FOLHA DE SP - 14/09
RIO DE JANEIRO - Na sessão de posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, decano do STF, disse em discurso: "Fatos notórios [...] revelaram que se formou, em passado recente, no âmago do aparelho estatal e nas diversas esferas governamentais da Federação, uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do Poder Público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado brasileiro".
E continuou: "A corrupção traduz um gesto de perversão da ética e do poder e da erosão da integridade da ordem jurídica, cabendo ressaltar que o dever de probidade e de comportamento honesto e transparente configura obrigação, cuja observância impõe-se a todos os cidadãos desta República, que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper".
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também discursou: "Os trabalhos de investigação desenvolvidos na Lava Jato conduziram-nos por caminhos ainda não percorridos. Descobrimos a latitude exata do entroncamento entre o submundo criminoso dos políticos e o capitalismo tropicalizado do compadrio, favorecimento e ineficiência".
E mais: "As forças do atraso, que não desejam mudança de nenhuma ordem, já nos bafejam com os mesmos ares insidiosamente asfixiantes do logro e da mentira. Tem-se observado diuturnamente um trabalho desonesto, de desconstrução da imagem de investigadores e juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato".
Sentados ao redor deles, com as orelhas em fogo, o ex-presidente Lula e seus confrades.
FOLHA DE SP -
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
UFA! O Parto da Montanha! A montanha pariu! Depois de 400 anos: o Cunha foi cassado!
O Cunha foi pras Cucunhas. O Cunha tomou no Cunha!
Foi pior que o 7 a 1!
O Cunha não tinha que ser cassado. Tinha que ser afastado do planeta Terra!
Agora aproveita e cassa o Renan, cassa o Jucá, cassa o etc.!
Se organizar direitinho, todo mundo dança.
E o roqueiro Serguei: "O Cunha foi expulso da suruba por mau comportamento!".
Rarará!
E ele não mentiu quando disse que não tem dinheiro no exterior. Porque o dinheiro não é dele. É NOSSO!
Nóis que tem conta na Suíça!
Rarará!
E o Cunha saiu atirando: atacou o Temer, atacou a Globo e disse que vai escrever um livro entregando todo mundo.
Ferido de morte que sai atirando!
Sabe aquela cena de filme que o cara ferido de morte se levanta cambaleando e sai atirando?
Adeus Coisa Ruim, o Inominável, o Insepulto!
Rarará!
E o deputado Marun? Show à parte! Cassação do Cunha ou Show do Marun! O Papai Smurf!
Ele pediu a palavra 265 vezes! Pra defender o Cunha!
Como diz um amigo: "No dia em que eu fizer muita cagada vou chamar o Marun pra me defender!".
Deviam ter dado um tiro de tranquilizante nele, aquele que faz hipopótamo dormir na Nat Geo!
E tinha um delegado que segurava o microfone igual ao Roberto Carlos! E citou de Shakespeare ao goleiro Bruno!
Rarará! Nem em hospício tem tanto maluco!
E quando o cara tá roubando no truco, o povo grita: "Um no dedo e outro no Cunha". O Cunha é sujo até no truco!
É mole? É mole mas sobe!
E a posse da ministra Cármen Lúcia? Eu sempre disse que a Cármen Lúcia é o clone do Mr. Bean.
Mas os leitores falaram que maquiada e com aquela capa ficou a cara do Bento Carneiro, o Vampiro Brasileiro.
E ainda tirou foto com o Frankstemer. Só faltou o Serra. Rarará!
A Transilvânia é aqui!
Nóis sofre mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
FOLHA DE SP - 14/09
Brasil e China encontram-se na encruzilhada da Globalização. O Brasil busca mudar o seu padrão de crescimento com menor dependência no consumo interno e maior ênfase em investimentos. A China está crescendo menos, mas talvez melhor. Tem se reorientado para a produção de bens de maior valor agregado, mais incentivos ao mercado interno e portanto menor dependência nas exportações.
A julgar pelas taxas de crescimento de Brasil e China, podemos dizer que a renda per capita desses países deve a mesma em 2020. A China tem adotado desde 1978 um modelo de industrialização voltado a exportações. O Brasil tem praticado diferentes variantes da estratégia de substituição de importações.
Os chineses buscaram acordos comerciais (inicialmente na forma de tratamento de sua economia como "nação mais favorecida. Implementaram desde os anos 80 PPPs (parcerias público-privadas) voltadas à infra-estrutura para o comércio exterior e administraram para baixo o câmbio e a remuneração dos fatores (o valor pago pela mão-de-obra, por exemplo). Já o Brasil recorreu frequentemente ao protecionismo, alento ao mercado interno e incentivo em compras governamentais ao conteúdo local.
O êxito ou fracasso desses modelos e seu impacto na renda estará associado à adaptação ante um verdadeiro "eclipse"da economia global. Como o cenário global mudou, esses dois países também têm de "reinventar" suas estratégias econômicas.
A China tem acelerado sua adaptação criativa e, mediante exuberantes superávits comerciais e sucessivos excedentes orientados estrategicamente à pesquisa, desenvolvimento e inovação, está aproximando-se do centro denso em tecnologias. Já lidera o mundo em energia solar, por exemplo. Em 2020, chegará à marca de 2,5% de seu PIB voltados à inovação, superior portanto à media de 2,1% dos países da OCDE. O Brasil continua no patamar de apenas 1% de seu PIB em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Já foi possível sentir isso nos últimos 15 anos. Este renovado sistema internacional em que há uma centralidade da China fez reemergir, para países como o Brasil, lógica semelhante ao padrão Norte-Sul das vantagens comparativas do século 19. A tonelada chinesa exportada ao Brasil vale US$ 3 mil, enquanto a tonelada brasileira à China menos de US$ 170. Esta relação leva a uma sensação de efêmera de potencial prosperidade, pois os benefícios do comércio em commodities não têm se traduzido em investimentos nas áreas de ponta deste cenário global de acirradas rivalidades tecnológicas.
Daí o Brasil ter grandes dificuldades em promover ganhos sustentados de renda ao longo do tempo, pois sua produtividade permanece muito baixa. De 1992 e 2007 a Produtividade Total dos Fatores (PTF) no Brasil cresceu apenas 11.3%. No mesmo período, a PTF cresceu a uma média anual de 4% na China. Estes parâmetros reforçam a noção de que os períodos de elevado crescimento da economia brasileira associam-se (I) à vigorosa demanda global por commodities em que o Brasil apresenta vantagens comparativas ou (II) a períodos de proteção do mercado via substituição de importações, forte papel do Estado na composição da demanda e consumo interno voraz.
