quarta-feira, setembro 21, 2016

Enciclopédia da corrupção - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 21/09

RIO DE JANEIRO - Já contei essa história. Há muitos anos, encontrei uma amiga poeta na avenida Rio Branco. Convidou-me a um café em seu escritório e, quando me dei conta, tinha me vendido uma "Encyclopaedia Britannica", com 32 volumes, um dicionário "Webster", também com três volumes — um deles incluindo um guia de pronunciação em sete línguas —, e um possante atlas já trazendo as novas nações africanas e asiáticas independentes. Eu não sabia que minha amiga se tornara vendedora de enciclopédias.

Detalhe: naquela época, as coisas andavam feias para o meu lado. As contas não fechavam e eu precisava tanto de uma "Britannica" quanto de contrair peste suína. Algumas semanas depois, recebi em casa aquela montanha de livros. E quer saber? Eles me ajudaram a sair do buraco e, nas décadas que se passaram, já se pagaram muitas vezes. Até hoje os conservo.

Reportagem no "Estado de S. Paulo", domingo último (18), falou de como as investigações em Curitiba estão gerando informações capazes de compor uma nova e hipotética enciclopédia — a da corrupção brasileira.

Seus verbetes tratariam de movimentação de propinas originárias de empreiteiras e órgãos públicos para aprovar medidas governamentais, contas em nome de empresas off shore e trustes, doações partidárias e eleitorais só aparentemente lícitas, aquisição suspeita de bens para lavar dinheiro, contratos de consultoria e de prestação de serviços simulados (palestras, por exemplo?), suborno para calar elementos que ameaçam aderir à delação premiada, abastecimento de doleiros, ocultação de patrimônio, criação de institutos fantasmas, empréstimos bancários fraudulentos, pedaladas fiscais etc. etc.

As grandes enciclopédias se propõem a abarcar todo o conhecimento do mundo. Mas uma enciclopédia da corrupção brasileira nunca poderá se dizer completa.


Estratégia e incertezas - CELSO MING

ESTADÃO - 21/09

Petrobrás promete operar mais enxuta, com metas realistas e mais concentradas no seu núcleo de atividade



A Petrobrás divulgou seu Plano Estratégico cujos focos são aumento da segurança e redução do endividamento.

É avanço importante da administração renovada, que começou com Aldemir Bendine e vem sendo aprofundada com Pedro Parente.

A empresa vai operar mais enxuta, com metas realistas e mais concentradas no seu núcleo de atividade (core business), que é exploração e produção de petróleo e gás. É por isso que anunciou a desistência de áreas de interesse secundário, como as dos biocombustíveis, petroquímica, distribuição de gás e produção de fertilizantes.

Os investimentos previstos para o período 2017-21, com cortes de 25% no programa anterior, são agora de US$ 74,1 bilhões. A dívida líquida deverá cair dos atuais 430% de sua capacidade de geração de caixa para 150%, em 2018.

O objetivo é garantir a recuperação da empresa que foi sistematicamente saqueada ao longo de administrações anteriores e dar previsibilidade a seus negócios.

Mas não podem ser ignoradas as incertezas que ainda persistem. A primeira delas, já tratada aqui na Coluna desta terça-feira, tem a ver com a política de preços dos derivados. Nesta terça-feira, o presidente Parente fez uma afirmação um tanto vaga, de que os preços internos têm como referência os vigentes no mercado internacional. E o diretor de Refino e Gás Natural, Jorge Celestino, avisou que qualquer alteração de preços é decisão apenas da Petrobrás, e não do governo. Essa afirmação de Celestino é xerox das que foram feitas em 2013 e 2014 pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, no entanto, não fez outra coisa senão achatar os preços dos derivados no mercado interno. Se o objetivo é obter parcerias e sociedades nas refinarias, então é necessário mais transparência nas regras desse jogo e garantias de que não mudarão. Hoje, por exemplo, a referência não são os preços internacionais, como ficou dito. Os preços internos estão cerca de 20% a 30% mais altos do que os externos. A simples intenção da atual administração de colocar-se a salvo de interferências do acionista majoritário, por si só, não garante que a Petrobrás esteja vacinada contra nova deterioração do caixa por uma política condenável de preços do governo.

O segundo fator de incertezas para as finanças da Petrobrás são os processos contra a empresa que correm nos Estados Unidos e na Europa, em consequência do atropelamento dos direitos dos acionistas minoritários produzido por diretorias anteriores. A indenização a que pode ser condenada a Petrobrás conta-se em dezenas de bilhões de dólares, sem que um centavo sequer tenha sido provisionado para enfrentá-la.

A terceira fonte de incertezas é a Operação Lava Jato que a qualquer momento pode revelar novos lances da sistemática predação do patrimônio e das finanças da Petrobrás. E, se isso acontecer, serão inevitáveis novas baixas contábeis (impairments).

Independentemente dessas incertezas e de eventuais outras aqui não mencionadas, está sendo dado grande passo não apenas para o saneamento financeiro da Petrobrás, mas, também, para o crescimento em bases sustentáveis de todo o setor de petróleo e gás no Brasil.

CONFIRA:





A curva acima dá uma boa noção da velocidade com que se recupera o nível de confiança do empresário industrial do Brasil. Em setembro foi registrado o quinto aumento consecutivo. Não é, ainda, garantia de recuperação da atividade econômica, mas é bom sinal de que está próxima.

Questão de ponto de vista
Para o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, o Plano Estratégico apresentado nesta terça-feira contém “boa dose de ousadia”. O diretor da Área Financeira, Ivan Monteiro, preferiu dizer que se trata de um “programa conservador”.

Lula e a Petrobras - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 21/09

O elo entre Lula e a Petrobras. Pela intensidade do desenrolar dos fatos no Brasil, o anúncio de que o ex-presidente Lula é réu na Lava-Jato por envolvimento “no esquema criminoso que vitimou a Petrobras” ocorreu no mesmo dia em que a empresa lançou seu plano de negócios para retornar do poço em que entrou. Durante a era PT, a companhia parecia ser do partido do governo e não do país.

A narrativa petista era que a Petrobras havia sido salva por eles. A realidade aparece nos autos dos muitos processos que se misturam para cobrir todo esse imenso campo de corrupção. No documento divulgado ontem, o juiz Sérgio Moro afirma, em “grande síntese”, que havia “um grande esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras”. Empresas faziam ajustes prévios que elevavam os custos de contratação em 20%. Diretores eram nomeados por partidos políticos para distribuírem propina aos partidos e aos políticos.

Isso tudo já se sabe, mas a leitura dos autos mostra como tudo se concatena. Havia, diz o juiz, uma “grande organização criminosa”. O Ministério Público alega que o ex-presidente teria participado “conscientemente” do esquema. E por isso recebeu vantagens. Moro lembra que não cabe, nesta fase, o exame aprofundado das provas, mas admite que a denúncia tem justa causa.

Quatro ex-diretores já foram condenados, vários empresários e o ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu. Já está provado, disse Moro, “acima de qualquer dúvida razoável”, que a OAS pagou propina de R$ 29 milhões. A conclusão é que já está provado que o esquema beneficiou também os políticos. Segundo o juiz, o MPF citou os depoimentos dos “criminosos colaboradores” Pedro Corrêa e Delcídio Amaral, afirmando que Lula “tinha conhecimento e participação”.

Moro relaciona os vários indícios de que o tríplex foi dado a Lula já em 2009, quando ele ainda era presidente. Foi nessa data que a OAS assumiu e deu 30 dias para que os cooperados pedissem o dinheiro de volta ou firmassem contrato. A família Lula não fez uma coisa nem outra, mas visitou o local quando estava tudo pronto no imóvel do “chefe”, segundo expressão usada pelos diretores da OAS. Há ainda a vantagem do armazenamento dos bens do ex-presidente. De tudo isso, diz Moro, “sem prosseguir no aprofundamento da análise probatória, há razoáveis indícios” contra o ex-presidente. O juiz também alertou que há outros casos envolvendo Lula, inclusive o do sítio de Atibaia.

