O GLOBO - 29/03
Será longo o inverno. Nós o atravessaremos com nossa alma tropical duvidando do sol. Mas ele voltará. Durante a travessia, vamos conviver com inflação alta, notícia de desemprego, recessão e todos os efeitos em cadeia da maior operação de combate à corrupção já vista no Brasil. O governo se desfaz rápido demais para início de mandato, e sua base política foge da fraqueza exposta.
Na economia, o inverno será o segundo ano de estagnação, no qual a atividade descerá um degrau a mais. O crescimento zero este ano seria o melhor cenário, mas nem o Banco Central acredita mais nele. O magro 0,1% de 2014 não configura crescimento, mas livrou o governo da feia palavra recessão estampada nos jornais. Dela, entretanto, não escapará de novo. O país tolera não crescer, mas detesta inflação alta. Quando os dois incômodos aparecem juntos, o desconforto econômico cresce. Ninguém gosta. A certa altura, procurarão um culpado, e o remédio será acusado de provocar a doença. Será um erro de análise, mas ele já está sendo incentivado pelo partido do governo, onde o conhecimento de teoria econômica é, em geral, raso. Os dedos apontarão cada vez mais para a equipe econômica, como sendo ela a causadora dos males que foram contratados no mandato passado.
Ainda estamos no outono, mas não parece. As empresas já começaram a fechar algumas janelas. Investimentos são suspensos, cancelados, empréstimos não são concedidos, as taxas cobradas pelos credores sobem, empresas preferem não correr riscos. Um ambiente assim é quase glacial. Exceto pela temperatura literal que permanece lembrando, em certos momentos do dia, o verão escaldante e seco que tivemos no Sudeste e Nordeste.
Mesmo em momentos invernais, é preciso pensar na volta do sol, porque quem corta demais não se prepara para aproveitar as oportunidades quando elas aparecem. Mas este é o tempo mais difícil de tomar decisões. Cortar parece sensato. A partir de um determinado ponto, no entanto, é contrassenso.
Na política, o ambiente é de fuga em massa, como se o centro do poder fosse não o que é, mas um meteorito que caiu ameaçando arrastar quem se aproxima dele. Isso sempre acontece nas crises. O poder atrai; a perda do poder afugenta. O inesperado é a fraqueza visitar o governo em início de mandato. A situação pode ser superada, mas é preciso que a crise diminua ao entrar no palácio. Não tem ocorrido isso. Hoje, quando a crise entra no centro do governo, ela encontra um vazio de pessoas e ideias e sai de lá ainda mais forte.
Nesse clima, não se pode escalar o técnico da economia para enfrentar os desencontros do campo político. Esse corpo a corpo tem que ser entregue aos articuladores políticos. Eles desapareceram. Foram incompetentes, erraram muito ou foram neutralizados pela briga intestina no núcleo do poder sobre quem é o melhor para o papel. O poder emagreceu a olhos vistos.
Os tremores do combate à corrupção continuarão atraindo todos os olhos. Eles provocarão um efeito dominó na economia. A Petrobras permanece perdida em seu labirinto contábil. Com medo de errar, suspende contratos, que atinge empresas, que não recebem empréstimos, os bancos têm que fazer provisão e vão reclamar seu quinhão às seguradoras. Algumas empresas aproveitarão para se dizer vítimas do tratamento contra a doença da corrupção, quando na verdade elas eram insustentáveis sem os vícios que dominaram a economia. Qualquer generalização é perigosa. Há empresas saudáveis e outras dependentes crônicas das formas escusas de se fazer negócios que se propagou pelo país. Talvez o ano separe os grupos. Mas todos sofrerão com os tremores. O importante para se guiar no meio da confusão é não perder o norte: o combate à corrupção é o tratamento indispensável para haver uma economia mais forte no futuro.
Os ventos frios virão dos quatro cantos. A inflação reduzirá renda, as crises nas empresas aumentarão o desemprego, a correção dos erros passados reduzirá o gasto público, a fragmentação da base de sustentação do governo alimentará a incerteza em todos os cantos. Por isso tudo comecei dizendo aqui que será longo o inverno. Mas nossa alma tropical precisa ser informada de que o sol voltará.
domingo, março 29, 2015
A arte de furtar o povo - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 29/03
Desde os romanos pão e circo têm sido a fórmula para angariar o apoio da plebe. Os maquiavéis da esquerda latino-americana, conforme o livro de Vargas Llossa sobre o perfil do perfeito idiota sul-americano, usam a mesma estratégia: acusam os ricos pela situação dos pobres. Passam a lhes dar migalhas para incluí-los numa suposta sociedade solidária. Com a ajuda de parte dos ricos, moralmente desfibrados e corruptos, aparelham o Estado para eternizarem-se no poder. O caso da Petrobras é emblemático. Somos, majoritariamente, um povo humilde, crédulo e desinformado, governado por incompetentes.
A Petrobras, em 12/12/2014, valia R$ 127 bilhões. Hoje, menos até do que o valor de quando Lula chegou ao poder. Entram em cena a má gestão e as opções de modelos de exploração inexequíveis, feitos mais pela ganância estatizante do que pela reflexão criativa. Vários são os motivos, todos por culpa dos governos Lula e Dilma, que abateram a maior empresa de petróleo e gás da América Latina.
Primeiro - Desde a posse de Dilma, no primeiro mandato, com a tese de nova matriz econômica, os preços administrados (tarifas de energia, telefonia, transportes, petróleo, gás e combustíveis) foram comprimidos para não aumentar a inflação causada pelo aumento dos salários acima da produtividade da mão de obra, pela inundação de crédito a juros baixos e pelos gastos imoderados do governo. A Petrobras perdeu R$ 68 bilhões (quebra de caixa) comprando no exterior mais caro e vendendo no país mais barato.
Segundo - Fez investimentos desastrosos em lugares não recomendados, mormente em refinarias, com sobrepreços de R$ 62 bilhões (Pasadena, Rio, Recife).