Pode-se perguntar, o Brasil ganha ou perde com a mudança do perfil da economia chinesa em direção a uma maior participação do mercado interno? Em geral a reconversão do modelo econômico chinês diminui as oportunidades relativas para o Brasil. Os grandes beneficiários da mudança são os países que podem atrair empresas que hoje produzem na China e cujas matrizes encontram-se descontentes com os custos de produção em alta naquele país, caso da mão-de-obra e do preço dos imóveis. São países como o México, que tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos, e os do entorno geográfico chinês, como Tailândia, Indonésia e Vietnã.
Um dos mais impactantes fenômenos da economia global nos próximos dez anos será a migração de postos de trabalho da China para outros países. Cerca de 10 milhões de empregos sairão da potência asiática, que deixará cada vez mais de ser apenas uma plataforma de produção de itens de baixo valor agregado e se concentrará em produtos que exigem conhecimento intensivo. Mesmo quando, daqui a uma dezena de anos, a China tornar-se maior economia do mundo em termos de PIB nominal, ela ainda assim, será uma economia comparativamente pobre, com renda per capita próxima a US$ 12 mil por ano, semelhante à do Brasil contemporâneo.
Caso o Brasil não promova reformas estruturantes, sacrifícios em direção à competitividade e reforma de sua inserção global, essa "China 2.0" vai imobilizar ainda mais o Brasil na chamada "Armadilha da Renda Média". O Brasil continua muito pobre para concorrer com os mais pobres. E muito ineficiente para competir com os mais avançados e dinâmicos.
ESTADÃO - 14/09
Novo Programa de Parcerias de Investimentos não é apenas um relançamento do que ficou parado no governo Dilma
O governo Temer lançou nesta terça-feira (13) o novo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) que pretende recuperar projetos de infraestrutura e garantir a recuperação do emprego.
Não se trata apenas de relançamento do que ficou parado ao longo do governo Dilma, mas de mudança radical de modelo, com o objetivo de proporcionar regras estáveis de jogo, solidez nos contratos e segurança jurídica.
Por aí já dá para ver que esse novo PPI se assenta sobre críticas contundentes ao sistema anterior. Além de concebido com grande carga ideológica e, mais do que isso, com arcabouços propositalmente mal alinhavados, o modelo vigente nos governos do PT operava com furos previamente construídos para que produzissem desmontes e negociação de aditamentos contratuais e, a partir daí, canais propícios a desvios de recursos que depois alimentariam a máquina de corrupção e o processo de ocupação do Estado para projetos de poder.
O governo Temer promete racionalidade e licenças ambientais prévias. Os programas do governo Dilma entendiam, por exemplo, que as concessionárias não precisavam de retorno dos investimentos porque – como chegou a declarar cinicamente o secretário do Tesouro Arno Augustin, o mesmo que criou a contabilidade fiscal criativa – “não cabe remunerar regiamente empreendimentos de risco zero”. A nova modelagem promete “retornos realistas”, mais condizentes com critérios de mercado e “da aritmética”, como disse o secretário executivo do PPI, Wellington Moreira Franco.
Também cai a exigência prévia de modicidade tarifária, ou seja, a produção de insumos e serviços a tarifas mínimas ao consumidor. Esse critério foi o principal responsável pelo represamento posterior de preços e tarifas que, em seguida, exigiu correção abrupta dos preços administrados e produziu mais inflação, ou enorme expansão das despesas do Tesouro, portanto mais rombo fiscal. Preços e tarifas ficam agora mais realistas e mais sujeitos à concorrência.
Num ambiente em que o Tesouro está na lona e que os recursos internos são escassos, a nova proposta pretende realizar leilões com esquemas de financiamento (funding) previamente equacionados. Implicam captação de recursos no mercado interno e, além disso, participação de financiamentos externos.
Esse capítulo precisa de mais clareza. Embora os dirigentes estejam prometendo mais racionalidade, continua sem solução a falta de interesse do mercado interno para aplicações de longo prazo, na medida em que estas não proporcionam remuneração melhor do que as aplicações de curto prazo.
É verdade que o Brasil está oferecendo no mercado mundial um cestão invejável de empreendimentos, numa conjuntura em que os investidores vêm tendo poucas opções de aplicação dos seus vastos recursos. O problema imediato aí não é a escassez de capitais nem a disposição de investir, mas o ainda baixo nível de confiança inspirado pelo Brasil. Esse baixo nível de confiança não está dado apenas pelo mau desempenho da economia, pelo alastramento da corrupção e pelo caos político. Está dado também pelo alto custo Brasil e pelos sucessivos rebaixamentos da qualidade dos títulos da dívida pelas agências de risco.
A intenção é boa. Falta saber se o governo terá capacidade gerencial, o que mais faltou ao governo Dilma, para colocar em marcha o novo programa.
Confira:
Veja como evoluíram as vendas do mercado varejista.
À espera
Nenhuma surpresa relevante nas estatísticas de julho do mercado de vendas ao consumidor. No mês, houve recuo de 0,3% sobre o movimento de junho. No período de 12 meses terminado em julho, a retração foi de 6,8%. E, no acumulado do ano, recuo de 6,7%. São quedas recordes. É um setor fortemente atingido pela recessão e pelo desemprego. Por enquanto, só se pode esperar por uma certa estabilização. A melhora das vendas depende do aumento da renda.
O Estado de São Paulo
MARCELO DE PAIVA ABREU - ECONOMISTA
A tarefa do ministro das Relações Exteriores do governo Temer nunca pareceu fácil e até hoje há quem se surpreenda com a escolha de José Serra, mesmo que o ministério tenha sido modestamente turbinado a expensas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
No terreno político, a agenda era clara. Tratar de esclarecer à opinião pública mundial que o processo de impeachment de Dilma Rousseff estava pautado pela observância da legislação em vigor. Em particular, colocava-se a tarefa de reagir às intromissões bolivarianas e afins no processo. A mera escalação dos principais críticos do impeachment é elucidativa: Maduro, da Venezuela, Castro, de Cuba, Morales, da Bolívia, Correa, do Equador e Ortega, da Nicarágua. A nota dissonante foi o Uruguai, mas seu ministro das Relações Exteriores acabou sendo forçado a atenuar suas críticas ao “golpe” que teria ocorrido no Brasil. A postura contaminou a posição da Organização dos Estados Americanos, suscitando declarações intempestivas de seu secretário-geral, Luis Almagro, político uruguaio oriundo da Frente Ampla.
