilhões de dólares, libras, euros e ienes para socorrer bancos, seguradoras e instituições financeiras e evitar que o mal se alastrasse, destruindo a economia real.

Não demorou muito. O primeiro consenso desconstruído foi o da remuneração dos executivos. Usando dinheiro do contribuinte, já no 1º semestre de 2009 diretores de bancos norte-americanos trataram de restabelecer os milionários bônus por desempenho pagos a eles próprios. Barack Obama chiou, a população reclamou, indignada, mas a lei garantiu o pagamento acintoso. Na Europa os executivos respeitaram um pouco mais a solidariedade compulsória do contribuinte.

E no Brasil? Bom, por aqui, como se sabe, a crise foi amortecida por um sistema de regulação e fiscalização em vigor desde o governo FHC, que obrigou bancos a se ajustarem muito antes da crise. Mas nessas regras nada havia em relação à remuneração extra de executivos. Mesmo porque, com exceção do caso do extinto Banco Nacional, não havia histórico de atuações atípicas de executivos com o objetivo de beneficiar a si próprios. Mesmo o caso do Nacional é diferente, porque se enquadra muito mais na prática de fraude (um grupo de executivos originários do Citibank chegou ao Nacional em 1986 e montou um esquema de contabilidade camuflado, com 600 contas bancárias fantasmas, que escondiam a real situação de falência do banco. Descoberta a fraude, o Nacional arrancou dos cofres públicos mais de R$ 6 bilhões).

Agora o Banco Central (BC) propôs regras para premiar executivos por desempenho, trazidas do debate internacional, no espírito de prevenir crises futuras. O BC nada impôs, divulgou sua proposta e a colocou em audiência pública por 90 dias, para ouvir opiniões e sugestões. Mas a grita já começou. Ela vem de advogados prepostos questionando a legalidade da proposta. Mesmo porque executivo de banco não grita, age em silêncio, porque sabe que em surdina consegue melhores resultados.

Questionada pela imprensa, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou nota afirmando que "as políticas de remuneração dos bancos brasileiros são, no geral, mais conservadoras do que em outros países". Um ex-presidente do BC que se manteve anônimo disse ao Estado que o BC "está caçando fantasmas". Outro ex-presidente, Gustavo Franco, lembra ser sempre bom trazer normas internacionais, mas ressalva que aqui a presença do acionista controlador impede gestões que prejudiquem a saúde do banco no futuro. Engana-se Franco: nem todos têm o controlador por perto. Os estrangeiros, que no ranking começam a encostar nos brasileiros graúdos e já têm escala para fazer estragos, mantêm o controlador muito distante.

O que quer o BC? Simplesmente colar, comprometer o pagamento de bônus a executivos ao desempenho futuro do banco, evitando políticas de lucros milionários no curto prazo (que garantem bônus também milionários, mas prejudicam a saúde do banco no médio e no longo prazos). E como? O BC não contesta o pagamento nem limita valores. Em vez de receber à vista, o executivo leva metade em ações do banco e a outra metade, 60% à vista e 40% parcelados em três anos.

Na Europa a legislação pós-crise ficou bem mais agressiva com a remuneração dos executivos. A liberal Inglaterra criou o "superimposto" de 50% para as gratificações acima de 25 mil libras (US$ 40 mil), e a França quer fazer o mesmo.

Se não for mais um factoide eleitoral do governo Lula, a regulamentação é bem-vinda.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

UM PUTEIRO CHAMADO BRASIL

ANCELMO GÓIS

Latinha em alta

O GLOBO - 07/02/10


O mercado brasileiro de latas de cerveja e refrigerantes está bombando.

A Rexam, gigante britânica das latinhas de alumínio, vai fechar uma fábrica no México.

O maquinário será usado para reativar a antiga unidade do grupo em Pouso Alegre, MG, fechada há nove anos.

Ele se acha
Mesmo na cúpula do governo há quem considere arriscada esta articulação de Zé Dirceu nas bases do PSB para implodir a candidatura de Ciro Gomes.

A preocupação vem de petistas que não confiam muito no taco político de Dirceu.

É. Pode ser.