Terceiro - Com o argumento de incentivar a indústria brasileira, comprou equipamentos e serviços nacionais 30% a 40% mais caros, menos eficientes e entregues em prazo maior do que os de fornecedores no exterior. Cálculos de empresas especializadas indicam atraso na exploração do pré-sal, numa época em que o petróleo estava acima de U$ 120 (hoje está em R$ 50 o barril, a inviabilizar o custo do pré-sal).
Quarto - O modelo de exploração (partilha, com recebimento em óleo e participação obrigatória da Petrobras em 30% em todos os poços) elevou o endividamento da empresa. Com a subida da moeda norte-americana, a Petrobras viu a dívida subir R$ 48 bilhões nos últimos três meses.
Quinto - Durante os últimos cinco anos, foram pouquíssimas as áreas licitadas, impedindo que parceiros nacionais e internacionais se apresentassem nos leilões, perfurassem o fundo do oceano e retirassem mais petróleo e gás, justamente numa época em que o petróleo estava caro e o risco do pré-sal era considerado baixo (as reservas existem). Esses parceiros não se interessam mais em atuar no Brasil. De nada vale ter reservas se não temos dinheiro para investir, nem parceiros, nem preço que compense. O modelo deve mudar ou a Petrobras afunda de vez, a menos que o governo aporte socorro superior a R$ 100 bilhões para saldar dívidas e fazer investimento. Mas, nesse caso, a dívida pública subirá para 70% do PIB e o Brasil perderá o grau de investimento.
Sexto - Falta de gestão e corrupção, dois lados de uma só moeda. Da graça para a desgraça bastaram 12 anos de PT. O custo, ninguém sabe ao certo. Todavia, a dívida da empresa supera R$ 261,45 bilhões, a maior do mundo no setor.
O saudoso Tancredo Neves tinha razão: "Toda vez que o PT teve que escolher entre seus interesses e os do Brasil, escolheu a si próprio". O impedimento da presidente inepta, a ponto de ser tutelada por um Ministro (e que lhe fazia oposição), está na ordem do dia.
O afundamento da Petrobras vem do somatório dos erros políticos, gerenciais e estratégicos dos governos do PT. De um lado distribuem dinheiro a mancheia (Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida), de outro sugam o dinheiro da sociedade. Chamam a isso de corrupção endêmica e institucional. Só para remarcar, a Petrobras nunca foi do povo. Pertence aos acionistas. Quem não tem ação não é proprietário. O seu mal é ser do governo que lhe retira dinheiro em vez de petróleo.
A má gestão da Petrobras piorou depois da Lava-Jato. A corrupção, a que foi para o bolso de terceiros, é uma ninharia. Os contratos revistos é praxe de mercado. A estatal valeu-se do escândalo para não pagar a ninguém. A cadeia econômica do petróleo e gás, sem receber, está sendo destruída (10% do PIB), gerando desemprego e erosão de mais de 230 empresas antes saudáveis.
Enquanto não for privatizada, o país continuará a sofrer. Que se faça como na Noruega, ao menos isso. Cada norueguês é acionista, junto com o governo que administra um fundo soberano. A empresa de exploração de petróleo é administrada por um conselho de experts do setor privado. Se não der lucro, o governo substitui a governança.
Desde os romanos pão e circo têm sido a fórmula para angariar o apoio da plebe. Os maquiavéis da esquerda latino-americana, conforme o livro de Vargas Llossa sobre o perfil do perfeito idiota sul-americano, usam a mesma estratégia: acusam os ricos pela situação dos pobres. Passam a lhes dar migalhas para incluí-los numa suposta sociedade solidária. Com a ajuda de parte dos ricos, moralmente desfibrados e corruptos, aparelham o Estado para eternizarem-se no poder. O caso da Petrobras é emblemático. Somos, majoritariamente, um povo humilde, crédulo e desinformado, governado por incompetentes.
A Petrobras, em 12/12/2014, valia R$ 127 bilhões. Hoje, menos até do que o valor de quando Lula chegou ao poder. Entram em cena a má gestão e as opções de modelos de exploração inexequíveis, feitos mais pela ganância estatizante do que pela reflexão criativa. Vários são os motivos, todos por culpa dos governos Lula e Dilma, que abateram a maior empresa de petróleo e gás da América Latina.
Primeiro - Desde a posse de Dilma, no primeiro mandato, com a tese de nova matriz econômica, os preços administrados (tarifas de energia, telefonia, transportes, petróleo, gás e combustíveis) foram comprimidos para não aumentar a inflação causada pelo aumento dos salários acima da produtividade da mão de obra, pela inundação de crédito a juros baixos e pelos gastos imoderados do governo. A Petrobras perdeu R$ 68 bilhões (quebra de caixa) comprando no exterior mais caro e vendendo no país mais barato.
Segundo - Fez investimentos desastrosos em lugares não recomendados, mormente em refinarias, com sobrepreços de R$ 62 bilhões (Pasadena, Rio, Recife).
Terceiro - Com o argumento de incentivar a indústria brasileira, comprou equipamentos e serviços nacionais 30% a 40% mais caros, menos eficientes e entregues em prazo maior do que os de fornecedores no exterior. Cálculos de empresas especializadas indicam atraso na exploração do pré-sal, numa época em que o petróleo estava acima de U$ 120 (hoje está em R$ 50 o barril, a inviabilizar o custo do pré-sal).
Quarto - O modelo de exploração (partilha, com recebimento em óleo e participação obrigatória da Petrobras em 30% em todos os poços) elevou o endividamento da empresa. Com a subida da moeda norte-americana, a Petrobras viu a dívida subir R$ 48 bilhões nos últimos três meses.