No plano econômico havia, e há, a expectativa de que o Brasil possa negociar acordos comerciais com econo- mias desenvolvidas que abram mercados para as exportações brasileiras. O que implicará, como contrapartida, a redução das barreiras que dificultam o acesso ao mercado brasileiro. Com o Brasil mergulhado em aguda crise não é surpreendente que o entusiasmo de possíveis parceiros, desde sempre bastante modesto, tenha declinado significativamente.
Neste quadro, foi surpreendente a declaração recente do ministro José Serra em entrevista em Hangzhou, na China, onde era realizada a reunião do G-20, de que o alegado protecionismo brasileiro seria mero “folclore”, pois as medidas usuais de proteção não levariam em conta, por exemplo, os níveis de subsídios agrícolas.
Constatar as altas barreiras às importações praticadas pelo Brasil não implica desconhecer que existem consideráveis barreiras que afetam especialmente as exportações agrícolas brasileiras e penalizam os produtos agrícolas processados via escalada tarifária. Os EUA e a União Europeia são os grandes vilões dessa história, mas o G-10, grupo de economias importadoras de produtos agrícolas, como Suíça e Noruega, ilustra quão arraigado é o protecionismo agrícola mesmo entre as economias desenvolvidas de fala mansa.
Mas o ministro erra redondamente ao falar em protecionismo folclórico. O Brasil é inegavelmente um dos países mais protegidos do planeta. A tarifa brasileira sobre produtos industriais consolidada na OMC, de 35%, é muito alta e, embora a tarifa média ronde os 10%, foram criados penduricalhos como o programa Inovar Auto, que aumentam a proteção para até 70%. É um programa parcialmente inspirado no regime automotivo de 1995/96, que teve como ativo defensor o então ministro do Planejamento, José Serra. Após fracassar a tentativa de imposição de cotas, julgada ilegal pela OMC, criou-se um cipoal de incentivos baseados em tratamento discriminatório dependente de conteúdo nacional. A política industrial do lulopetismo em relação a outros setores acabou contaminada por ideias rudimentares sobre a eficácia de tais exigências sobre produtividade.
Melhor teria feito o ministro das Relações Exteriores se, em vez de alusões a suposto folclore protecionista, tivesse impedido o presidente da República de visitar um shopping center na mesma Hangzhou e lá comprar um par de sapatos e um brinquedo. Qual teria sido a sinalização desejada? Que a concorrência, nem sempre leal, dos produtores de chineses é bem-vinda?
Um projeto sério de integração efetiva da economia brasileira às economias mais dinâmicas em escala global depende de negociações comerciais que implicam a disposição de desmantelar o protecionismo brasileiro. O resto é jogo de cena.
FOLHA DE SP - 14/09
As tempestades dos últimos dias na finança mundial são um lembrete dos riscos de desaquecimento global e de acidentes anticlimáticos. Nesta mesma terça de rolos nos mercados financeiros, o governo Temer divulgava seu plano de concessões, com as quais se espera que cresça um bocadinho o investimento em aeroportos, estradas, ferrovias, portos e petróleo.
O que uma coisa tem a ver com a outra?
Os riscos de acidentes financeiros internacionais ou de resfriado econômico podem acontecer a qualquer momento. A recuperação brasileira, por sua vez, deve ser lenta. Estamos sujeitos a esses riscos vestindo calças curtas e rotas.
Um impulso de melhoria no Brasil depende das obras de infraestrutura, que no entanto vão demorar demais, a julgar pelos planos divulgados ontem.
Pelo menos desta vez, o anúncio governamental não expôs ideias de jerico, tais quais as dos ministros da Saúde ou do Trabalho, para citar os casos mais estrambóticos, ainda que não se conheçam detalhes de financiamento das obras.
Conviria adiantar prazos. Os leilões de aeroportos, os mais próximos, ficaram para o primeiro trimestre de 2017. Os de portos, poucos, para o segundo trimestre.
Rodovias ficaram para o segundo semestre de 2017, assim como as ferrovias, essas sempre as mais suspeitas, pois têm encalhado ou se tornam jiboias gigantes brancas no meio do nada (uma versão do elefante branco). Leilões grandes de petróleo e de hidrelétricas também ficaram para a segunda metade de 2017.
No mais importante, a atividade econômica vai depender de uma baixa rápida de juros, que depende, bidu, do plano de contenção de gastos ("teto") e da reforma da Previdência, história que o Congresso pretende enrolar.
No mais, resta o imponderável de uma animação de empresários e consumidores que independa diretamente de sinais como juros e crédito, limitada, porém. Como se sabe, os salários ainda baixam rápido e há um colapso no crédito bancário.
Em suma, estamos com a resistência baixa demais para enfrentar uma gripe mundial.
Os preços dos ativos financeiros estão perto de níveis recordes pelo mundo rico, mesmo com crescimento econômico frustrante e rentabilidade baixa das empresas, graças às torrentes de dinheiro a custo zero, cortesia dos bancos centrais.
Essa alegria demasiada é visível até na Bolsa do Brasil, que de janeiro a julho se recuperou de um tombo feio e, desde então, vai subindo para alturas próximas do limite da responsabilidade.
Pequenas dúvidas a respeito da continuidade dessa farra de dinheiro barato balançam o castelo de cartas, para usar metáfora nada original mas precisa. Isto é, há medo de alta de juros nos EUA, de contenção do despejo de dinheiro europeu ou japonês, de sinais de desaquecimento econômico etc.
Mesmo que tais movimentos sejam limitados, os danos são incertos. A regulação da finança mudou e não foi testada em situação de tumulto novo. A finança é excessivamente imensa e jamais se sabe se há bombas escondidas por aí.
Já faz mais de três anos, há alguns sustos e tumultos contidos diante de sinais de virada nos juros. Pode continuar a ser alarme falso. Mas jamais convém apostar em calmaria contínua, menos ainda neste nosso estado deplorável.