Eu apoio
Quinta, Lula comemorou, feliz da vida, uma semana sem fumar cigarrilhas.

‘Eu sou gay’
De Milton Cunha, o carnavalesco gaiato — ou “gayato”, com todo o respeito —, ao explicar no barracão da Cubango, escola do Grupo de Acesso A do Rio, o enredo “Os loucos da praia chamada saudade”, e abrir para perguntas: — A primeira resposta eu já tenho: sim, eu sou gay! Agora, a segunda pergunta, por favor

RH
O que se diz na Rádio Corredor é que o Citibank no Brasil deve perder em breve alguns executivos.

É gente que saiu do Goldman Sachs, em 2006, e agora voltaria para a antiga casa. Outros acompanhariam Ricardo Lacerda, que deixou o Citi para montar seu próprio banco. A conferir.

Ai, que calor Avatar ecológico
Passistas da Grande Rio gravavam matéria para TV sob o sol fervente da Cidade do Samba, quinta, quando três delas sentiram o sapato preso no piso.

O salto de acrílico delas, acredite, tinha derretido com o calorão. Há testemunhas.

O DOMINGO É da formosa Thaissa Carvalho, 27 anos, a mais nova candidata a Ritinha — a irresistível empregada vivida por Juliana Paes, lembra?, na novela “Laços de família”, de Manoel Carlos. Thaissa faz sucesso como a apimentada empregada Cida em “Viver a vida”, trama também de Manoel Carlos, na TV Globo. Carioca do Méier, a bela é atriz há 13 anos e nutricionista formada pela Uerj.

Aliás, foi pela cozinha que chegou à TV Globo: conseguiu estágio no restaurante da emissora e, ao saber de um teste para a novela “Alma gêmea”, candidatou-se, ganhou o papel e mudou sua vida para sempre. Sorte nossa

Cinema mudo
A demora da Finep no repasse de verbas para o cinema atrasou a estreia de “5XFavela”, produzido por Cacá Diegues.

O longa só vai ficar pronto em abril. Por isto, não participará de várias exibições para as quais havia sido convidado

Já... A
Finep reclama que os produtores demoraram a entregar certos documentos.

Mas o fato concreto é que as reclamações fazem fila.

Viva Juliana!
Juliana Paes renovou com a TV Globo até 2013.

Santos Brasil
A fama de brigar com os sócios persegue Daniel Dantas.

Agora, Dantas e o empresário Richard Klien, sócios na Santos Brasil, que administra um terminal no Porto de Santos, estão em litígio.

ZONA FRANCA

Nosso Marceu Vieira e Tuninho Galante mostrarão sambas inéditos feitos para escolas de samba, terça, às 12h30m, no Arquivo Nacional, no projeto Música no Museu. Grátis.

Muniz Sodré, da Biblioteca Nacional, fala quarta no simpósio de filosofia “A ambiguidade do sagrado”, na universidade SUC, em Estocolmo.

O laboratório Actelion doou R$ 80 mil ao Haiti. Metade veio dos funcionários e metade da empresa.

Fernando Policarpo, da Soter, faz as obras da ONG Oficina do Parque.

Nathalia Ventura lança linha de festas da Kaunake.

A Fiszpan lança coleção de acessórios de carnaval.

É hoje a Caminhada pela Paz na Zona Norte, na Vila da Penha.

Avatar ecológico

Mais um projeto de filme em 3D, a tecnologia da moda que transmite truques óticos, chegou à Ancine.

Trata-se de versão cinematográfica do desenho animado brasileiro “Peixonauta”, do Discovery Kids. O peixe astronauta é defensor do meio ambiente.

Mire-se em Barcelona
Pasqual Maragall, 68 anos, que foi prefeito de Barcelona nos Jogos de 1992 e acaba de ser anunciado como consultor das Olimpíadas do Rio, em 2016, sofre de Alzheimer.

O anúncio da doença foi feito pelo próprio Maragall, em 2007.

O recomeço
A Yes, Brazil, sucesso dos anos 1980 que revolucionou o mercado de moda no Brasil, vai ser relançada em maio.

Sol, Thomaz e Rafael Azulay, filhos do já falecido dono da marca, Simon Azulay, e o estilista Paulo Zyngier vão reeditar modelos de sucesso da grife.