Quinto - Durante os últimos cinco anos, foram pouquíssimas as áreas licitadas, impedindo que parceiros nacionais e internacionais se apresentassem nos leilões, perfurassem o fundo do oceano e retirassem mais petróleo e gás, justamente numa época em que o petróleo estava caro e o risco do pré-sal era considerado baixo (as reservas existem). Esses parceiros não se interessam mais em atuar no Brasil. De nada vale ter reservas se não temos dinheiro para investir, nem parceiros, nem preço que compense. O modelo deve mudar ou a Petrobras afunda de vez, a menos que o governo aporte socorro superior a R$ 100 bilhões para saldar dívidas e fazer investimento. Mas, nesse caso, a dívida pública subirá para 70% do PIB e o Brasil perderá o grau de investimento.
Sexto - Falta de gestão e corrupção, dois lados de uma só moeda. Da graça para a desgraça bastaram 12 anos de PT. O custo, ninguém sabe ao certo. Todavia, a dívida da empresa supera R$ 261,45 bilhões, a maior do mundo no setor.
O saudoso Tancredo Neves tinha razão: "Toda vez que o PT teve que escolher entre seus interesses e os do Brasil, escolheu a si próprio". O impedimento da presidente inepta, a ponto de ser tutelada por um Ministro (e que lhe fazia oposição), está na ordem do dia.
O afundamento da Petrobras vem do somatório dos erros políticos, gerenciais e estratégicos dos governos do PT. De um lado distribuem dinheiro a mancheia (Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida), de outro sugam o dinheiro da sociedade. Chamam a isso de corrupção endêmica e institucional. Só para remarcar, a Petrobras nunca foi do povo. Pertence aos acionistas. Quem não tem ação não é proprietário. O seu mal é ser do governo que lhe retira dinheiro em vez de petróleo.
A má gestão da Petrobras piorou depois da Lava-Jato. A corrupção, a que foi para o bolso de terceiros, é uma ninharia. Os contratos revistos é praxe de mercado. A estatal valeu-se do escândalo para não pagar a ninguém. A cadeia econômica do petróleo e gás, sem receber, está sendo destruída (10% do PIB), gerando desemprego e erosão de mais de 230 empresas antes saudáveis.
Enquanto não for privatizada, o país continuará a sofrer. Que se faça como na Noruega, ao menos isso. Cada norueguês é acionista, junto com o governo que administra um fundo soberano. A empresa de exploração de petróleo é administrada por um conselho de experts do setor privado. Se não der lucro, o governo substitui a governança.
Uma CPI para os fundos - SUELY CALDAS
O ESTADO DE S.PAULO - 29/03
Os partidos de oposição recolhem assinaturas no Congresso para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai apurar fraudes nos fundos de pensão de estatais, que vêm acumulando déficits bilionários nos últimos três anos e ameaçam repassar a conta para os funcionários das empresas - ativos e aposentados. Não é a primeira vez que esses fundos são investigados em CPI. Em 1992, no rastro das denúncias contra negócios suspeitos ligados ao governo Collor, o Congresso instalou uma CPI focada na Petrobrás e nos fundos de pensão (os alvos da corrupção são sempre os mesmos!). A CPI produziu um relatório listando operações suspeitas, livrou políticos que pressionaram para ter seus nomes suprimidos do texto final e se perdeu em meio ao processo de impeachment de Collor, decretado em dezembro de 1992.
Criados na década de 1970 para pagar futuras aposentadorias de funcionários, os fundos das estatais são hoje administrados por funcionários indicados pela empresa patrocinadora ou escolhidos em eleições comandadas por sindicatos e partidos políticos. Mais vale para o candidato ser sindicalista ou ter apoio de um partido do que trazer experiência e qualificação técnica em gestão de dinheiro. E eles administram patrimônios bilionários (Previ, do Banco do Brasil, R$ 170 bilhões; Petros, Petrobrás, R$ 66 bilhões; Funcef, CEF, R$ 56 bilhões), mirados pela cobiça de partidos políticos e aproveitadores do mercado financeiro, do tipo Alberto Youssef, o doleiro da Operação Lava Jato, presenteado com empréstimo de R$ 21 milhões da Petros.
Se há 23 anos a primeira CPI apurou fraudes simplórias, como cotas superfaturadas de shopping centers, investimento em ações de empresas falidas e até compra de túmulos num cemitério, hoje elas são mais sofisticadas e introduziram novos protagonistas: operadores de partidos políticos e do mercado financeiro. Só que esses fundos também ganharam novos e atentos fiscais - seus filiados aposentados, que, temendo ter o salário reduzido, ficam de olhos arregalados nos resultados financeiros do fundo, propagam na internet operações suspeitas e mobilizam outros filiados a reclamar dos gestores. Com uma CPI funcionando, eles podem fazer um estrondoso barulho. Os fiscais da Petros, por exemplo, pressionaram e o Conselho Fiscal questionou e reprovou as contas de 2013 apresentadas pela diretoria do fundo.
Três dos quatro maiores fundos de estatais (Petros, Funcef e Postalis) acumulam déficits seguidos há três anos, o que os obriga por lei a cobrir o rombo dividindo-o em partes iguais entre a empresa e os funcionários. O Postalis (dos Correios) foi o primeiro a apresentar plano para equacionar um buraco de R$ 5,6 bilhões: os aposentados terão seu benefício reduzido em nada menos que 25% e os funcionários ativos, corte de 4% nos salários, tudo ao longo dos próximos 15 anos. O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, a quem os Correios estão subordinados, já afirmou que os trabalhadores não pagarão pelos erros da direção do fundo. Berzoini parece desconhecer a lei do rateio do rombo. Disse que vai punir quem realizou "investimentos inadequados", mas não revelou o que fará para apurar responsabilidades.
A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regula e fiscaliza os fundos de pensão, multou o Postalis por operações fora das regras (como a compra de títulos da Venezuela e da Argentina, os dois países em pior situação financeira do continente), mas negou intervenção pedida mais de uma vez por associações de funcionários e permitiu que a situação se agravasse a ponto de cortar salários. Petros e Funcef seguem o mesmo caminho e terão de solucionar seus déficits com redução dos salários dos trabalhadores da Petrobrás e da CEF.