FOLHA DE SP - 14/09
Há pouco mais de dois anos, tive a alegria de publicar um livro com Fabio Giambiagi. Para quem não o conhece, Fabio, além de economista de primeira, possui uma das maiores coleções de citações que conheço. Aliás, minto: entre conhecidos é, disparado, a maior.
Uma delas, devidamente reproduzida em nosso livro, traz a seguinte afirmação de conhecido jornalista, referindo-se ao gasto público: "Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, só fazemos cortar, cortar, cortar. Declaração curiosa, pois, apenas no caso do governo federal, a despesa (sem contar transferências a Estados e municípios) saltou de 11% do PIB em 1991 para quase 20% do PIB em 2015. De alguma forma, mesmo entre pessoas que deveriam ser bem informadas, o aumento do gasto continua a ser um ilustre desconhecido.
Se isso ocorre entre os supostos especialistas, o que esperar dos amadores nada bem-intencionados que pululam por aqui, como na coluna de Benjamin Steinbruch publicada no dia 6/9?
Juras de lealdade à "austeridade fiscal e contenção da dívida pública, mas (e o que importa é sempre o que vem depois do "mas") também o alerta sobre a necessidade de "virar o disco", fazendo "investimentos em infraestrutura (...) com recursos do próprio governo". E como financiar a mágica? Com mais mágica, pois "é possível reduzir gastos correntes e aumentar investimentos, o que trará novas receitas fiscais".
Este é um dos melhores exemplos da parapsicologia aplicada à economia: a ideia de uma elevação autofinanciável do gasto, segundo a qual o impulso à atividade econômica proveniente da despesa pública seria tão grande que levaria a aumento da arrecadação ainda maior que o gasto inicial.
Há, é bom que se diga, fortes razões teóricas para suspeitar que se trata de uma atrocidade inominável, mas não precisamos nos prender à teoria. Basta notar que, se isso fosse verdade, não haveria no mundo país em dificuldades financeiras. Bastaria gastar para que a arrecadação subisse ainda mais, reduzindo deficit e dívidas. E tudo isso satisfazendo todas as demandas da população e partidos políticos.
Um verdadeiro moto perpétuo, impedido apenas pelas ideias antiquadas de uns tantos economistas que insistem em rotular essa descoberta de bruxaria de péssima qualidade, sem intenção, é bom dizer, de ofender bruxas de qualquer procedência...
Não é necessário ir muito longe para entender os problemas associados à proposta. Apenas a perspectiva de ajuste fiscal (e não muito mais que a perspectiva, para ser sincero) foi suficiente para reduzir taxas reais de juros, em particular para os prazos mais longos, de 1,0 a 1,5% anual do começo do ano para cá.
Esse movimento não ocorreu por acaso, mas refletiu a redução da percepção de risco-país (pouco mais de dois pontos percentuais no período), em grande parte associada exatamente às expectativas de melhora do desempenho fiscal por parte do novo governo.
O abandono da promessa de ajuste provavelmente reverteria esses ganhos, reduzindo as chances de uma recuperação da atividade econômica. Nesse sentido, se há uma ideia especialmente cretina, trata-se da proposta de relaxar um programa de austeridade fiscal nem sequer iniciado.
Realmente, "são espantosas as coisas tolas em que se pode acreditar temporariamente quando se pensa sozinho durante muito tempo".
ESTADÃO - 14/09
Sobre-endividamento, palavra grande e feia, termo que significa dívida em excesso. A crise financeira de 2008 foi provocada pelo excesso de endividamento concentrado em alguns setores de vários países desenvolvidos. Foi em razão desse sobre-endividamento e do risco de que a insolvência generalizada gerasse uma depressão descomunal que diversos bancos centrais adotaram posturas ditas “não convencionais” para as políticas monetárias. Taxas de juros nulas, compras de títulos do governo de prazo longo feitas em grande volume pelos bancos centrais, experimentos com taxas de juros negativas – a inversão da lógica convencional, fazendo com que o credor tenha de pagar pelo privilégio de conceder crédito – todas foram maneiras de enfrentar problemas sem precedentes. Funcionaram?
Há muitos que insistem em dizer que não, continuando a crer na neutralidade da moeda – a incapacidade da política monetária de não apenas sustentar a atividade econômica, como também de empurrá-la um pouco quando o excesso das dívidas exerce força contrária. Contudo, a evidência empírica sobre a política monetária não convencional revela a falácia da neutralidade monetária. Quando as dívidas são excessivas, a política monetária adquire papel fundamental. O recém-publicado Relatório de Genebra intitulado O que mais os Bancos Centrais podem fazer?, co-autorado por alguns de meus colegas no Peterson Institute for International Economics mostra que há pouco de neutro nos efeitos da política monetária. Há, inclusive, espaço para que alguns bancos centrais façam mais do que têm feito.
A maior parte das políticas não convencionais implantadas desde 2008, isto é, a compra de títulos do governo e de outros ativos pelos bancos centrais globais, teve como objetivo reduzir as taxas de juros de médio e longo prazo para prover alívio aos setores mais endividados. A redução do custo do serviço da dívida permitiu que o processo de desalavancagem – a redução dos passivos das famílias, do governo, das instituições financeiras – prosseguisse de forma mais rápida do que teria sido se os governos não tivessem lançado mão dessas políticas.
Ao contrário dos países desenvolvidos em 2008, o Brasil não passou por uma crise financeira avassaladora. Entretanto, é inegável o estado lastimável das contas públicas brasileiras, o sobre-endividamento do governo federal, das unidades federativas, e de diversos municípios que resultou de anos de equívocos na condução da política econômica do País. É igualmente inegável a situação precária dos balanços das famílias e das empresas decorrente da brutal recessão que assola o Brasil há dois anos. No caso das empresas brasileiras, são especialmente preocupantes os resultados de uma análise recente do Cemec / Ibmec.
De acordo com o estudo, entre 2010 e 2016, diversas empresas de capital aberto e fechado observaram forte aumento do endividamento, com expressiva redução na capacidade de cobrir o serviço dessa dívida com o fluxo de caixa gerado de seus negócios. Em 2015, com a desvalorização do câmbio, cerca de metade das empresas analisadas teve geração de caixa inferior às despesas financeiras. Ainda mais preocupante é que ao longo do primeiro trimestre de 2016 não houve sinais de melhora: a relação entre geração de caixa e despesas financeiras continuou a cair para muitas empresas de capital aberto. A análise exclui a Petrobrás.