Cena carioca
Sexta, na discussão de um casal no Shopping da Gávea, o homem virou-se para a mulher, que falava com voz bem delicada e baixinha, e disse: — Não vem com essa vozinha de Tessália, não, que me irrita! Referia-se à curitibana Tessália Serighelli, 22 anos, que gerou polêmica no “BBB 10”.

Meninas do Brasil

Diante de uma bela mulata — com o perdão da redundância —, o olhar de cobiça dos homens lembra o das crianças em frente à árvore de Natal lotada de presentes. É tanta generosidade, tanta beleza, tanto tudo, que eles nem sabem por onde começar. Elas saboreiam o assédio perpétuo, de gracejos abobalhados, gestos sem nexo, sorrisos entregues.

Documentos da raça brasileira pela graça da mistura, acostumam-se ao cortejo permanente, na rua, no samba, na vida. E, claro, se divertem o tempo todo. Ou quase.

Cinco edições de Mulata do Gois, à razão de 12 candidatas por ano, são 60 musas do samba, com dores e delícias de todo tipo. Moças vaidosas, com tudo “ão” — sorrisão, peitão, pernão, bundão —, escondem, na folia e brincadeira, projetos de felicidade modesta, uma casa, o colégio melhor para o filho que normalmente cria sozinha, a faculdade, a sorte de um amor tranquilo. E na solidão do trabalho itinerante, mal pago, conjugam alegria e melancolia.

A maioria não tem namorado. O flerte deslumbrado se dissolve no ciúme do ofício com pouca roupa e o romance raramente prospera.

Os homens estão perto, mas estão longe. “Homem nenhum gosta de casar com mulata.

A gente dá trabalho”, assume Mônica Rangel, 22 anos, candidata da Viradouro em 2010. “Nenhuma passista que passou aqui disse que o namorado gosta. A roupa da gente é pouca coisa, tem muito assédio...”, admite Grazi Dantas, 28, da União da Ilha.

À espreita, está a confusão com garotas de programa.

As fantasias alimentadas pelo ritmo sensual turbinam o preconceito, ainda que algumas, como na música, aceitem “uma prenda, qualquer coisa assim”. As seis dezenas de relatos guardam um ponto comum — o amor pela vida na dança. Ter um tufão nos quadris, para elas, é tudo de bom. Para nós também.

No mais, é como resume Janaína, candidata da Unidos da Tijuca em 2008. “Mulata já foi cor da pele; hoje é profissão”. E destino.

COM ANA CLÁUDIA GUIMARÃES, MARCEU VIEIRA, AYDANO ANDRÉ MOTTA E BERNARDO DE LA PEÑA

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Vou no Bloco do Balança Rolha!