Por acumularem esses fundos patrimônio valioso, os governos Lula e Dilma os têm impelido a participar de licitações e investir em projetos de infraestrutura de retorno duvidoso - casos da Hidrelétrica de Belo Monte e da Sete Brasil, empresa ameaçada de falência. E vem aí nova rodada de licitações...
Os partidos de oposição recolhem assinaturas no Congresso para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai apurar fraudes nos fundos de pensão de estatais, que vêm acumulando déficits bilionários nos últimos três anos e ameaçam repassar a conta para os funcionários das empresas - ativos e aposentados. Não é a primeira vez que esses fundos são investigados em CPI. Em 1992, no rastro das denúncias contra negócios suspeitos ligados ao governo Collor, o Congresso instalou uma CPI focada na Petrobrás e nos fundos de pensão (os alvos da corrupção são sempre os mesmos!). A CPI produziu um relatório listando operações suspeitas, livrou políticos que pressionaram para ter seus nomes suprimidos do texto final e se perdeu em meio ao processo de impeachment de Collor, decretado em dezembro de 1992.
Criados na década de 1970 para pagar futuras aposentadorias de funcionários, os fundos das estatais são hoje administrados por funcionários indicados pela empresa patrocinadora ou escolhidos em eleições comandadas por sindicatos e partidos políticos. Mais vale para o candidato ser sindicalista ou ter apoio de um partido do que trazer experiência e qualificação técnica em gestão de dinheiro. E eles administram patrimônios bilionários (Previ, do Banco do Brasil, R$ 170 bilhões; Petros, Petrobrás, R$ 66 bilhões; Funcef, CEF, R$ 56 bilhões), mirados pela cobiça de partidos políticos e aproveitadores do mercado financeiro, do tipo Alberto Youssef, o doleiro da Operação Lava Jato, presenteado com empréstimo de R$ 21 milhões da Petros.
Se há 23 anos a primeira CPI apurou fraudes simplórias, como cotas superfaturadas de shopping centers, investimento em ações de empresas falidas e até compra de túmulos num cemitério, hoje elas são mais sofisticadas e introduziram novos protagonistas: operadores de partidos políticos e do mercado financeiro. Só que esses fundos também ganharam novos e atentos fiscais - seus filiados aposentados, que, temendo ter o salário reduzido, ficam de olhos arregalados nos resultados financeiros do fundo, propagam na internet operações suspeitas e mobilizam outros filiados a reclamar dos gestores. Com uma CPI funcionando, eles podem fazer um estrondoso barulho. Os fiscais da Petros, por exemplo, pressionaram e o Conselho Fiscal questionou e reprovou as contas de 2013 apresentadas pela diretoria do fundo.
Três dos quatro maiores fundos de estatais (Petros, Funcef e Postalis) acumulam déficits seguidos há três anos, o que os obriga por lei a cobrir o rombo dividindo-o em partes iguais entre a empresa e os funcionários. O Postalis (dos Correios) foi o primeiro a apresentar plano para equacionar um buraco de R$ 5,6 bilhões: os aposentados terão seu benefício reduzido em nada menos que 25% e os funcionários ativos, corte de 4% nos salários, tudo ao longo dos próximos 15 anos. O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, a quem os Correios estão subordinados, já afirmou que os trabalhadores não pagarão pelos erros da direção do fundo. Berzoini parece desconhecer a lei do rateio do rombo. Disse que vai punir quem realizou "investimentos inadequados", mas não revelou o que fará para apurar responsabilidades.
A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regula e fiscaliza os fundos de pensão, multou o Postalis por operações fora das regras (como a compra de títulos da Venezuela e da Argentina, os dois países em pior situação financeira do continente), mas negou intervenção pedida mais de uma vez por associações de funcionários e permitiu que a situação se agravasse a ponto de cortar salários. Petros e Funcef seguem o mesmo caminho e terão de solucionar seus déficits com redução dos salários dos trabalhadores da Petrobrás e da CEF.
Por acumularem esses fundos patrimônio valioso, os governos Lula e Dilma os têm impelido a participar de licitações e investir em projetos de infraestrutura de retorno duvidoso - casos da Hidrelétrica de Belo Monte e da Sete Brasil, empresa ameaçada de falência. E vem aí nova rodada de licitações...
Um tesoureiro no Planalto - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S. Paulo - 29/03
A ida de um ex-tesoureiro do PT para a Secretaria de Comunicação da Presidência é um exemplo estridente do isolamento de Dilma Rousseff, enclausurada no PT, sem saída. É duplamente dramático, porque Dilma está fraca, o PT está fraco e um puxa o outro ainda mais para baixo. Típico abraço de afogados, com uma amarga ironia: a única boia à vista é a receita Joaquim Levy - que significa o oposto do que Dilma e o PT pregavam.
Essa nomeação significa que Dilma não está entendendo nada e/ou não dá a menor bola para a opinião pública, cada vez mais irritada com escândalos sem fim. Nada contra a pessoa do afável Edinho Silva, mas a expressão "tesoureiro do PT" remete a Delúbio Soares, preso no mensalão, e a João Vaccari Neto, ainda no cargo e réu na Lava Jato.
E o que se projeta para a Secom? O temor é de manipulação das verbas oficiais de publicidade, que deveriam ser de governo, mas tendem a ser cada vez mais de um partido. Lula, Dilma e o PT sempre culpam a mídia pelas próprias desgraças e, tomara que não, mas podem querer dar uma de Nicolás Maduro na Venezuela e de Cristina Kirchner na Argentina, usando dinheiro público para chantagear empresas de comunicação.
Com estagnação em 2014 (PIB de 0,1%), previsão de recessão em 2015, indústria encolhendo, demissões começando, inflação disparando e falta de perspectiva asfixiando investimentos, cortar publicidade tem ares de vingança cruel. Parece, porém, encontrar simpatia na cúpula petista.