Mas as supostas vantagens para Lula não seriam pequenas diante da magnitude dos valores tirados da Petrobras? Moro afirma que isso não descaracteriza o ilícito, “não importando se a propina imputada alcance o montante de milhões, milhares ou dezenas de milhões de reais”.

Ontem a Petrobras falou do seu futuro, e ele ainda é incerto. Vai ser bonito o dia em que a empresa anunciar que saiu da crise, que tem uma dívida pequena, alta rentabilidade, que vai investir mais que o planejado e que voltou ao grau de investimento. Será bonito o dia que puder dizer que está superada a crise criada pelo violento caso de corrupção de que foi vítima.

Ainda há muito caminho pela frente, mas já se andou um pedaço. A apresentação feita ontem por Pedro Parente e sua equipe tem metas ousadas. Ele quer reduzir o endividamento líquido a menos da metade e ao nível considerado bom no mercado: duas vezes e meia a geração de caixa.

A empresa quer vender quase US$ 20 bilhões de ativos num país que está em recessão e que não tem grau de investimento. E cortou em 25% o investimento para se ajustar. Segundo o diretor-executivo da consultoria Accenture Daniel Rocha, especialista na área de energia, havia o receio de que a estatal afrouxasse o seu compromisso de redução das dívidas, mas ela o manteve, mesmo com a queda do dólar e a alta do petróleo. Desde abril, as ações da Petrobras triplicaram, saindo da casa de R$ 4,2 para R$ 13,5. Ainda há muito a fazer antes da recuperação da empresa, mas muito já foi feito no campo penal para punir os diretores, empresários e políticos que se organizaram para atingi-la.

Lula terá tempo para se defender da acusação de ter feito parte, ou, eventualmente, ter sido sido chefe do esquema que atingiu a maior empresa do país. Mas que o esquema existiu, isso está acima de qualquer dúvida razoável.


Desenvolvimentismo de resultados - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 21/09

Ecoando a coluna da semana passada, ainda me espanto com o grau de desconhecimento acerca das contas públicas. Em certo sentido, não deveria me surpreender: o assunto é árido, e a informação, ainda que de fácil obtenção, está longe do dia a dia das pessoas. É natural, portanto, que a imensa maioria dos brasileiros não faça a menor ideia da extensão e da gravidade do problema.

Quando, porém, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda (mesmo jurando que seu "neodesenvolvimentismo" difere da versão tradicional por suasuposta ênfase no equilíbrio fiscal ), sugere que "os economistas liberais (...) inventaram uma crise fiscal 'estrutural'", aí é para se espantar mesmo.

À parte a acusação ridícula sobre esses economistas terem feito parte de uma cabala imaginária para derrubar a presidente Dilma Rousseff, Bresser argumenta que o "razoável equilíbrio" fiscal observado entre 1999 e 2012 descaracterizaria a tese da crise fiscal.

Esse argumento ignora a evolução do gasto público nos últimos 25 anos. Sem considerar as transferências a Estados e municípios, ou seja, mantendo o foco apenas no dispêndio federal, não há como negar o salto considerável observado no período. Em 1991 a despesa federal equivalia a 11% do PIB; nos 12 meses terminados em julho deste ano supera 20% do PIB.

Adicionalmente, as despesas obrigatórias passaram a ocupar espaço cada vez maior no Orçamento. Deixando de lado as "despesas discricionárias não contingenciáveis", um verdadeiro monumento ao paradoxo, gastos obrigatórios, que representavam cerca de 70% da despesa em 1997, hoje se aproximam de 80% dela. Na prática, cada Orçamento é apenas uma cópia vitaminada (do lado do dispêndio) da sua versão de anos anteriores.

O tal "razoável equilíbrio" observado entre 1999 e 2012 (na verdade até 2008, pois os resultados posteriores estão mascarados pela "contabilidade criativa") só se materializou por força de um aumento não menos considerável dos impostos, assim como de outras receitas de procedência menos "ortodoxa", como concessões e dividendos de empresas estatais.

Quando a receita perdeu fôlego (sem impedir que a carga tributária aumentasse para 32,2% do PIB em 2015, a maior desde 2011), bem antes da atual recessão, o caráter insustentável tanto da tendência do gasto como da rigidez orçamentária se tornou ainda mais claro. O problema, no entanto, não se esgota aí: após cair a pouco mais que 50% do PIB ao final de 2013, a dívida pública voltou a crescer, chegando a quase 70% do PIB em meados de 2016.

Em suma, dívida e gastos crescem rapidamente, problemas agravados pela extraordinária rigidez orçamentária. Se isto não caracteriza uma crise fiscal, não sei dizer o que o faria.

Neste contexto a proposta do teto das despesas, por meio da PEC 241, é um remédio suave até demais. Com a inflação em queda em 2017, as despesas não começariam a cair face ao PIB pelo menos até 2018 e só voltariam ao nível de 2012 (antes da "loucura fiscal expansionista" admitida por Bresser) entre 2023 e 2025. E a isto Bresser chama de "desmonte do Estado social"...

Fica, assim, minha sugestão para palpiteiros de plantão: antes de se pronunciar sobre qualquer tema, tentem se familiarizar com os números e fazer as contas básicas. O debate econômico agradece.


Entre borboletas e pardais - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 21/09

Ao atrasar o TPP, a economia americana poderia perder até US$ 123 bilhões por ano



Nos anos 70, um desastre ecológico sobreveio de medidas para controlar a superpopulação de coelhos no sul da Inglaterra. Foi-se a borboleta azul. A história é usada como metáfora em meu livro Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica da Era Dilma. No fim da década de 50, início dos anos 60, Mao Zedong pediu aos camponeses chineses que matassem os pardais para evitar que comessem as sementes das plantações, o que agravaria a Grande Fome. A medida resultou na explosão de pestes que dizimaram os campos, agravando a fome e acelerando a morte de milhões de pessoas.

As duas histórias são exemplos reais de interferência humana no funcionamento de ecossistemas, nas complexas redes de interligações. O comércio internacional, hoje, com a multiplicação de interconexões entre empresas e países, com a intrincada distribuição global de partes e componentes, é um sofisticado ecossistema. Entram em cena dois candidatos, duas propostas. Tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump propõem medidas para modificar o ecossistema do comércio internacional, atendendo demanda de parte relevante da população que se vê ameaçada pelo ritmo da globalização. A ameaça é real: sucessivas administrações americanas não tiveram a vontade ou a capacidade de expandir programas para acolher aqueles que estavam perdendo empregos ou vendo sua renda diminuir. Contudo, o retrocesso comercial proposto por Hillary e Trump em nome do trabalhador guarda semelhanças com as estratégias dos ingleses em 1970 e dos chineses antes deles, estratégias cujo espólio foi morte e extinção.

Estudo recém-divulgado do Peterson Institute for International Economics (ver Noland et al (2016) “Assessing Trade Agendas in the US Presidential Campaign”, Policy Brief 16-6, setembro de 2016)desvela a tragédia anunciada das propostas dos candidatos. Comecemos por Hillary. A candidata democrata tem centrado seu discurso na necessidade de garantir que as leis comerciais existentes sejam cumpridas para eliminar potenciais abusos de parceiros comerciais. Em relação à China, a candidata opõe a concessão do status de “economia de mercado” pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela também já expressou preocupação com a tentativa de alguns países de desvalorizar em excesso suas moedas para ganhar vantagem competitiva. Para combater a prática, apoia legislação para impor aos produtos desses países tarifas retaliatórias. Hillary se diz contrária ao Acordo Trans-Pacífico negociado por Obama com onze países (TPP) e à Parceria Transatlântica de Investimentos (TTIP), com a Europa. Por fim, a candidata quer modificar a estrutura tributária americana para desincentivar o offshoring de empregos.

Ao atrasar a implantação do TPP, a economia americana poderia perder até US$ 123 bilhões por ano, diz o estudo. As demais medidas levariam ao esfriamento de relações com a China, e, por conseguinte, a perdas para empresas americanas hoje engajadas no comércio com o país asiático. Haveria, também, aumento danoso de custos caso empresas tenham de pagar impostos mais elevados para realocar a produção, com repercussões negativas para a atividade e o emprego.