Diante dessas dificuldades, não é difícil imaginar que parte relevante da queda da arrecadação observada em 2015 e 2016 provenha da preferência por priorizar o pagamento de dívidas em detrimento do pagamento de impostos. Dito de outra forma, já que as empresas estão estranguladas, nada ocorre – nem investimento, nem pagamento de impostos em alguns casos. Nesse contexto, semelhante ao que se viu em 2008, parece fazer muito sentido a redução rápida dos juros, que já deveria ter começado. Juros menores dariam alívio às empresas, acelerariam a desalavancagem da economia, e, ao fazê-lo, poderiam até criar espaço para que a arrecadação se recuperasse, melhorando as perspectivas fiscais de curto prazo. Não custa lembrar: inflação não sobe com sobre-endividamento.
Navegar é preciso, reduzir juros não é preciso, ainda que seja urgente.
O Globo - 14/09
O novo programa de privatização tem méritos. O crescimento se faz em parceria com o setor privado e não com planos estatizantes, como os da era militar e da era PT. O subsídio tem que ser explícito e não escondido. Licença prévia, como o nome diz, vem antes. O investimento tem que dar retorno ao investidor. Apesar dos avanços, o programa será feito, como os outros, em grande parte com dinheiro público.
Os grandes financiadores do investimento no Brasil são os bancos públicos, isso já se sabe. Mas a forte parcela do setor financeiro estatal na sustentação do investimento faz o programa do governo Temer se parecer com outros que o antecederam. Há avanços, como o grau diferenciado de empréstimo subsidiado. Ele será maior no saneamento, porque é fundamental para a saúde pública, é a área em que o Brasil tem atrasos chocantes e é um investimento de retorno mais difícil. Será menor em setores onde a perspectiva de retorno é mais imediata.
O FGTS de novo será usado para subsidiar empresários, e pelo mesmo mecanismo inventado pelo governo anterior, o FI-FGTS, que beneficiou as empresas amigas na era PT. Em alguns casos, houve fraudes, que estão sob investigação. Houve pontos do anúncio de ontem em que se tinha impressão de que o governo não havia mudado, apenas a marca do programa, que em vez de ser PAC passava a ser Crescer. Uma troca de rótulo.
Em alguns pontos houve mudanças, e elas serão mais relevantes se forem evitados novos erros. Tabelar taxas de retorno, como fez o governo passado, não faz sentido, mas deixar o empresário na confortável situação de ter uma margem gorda na qual caibam todos os riscos é o erro oposto. Querer uma resposta mais ágil dos órgãos ambientais é bom, desde que eles possam dizer não para projetos inexequíveis. O governo Dilma arrancou do Ibama as licenças de Belo Monte, apesar de todo o mal que o projeto fez ao meio ambiente e aos direitos dos indígenas do Xingu. Há atrasos no licenciamento que são derivados de burocracias que podem ser simplificadas, mas há projetos que são muito perigosos do ponto de vista ambiental. E aí? O governo aceitará “não” como resposta?
Uma ideia saudável é o de ter apenas subsídios explícitos. Subsídio é gasto, é renúncia fiscal, é custo para o contribuinte, por isso a sociedade precisa saber a quem é dado e em que condições. Quando ele é embutido e pouco transparente para esconder o preço de uma medida demagógica, provoca muita distorção, como aconteceu recentemente. O governo Dilma exigia uma tarifa baixa e em seguida subsidiava de forma indireta o empresário. Passava a ser um investimento, na prática, estatizado. A baixa tarifa da energia elétrica acabou virando o maior tarifaço do setor. A economia não acomoda indefinidamente uma distorção, por isso o efeito rebote de uma medida artificial pode ser caro demais.
É preciso manter a determinação de transparência e prestação de contas. Passar antes por órgãos de controle como o TCU é bom, mas não é suficiente para evitar os erros e desvios. A prestação de contas tem que ser uma prática adotada durante todo o processo. Fortalecer os órgãos reguladores significa não apenas autonomia de gestão, mas renunciar definitivamente ao que era rotina no governo passado: a nomeação de indicados políticos para as agências.
O programa de concessões terá efeitos no médio e longo prazos, em alguns casos para depois de 2018. Isso talvez incomode o mercado, que tem sempre uma visão imediatista. O governo ainda terá que concluir os estudos técnicos e de viabilidade financeira, conversar com o setor privado e explicar o novo modelo para que eles possam fazer seus cálculos de retorno e atratividade dos investimentos. Depois disso, haverá um prazo mínimo de 100 dias, entre a divulgação de editais e os leilões. Só então os projetos poderão começar a sair do papel e virar investimento, contratação de obras e criação de empregos.
O efeito mais imediato que o governo busca é a elevação da confiança. Mas o clima econômico continua difícil. Ontem, a bolsa brasileira caiu 3%, e a Petrobras despencou 7%. O caminho da recuperação será longo.
ESTADÃO - 14/09
O caro leitor e a prezada leitora podem reparar: Eduardo Cunha e os petistas de modo geral usam a mesma linguagem. Adotam métodos semelhantes e argumentos muito parecidos para justificar as respectivas descidas ao inferno depois de experimentarem as delícias do paraíso. A começar pela adoção do ataque como defesa, estratégia que, no caso deles, nem sempre se mostrou a melhor prática.
Aqui desmentem o velho lema, mas, no conjunto das desastrosas obras, confirmam o ensinamento do dito segundo o qual quem almeja em excesso acaba perdendo tudo. Sendo o pecado original e deflagrador da derrocada, a perda de noção da realidade, atributo dos insensatos.
Começam satisfeitos com a conquista do poder, logo se deixam embriagar por ele, em seguida se convencem da condição de onipotentes e em pouco tempo transformam-se em napoleões de hospício, dizendo qualquer coisa que lhes venha às cabeças, crentes de que são invencíveis a despeito das circunstâncias adversas criadas por eles em sua incapacidade de reconhecer o equívoco – quando lhes bate à porta ou quando já materializado na forma de péssimas consequências.
A culpa é sempre dos outros. Dos primeiros aos últimos escândalos de corrupção nos quase quatro governos do PT, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff nunca sabiam de nada daquilo que o País via exposto em denúncias, investigações, processos e condenações. A responsabilidade no início era de grupos isolados ou de “traidores” da confiança alheia.