Em recente reunião da bancada do PT na Câmara, presenciada pelo repórter Pedro Venceslau, do Estado, o líder José Guimarães disse que o governo "vive uma sangria" e é preciso "radicalizar, ir para a ofensiva". Para o presidente do partido, Rui Falcão - que é jornalista - o governo tem de restringir a publicidade aos meios de comunicação mais aliados. Ou seja: aos amigos (como os blogueiros sujos, ops!, "independentes"), tudo; à mídia livre, pão e água.
Aliás, que jornalista realmente independente assumiria o cargo neste "caos político", como admitiu a própria Secom? Só um jornalista engajado ou um militante, um soldado, assumiria a comunicação de governo neste momento. É uma missão, é ir para o sacrifício, porque a realidade desmente, dia após dia, a versão de que o derretimento da imagem de Dilma e do partido é "culpa da imprensa".
Milhões de pessoas foram às ruas em 15 de março, e prometem voltar em 12 de abril, não por causa da chamada grande mídia, mas por impulso das redes sociais e pela irritação generalizada com os escândalos bilionários e institucionalizados no governo Lula, com a incompetência do governo Dilma na economia, na política e na gestão e com as mentiras de campanha sobre vacas tossindo.
"Não adianta falar que a inflação está sob controle quando o eleitor vê o preço da gasolina subir 20% ou a sua conta de luz saltar em 33%. Assim como um senador tucano na lista da Lava Jato não altera o fato de que o grosso do escândalo ocorreu na gestão do PT." Quem disse isso não foi a imprensa malvada, foi aquele documento da própria Secom publicado com exclusividade pelo portal Estadão.com.br.
Logo... trocar um jornalista por um tesoureiro do PT e chantagear com verbas publicitárias não vai resolver nada. Não há marketing que faça o PIB crescer, o emprego aparecer, a inflação cair, a conta de luz baixar. Nem que apague o mensalão, o petrolão, os títulos que o Postalis comprou da Venezuela e os bilhões de reais sonegados à Receita a golpes de propina.
Além de paciência, como diria o ministro Jacques Wagner, o ex-tesoureiro Edinho Silva vai precisar muito de... Ah, sei lá.
Educação. Depois de tantos erros crassos, Dilma acertou com Janine Ribeiro no MEC. Um salto e tanto depois de Cid Gomes na tal "pátria educadora".
A ida de um ex-tesoureiro do PT para a Secretaria de Comunicação da Presidência é um exemplo estridente do isolamento de Dilma Rousseff, enclausurada no PT, sem saída. É duplamente dramático, porque Dilma está fraca, o PT está fraco e um puxa o outro ainda mais para baixo. Típico abraço de afogados, com uma amarga ironia: a única boia à vista é a receita Joaquim Levy - que significa o oposto do que Dilma e o PT pregavam.
Essa nomeação significa que Dilma não está entendendo nada e/ou não dá a menor bola para a opinião pública, cada vez mais irritada com escândalos sem fim. Nada contra a pessoa do afável Edinho Silva, mas a expressão "tesoureiro do PT" remete a Delúbio Soares, preso no mensalão, e a João Vaccari Neto, ainda no cargo e réu na Lava Jato.
E o que se projeta para a Secom? O temor é de manipulação das verbas oficiais de publicidade, que deveriam ser de governo, mas tendem a ser cada vez mais de um partido. Lula, Dilma e o PT sempre culpam a mídia pelas próprias desgraças e, tomara que não, mas podem querer dar uma de Nicolás Maduro na Venezuela e de Cristina Kirchner na Argentina, usando dinheiro público para chantagear empresas de comunicação.
Com estagnação em 2014 (PIB de 0,1%), previsão de recessão em 2015, indústria encolhendo, demissões começando, inflação disparando e falta de perspectiva asfixiando investimentos, cortar publicidade tem ares de vingança cruel. Parece, porém, encontrar simpatia na cúpula petista.
Em recente reunião da bancada do PT na Câmara, presenciada pelo repórter Pedro Venceslau, do Estado, o líder José Guimarães disse que o governo "vive uma sangria" e é preciso "radicalizar, ir para a ofensiva". Para o presidente do partido, Rui Falcão - que é jornalista - o governo tem de restringir a publicidade aos meios de comunicação mais aliados. Ou seja: aos amigos (como os blogueiros sujos, ops!, "independentes"), tudo; à mídia livre, pão e água.
Aliás, que jornalista realmente independente assumiria o cargo neste "caos político", como admitiu a própria Secom? Só um jornalista engajado ou um militante, um soldado, assumiria a comunicação de governo neste momento. É uma missão, é ir para o sacrifício, porque a realidade desmente, dia após dia, a versão de que o derretimento da imagem de Dilma e do partido é "culpa da imprensa".
Milhões de pessoas foram às ruas em 15 de março, e prometem voltar em 12 de abril, não por causa da chamada grande mídia, mas por impulso das redes sociais e pela irritação generalizada com os escândalos bilionários e institucionalizados no governo Lula, com a incompetência do governo Dilma na economia, na política e na gestão e com as mentiras de campanha sobre vacas tossindo.
"Não adianta falar que a inflação está sob controle quando o eleitor vê o preço da gasolina subir 20% ou a sua conta de luz saltar em 33%. Assim como um senador tucano na lista da Lava Jato não altera o fato de que o grosso do escândalo ocorreu na gestão do PT." Quem disse isso não foi a imprensa malvada, foi aquele documento da própria Secom publicado com exclusividade pelo portal Estadão.com.br.
Logo... trocar um jornalista por um tesoureiro do PT e chantagear com verbas publicitárias não vai resolver nada. Não há marketing que faça o PIB crescer, o emprego aparecer, a inflação cair, a conta de luz baixar. Nem que apague o mensalão, o petrolão, os títulos que o Postalis comprou da Venezuela e os bilhões de reais sonegados à Receita a golpes de propina.
Além de paciência, como diria o ministro Jacques Wagner, o ex-tesoureiro Edinho Silva vai precisar muito de... Ah, sei lá.