Trump defende a imposição de uma tarifa de importação de 35% nos produtos mexicanos, de 45% nos produtos chineses, e a renegociação de todos os acordos comerciais existentes dos EUA. Além disso, o candidato já ameaçou retirar os EUA da OMC caso a imposição dessas tarifas permita ao órgão penalizar os EUA. Como mostra um dos autores do estudo, Gary Hufbauer, ao contrário do que se poderia imaginar, o presidente da República pode revogar acordos, inclusive a inserção na OMC, unilateralmente – isto é, sem aprovação do Congresso. As perdas caso tudo isso seja feito? Algo como a extinção de todas as borboletas, de todos os pardais, de todos os empregos – ou, senão de todos, de muitos. Os cenários de guerra comercial traçados no estudo mostram que a economia americana entraria em recessão até 2019 e que a taxa de desemprego subiria dos atuais 4,9% para 8,6% até 2020.

Entre borboletas e pardais estão os EUA entre a cruz e a espada.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

O que falta para o investimento em infraestrutura deslanchar - IGOR BARENBOIM

VALOR ECONÔMICO - 21/09

Com R$ 1 trilhão em ativos, fundos de pensão e seguradoras têm pouca exposição na infraestrutura


O modelo brasileiro de financiamento à infraestrutura é quase público, na medida em que o BNDES e outras fontes de fundos públicos subsidiam a principal parte da dívida necessária para levar a cabo os projetos. Com a crise fiscal do Estado brasileiro esse modelo chegou à exaustão. Tendo em vista a carência de infraestrutura adequada no país, a alternativa disponível é mobilizar recursos privados para esse fim. O programa de parcerias de investimentos (PPI) lançado pelo governo federal recentemente não muda a natureza do modelo de financiamento à infraestrutura em vigor, porque mantém o governo e suas controladas financiando a parte do leão.

Nesse artigo mostramos como funciona hoje esse mecanismo de financiamento e sugerimos como fazer diferente.

O financiamento à infraestrutura no Brasil se dá principalmente por meio de bancos e fundos públicos que financiam a maior parte do custo dos projetos a taxas de juros subsidiadas. Chamamos esse modelo de quase público porque o Tesouro não entra diretamente financiando projetos, mas indiretamente por dois canais: (i) A diferença entre os juros de mercado e os juros subsidiados cobrados de projetos pelo BNDES é despesa do Tesouro Nacional. Ademais, (ii) como os financiamentos são de longo prazo, o giro da carteira é baixo. Logo para ofertar novos empréstimos, o Tesouro precisa capitalizar os bancos públicos, via emissão de dívida ou cobrança de impostos.

Nos últimos 10 anos os ativos do BNDES e consequentemente o seu capital entraram em trajetória exponencial de crescimento. Com aportes do Tesouro de quase R$ 500 bilhões desde 2008, os ativos do banco de desenvolvimento se aproximaram de 10% do PIB do país. Apenas o custo anual do subsídio de taxas de juros, a diferença entre Selic e TJLP, 7% ao ano, é de 0,7% do PIB, da ordem de R$ 40 bilhões.

O quadro de crise fiscal não combina com a continuação do modelo quase público de financiamento à infraestrutura. Ademais, questionamentos acerca da sustentabilidade da dívida pública do governo não permitem que o modelo de financiamento à infraestrutura continue se dando através de emissão de dívida bruta pelo Tesouro Nacional para capitalizar o banco de desenvolvimento. O modelo se esgotou!

No segundo mandato de Dilma, iniciativas foram feitas para incentivar o envolvimento do mercado de capitais no financiamento à infraestrutura. Por exemplo, o acesso ao financiamento barato do BNDES foi em boa medida condicionado à busca de financiamento privado via emissão de debêntures de infraestrutura. Agora, já no governo Temer, foi lançado o Programa de Parcerias de Investimento, onde o papel do BNDES é reduzido, mas o papel do financiamento governamental em condições especiais continua preponderante através de diversas instituições financeiras que o governo controla.

A mudança de modelo no financiamento à infraestrutura não significa que o BNDES, ou o governo como um todo deve perder o papel de indutor desse investimento. Muito pelo contrário, o BNDES tem muita expertise em infraestrutura e pode usá-la para liderar processo de garantias a projetos bem estruturados. Acertar nessa questão é crucial para o envolvimento de fundos de pensão e seguradores, que tem interesse em casar maturidade de ativos e passivos, desde que o risco de crédito dos projetos seja mitigado.

No Brasil, os fundos de pensão possuem muito pouca exposição a investimentos em infraestrutura hoje. O mesmo é verdade para seguradoras. Entre fundos de pensão e reservas de seguradoras temos mais de R$ 1 trilhão em ativos no Brasil. São R$ 600 bilhões em fundos de pensão fechados, R$ 200 bilhões em fundos de previdência do regime próprio dos entes federados e R$ 400 bilhões em reservas de seguradoras.

No modelo atual, o principal garantidor dos riscos de construção são os bancos privados e o doador do funding é o BNDES e outros controlados pelo governo. Esse modelo concentrou os projetos de infraestrutura em grandes grupos nacionais que possuem acesso a crédito e interesse dos bancos em atendê-los, por conta de um portfólio de produtos vendidos a eles. Essa concentração também não é mais possível por conta da dificuldade que os grandes grupos encontraram com as investigações da Lava Jato.

Um novo modelo deveria inverter os papéis, com o BNDES liderando o processo de arregimentação de garantias, junto ao mercado bancário e segurador, deixando o funding para o mercado privado. A liderança do BNDES no processo de garantias seria uma espécie de selo de qualidade do projeto, devido à expertise do banco no assunto. Nesse novo modelo, os bancos oficiais não devem garantir fatia muito grande do projeto, caso contrário estaríamos falando de um patrocínio ao capitalismo sem risco.

Um modelo alternativo que poderia funcionar de modo adicional seria repartir a dívida necessária para realização do empreendimento em tranches das mais juniores até as mais seniores. O BNDES poderia fazer financiamento parcial de projetos, comprando as tranches mais juniores, ou seja, assumindo a primeira perda logo após a do acionista, seguindo o modelo do Banco de Investimento Europeu.

Adicionalmente a reforma do modelo de financiamento, deve-se reformar o modelo licitatório das concessões. Fazendo pregão do menor valor presente líquido pelo qual o concessionário está disposto a obter para levar a cabo o projeto, e não com base na tarifa a ser praticada. Num quadro de incerteza política e econômica como o que temos é difícil fazer projeções acuradas. Mas os concessionários em potencial sabem o quanto querem ganhar para correr risco e levar o projeto de infraestrutura adiante.

Uma forma mais eficiente de dividir riscos seria ter um acordo de que a concessão durará o tempo necessário para o concessionário vencedor atingir o valor presente líquido pré-estipulado. Com isso maximizamos a chance dos leilões para as concessões darem frutos e o investimento crescer.

*Igor Barenboim é Ph.D em economia por Harvard. Foi secretário adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda.

Temer vai gastar mais que Dilma - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 21/09

O título deste texto parece uma piada provocativa. Não é.

O governo Temer propôs um programa radical de redução de despesas federais, a longo prazo, uma reversão do que se fez em matéria de gastos públicos nos últimos 30 anos.

O plano de Temer é o "teto", o "Novo Regime Fiscal", a ser inscrito na Constituição talvez já em novembro. Limita o crescimento da despesa de certo ano à taxa de inflação do ano anterior. Na prática, em termos reais, o valor da despesa seria congelado nos valores de 2016, por ao menos 10 e até 20 anos.

É fácil perceber que, se a economia (o valor do PIB) crescer e o valor da despesa estiver congelado, cai a despesa federal medida como proporção do PIB.

Pois bem. Aprovado o "teto" e consideradas projeções medianamente conservadoras de crescimento econômico ("de mercado"), ainda em 2020 a despesa como fatia do PIB seria maior do que sob Dilma 1 (Temer acaba em 2018). Apenas por volta de 2022 a despesa como proporção do PIB teria caído ao nível da média anual de Dilma 1.

Mesmo considerado o valor absoluto da despesa ("em dinheiro"), corrigido pela inflação, a despesa será maior (caso congelada no nível de junho deste ano).