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


E a pichação que eu vi: JESUS SAUVA! É formiga gospel? Não há reforma ortográfica que dê jeito!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! "Desembargador livra Globo de pagar indenização." E como é o nome do desembargador? GRAVA BRASIL! Paulo Roberto Grava Brasil! "Chegam ao Rio brasileiros resgatados de Machu Picchu". E mutcho putchos!
E a Madonna e o Jesus se separaram. Motivo: não tinham mais o que conversar. Acabou o assunto. E a única coisa que esse Jesus sabia falar em inglês era "the pinto is on the table". Imagine a conversa. Madonna: "O que você acha da situação no Haiti?". "The pinto is on the table." "E da minha bolsa Vuitton?" "The pinto is on the table."
E a Madonna vem pro Carnaval no Rio. Que saco! Celebridade não pode vir muito ao Brasil que já começam a implicar: lá vem a chata da Madonna. Falei pra um amigo: "A Madonna tá vindo passar o Carnaval no Rio". "Ela já tá enchendo o saco." Daqui a pouco vão dizer que tem joanete e mau hálito. Acho que tem mesmo!
E se a Beyoncé vier pela segunda vez, já tem celulite e só canta em playback! E será que a Beyoncé sabe nadar? Pra dar show em São Paulo. No Aquassab. E sabe qual a nova padroeira de São Paulo? Nossa Senhora dos Navegantes.
E o torpedo da Marta pro Kassab: Relaxa e nada! E o grande hit na casa do Kassab é bolinho de chuva! E cadê o Moisés pra abrir a Marginal pra gente passar?! E o site Eramos6 mostra escolas de samba de São Paulo: Unidos da Água Funda, Alagados de Vila Matilde, Escafandros de Itaquera, Lancha Verde, Trovões da Fiel e Vai-Vai por água abaixo! Ueba!
E as novas cédulas do real? Sabe por que elas são de tamanhos diferentes? Pra caber na cueca e na meia. As menores você enfia na meia, e as maiores, na cueca. E um turista alemão foi preso tentando contrabandear 44 lagartixas NA CUECA. Esse morou no Brasil! E 44 lagartixas? E eu fico pensando: como ele conseguiu organizar tudo aquilo?
E a saúde do Lula? Boas notícias: ele passou no Incor e foi bem em todos os exames. Menos no de português. E o prefeito de Paulista, em Pernambuco, que chamou a Dilma de Dilma Hussein. Ela é prima do Saddam?! É! Rarará!
E olha a pichação que eu vi: JESUS SAUVA! O que é isso? Formiga gospel? Rarará. E a legenda na tela da Record Internacional: ESTRUPADOR CONDENADO! Socuerro. Estruparam o estupro. Não há reforma ortográfica que dê jeito. E acaba de sair no Rio um bloco carnavalesco chamado É Mole, Mas É Meu! E eu vou no Bloco do Balança Rolha! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Minúcias

O GLOBO - 07/02/10


É bom que coisas como aborto e casamento gay estejam sendo discutidas mais abertamente, no Brasil. Porque são questões importantes em qualquer lugar mas também porque ampliam o debate político. Minúcias de relacionamento humano e direitos individuais como estas crescem se transformam em matéria política quando as questões básicas da política – estabilidade institucional, partidos representativos, democracia rotineira – estão resolvidas, ou não afligem mais tanto. Poder ocupar-se de minúcias
é sinal de um corpo político
saudável, com tempo para pensar no outrora impensável. Ou, diria um opositor das novas discussões, para pensar em
bobagem.
As controvérsias sobre aborto e casamento gay expandem o debate político mas não transcendem velhas diferenças entre esquerda e direita, na medida em que uma representa o pensamento “progressista” e a outra o conservadorismo religioso e laico – e suas respectivas contradições. Para a esquerda a questão da descriminalização do aborto se resume no direito da mulher de reger seu próprio corpo sem arriscar sua vida em intervenções clandestinas, como as que existem hoje sem qualquer controle. Para a direita ninguém tem o direito de interromper uma vida, que começa na concepção. A posição da esquerda não é muito coerente com sua valorização do social sobre o individual. E conservadores raramente invocam o mesmo argumento usado para poupar um feto, a de que a vida é um dom sagrado, para poupar um condenado à morte. E nos dois casos, na proibição da mulher de dispor do seu ventre como quiser e na execução do condenado, defendem o que normalmente abominam: uma intromissão radical do estado na vida das pessoas.
Quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, é surpreendente que esquerda e direita não se encontrem, em algum ponto. A posição progressista é de tolerância com a opção sexual de cada um, a dos conservadores é de condenar o homossexualismo e tudo que o legitime. Mas assim como um lado não pode deixar de achar careta mas inspiradora a vontade de casar dos gays, com todos os paramentos e as bênçãos tradicionais, o outro lado não pode deixar de admirar esta compulsão pela respeitabilidade. O matrimonio é um sacramento em declínio. Os gays podem recuperá-lo. Quem pode ser contra?

MERVAL PEREIRA

Força e fraqueza da classe média

O GLOBO -07/02/10


Entre 2003 e 2008, segundo dados do Centro de Pesquisas Sociais do Ibre, da Fundação Getulio Vargas do Rio, 31,9 milhões de pessoas ascenderam às classes ABC. Nesse período, a renda do trabalho teve um incremento médio de 5,13% ao ano o que, segundo o economista Marcelo Neri, confere uma base de sustentabilidade das condições de vida para além das transferências de renda oficiais Essa “nova classe média”, suas aspirações e, sobretudo, sua capacidade de ser um “agente fundamental” em uma revisão de valores da sociedade brasileira é analisada pelos cientistas politicos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, no recém-lançado livro “A classe média brasileira: Ambições, valores e projetos de sociedade”, da editora Campus com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A sustentabilidade desse modelo é questionada pelos autores, que indicam três pontos de dúvida: a distribuição de renda brasileira, que permanece como uma das piores do mundo; a protelação de reformas estruturais, como a trabalhista e a tributária, “sem as quais o Brasil dificilmente se livrará das barreiras que separam os setores formal e informal da economia”.