Educação. Depois de tantos erros crassos, Dilma acertou com Janine Ribeiro no MEC. Um salto e tanto depois de Cid Gomes na tal "pátria educadora".
Guia para os perplexos - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 29/03
O leitor tem o direito de estar perplexo com o Brasil.
Enquanto grupo importante de economistas manifesta apoio e otimismo com as medidas fiscais e monetárias do Ministério da Fazenda e do Banco Central, outro grupo argumenta que o aperto fiscal não será suficiente, que o aperto monetário veio tarde diante da alta expectativa de inflação e que falta ainda uma agenda de reformas para retomar o crescimento.
Já empresários de diversos setores expressam descontentamento e revolta com o aumento de impostos em momento de queda das vendas, centrais sindicais mostram indignação diante do corte de direitos trabalhistas e políticos da base governista se unem à oposição e derrotam o governo em questões importantes.
A provável piora da situação econômica pode aumentar ainda mais essa confusão. Por isso, é fundamental buscar clareza.
Um processo concomitante de ajuste fiscal e monetário numa economia em recessão é algo raro na economia mundial. Resulta da política econômica aplicada nos últimos quatro anos, cujos estímulos monetários e fiscais geraram piora da trajetória da dívida pública e aumento da inflação, com queda do nível da atividade chegando agora à recessão.
Nesse quadro, o ajuste é indispensável para restaurar a credibilidade da política fiscal e controlar a inflação, permitindo a retomada da normalidade econômica.
Por outro lado, a carga tributária enfrentada pela população e pelas empresas é excessiva para um país emergente como o Brasil, ainda mais considerando a qualidade dos serviços públicos.
Isso dá razão a queixas de empresários, trabalhadores e políticos de que o governo federal quer cobrar mais impostos, reduzir direitos trabalhistas e cortar recursos a Estados e municípios sem que ele mesmo promova esforço similar com redução da máquina pública, dos ministérios e dos cargos comissionados. Como diz o ditado, em casa onde falta pão, todos reclamam e todos têm razão.
Mas qual é a solução? Ela passa, sem dúvida, por um ajuste fiscal que elimine as incertezas sobre a solvência do país e pelo aumento de juros para controlar a inflação. Passa também pelo que alguns países europeus, especialmente a Espanha, vêm fazendo de forma eficiente para sair da crise: ancorar o ajuste não no aumento de impostos, mas no corte de despesas e em reformas para melhorar a produtividade e o ambiente de negócios.
No Brasil, isso compreende as reformas tributária e trabalhista e um programa que viabilize investimentos maciços em infraestrutura com retornos atrativos ao capital hoje disponível no mundo.
Para fazer isso, é necessário um governo com direção clara, comando firme, liderança política e capacidade de comunicar que existe luz no fim do túnel.
O leitor tem o direito de estar perplexo com o Brasil.
Enquanto grupo importante de economistas manifesta apoio e otimismo com as medidas fiscais e monetárias do Ministério da Fazenda e do Banco Central, outro grupo argumenta que o aperto fiscal não será suficiente, que o aperto monetário veio tarde diante da alta expectativa de inflação e que falta ainda uma agenda de reformas para retomar o crescimento.
Já empresários de diversos setores expressam descontentamento e revolta com o aumento de impostos em momento de queda das vendas, centrais sindicais mostram indignação diante do corte de direitos trabalhistas e políticos da base governista se unem à oposição e derrotam o governo em questões importantes.
A provável piora da situação econômica pode aumentar ainda mais essa confusão. Por isso, é fundamental buscar clareza.
Um processo concomitante de ajuste fiscal e monetário numa economia em recessão é algo raro na economia mundial. Resulta da política econômica aplicada nos últimos quatro anos, cujos estímulos monetários e fiscais geraram piora da trajetória da dívida pública e aumento da inflação, com queda do nível da atividade chegando agora à recessão.
Nesse quadro, o ajuste é indispensável para restaurar a credibilidade da política fiscal e controlar a inflação, permitindo a retomada da normalidade econômica.
Por outro lado, a carga tributária enfrentada pela população e pelas empresas é excessiva para um país emergente como o Brasil, ainda mais considerando a qualidade dos serviços públicos.
Isso dá razão a queixas de empresários, trabalhadores e políticos de que o governo federal quer cobrar mais impostos, reduzir direitos trabalhistas e cortar recursos a Estados e municípios sem que ele mesmo promova esforço similar com redução da máquina pública, dos ministérios e dos cargos comissionados. Como diz o ditado, em casa onde falta pão, todos reclamam e todos têm razão.
Mas qual é a solução? Ela passa, sem dúvida, por um ajuste fiscal que elimine as incertezas sobre a solvência do país e pelo aumento de juros para controlar a inflação. Passa também pelo que alguns países europeus, especialmente a Espanha, vêm fazendo de forma eficiente para sair da crise: ancorar o ajuste não no aumento de impostos, mas no corte de despesas e em reformas para melhorar a produtividade e o ambiente de negócios.
No Brasil, isso compreende as reformas tributária e trabalhista e um programa que viabilize investimentos maciços em infraestrutura com retornos atrativos ao capital hoje disponível no mundo.
Para fazer isso, é necessário um governo com direção clara, comando firme, liderança política e capacidade de comunicar que existe luz no fim do túnel.
Se ficar o bicho come - FERREIRA GULLAR
Folha de S.Paulo - 29/03
A situação é tão grave que Dilma chegou a admitir que errou, mas apenas na dose, pois o remédio estava certo
Ou eu muito me engano ou as manifestações do dia 15 contra a corrupção e os desacertos de Dilma põem o seu governo numa situação de difícil solução. Embora naquele mesmo dia, logo após as manifestações, dois ministros de seu governo tenham tentado minimizar o significado político do que ocorrera, tanto eles quanto ela --como os dirigentes do PT e seus aliados-- sabem muito bem que aqueles protestos, ocorridos em 26 Estados, puseram o governo contra a parede: ou ela admite que errou e passa a reparar os erros ou, se insistir em negá-los, se arriscará a levar o povo a uma exasperação de imprevisíveis consequências.