Quer dizer que o plano Temer é fichinha, sombra e água fresca? Absolutamente, não.

Algumas despesas ora crescem sem limite, como as da Previdência. Continuarão crescendo, mesmo com alguma "reforma": mais gente se aposenta, morre, fica doente. A população aumenta, precisa de mais cuidado de saúde.

Se o conjunto das despesas está congelado e algumas delas crescem, alguns itens serão achatados. Se o gasto da Previdência cresce, será preciso cortar investimento público, servidores, saúde, o que seja.

Pode ser que, premido pelo "teto", o governo gaste de modo mais eficiente. É uma hipótese com um quê de realismo fantástico. De qualquer modo, é difícil de fazer. Caso seja feito, o será aos poucos. De resto, ora não há nenhum programa sistemático de aumento de eficiência.

E daí? Daí que o plano fiscal de Temer, o "teto", é incremental, um ajuste fiscal a princípio suave, dado o tamanho da nossa ruína. Mas, a certa altura, vai doer, mais ou menos como na história do sapo que morre na água que esquenta aos poucos.

Vai doer ainda mais caso não se tomem providências complementares de controle de despesas. No limite, o problema seria resolvido apenas com privatização parcial de serviços públicos.

Saídas? O sucesso do "teto" pode levar ao seu fim.

Quanto mais a economia (PIB) crescer, menor será a despesa como proporção do PIB. Caso a economia cresça segundo as projeções mais otimistas, em dez anos a redução do governo federal chegaria a um ponto intolerável ou cruel.

Caso o país cresça bem, vão aumentar as pressões para que o "teto" seja relaxado, para que despesas sejam descongeladas. Se a economia cresce, faz sentido reservar parte desse crescimento para a melhoria de serviços públicos. Em suma, quanto mais sucesso, maior será a contestação do "teto".

Porém, quanto maior o relaxamento do "teto" agora, mais improvável será a retomada do crescimento.

Sim, parece uma daquelas promessas de dietas draconianas salvadoras. Mas é o que temos, no momento.


Uso do cachimbo - DORA KRAMER

ESTADÃO - 21/09

Pode-se até discutir a eficácia da medida no tocante ao combate à corrupção, mas o caráter pedagógico do veto às doações de empresas para financiar campanhas eleitorais é inequívoco: levar os partidos a buscar novas formas de financiamento mediante a motivação da sociedade a contribuir para o bom andamento dos trabalhos da democracia.

Tempo para se dedicar à tarefa tiveram. O problema é que não quiseram e, assim, chegamos às vésperas das primeiras eleições sob a égide da nova regra com suas excelências propondo a revogação da lei que, segundo o veredito corrente no mundo político, não deu certo.

Conclusão apenas apressada caso fosse fruto de boa fé. Aquela decorrente do exame detido da situação, do cotejo de possibilidades, da busca real de alternativas, do pressuposto de que para motivar a comprador (o eleitor) é imprescindível melhorar a qualidade do produto (a prática político-partidária).

O problema é que isso demanda esforço, coragem para enfrentar o risco, mudança de paradigma, disposição para a prática do convencimento, boas ideias, genuíno espírito público, criatividade, transparência, franqueza, talento e demais atributos sem os quais não se vence a inércia, não se dá um passo adiante.

A ideia seria fazer da eleição municipal um teste até para que os partidos começassem a se adaptar. Mas a campanha ainda nem terminou e lideranças dos principais partidos, incluído o presidente da Câmara, já decretam que a solução é a revogação.

Isso sem contar as ilegalidades já detectadas pela Justiça eleitoral e tribunais de contas: uso de laranjas, documentação de pessoas mortas, desvios indevidos do dinheiro (público) do Fundo Partidário, doações feitas em nome de pessoas físicas com recursos das jurídicas e por aí tem ido a prática da burla.

Líderes argumentam que não é possível acabar com o financiamento empresarial sem colocar “nada” no lugar. Por “nada” parecem entender uma fonte segura e permanente de recursos, quando o que se pretendia é que os partidos se mobilizassem para começar a depender mais do reconhecimento do eleitorado e menos do interesse do empresariado.

É o caso do uso do cachimbo. Em excesso deixa a boca torta. Quando da decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir as doações de pessoas jurídicas, partidos e candidatos já sabiam que já não haveria dinheiro como antes. Óbvio. Era essa mesmo a ideia: tornar mais iguais as condições das campanhas e todos os candidatos. Muito vivos, fizeram-se de mortos a fim criar uma versão supostamente correspondente aos fatos.

Tira teima. O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e mais sete pessoas apresentada na semana passada pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, dirimindo, assim, qualquer dúvida sobre a existência de substância na peça produzida pela acusação.

A decisão era esperada. Inclusive pelo próprio Lula, cuja reação indicava exatamente o contrário do que disse em seu discurso em que acusou o Ministério Público de ter produzido um show de pirotecnia, mas não rebateu o mérito das acusações.

Algo parecido ocorreu em 2007 quando o então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, apresentou a denúncia do mensalão. O relato dele também foi recebido com algum descrédito e alegações de que não havia provas contra os acusados. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia, instruiu o processo e, nele, produziu as provas que levaram às condenações.

Lula é réu, não é condenado. Se vier a ser, poderá recorrer. Só não poderá mais dizer que os procuradores envolveram-se numa “enrascada” ao denunciá-lo.

Um tiro nos pés... de Lula - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 21/09

Quem no Brasil ainda teme que Lula, duas vezes réu e agora sem máscara, ainda reine?



Do alto de sua empáfia, o decano dos suspeitos submetidos a investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e auxiliar de fatiador da Constituição Renan Calheiros, presidente do Senado, disse: “O exibicionismo da Lava Jato tira prestígio do Ministério Público”. Agora cessa o que a antiga musa canta, pois um poder mais justo se alevanta: o juiz federal Sergio Moro calou os críticos da força-tarefa da “república de Curitiba” ao aceitar a denúncia dela contra Lula.

Ainda é difícil saber se, mesmo não estando mais incólume, o teflon que protegia Lula perdeu a capacidade de lhe manter o carisma. Antes de Renan, outros críticos desdenharam do pedido de sua prisão pelo promotor paulista Cássio Conserino. Tal impressão foi desfeita pela juíza Maria Priscila Ernandes Veiga Oliveira, da 4.ª Vara Criminal de São Paulo, que não achou a acusação tão imprestável assim: afinal, não a arquivou e, sim, a encaminhou para o citado Sergio Moro, titular da 13.ª Vara Federal do Paraná e responsável pela Operação Lava Jato, decidir. E as mesmas vozes ecoam esgares e esperneio da defesa de Lula contra o show de lógica clara dos “meninos de Curitiba”.

Acontece que em nada o dito espetáculo de uma semana atrás diferiu das coletivas anteriores, realizadas para a força-tarefa da Lava Jato comunicar à população, o que é necessário nesses casos pela gravidade dos crimes investigados e pela importância dos acusados sobre os quais recaem as acusações. À exposição sobre o cartel de empresas compareceram os mesmos procuradores, foi apresentado um libelo acusatório mais copioso (de quase 400 páginas à época e de 149 agora) e também se utilizaram recursos visuais (powerpoints) para ilustrar informações e explicações. Ainda como em todas as vezes anteriores, nesta a defesa do Lula respondeu apelando para recursos idênticos, e agora com uma agravante: a insistência numa frase para desmoralizar os procuradores, mas que não foi dita por nenhum deles: “Não temos provas, temos convicções”.

Em parte por nostalgia de suas ilusões, como milhões de brasileiros encantados com o coaxar rouco do líder que Brizola chamou de “sapo barbudo pra burguesia engolir”, em parte por medo da vingança do ex-ídolo, se lhe forem devolvidas as chaves dos cofres da viúva, os neocríticos crédulos perdem o sono. O pavor do chororô da jararaca que vira crocodilo é antigo. Em 2012, a delação proposta por Marcos Valério Fernandes, que cumpre pena pelo mensalão, sobre a compra do silêncio de um chantagista que ameaçava comprometer Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho na morte de Celso Daniel, sucumbiu à omissão do então procurador-geral, Roberto Gurgel, e do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

O episódio acima foi narrado ao juiz Sergio Moro por Marcos Valério Fernandes, cuja versão não foi levada em conta porque seria um “bandido apenado”, ao contrário dos cúmplices com mandato, indultados no Natal pela mui compassiva companheira Dilma Rousseff. Deles só José Dirceu e Pedro Corrêa ainda moram na cadeia, acusados de terem delinquido direto das dependências do presídio da Papuda.