Por último, o fato de a mobilidade recente ter dependido amplamente do consumo, e não de novos padrões de organização ou desempenho na produção.

Uma constatação imediata é que é alta a valorização da educação. Tudo leva a crer, segundo os autores, que ela ocorre em razão tanto de antigas considerações de status — a herança bacharelista — como de fatores realistas: a alta taxa de retorno e a necessidade cada vez maior da educação para o acesso a posições mais qualificadas no mercado de trabalho.

As aspirações educacionais para os filhos tendem a ser altas, embora as expectativas de que eles realisticamente possam realizá-las não o sejam necessariamente.

As pesquisas que baseiam as análises do livro, tanto quantitativas quanto qualitativas, mostram que quanto menor a escolaridade dos pais, maior o hiato entre aspirações educacionais para os filhos e as expectativas de que eles venham a alcançá-las.

Os estudos captaram “um sentimento surpreendentemente generalizado” de insatisfação com o nível, ou com a qualidade, da educação, que atinge 40% das pessoas com curso superior; 59% com ensino médio; 63% com ensino fundamental e 69% dos semi-escolarizados.

Com base na pesquisa, os autores destacam duas das saídas que começam a ser buscadas como compensação pela má qualidade. Uma, realista, mas incipiente, é a busca de ensino compensatório, notadamente a educação profissional.

A outra os autores colocam na área propriamente política; no momento, “por razões provavelmente muito conjunturais”, é o que para eles parece estar ocorrendo no debate relativo a cotas sociais ou raciais para acesso ao ensino superior.

À primeira vista, dizem os autores, a nova classe média teria condições de ser agente de uma transformação na sociedade, “uma vez que é alvo e vítima da escalada da transgressão”.

Fica claro nas pesquisas que consciência da gravidade do problema não lhe falta, e ela chega a avaliar os desafios ligados à violência, à corrupção e às drogas como mais graves que as carências referentes à saúde, ao desemprego, à habitação e à qualidade da educação.

Mas, mesmo tendo um capital social “obviamente superior ao das classes C, D e E”, a nova classe média não mostra capacidade de aproveitar em seu próprio benefício certas sinergias há muito conhecidas nos países desenvolvidos, avaliam os autores.

No Brasil, o capital social reside em larga medida nas famílias e no restrito círculo de amigos pessoais. “Um círculo possivelmente virtuoso de relações em círculos mais amplos não se realiza, em larga medida, devido à falta de confiança nos outros, traço cultural disseminado e sem dúvida reforçado pela escalada da criminalidade”, analisam os autores.

As pesquisas mostram que a desconfiança em relação a pessoas estende-se a grupos e organizações da sociedade civil (com exceção da Igreja). Televisão, empresários e partidos políticos recebem percentuais ínfimos de confiança.

Os autores explicam que “participar de organizações é uma forma de consolidar capitais sociais e enriquecer o repertório relevante para o debate e a ação na esfera pública”.

Quanto maior o número de organizações de que alguém participa, maior o seu “capital social”, que se traduz em redes sociais mais extensas e mais densas — um recurso de poder da classe média.

Entre nós, porém, a “arte de associar-se” permanece em nível pouco significativo, constatam Amaury de Souza e Bolívar Lamounier. A maioria dos entrevistados não participa de qualquer organização, e entre os que o fazem, a maioria limita-se a participar de uma única organização.

As instituições religiosas são exceções. Os autores mostram que a participação nessas organizações aumenta no sentido inverso ao do nível de renda. No entanto, a religião, como forma de sociabilidade, “não parece equipar os diferentes estratos sociais na função de remodelar o sistema de valores e inibir comportamentos transgressores”.