À medida que foi ficando impossível sustentar a alegação que colocava ambos na condição de presidentes néscios, a culpa passou a ser da perseguição dos adversários, da elite insatisfeita com a alegria dos pobres, da ingratidão dos agraciados. Da arbitrariedade da Suprema Corte de Justiça, dos excessos da Polícia Federal, da leviandade do Ministério Público, da maldade de Joaquim Barbosa, da pérfida vaidade do juiz Sérgio Moro, dos golpistas conspiradores, dos vingativos congressistas, do traiçoeiro vice-presidente Temer, de Cunha o anjo mau maior.
Nada, nada mesmo a ver com a irresponsável e populista gastança, com a abertura dos cofres públicos e do aparelho de Estado à sanha de ladrões, com o menosprezo pelo contraditório, com a soberba petista no trato dos aliados como subordinados. Com a arrogância de Dilma na imposição de suas convicções erráticas, com a suposição de que popularidade e votos sirvam de salvo-conduto ao vale tudo. Com a cínica negativa de evidências, impertinência autodefinidos como heróis da resistência, com a compra de brigas erradas, as alianças espúrias e a recusa em ouvir os que aconselhavam na direção do acerto e eram mandados à companhia do agourento Velho do Restelo sem escusas pelo desrespeito a Camões.
Eduardo Cunha também quis cair atirando sem dispor de munição essencial: credibilidade. Anunciou a publicação de um livro “contando” tudo. José Dirceu fizera o mesmo e desistiu da empreitada. Antes da carreira de escritor, Cunha tem outras preocupações mais atinentes à residência onde Dirceu vive restrição de liberdade.
Tido e havido como poderoso incondicional e visto em sua imaginação como presidente da República, terminou na noite de segunda-feira dono de escassos 10 votos. Frutos de seus tropeços. Da mentira, do uso da Casa (por extensão dos colegas) como instrumento de seu desejo, da crença no lema “comigo ninguém pode”. Nem o Ministério Público a quem desafiou na pessoa de Rodrigo Janot nem a sociedade a quem pretendeu convencer da posição de perseguido político, herói do impeachment, vítima de um golpe. Tudo culpa do PT, da covardia eleitoral dos colegas, de uma urdidura do governo.
Há mais um traço de união entre Cunha e o PT, expresso em antigo dístico: são anjos de candura amarrados pela cintura.
FOLHA DE SP - 14/09
BRASÍLIA - Sentindo-se abandonado pelo grupo que ajudou a alçar ao poder, Eduardo Cunha caiu atirando. Na primeira entrevista após a cassação, ele ameaçou abrir fogo contra o governo de Michel Temer e atacou o deputado Rodrigo Maia, que o substituiu no comando da Câmara.
O correntista suíço começou a dar recados na madrugada desta terça (13), antes mesmo de deixar o Congresso. Assim que saiu do plenário, ele reuniu jornalistas e avisou que pretende lançar um livro com revelações sobre a engenharia da derrubada do governo Dilma Rousseff.
"Vou contar tudo o que aconteceu no impeachment, com todos os personagens que participaram de diálogos comigo. Esses serão tornados públicos em toda a sua integralidade. Todos, todos, todos. Todo mundo que conversou comigo", prometeu o agora ex-deputado. Questionado se havia gravado as conversas, ele respondeu com um sorriso irônico: "Tenho boa memória".
Magoado, o peemedebista culpou o Planalto por sua desgraça. Seu primeiro alvo foi o ex-ministro Moreira Franco, a quem batizou de "eminência parda" por trás de Temer.
Poucas horas depois, ele voltou a mira contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. "Espero que os ventos que nele chegam através de mais de uma dezena de delatores e inquéritos no STF, incluindo [o delator] Sérgio Machado, não se transformem em tempestade", provocou.
As ameaças do ex-presidente da Câmara viraram o principal assunto em Brasília depois da sua cassação. Ninguém sabe ao certo o que ele está disposto a contar e, principalmente, se o governo Temer seria capaz de resistir a uma possível delação.
Desde os tempos da Telerj, no governo Collor, Cunha cultiva a reputação de fabricar dossiês contra adversários. A diferença é que ele não pode mais usá-los para acumular poder ou ampliar os negócios. Agora as informações do subterrâneo da política se tornaram a sua última arma para tentar escapar da cadeia.
O Globo - 14/09
O mar revolto em que os políticos navegam não está para peixe. Mares revoltos e cidadãos revoltados, como lembrou a ministra Cármen Lúcia ao tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal.
Depois da cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e pela avalanche de votos contrários que o deixaram com o apoio, envergonhado ou acintoso, de pouco mais de 10% do plenário que já comandou com mão de ferro, uma guerra de metáforas travou-se entre ele e o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Parece que aprenderam a falar por códigos depois que conversas gravadas encrencaram políticos e empresários. Perguntado sobre o episódio que marcou gravemente cada um dos deputados federais, que em número recorde se sentiram pressionados pela opinião pública a cassar seu antigo protetor, Renan Calheiros saiu-se com esta: “(...) O que vimos ontem é aquilo: quem planta vento colhe tempestade. Essa é uma lei da natureza”.
Depois da cassação, Cunha deu uma entrevista alegando, entre outras coisas, que os processos contra ele no STF correram mais rápido do que os de Renan, que tem nada menos que oito processos, alguns já há tanto tempo que podem prescrever.
Ao ser perguntado sobre essas críticas de Cunha, Renan retrucou: “Afasta esse cálice de mim”. O conjunto da obra fez Cunha retribuir com a mesma moeda, sem trocadilhos. O deputado cassado desejou que “os ventos que nele chegam através de mais de uma dezena de delatores e inquéritos, inclusive do Sérgio Machado, não se transformem em tempestade”.
Cunha se referia, com especial maledicência, ao ex-senador Sérgio Machado, indicado por Renan Calheiros para presidir a Transpetro, uma subsidiária da Petrobras onde atuou por cerca de dez anos. Apanhado em uma série de falcatruas, fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público que pode render dores de cabeça a Renan.
Esta é apenas uma amostragem do que ocorre nos bastidores políticos, depois que a cassação cortou pela raiz a carreira política de um dos mais poderosos líderes da Câmara, apanhado em pleno voo quando imaginava que tinha pela frente um céu de brigadeiro.