A versão de Valério, no depoimento repetido quatro anos depois, coincide com outra, que não deveria ser desqualificada, de vez que foi narrada pela voz autorizadíssima do ex-líder dos governos petistas no Senado Delcídio do Amaral (sem partido-MS). Nos autos do processo criminal, Sua Ex-excelência contou que, no início do primeiro mandato, o governo Lula era “hermético” e dele só participavam aliados tradicionais. Disso Dirceu discordava, pois já tinha combinado com o presidente do PMDB, Michel Temer, a continuação da “governabilidade” gozada pelo antecessor tucano, Fernando Henrique. Ante a perspectiva do impeachment, contudo, o chefão constatou: “Ou abraço o PMDB ou eu vou morrer”. Eis aí a lápide que faltava no quebra-cabeças.

Esta explica por que a bem pensante intelligentsiabrasileira cantou em coro com os advogados dos empreiteiros nababos condenados por corrupção e a tigrada petralha o refrão “Valério bandido jamais será ouvido”, que manteve Lula fora do mensalão. E esclarece futricas da República de Florença em Brasília que põem o PMDB de Temer e Calheiros a salvo da luminosidade dos holofotes da História. Assim, enquanto acompanha Gil e Caetano entoando em uníssono “eu te odeio, Temer”, a esquerda vadia e erudita se acumplicia ao direito ao esquecimento que têm desfrutado o atual presidente e seus devotos do maquiavelismo no Cerrado seco.

Sabe por que esses celebrados “formadores de opinião” rejeitam a “nova ordem mundial” (apud Caetano Veloso, promovido sem méritos à companhia de Cecília, Drummond e Rosa, citados pela presidente do STF, Cármen Lúcia, em sua posse)? É que agora a corrupção não fica impune como dantes. E a maior evidência de que o velho truque de esconder castelos de areia sob tapetes palacianos escorre nos esgotos das prisões é o fato de os empreiteiros Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro optarem entre colaborar com a Justiça ou mofar na cadeia, por mais caros e bem relacionados que sejam seus causídicos. Só ficaram soltos os felizes mandatários que gozam de prerrogativa de foro. A patota desfruta o privilégio de não responder pelos próprios crimes e modificar as leis para moldá-las à sua feição.

É por isso que, enquanto faz juras públicas de amor à Lava Jato, o alto comando do Planalto planta suas “preocupações” com a excessiva vaidade ostensiva, capaz de, cuidado, comprometer o “digno” trabalho da força-tarefa. Pois saibam todos que estas linhas leem que a fraude Lula não engana mais a grande maioria, como já enganou um dia. E que, ao contrário de antes, ele vai desmoronar, mercê do combate mundial à formação de quadrilhas que usam a Justiça Eleitoral para lavar dinheiro sujo. De fato, Dallagnol e Pozzobon atiraram nos pés. Nos de Lula...

*Jornalista, poeta e escritor

Na mesma linha - MERVAL PEREIRA

O Globo - 21/09

O teor do despacho do juiz Sérgio Moro aceitando a denúncia contra o ex-presidente Lula, sua mulher, dona Marisa, e outras seis pessoas ligadas ao Instituto Lula e à empreiteira OAS demonstra que, ao contrário do que muitos criticaram, inclusive eu, o tom quase épico dos procuradores de Curitiba ao anunciar a denúncia não fragilizou diante dele os fatos apresentados.

Mesmo tendo deixado claro, como é natural neste momento do processo, que só a instrução da ação penal poderá confirmar que as vantagens ilícitas recebidas por Lula tiveram origem em contratos da OAS com a Petrobras, Moro avalizou os indícios de que essa relação existiu, e justifica o fato de os procuradores terem acusado o ex-presidente de “chefe da quadrilha” pela necessidade mesma de relacionar as obras da OAS, especialmente da Petrobras, e os benefícios que teriam sido recebidos por Lula.

Moro ressalta que “é razoável” considerar essa relação, uma vez que a maior parte do faturamento do grupo OAS decorria de contratos com a Petrobras. Um ponto interessante do despacho do juiz Moro é quando ele rejeita as acusações de que o valor de R$ 3,7 milhões recebido por Lula no tríplex do Guarujá, além do armazenamento de bens pessoais pago pela OAS, seja pequeno em relação aos milhões em propinas recebidos por outros políticos e dirigentes da estatal.

“Embora aparentem ser, no presente caso, desproporcionais os valores das vantagens indevidas recebidas pelo ex-presidente com a magnitude do esquema criminoso que vitimou a Petrobras, esse é um argumento que, por si só, não justificaria a rejeição da denúncia, já que isso não descaracterizaria o ilícito, não importando se a propina imputada alcance o montante de milhares, milhões ou de dezenas de milhões de reais”. E deixa no ar uma advertência aos críticos mais afoitos: “Oportuno ainda não olvidar que há outras investigações em curso sobre supostas vantagens recebidas pelo ex-presidente”.

De fato, estamos acostumados a nos espantar quando algum político é demitido ou preso em outros países por quantias irrisórias se comparadas aos desvios registrados no Brasil, e esse mesmo espanto serve também para minimizar os desvios atribuídos a Lula.

Moro destaca no despacho que Lula recebeu o tríplex da OAS quando ainda na Presidência, e diz que todas as provas e depoimentos colhidos confirmam que o imóvel era dele, embora tenha permanecido em nome da empreiteira. Chama a atenção para o fato de que o casal Lula deixou de efetuar pagamentos justamente quando a OAS assumiu o empreendimento.

Os pontos citados pelos procuradores como indícios de que houve manobra para esconder a propriedade do imóvel são destacados por Moro, como rasura dos termos de adesão, que indica que a propriedade do apartamento normal foi transferida para a cobertura após a OAS assumir a obra; as visitas de Lula, Marisa e filhos à cobertura; e os gastos da OAS com reforma e mobiliário, inclusive da cozinha Kitchens, mesmo modelo do sítio de Atibaia, para concluir que o caso do tríplex guarda semelhança com o do sítio: “colocação de propriedades em nome de pessoas interpostas para ocultação de patrimônio”.

Em seu despacho, o juiz Sérgio Moro considera uma autoincriminação o fato de Paulo Okamotto ter pedido um habeas corpus preventivo no TRF-4, que foi negado. Okamotto reconhece que “solicitou à OAS que contribuísse com as elevadas despesas de preservação do colossal acervo”, o que, para Moro, significa que “houve um aparente reconhecimento das premissas fáticas estabelecidas pelo MPF”, que relacionou o custeio da armazenagem às propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras.

Como indício de que houve uma negociação ilegal, Moro cita que o orçamento da transportadora Granero foi pedido por Okamotto “para armazenagem dos bens pertencentes a Luiz Inácio Lula da Silva, o que foi aceito em 27/12/2010”. Mas o contrato de armazenagem, com valor mensal de R$ 21.536,84, foi celebrado, em 01/01/2011, entre a Construtora OAS e a Granero”.

Para Moro, “o real propósito do contrato foi ocultado, pois nele constou que o objeto seria a ‘armazenagem de materiais de escritório e mobiliário corporativa de propriedade da Construtora OAS Ltda.’”.


Filho feio - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 21/09

SÃO PAULO - Como assevera o ditado, filho feio não tem pai. Nenhum parlamentar assume que tenha algo a ver com a tentativa de aprovar, de supetão, um projeto de lei que criminalizaria o caixa dois eleitoral, como defende o Ministério Público nas célebres Dez Propostas, mas anistiaria os políticos que, no passado, incorreram em delitos relacionados a essa prática. Foi graças à atuação de meia dúzia de combativos deputados que soaram o alarme que a manobra foi frustrada, e o PL 1210/07, tirado da pauta.