Não me lembro de uma mobilização popular de tais dimensões no Brasil, desde que acompanho nossa vida política. Os protestos contra a ditadura, como a passeata dos cem mil, por exemplo, eram manifestações limitadas a uma cidade. Outras mobilizações contra o regime militar, pelo próprio caráter repressor do regime, não tinham o desdobramento necessário. Já estas manifestações de agora, não apenas ocorreram no país inteiro, como nasceram de um inconformismo da opinião pública com o governo petista, caracterizado pela demagogia e a corrupção.
O mensalão já tinha chocado a opinião pública; agora, o escândalo do petrolão, envolvendo propinas que chegam a centenas de milhões de reais, ultrapassou a capacidade de tolerância da opinião pública. Isso somado ao fracasso da política econômica, que obriga agora o governo a tomar medidas impopulares, explica a mobilização de setores da sociedade, que saíram às ruas para manifestar seu descontentamento. Uma parte deles chegou a exigir o impeachment da presidente Dilma; a maioria, porém, exigia a correção de seus erros e o fim da corrupção. Sucede, no entanto, que não é próprio de seu caráter admitir que errou.
Tanto isso é verdade que, naquele mesmo domingo, assim que acabaram as manifestações, ela ordenou que dois ministros fossem à televisão negar a importância daqueles protestos. Embora eles mal pudessem apagar do rosto a preocupação que os dominava, Miguel Rossetto deu o recado que sua chefa mandou, isto é, só participaram daquelas manifestações quem havia votado contra ela, ou seja, repetiu a mesma tese de que se tratam de golpistas, inconformados com a derrota nas urnas. Com isso, ela pretendia convencer, particularmente seus eleitores, de que aqueles protestos não deviam ser levados a sério. Mas uma nova surpresa os esperava: a parte da população, que por algum motivo não foi às ruas protestar, ao vê-los aparecer na televisão, começou a bater panelas para abafar o que diziam. Dilma deveria refletir sobre esses panelaços, pois significam que, para a opinião pública, tudo o que o governo diz não vale a pena ouvir.
Desconhecer o que ocorreu no dia 15 é querer tapar o sol com a peneira. Só na Avenida Paulista, havia 1 milhão de manifestantes, segundo a PM. Em Brasília, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, multidões enchiam praças e avenidas, pedindo o fim da política populista e da corrupção. Enquanto isso, no Congresso, a base de apoio ao governo começa a rachar, com visíveis discordâncias de seu principal aliado, o PMDB. A situação é tão grave que a presidente Dilma chegou a admitir que errou, mas apenas na dose, porque o remédio --sua política econômica desastrada-- estava certo.
Mas, como se não bastasse, ao falar ao país naquela semana, deu a entender que as manifestações contra ela só ocorreram graças a ela, Dilma. Sabem por quê? Porque tendo participado da luta contra a ditadura militar, foi ela quem devolveu ao país o regime democrático e, assim, tornou possível tais manifestações. Pode?
Pode ser, porém, que esteja perturbada com os resultados da pesquisa Datafolha que a deve ter deixado perplexa ao revelar que 62% do povo brasileiro considera seu governo ruim ou péssimo e só 20% a aprova. Ainda mais significativa foi a revelação de que o nível de desaprovação das classes A e B (a "elite branca") é menor do que o da classe pobre, que era até aqui seu principal apoio.
E ainda faltam três anos e nove meses de governo. Mas impeachment não é a solução.
O PSOL não apoiou o deputado Eduardo Cunha durante seu depoimento na CPI da Lava Jato, conforme afirmei, em crônica anterior, erradamente.
A situação é tão grave que Dilma chegou a admitir que errou, mas apenas na dose, pois o remédio estava certo
Ou eu muito me engano ou as manifestações do dia 15 contra a corrupção e os desacertos de Dilma põem o seu governo numa situação de difícil solução. Embora naquele mesmo dia, logo após as manifestações, dois ministros de seu governo tenham tentado minimizar o significado político do que ocorrera, tanto eles quanto ela --como os dirigentes do PT e seus aliados-- sabem muito bem que aqueles protestos, ocorridos em 26 Estados, puseram o governo contra a parede: ou ela admite que errou e passa a reparar os erros ou, se insistir em negá-los, se arriscará a levar o povo a uma exasperação de imprevisíveis consequências.
Não me lembro de uma mobilização popular de tais dimensões no Brasil, desde que acompanho nossa vida política. Os protestos contra a ditadura, como a passeata dos cem mil, por exemplo, eram manifestações limitadas a uma cidade. Outras mobilizações contra o regime militar, pelo próprio caráter repressor do regime, não tinham o desdobramento necessário. Já estas manifestações de agora, não apenas ocorreram no país inteiro, como nasceram de um inconformismo da opinião pública com o governo petista, caracterizado pela demagogia e a corrupção.
O mensalão já tinha chocado a opinião pública; agora, o escândalo do petrolão, envolvendo propinas que chegam a centenas de milhões de reais, ultrapassou a capacidade de tolerância da opinião pública. Isso somado ao fracasso da política econômica, que obriga agora o governo a tomar medidas impopulares, explica a mobilização de setores da sociedade, que saíram às ruas para manifestar seu descontentamento. Uma parte deles chegou a exigir o impeachment da presidente Dilma; a maioria, porém, exigia a correção de seus erros e o fim da corrupção. Sucede, no entanto, que não é próprio de seu caráter admitir que errou.
Tanto isso é verdade que, naquele mesmo domingo, assim que acabaram as manifestações, ela ordenou que dois ministros fossem à televisão negar a importância daqueles protestos. Embora eles mal pudessem apagar do rosto a preocupação que os dominava, Miguel Rossetto deu o recado que sua chefa mandou, isto é, só participaram daquelas manifestações quem havia votado contra ela, ou seja, repetiu a mesma tese de que se tratam de golpistas, inconformados com a derrota nas urnas. Com isso, ela pretendia convencer, particularmente seus eleitores, de que aqueles protestos não deviam ser levados a sério. Mas uma nova surpresa os esperava: a parte da população, que por algum motivo não foi às ruas protestar, ao vê-los aparecer na televisão, começou a bater panelas para abafar o que diziam. Dilma deveria refletir sobre esses panelaços, pois significam que, para a opinião pública, tudo o que o governo diz não vale a pena ouvir.