Os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier constatam no livro que a classe média inclinase pela democracia como a melhor forma de governo, “mas partilha com os demais segmentos da sociedade um sentimento de aversão à política”.

Em grande parte, esse sentimento deriva da percepção de que a corrupção campeia no mundo da política, mas as pesquisas mostram que é também amplamente disseminada a percepção de que “os políticos e os partidos não se importam com a opinião dos eleitores”.

A classe média tem maior interesse pela política e manifesta um grau significativamente maior de compreensão dos eventos políticos

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

ELIO GASPARI

A CPI do PT do Rio perdeu o ônibus

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


O deputado Molon quer investigar a caixa-preta da agência que regulamenta metrô, trens e barcas, mas é só?

O DEPUTADO Alessandro Molon (PT-RJ) está coletando assinaturas para instalar uma CPI destinada a abrir a caixa-preta da Agetransp, a agência reguladora dos serviços do Metrô, dos trens da SuperVia e das barcas do Rio de Janeiro. Grande ideia, mas ficou faltando interesse pela mãe de todas as caixas, a das companhias de ônibus municipais. Em geral, as CPIs dão em nada, quando não resultam em coisa pior, mas nem isso a bancada do governador Sérgio Cabral aceita. Seu anjo de guarda, o deputado Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa, anuncia que vetará a iniciativa.
O Metrô do Rio tem transportecas arrogantes que mexem nos ramais sem se preocupar com o suplício que impõem aos clientes. A SuperVia tem trem que sai por aí sem maquinista e seguranças que chicoteiam os passageiros. As companhias de ônibus têm mais: cultivam um política extorsiva de tarifas e, com a cumplicidade dos prefeitos, bloqueiam a implantação do Bilhete Único, prometido por Cabral em 2007 e pelo seu prefeito, Eduardo Paes, em 2008, quando pedia votos.
Governadores, prefeitos, amigo$ e caixa$ de campanhas colocaram o Rio numa situação socialmente humilhante. Até 2004, quando a prefeita Marta Suplicy instituiu o Bilhete Único em São Paulo, as duas cidades estavam num mesmo patamar de desgraça no transporte público. Hoje, 50% dos paulistanos avaliam que os serviços de ônibus e de trens estão entre bom e ótimo. O Metrô vai a 82%. No Rio, esse índice de satisfação talvez não seja atingido nem entre os diretores das concessionárias.
O vexame não é consequência da herança escravocrata, do patrimonialismo ibérico ou da mudança da capital para Brasília. É obra de governos demófobos. Quem fez a diferença em São Paulo foram administradores petistas e tucanos que decidiram tirar o transporte público da vala.
Basta comparar a situação nas duas cidades.
O paulistano paga R$ 2,70 pelo seu Bilhete Único, tem direito a quatro viagens de ônibus num intervalo de três horas. O novo bilhete intermunicipal do Rio custa R$ 4,40, com direito a duas viagens de ônibus, trem ou metrô, por duas horas.
O Bilhete Único de São Paulo atende a todo o município e é usado em 12 milhões de viagens/dia. No Rio essa tarifa só existe para percursos intermunicipais. Estima-se que venha a atender 1,5 milhão de viagens/dia.
Desde ontem, com a nova tarifa municipal de R$ 2,35, um trabalhador que toma dois ônibus para chegar ao trabalho, mais outros dois na volta para casa (ao longo de 25 dias), gasta R$ 235. O de São Paulo gasta R$ 135. Com a diferença de R$ 100, tem direito a sete refeições de R$ 13,75 no carro-chefe do Mc Donald's (BigMac, batatas fritas na porção média, e um refrigerante médio). Para ele, almoço grátis existe.
(Na comparação com o bilhete intermunicipal do Rio, a diferença cai para seis refeições.)
O sistema de transportes públicos do Rio fez uma opção preferencial pela tunga dos passageiros dos ônibus. Antes da criação do bilhete intermunicipal de R$ 4,40, o cidadão que fazia duas viagens sobre trilhos pagava, e continuará pagando, R$ 3,80. Noutra modalidade de integração, passageiros de quatro cidades da Baixada Fluminense pagam R$ 4,00 pelo percurso ônibus-metrô. Os dois sistemas, privados e lucrativos, atendem cerca de 20 mil passageiros/dia.
A política de tarifas dos ônibus, do Metrô e dos trens do Rio é paleolítica. Nenhum concessionário dá desconto de fidelidade aos usuários. Em São Paulo a passagem de Metrô custa R$ 2,65. Se o cliente compra 50, fica por R$ 2,33. (Sobram R$ 16 para o McDonald's.) O Metrô do Rio prometeu esse tipo de desconto e quem acreditou fez papel de paspalho (inclusive o signatário). A Fetranspor carioca, que administra os altos interesses das empresas de ônibus, criou um RioCard, prometeu o programa de descontos e bobo foi quem acreditou (inclusive, de novo, o signatário).