A história está propositalmente confusa, já que ninguém quer aparecer como genitor da criança. Mas, num breve resumo, os deputados pegaram um PL antigo que já estava pronto para ser votado e nele introduziriam uma sorrateira emenda que estabeleceria tanto o crime de caixa dois como a anistia.

Atualmente, o caixa dois de campanhas é só infração eleitoral e não um crime, embora juízes às vezes o enquadrem em outros tipos penais como corrupção e falsidade ideológica. Parece-me correta a ideia do MP de criminalizar a prática e, principalmente, de tornar os partidos políticos corresponsáveis pelos ilícitos. Sem incentivos que levem as próprias legendas a controlar seus membros, é pouco provável que a Justiça Eleitoral consiga fiscalizar tudo.

O ponto central aqui, porém, é outro. A esmagadora maioria dos políticos adoraria parar a Lava Jato. Essa é uma pauta ecumênica, perseguida tanto por membros do governo Temer como por gente do PT. Não passam de dezenas os parlamentares de fato dispostos a deixar que as investigações continuem até o fim. E, se a maioria encontrar um jeito de limitar a operação sem ser responsabilizada perante a opinião pública por isso, não hesitará em empregá-lo. Quando os interesses da sociedade e dos parlamentares são diametralmente opostos, como parece ser o caso aqui, é preciso acionar a eterna vigilância. Eles devem tentar de novo.


Detalhes - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 21/09

Pormenor é, muito frequentemente ou quase sempre, aquilo a que você, por algum motivo, não deu importância, como na invasão da Rússia pelos nazistas ou no petrolão


Dizem que o diabo está nos detalhes. Detalhes são tudo o que não foi observado ou o que não foi levado a sério ou considerado. Numa hipótese mais profunda, o detalhe é aquilo que não interessava enxergar: o fora de cena ou o “esquecido”. O realizado se faz no palco — às claras —, mas não se pode esquecer das ilusões ou maluquices. Sim, porque quando o mentiroso padrão recebe 400 votos a favor da sua cassação e sua volta ao papel de cidadão comum, essa rara correção surge como um terremoto — ou o detalhe — coisa do diabo!

Ou de Deus! Diz-me Mario Batalha que considera esses lugares-comuns bobagens insignificantes. E quando eu argumentei que é justamente esse o ponto ou a pista que leva ao delito e ao criminoso, como nas velhas novelas policiais de Agatha Christie, ele — radical — simplesmente foi embora.

O detalhe, para sermos mais precisos, jaz naquilo que o outro lembra e você esquece; ou, ao inverso, no que você “guardou” e ele não lembra. O pormenor (eis uma bela palavra...) é, muito frequentemente ou quase sempre, aquilo a que você, por algum motivo, não deu importância, como ocorreu na invasão da Rússia pelos nazistas ou no petrolão. Freud diria todo “esquecimento” tem múltiplos sentidos como tudo o que faz parte do universo dos símbolos — essa cadeia de sentidos que constitui o “humano” mas que não é exclusiva do gênero humano.

Quando eu roubei um pacote de giletes numa farmácia de Rio Largo, Alagoas, quando tinha 9 anos, eu obviamente me “esqueci” de que papai recebia uma conta do estabelecimento todos os meses, e esse momento de averiguação de gastos era algo dramático. De fato, papai se sentava à mesa da sala de jantar, convocava minha mãe e vistoriava com cuidado de fiscal do consumo as despesas mensais da farmácia, da padaria, da luz, da água, das lojas e do armazém. Ninguém da casa estava excluído desse ritual, e foi assim que foi liquidada minha microcarreira de ladrãozinho, na qual poderia — quem sabe — ter me “arrumado” ao lado desses lamentavelmente rotineiros nababos da república lulopetista.

Papai, que fazia barba com com navalha, inquiriu imediatamente se mamãe havia comprado aquelas absurdas giletes. Quando ouviu a negativa, telefonou para o dono da farmácia e, das mãos de Deus ou do balado do diabo, ouviu o cândido detalhe: “Vi seu filho ‘tirando escondido’ o pacote de gilete.” — É verdade? Os olhos de papai fuzilavam. — É! Respondi vermelho de vergonha e sem nenhuma desculpa. — Espero que isso jamais se repita. Ali eu descobri que há sempre um testemunho, uma prova, um outro olhar. No meu caso, esse pormenor consistia no fato de que donos de lojas vigiam suas mercadorias mesmo quando um garoto “inocente” as admira.

Esse foi um dos detalhes da minha vida. Hoje, eles são uma multidão. Como antropologista, eu costumo repetir que fazer antropologia social ou sociologia comparada, como diziam meus mestres, é aprender a discutir detalhes.

A semana que passou veio com a mais do que esperada denúncia do Ministério Público contra o Lula dos esquemas de corrupção que quebraram a economia e abalaram a espinha moral do Brasil. Do episódio devidamente televisionado, os jovens promotores de preto, como os “homens de preto” que caçam alienígenas na famosa série cômica americana, saíram os “detalhes” — as provas, evidências e pistas — que, desde os tempos do velho Sherlock Holmes, permitiam sugerir ou liquidar um caso. Afinal, a pista é um detalhe. É algo deslocado ou fora do lugar que aponta o crime ou o cerimonioso. No fundo, a pista é um símbolo intrusivo. Algo que não pertence àquele lugar, mas que ali surge como um figo podre ou um ato falho.

A segunda bomba veio com o “detalhe” do desaparecimento por afogamento do ator Domingos Montagner em meio às filmagens de uma novela na qual ele interpretava um herói que, milagrosamente, havia escapado das águas do Rio São Francisco, o mesmo “Velho Chico” que nomeia o drama. O pormenor aqui não é somente o da intrigante coincidência, mas o da morte sem aviso prévio. Essa partida do palco que abala fragilidade das rotinas que, em todo tempo e lugar, armam esquemas de vida construídos contra o inesperado. Aqui, é a comprovação de que somos mesmo feitos de vento. Nem o poder ou o sucesso garantem o inesperado. Esse detalhe que somente aparece depois que a caravana foi assaltada.

PS: Mais um detalhe. Temer ficou hospedado num hotel em Nova York pago, mas “esquecido”, pela entourage de Dilma. Mais uma prova da competência da gerentona inventada pelo ventriloquismo de Lula.


A reabertura do propinoduto - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 21/09

Alarmados com a escassez de recursos para as eleições municipais, parlamentares de vários partidos articulam no Congresso a volta do financiamento empresarial de campanhas políticas. Faltando duas semanas para o pleito, um levantamento feito no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral mostra que 28% dos 16.356 candidatos às 5.568 prefeituras do país não arrecadaram um centavo sequer por parte de pessoas físicas, como permite a lei. A minirreforma eleitoral do ano passado, chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, proibiu as doações de empresas para partidos e candidatos — sistema que vigorou entre 1993 e 2014, gerando todo tipo de irregularidade, do caixa 2 ao propinoduto desvendado pela Operação Lava-Jato.

Ainda assim, os políticos querem resgatar os financiamentos privados, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional que restaure as doações de empresas para partidos, ficando os candidatos habilitados apenas às contribuições de pessoas físicas. O risco é que a PEC reabra o caminho para novas imoralidades. Basta lembrar que os maiores doadores a partidos e candidatos, como mostra a Operação Lava-Jato, têm sido as empresas que mantêm negócios com o governo e que acabam retirando do superfaturamento dos serviços e obras os recursos destinados às campanhas políticas.

As irregularidades não acabaram depois que o STF declarou inconstitucional a doação empresarial. Mas os recursos movimentados ilicitamente são infinitamente menores do que os investimentos feitos anteriormente por grandes empresas para obter vantagens em contratos com os governos comandados pelos eleitos. Enquanto os mecanismos de controle não forem comprovadamente confiáveis, o melhor é manter a restrição.


O discreto charme de Temer na ONU - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 21/09

Em fins dos anos 1990, quando servi como diplomata na Missão do Brasil junto à ONU, em Nova York, coube a mim preparar um discurso a ser apresentado num comitê para a reforma da Carta das Nações Unidas.