Já Renan adotou tática diferente da de Cunha, que enfrentou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o próprio STF na busca de se impor como intocável da República. Renan, ao contrário, recolheuse, fez acordos com o Judiciário, o último deles organizando ação favorável ao aumento dos ministros do STF, que teve, em contrapartida, o escandaloso fatiamento da Constituição para garantir que a presidente cassada Dilma Rousseff não perdesse seus direitos políticos.
Ao mesmo tempo, fez um aceno ao STF e ao PT, na tentativa de criar um ambiente favorável a si quando necessitar. Entregou só metade do que prometeu, pois tudo indica que a nova presidente do STF não vai assumir compromissos para aprovar o aumento dos ministros.
Pelo tom dos discursos da posse na segunda-feira, não há ambiente para essas jogadas de bastidores, e o plenário da Câmara captou bem a mensagem, entregando a cabeça de Eduardo Cunha em grande estilo. As eleições municipais provavelmente reforçarão essa mensagem de repúdio à corrupção e à politicagem que a sociedade emite há muito tempo, e então, a partir do fim deste ano, talvez tenhamos condições de avançar nas pautas indispensáveis à retomada do desenvolvimento do país.
Mais do que nunca, porém, esses movimentos dependerão dos humores que vierem de Curitiba e dos fantasmas que sairão das delações premiadas.
Coisa feia
O comentário do diretor do filme “Aquarius” sobre a escolha do representante brasileiro ao Oscar foi uma das coisas mais patéticas já registradas nas disputas de egos da cultura nacional. Já que seu filme não foi o escolhido, a decisão só pode ter sido tomada por razões políticas, pois ele e o elenco protestaram em Cannes contra o governo Temer. O mesmo raciocínio de Dilma: o golpe parlamentar se caracterizaria se o resultado do julgamento do Senado fosse sua cassação. Se lhe fosse favorável, todo o processo estaria legitimado.
ESTADÃO 14/09
Uma característica que chama a atenção no estilo da nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, fartamente revelado ao longo dos mais de 10 anos em que ela integra aquela Corte, é a capacidade de tratar os temas mais ásperos e controvertidos em tom sempre muito firme, mas ameno, pontuado por frequentes citações literárias que predispõem a reflexões serenas sobre questões essenciais da vida nacional. Foi exatamente o que fez, em seu discurso de posse, a segunda mulher a assumir a presidência do STF, ao destacar a responsabilidade de sua nova investidura – a de “guardar e fazer garantir a satisfação do sentimento de Justiça de cada um e de todos os brasileiros”, uma vez que “há de se reconhecer que o cidadão não há de estar satisfeito, hoje, com o Poder Judiciário”.
De fato, em tempos em que são cassados os mandatos de uma presidente da República e de um presidente da Câmara dos Deputados, contra o pano de fundo de uma devassa sem precedentes nas entranhas de um sistema político-partidário e de gestão da coisa pública que elevou a corrupção à condição de método, não se pode imaginar que o brasileiro esteja minimamente satisfeito com a realidade que o cerca. E o Poder Judiciário não pode se isentar de responsabilidade nessa crise, como admitiu em sua fala e ministra Cármen Lucia: “Homens e mulheres estão nas praças pelos seus direitos e pelos seus interesses. Quer-se um Brasil mais justo e é imprescindível que o construamos”.
A corrupção institucionalizada que mais de uma década de lulopetismo deixa de herança não é o único, mas talvez seja o principal fator do impasse político, do desastre econômico, da angústia e do sofrimento da população e, sobretudo, da dificuldade que o cidadão brasileiro tem hoje para compreender e se posicionar sobre valores que dão lastro a uma sociedade livre, próspera e justa.
Nesse contexto, tem importância preponderante o Poder Judiciário. Ao dar consequência, ao longo dos últimos dois anos e meio, à ação da Lava Jato e operações congêneres, colocando atrás das grades articuladores, operadores e empresários, a Justiça responde ao anseio nacional pelo combate à corrupção. Mas não escapa a uma observação mais atenta o fato de que, salvo as exceções que confirmam a regra, um amplo contingente de gordas raposas da política brasileira sob investigação – senadores, deputados, ex-presidentes e ministros de Estado – consegue permanecer distante das barras dos tribunais.
De acordo com levantamento feito pela revistaCongresso em Foco, em meados de 2013 havia 542 inquéritos e ações contra 224 parlamentares parados no STF. Essa pesquisa carece de atualização, mas nada leva a crer que três anos depois esses números sejam muito diferentes. Provavelmente, aumentaram, já que a Lava Jato começou a operar nos primeiros meses de 2014.
O STF tem tomado algumas decisões importantes e até ousadas no combate à corrupção, como foi o caso da decisão unânime que afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do mandato de deputado porque estava atrapalhando as investigações de que era alvo. E os próprios policiais, procuradores e magistrados de primeira instância explicam que as investigações que envolvem pessoas que dispõem de foro privilegiado são naturalmente mais demoradas, porque exigem um conjunto probatório mais complexo. Pode ser. Mas a investigação e o julgamento de figurões da política, pela gravidade da ofensa que cometem contra a sociedade que deveriam representar, precisam ter um caráter de exemplaridade do qual a urgência possível faz parte. Não podem ser relegados à vala comum dos processos acumulados.
Esse exemplo o aparelho judiciário brasileiro, infelizmente, não tem dado. Não é uma deficiência que possa ser debitada ao quadro geral da morosidade da Justiça no País. Casos como esses, pela sua condição simbólica, devem ser objeto de absoluta prioridade, como sugeriu o decano Celso de Mello, no veemente discurso contra a corrupção feito ao apresentar a presidente Cármen Lúcia: é preciso combater a “delinquência governamental”. E, no Estado de Direito, só o Supremo pode fazê-lo.
FOLHA DE SP - 14/09
O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI),divulgado nesta terça-feira (13) pelo governo de Michel Temer (PMDB), constitui mais uma tentativa de destravar a sempre prometida e nunca realizada agenda da infraestrutura.
Num momento em que o país debate medidas amargas de ajuste nas contas públicas, o programa também representa uma oportunidade de melhorar as expectativas na geração de emprego.
A iniciativa foi anunciada como um rompimento em relação às práticas fracassadas da administração de Dilma Rousseff (PT).
Em vez do intervencionismo e da imposição de tarifas artificialmente baixas em tese para benefício do consumidor, o que na prática inviabilizava projetos ou exigia subsídios oficiais, passa-se a priorizar regras estáveis e maior atratividade para investidores privados.