A 4ª FROTA VEM AÍ
O companheiro Obama anunciou que virá ao Brasil no segundo semestre. Se desembarcar antes da eleição, não deverá reclamar caso o acusem de vir dar uma mãozinha ao "Cara". Para os brasileiros, o sonho de festa seria a conjugação de uma vitória na Copa do Mundo, seguida pela visita do companheiro no fim do ano.

EMPULHAÇÃO TUCANA
São Paulo atravessou um dilúvio, redes de esgoto invadiram galerias pluviais, centenas de pessoas perderam o que tinham, e o governador José Serra descobriu que parte do problema está na imprensa:
"Outro dia inaugurei um piscinão com 500 metros cúbicos, o segundo maior piscinão do Brasil. A imprensa não deu a menor bola. Porque dá-se bola para o problema, mas para a solução, não". Que solução? Em 2006, o tucanato paulista anunciou que reduzira de 50% para 1% o risco de enchente nas margens do rio Tietê. Os meios de comunicação, felizes, registraram a proeza e caíram na maldição atribuída ao general Orlando Geisel (1905-1979): "A imprensa desinforma, deseduca e ofende o vernáculo".
Diante de um repique na taxa de homicídios no Estado (4.771 mortos em 2009 contra 4.426 em 2008), Serra atribuiu os números, "basicamente" à "crise econômica e ao desemprego".
É a velha lenda: crise provoca crime. Se fosse assim, como explicar que a taxa de homicídios caiu 10,4% na Grande São Paulo? Mais: o epicentro do terremoto financeiro ficou em Nova York. Lá o desemprego chegou a 10,3%, o maior em 16 anos, mas os homicídios foram 466, com uma queda de 10% em relação ao ano anterior, o melhor resultado desde 1963.

MADAME NATASHA
Madame Natasha acredita que o ministro Tarso Genro fala num código que só ela entende. Por isso concedeu-lhe uma de suas bolsas de estudo com o bônus de um passagem a Cuba (só de ida) pela seguinte afirmação, ao repórter Valdo Cruz:
"Eu acho que o PT vai diminuir bastante a taxa de tradicionalização da política, em função da experiência pelo próprio mensalão". Natasha entendeu o seguinte: "Por causa do mensalão, o PT vai tomar menos dinheiro dos outros".

PÔQUER IBOPE
O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro está jogando 67 anos de prestígio da marca de seu instituto no pano verde das incertezas eleitorais.
Há alguns meses ele garante que o PT perderá a eleição presidencial. Faz isso baseado nas pesquisas de seu instituto e da capacidade analítica que acumulou em mais de 30 anos de serviço. Astrólogo não precisa fazer pesquisa e pesquisador não deve cravar previsões.
Com o crescimento da candidatura da comissária Rousseff, registrado pela CNT/Sensus, Montenegro acrescenta que Lula chegou ao teto de sua capacidade de transferir votos. (Isso oito meses antes da eleição e do início formal da campanha.) Se acontecer sabe-se lá o que, e o PT vencer, sempre se poderá dizer que Montenegro avançou o sinal. Mas o que se dirá do Ibope?

ERRO
Estava errado o nome do autor do livro "Desventuras das Nações Favorecidas" ("Misadventures of the Most Favored Nations" (...) no título original, inédito em português.) Ele se chama Paul Blustein e não Paul Blumfeld.