Naquela ocasião, recém-instalado em nossa representação perante o principal organismo do sistema multilateral, dediquei-me com diligência à redação da minuta. Busquei, em minha inocência, ser minimamente criativo e fugir do estilo modorrento e inofensivo dos pronunciamentos que se fazem na ONU.

Não tive sorte. Meu chefe à época não gostou do texto. Argumentou que fugia à nossa tradição. Pediu-me que fizesse um "copiar-colar" do discurso que o Brasil apresentara no mesmo comitê no ano anterior.

Sem ousar, ninguém se machuca. E isso permite o equilíbrio inercial que em grande medida delimita a dificuldade da ONU, uma instituição que já conta sete décadas, em adaptar-se ou, mais ambiciosamente, moldar o contexto global.

No discurso com que abriu os debates da Assembleia Geral da ONU, Michel Temer não foi ousado. Abordou esses temas que inercialmente figuram nos pronunciamentos brasileiros. No entanto, foi sóbrio, discreto. Conseguiu, com elegância, descalçar a bota da retórica grandiloquente e de liderança autoatribuída da política externa de Lula-Dilma.

Reaproximar o discurso brasileiro da dimensão —infelizmente diminuída— que o país hoje representa no cenário Internacional é de um realismo saudável. E transmite a correta percepção de que o imenso potencial brasileiro nada garante —tudo está, também na esfera da política externa, por construir.

O melhor exemplo disso no discurso foi associar o êxito da responsabilidade social não à "vontade política", mas à responsabilidade fiscal. Temer não terceirizou a culpa da esquálida performance econômica do Brasil a um cenário internacional adverso.

O presidente referiu-se ao país, de maneira justa, como a superpotência ambiental que é —e portanto peça indispensável em qualquer tabuleiro onde se discuta o desenvolvimento sustentável.

Sublinhou a experiência de sucesso na criação de um programa de contabilidade de controle de materiais nucleares —realizado de mãos dadas com a Argentina nas últimas décadas— que permitiu ao Atlântico Sul tornar-se das poucas regiões desnuclearizadas do planeta, e de fato oferece um bom referencial para a comunidade internacional.

Falou, com satisfação, do início de uma dinâmica de resgate de Cuba do isolamento; da pacificação interna na Colômbia; dos entendimentos que enquadraram o programa nuclear iraniano. Mas o fez sabendo que o Brasil, em todos esses acontecimentos, tem sido apenas espectador.

À rudeza dos delegados bolivarianos na plenária, que tiveram a descortesia de sair da sala durante o discurso do chefe de Estado brasileiro, respondeu classificando como "natural e salutar" a coexistência de diferentes inclinações políticas dos governos latino-americanos. Ao sublinhar o compromisso inegociável do Brasil com a democracia, indicou com precisão o caráter legal e legítimo do impedimento de sua antecessora.

Temer relacionou, com acerto, o desafio do desenvolvimento à expansão do comércio. Também mostrou, como é correto observar, o parentesco demagogia-protecionismo. Argumentou, literalmente, que "em cenários de crise econômica, o reflexo protecionista faz-se sentir (...) O protecionismo é uma perversa barreira ao desenvolvimento. Subtrai postos de trabalho e faz de homens, mulheres e famílias de todo o mundo —Brasil inclusive— vítimas do desemprego e da desesperança".

Aqui, o presidente contou apenas parte da história, e o discreto charme de sua passagem pela ONU não impediu que ele soasse propositadamente superficial. Apenas para ficar no segundo pós-guerra, é óbvio que o mundo oscilou entre mais ou menos protecionismo. Isso por acaso inviabilizou a ascensão de países como China, Chile ou Coreia do Sul?

A propósito, quando clamou por um comércio internacional mais livre em seu discurso, Temer fez apenas referência ao setor agrícola. Deixou de lado todo o resto da atividade econômica em que o Brasil é um dos países menos abertos do mundo.

Uma excelente radiografia do ensimesmamento comercial brasileiro nos é oferecida por Edmar Bacha no "Valor" na semana passada. O economista aponta que, com base em dados de 160 nações de que dispõe o Banco Mundial, os míseros 14% que as importações representam no PIB brasileiro fazem com que apenas Nigéria e Sudão possam ser considerados mais fechados do que o Brasil.

Nos dias que antecederam sua ida à ONU, cresceram as críticas de que a diplomacia de Temer tão somente se preocupa com temas comerciais.

É impossível, contudo, não eleger o aumento da participação brasileira no comércio internacional como topo da prioridade de nossa estratégia de inserção global. E disso, na ONU, o presidente falou pouco.


Alerta contra manobras para anistiar o caixa dois - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 21/09

Projeto para criminalizar o dinheiro doado sem registro para políticos não passava de truque para isentar todos os que se beneficiaram dele até agora


No pano de fundo de tudo estão as já célebres gravações feitas pelo ex-apaniguado de Renan Calheiros na Transpetro, subsidiária da Petrobras, Sérgio Machado, com o próprio presidente do Senado e outros caciques do PMDB — Romero Jucá e José Sarney, ex-presidente da República.

Com trechos de conspiração explícita contra a Operação Lava-Jato, os diálogos serviram para chamar atenção sobre manobras parlamentares a fim de tornar inócuas as investigações do grande esquema de corrupção montado pelo lulopetismo, de que se beneficiaram também o PMDB e o PP, especialmente mas não só.

No domingo, O GLOBO alertou que na segunda deveria entrar na pauta de votação da Câmara um Cavalo de Troia. Na aparência, algo desejado, a criminalização do caixa dois; tanto que o projeto se valeu de uma das dez propostas do Ministério Público para aperfeiçoar as armas do Estado no combate à corrupção. Na realidade, porém, escondia-se no projeto uma anistia para políticos com ou sem mandatos que se beneficiaram de dinheiro de empresários recebidos “por fora”.

Ao criminalizarem agora o caixa dois — planejaram os articuladores do plano —, tudo o que aconteceu no passado, nos subterrâneos financeiros da política, não poderia ser usado pelo Ministério Público para denunciar os beneficiários desse dinheiro sujo. Pois o efeito das leis não pode retroagir.

Manobra sob medida para isentar citados em delações premiadas como receptadores desse tipo de dinheiro — como Jucá, por exemplo — até a promulgação da lei. Um motivo para a pressa na tramitação do projeto é que se aproxima a definição sobre a provável contribuição premiada de Marcelo Odebrecht e de executivos da empreiteira, na qual seriam listados cem políticos beneficiados com "caixa dois eleitoral" e "caixa dois com propina", algo assim. Mas não seria fácil. Pois esta é uma distinção difícil de fazer, porque tudo é crime. Mesmo que alguns entendam que seria inócuo o projeto da criminalização, o deputado Miro Teixeira (RJ) e o senador Randolfe Rodrigues (AP), da Rede, cada um em sua Casa, ajudaram a impedir que o golpe — este sim — fosse desfechado.

Esta anistia por decurso de prazo, além de ir contra preceitos constitucionais da exigência de moralidade e probidade do homem público, entraria em conflito com o artigo 350 do Código Eleitoral, onde se estabelece pena de cinco anos de prisão para quem omite informações em “documento público." Há, como sempre, controvérsias jurídicas, mas é inadmissível admitir esta anistia pela porta dos fundos, matreira.

Não se deve, porém, considerar que tudo está resolvido. Os interesses são pesados e transitam nos bastidores longe da vigilância da opinião pública. Deverão ocorrer novas manobras para restabelecer a impunidade de sempre. Quando um destaque para votação em separado fatia artigo da Constituição no Senado, para livrar Dilma da perda de direitos políticos, tudo é possível.

Velhacaria no Congresso - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 21/09

Caixa 2 de campanha política é uma infração eleitoral. Mas, se se tornar crime, livrará de responsabilidade penal quem a tenha praticado antes da promulgação da nova lei, que não poderá ser aplicada retroativamente. Esse é o truque por meio do qual, agindo nas sombras, parlamentares espertos tentaram aprovar na Câmara dos Deputados, na segunda-feira, um dispositivo legal que garantiria a impunidade de quem não tenha contabilizado “doações” eleitorais. Essa manobra vergonhosa só não se concretizou porque foi denunciada, na undécima hora, por parlamentares atentos – e indignados – na Câmara e no Senado.