O PPI engloba na primeira fase 25 projetos de concessão e privatização. Centrados em transportes e energia, os planos incluem rodovias, aeroportos, terminais portuários e trechos ferroviários. Também serão licitados campos de petróleo e distribuidoras de energia.
O foco do governo é reduzir riscos. Prometem-se, por exemplo, projetos executivos de alta qualidade (o que deveria ser uma questão óbvia) e editais lançados apenas após licença ambiental prévia.
Desde que os critérios para as licenças não sejam afrouxados, tais procedimentos ajudam a evitar estouros de custos e justificados questionamentos dos órgãos de controle, fatores que paralisaram programas anteriores.
Bons projetos reduzem incertezas e necessidades de garantias, facilitando o financiamento. Quanto a isso, ensaia-se nova orientação dos bancos oficiais, com vistas a atrair maior participação privada.
Em entrevista a esta Folha, a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, afirmou que o dinheiro da instituição não será utilizado para compensar o alto risco regulatório. Em tese, subsídios serão concedidos a partir de critérios mais rigorosos, que levem em conta de forma transparente e mensurável os retornos sociais.
Não se sabe, porém, qual o volume de recursos que de fato virá do mercado de capitais. O governo disponibilizará R$ 30 bilhões do FI-FGTS e do BNDES para investir em parceria com o setor privado. A hipótese de haver dinheiro público em demasia não está descartada.
Levará tempo, ademais, para corrigir erros anteriores, acertar os ponteiros e convencer interessados de que existe ambiente favorável ao investimento no Brasil. Do sucesso desse esforço depende o necessário avanço da infraestrutura no país —e, em dose menor, a sorte do governo Michel Temer.
FATIAMENTO: STF NÃO DESAUTORIZARÁ LEWANDOWSKI
O Supremo Tribunal Federal não vai alterar o julgamento de Dilma no Senado para não desautorizar ex-presidente, Ricardo Lewandowski, e porque “não é órgão consultivo e sim julgador”, afirma um dos ministros ouvidos pela coluna. Ações contra ou pró-“fatiamento” serão negadas. A destituição de Dilma é mesmo definitiva, e os ministros dizem que à Justiça de 1º grau caberá decidir sobre os direitos políticos de Dilma.
POSIÇÃO CONSENSUAL
Até ministros que criticaram o “fatiamento” publicamente, como Celso de Mello e Gilmar Mendes, tendem a não desautorizar Lewandowski.
NÃO É COISA DO STF
Ministros do STF discordam da decisão de livrar Dilma da perda dos direitos políticos, mas acham que esse assunto não é do STF.
NÃO CABE RECURSO
O STF não se mete no resultado do julgamento de Dilma porque o impeachment é prerrogativa constitucional do Poder Legislativo.
INTERFERÊNCIA SÓ NO INÍCIO
O STF se limitou a definir o rito, inclusive acrescentando dificuldades em relação ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
METADE DOS BRASILEIROS ADORA UM CONTRABANDO
Quando se exige ética dos políticos, uma pesquisa revela que metade da população que os elege admite a compra regular de produtos ilegais ou pirateados. Os dados são de pesquisa Datafolha encomendada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), que sai do forno nesta quarta, 14. O Centro-Oeste é a região onde há mais adoradores de produtos contrabandeados. No Norte estão os que menos os apreciam.
MAIS VIOLÊNCIA
Na pesquisa do Etco, os entrevistados reconhecem que o contrabando favorece o crescimento da violência e do tráfico de drogas.
ALTA CARGA TRIBUTÁRIA
O contrabando também impacta nas altas taxas tributárias que incidem sobre produtos nacionais.
EM TODO O BRASIL
A pesquisa foi realizada entre os dias 23 e 27 de agosto e entrevistou 2.081 pessoas maiores de 16 anos em todo o País.
EM NOME DE DILMA
Ao revelar encontro nas eleições de 2014 em que o ministro Ricardo Berzoini pediu “ajuda” para que a Lava Jato não chegasse ao governo, Leo Pinheiro confirmou velha suspeita: Dilma sabia das maracutaias.
EM NOME PRÓPRIO
Leo Pinheiro contou a Sérgio Moro que se reuniu com Berzoini e o ex-senador Gim Argello, quando o ministro de Dilma tentou garantir que o governo não se “sujasse” com a CPI da Petrobras, onde Gim mandava.
ALVO FINAL
O aparente desinteresse de Eduardo Cunha em negociar acordo de delação premiada é correspondido pela força-tarefa da Lava Jato. A força-tarefa avalia que o ex-deputado não é fonte, é alvo final.
ARTILHARIA PESADA
Vice-presidente da CPI da Lei Rouanet, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) promete “artilharia pesada para o PT”. O primeiro requerimento pede a convocação do ator petista José de Abreu.
PROFUNDO, CRIATIVO
Após refletir sobre a cassação do ex-deputado Eduardo Cunha, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sacou uma jamais pronunciada antes: “Quem colhe vento semeia tempestade”.
VIDA DURA
Ex-PT, o senador Walter Pinheiro (BA) virou secretário de Educação da Bahia, Estado que o ex-governador Jaques Wagner deixou com 90 mil analfabetos – alguns deles no governo, segundo piadinha da oposição.
PRESENÇAS ILUSTRES
Os ministros Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e Dias Toffoli, vice-presidente do Supremo, participam nesta quarta do 20º Congresso Internacional de Direito Tributário, em Belo Horizonte.
CONTRA AS CASSAÇÕES
O deputado Wellington Roberto (PR-PB) foi escolhido relator do projeto do reajuste salarial da Receita Federal. Ele votou contra a cassação de Eduardo Cunha e contra o impeachment de Dilma Rousseff.
PENSANDO BEM...
...como Eduardo Cunha prometeu contar tudo em livro, a onda “fora, Cunha” deveria dar lugar agora à campanha “fala, Cunha”.
PODER SEM PUDOR
POLÍTICO PIPOQUEIRO
Avesso a aparições e declarações públicas, o ex-governador mineiro Hélio Garcia acabava de votar, nas eleições municipais de 1996, quando foi cercado por jornalistas. Parou junto a um pipoqueiro e manteve a boca ocupada para não ter que responder a perguntas. Mas perdeu a paciência com uma repórter de rádio: em vez de engolir pipocas, neutralizou a jornalista insistente colocando "gentilmente" as pipocas na boca dela.