Agora, as duas Casas do Congresso, sob pena de aumentarem o desprestígio e a desconfiança com que são vistas, encontram-se diante do imperativo de trazer a público um amplo esclarecimento sobre essa manobra, urdida à sorrelfa. O primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), que presidia a sessão, fugiu do assunto quando interpelado pelo deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) sobre quem era o responsável pela inclusão da matéria na pauta de votação. Sem maiores explicações, Mansur declarou a sessão encerrada.

A urgência com que se tentou concretizar essa cavilação em benefício da impunidade da prática generalizada do caixa 2 parece se dever ao fato de que é iminente a divulgação das delações premiadas de duas grandes empreiteiras que são alvo da Lava Jato, a Odebrecht e a OAS. Esses depoimentos envolveriam cerca de 100 senadores e deputados, de quase todos os partidos, tanto pelo recebimento de contribuições legais como pelo recebimento de propina e doações não contabilizadas. Estariam envolvidos nesses casos os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Este já admitiu ter recebido doação da OAS, explicando que não a contabilizou em sua campanha porque a transferiu para a derrotada campanha ao Senado de seu pai, Cesar Maia.

Até onde tem sido possível reconstituir os tortuosos caminhos da por enquanto frustrada tentativa de garantir a impunidade de parlamentares com o rabo preso em transações financeiras obscuras, a adesão à ideia parece se estender aos comandos das principais bancadas, tanto da situação como da oposição. Segundo apurou o Estado, em reunião realizada na tarde da segunda-feira, Rodrigo Maia – então no exercício da Presidência da República devido à viagem de Michel Temer a Nova York – deu aval à tramitação da proposta, endossada também por Renan Calheiros.

Originalmente, a intenção seria destacar e acelerar a aprovação de um dos 10 itens do pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público, exatamente o que estabelece a criminalização do caixa 2, mas acrescentando um dispositivo que anistiaria os responsáveis por infrações realizadas antes da aprovação da nova lei. A providência não seria inócua como poderia parecer, dado o princípio da não retroatividade das cominações penais, uma vez que caixa 2 constituiu falsidade ideológica, pelo menos.

São os senadores e deputados que fazem as leis e a história do Parlamento. Deveriam, portanto, ter maiores cerimônias quando legislam em causa própria. Em setembro de 2015, o Senado ratificou a decisão do Supremo Tribunal Federal de abril do ano anterior que proibia doação eleitoral de pessoas jurídicas. O primeiro teste dessa lei está sendo realizado agora, no pleito municipal, e muitos políticos parecem convencidos de que aquela decisão – já então longe da unanimidade – foi um lamentável equívoco. Não porque constitui importante fator de moralização da vida pública, mas porque, assim sendo, deixa vulnerável “todo mundo” que usa e abusa de dinheiro para se eleger.

Assim, é impossível prever se essa manobra para garantir, no caso do caixa 2, a impunidade de quem “faz o que todo mundo faz” será abandonada em nome do decoro ou se, sob o manto do combate à corrupção que está sendo proposto pelo Ministério Público, a velhacaria cultivada nas sombras fará nova tentativa de desmoralizar o instituto da representação popular.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Sempre aprendemos com os erros. Sem dúvida, foi um erro”
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, sobre a tentativa de votar anistia para caixa 2


SENTENÇA DE LULA SÓ DEVE SAIR NO PRÓXIMO ANO

Agora réu, o ex-presidente Lula deverá ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro apenas no ano que vem. A previsão é baseada no tempo médio que ele leva, desde o recebimento da denúncia. Moro consumiu 7 meses e meio para condenar executivos da Odebrecht, por exemplo, e um ano para sentenciar dirigentes da Engevix. Ele absolveu, até agora, apenas cerca de 15% dos denunciados pelo Ministério Público Federal.

JUIZ METE MEDO

Por medo da mão pesada do juiz Sérgio Moro, Lula tentou várias vezes escolher o Supremo Tribunal Federal para ser julgado. Foi inútil.

LOROTA FAZ MAL À DEFESA

Lula ofendeu a Justiça e o MPF incluindo-os entre os “adversários” que os denunciava. Ao acreditar na própria lorota, descuidou da sua defesa.

ZERO ERRO

Lula tem motivos de sobra para temer Sérgio Moro, cuja qualidade das decisões dificultam e até inviabilizam recursos dos advogados.

UM ESPECIALISTA

Especialista no combate aos chamados “crimes do colarinho branco”, Sérgio Moro é reconhecido pelo trabalho de juiz cerebral e meticuloso.

EDUARDO CUNHA VOLTA A NEGAR DELAÇÃO PREMIADA

O ex-deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) negou outra vez, nessa terça-feira (20), que pretenda fazer acordo de delação premiada na Lava Jato. Ele acha que isso não passa de invenção de jornalistas. O Ministério Público Federal estaria investigando pistas sobre práticas do governo Dilma Rousseff, no submundo da política, ainda mais graves que no mensalão, para aprovar medidas provisórias.

INTERESSE

O MPF teria interesse em eventual acordo com Eduardo Cunha para conhecer detalhes de suposta compra de apoio para aprovar MPs.

COISA DE BANDIDO

O ex-presidente da Câmara tem dito que delação premiada é coisa de bandido e que ele não se considera como tal.

EM FAMÍLIA

Cunha não se importa muito com eventual rebordosa na Lava Jato. Ele se preocupa mais em proteger a mulher e a filha, também acusadas.

DESINTELIGÊNCIA

O senador Renan Calheiros, que é investigado na Lava Jato, deveria pensar duas vezes antes de ir na onda de quem o aconselhou a desqualificar o trabalho dos procuradores, classificando-o de “exibicionismo”. Lula adotou a mesma estratégia e se deu muito mal.

PORTA-ELOGIOS

Se continuar acertando como na escolha do jornalista Eduardo Oinegue para a função de porta-voz, o governo Michel Temer periga dar certo. É um dos mais admirados profissionais da sua geração.

MENOS MAL

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, teve a maturidade e até a humildade de reconhecer o erro, cuja paternidade ninguém aceita, da tentativa de anistiar o caixa 2, quando o País tenta criminalizá-lo.

IDEIA DE JERICO

Líderes partidários atribuem a Carlos Sampaio (PSDB-SP) e a Rodrigo Maia (DEM-RJ) o conchavo para votar a anistia ao caixa 2. Mas eles teriam subestimado a repercussão negativa.

DISCURSO OFICIAL

Assessores da presidência da Câmara afirmam, como em um jogral, que Rodrigo Maia não sabia da presepada da anistia do caixa 2. Mas ninguém acreditou na versão oficial.

CADEIA NA 2ª INSTÂNCIA

A Ajufe, associação dos juízes federais, defende que o réu vá preso após condenação em segunda instância, antes mesmo da definitiva. O presidente da entidade, Roberto Veloso, alerta que os poderosos se utilizam dos recursos para procrastinar o trânsito em julgado.

CUSTO BRASIL

Apesar dos cortes, ainda sobraram no governo federal 24 mil cargos comissionados, do tipo DAS, que custam mais de R$ 1 bilhão por ano ao País. Abaixo dos chefões, os salários podem chegar R$ 21,3 mil.

TRISTE LEMBRANÇA

Na Câmara, a ordem é apagar lembranças de Eduardo Cunha. Trocaram painel onde deputados concedem entrevista por ser a “cara do Cunha”. As conversas com a imprensa são agora no lado oposto.

PERGUNTA NA ESTRADA

Réu no segundo processo na Lava Jato, Lula já começou a arrumar a mala para ir a pé para Curitiba?

PODER SEM PUDOR

O PARAFUSO DE SUPLICY

O então líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB), encontrou um parafuso no chão azul do plenário. Bem-humorado, gritou:

- Quem perdeu um parafuso?

Alguém gritou lá do fundo:

- É da cabeça de Suplicy!

Todos caíram na gargalhada, exceto - claro - o pai do roqueiro Supla.