Desconhecer o que ocorreu no dia 15 é querer tapar o sol com a peneira. Só na Avenida Paulista, havia 1 milhão de manifestantes, segundo a PM. Em Brasília, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, multidões enchiam praças e avenidas, pedindo o fim da política populista e da corrupção. Enquanto isso, no Congresso, a base de apoio ao governo começa a rachar, com visíveis discordâncias de seu principal aliado, o PMDB. A situação é tão grave que a presidente Dilma chegou a admitir que errou, mas apenas na dose, porque o remédio --sua política econômica desastrada-- estava certo.
Mas, como se não bastasse, ao falar ao país naquela semana, deu a entender que as manifestações contra ela só ocorreram graças a ela, Dilma. Sabem por quê? Porque tendo participado da luta contra a ditadura militar, foi ela quem devolveu ao país o regime democrático e, assim, tornou possível tais manifestações. Pode?
Pode ser, porém, que esteja perturbada com os resultados da pesquisa Datafolha que a deve ter deixado perplexa ao revelar que 62% do povo brasileiro considera seu governo ruim ou péssimo e só 20% a aprova. Ainda mais significativa foi a revelação de que o nível de desaprovação das classes A e B (a "elite branca") é menor do que o da classe pobre, que era até aqui seu principal apoio.
E ainda faltam três anos e nove meses de governo. Mas impeachment não é a solução.
O PSOL não apoiou o deputado Eduardo Cunha durante seu depoimento na CPI da Lava Jato, conforme afirmei, em crônica anterior, erradamente.
O ajuste refugado - CELSO MING
O ESTADÃO - 29/03
Em geral, quem é contra qualquer forma de ajuste se agarra ao discurso eleitoral da presidente Dilma, que se baseava no diagnóstico, em que nem mesmo ela acreditava, de que não havia nada de errado na economia brasileira
Há os que são contra o ajuste da economia colocado em marcha pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e há os que são até a favor de algum ajuste, mas contra “este ajuste concentrado sobre a população mais pobre”.
O líder do Movimento dos Sem-Terra, João Pedro Stédile, por exemplo, fez essa cobrança no dia 20, na presença da presidente Dilma, em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, quando também exigia mais humildade dos ministros: “Quem tem de pagar a conta não são os trabalhadores. São os ricos e os milionários”.
Esta é outra ideia errada. Insistir com ela prejudica principalmente os mais pobres. Em geral, quem é contra qualquer forma de ajuste se agarra ao discurso eleitoral da presidente Dilma, que se baseava no diagnóstico, em que nem mesmo ela acreditava, de que não havia nada de errado na economia brasileira. O que havia de errado, dizia ela, não passava de algum impacto da crise externa e de efeitos da estiagem. Nessas condições, não haveria o que ajustar; era só ter paciência e esperar pelo refluxo natural da crise externa e… pelas chuvas.
A outra afirmação, de que o ajuste está sendo descarregado apenas sobre a população pobre e não sobre os ricos, pelo menos reconhece que a economia vai mal e que precisa de conserto. Mas a afirmação de que os pobres estão sendo esfolados mais do que os “coxinhas que marcham nas manifestações e batem panela” contém graves equívocos.
O primeiro deles é o de que a política anterior estava certa, na medida em que teria beneficiado a população mais pobre, porque criou emprego e distribuiu renda. A farra anterior que esmerilhou as contas públicas e puxou a inflação para perto dos 8% ao ano criou, sim, certo emprego e distribuiu renda, mas não se baseou em políticas sustentáveis que garantissem a continuidade do emprego e da distribuição de renda.
A necessidade de dispensa de pessoal em consequência da recessão e o salto da inflação mostram que a política anterior estava errada do ponto de vista de quem pretendia a criação permanente de empregos e da renda.
Quando concentra o ajuste no combate à inflação e às distorções da economia, o governo não está apenas repassando a conta da crise para a população. Está recriando condições para que os moedores de renda do trabalhador sejam desativados. Portanto, a política correta de ajuste é a política que dá sustentação ao crescimento da renda e do emprego.
Outro equívoco está em pregar políticas que apenas, aparentemente, se concentrariam no confisco de renda daqueles mais ricos. Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, é um falso instrumento de distribuição de renda. Onde ainda funciona, exige um aparato de administração que custa mais do que arrecada. E tende a provocar fuga de capitais, o que não interessa a ninguém.
Para ter um mínimo de eficácia fiscal, o aumento do Imposto de Renda das faixas superiores não esfolaria os mais ricos; esfolaria a classe média. Mas quem pensa binariamente, como bom e mau ou rico e pobre, não consegue ver a importância crescente das classes médias. Nem se deu conta de que o setor de serviços no Brasil ultrapassou os 71% do PIB (veja o Confira).
CONFIRA:
O gráfico acima mostra como se distribui a pizza do PIB entre os principais setores da economia.
A indústria emagreceu
A novidade é a de que o setor de serviços já corresponde a 71,0% do PIB. Há apenas três anos (em 2011), era de apenas 67,7% do PIB. Enquanto isso, a indústria, que levava uma fatia de 27,2% em 2011, emagreceu para 23,4% em 2014.
Economia de serviços
Ou seja, para todos os efeitos, o Brasil tem de começar a se assumir como uma grande economia de serviços.
Em geral, quem é contra qualquer forma de ajuste se agarra ao discurso eleitoral da presidente Dilma, que se baseava no diagnóstico, em que nem mesmo ela acreditava, de que não havia nada de errado na economia brasileira
Há os que são contra o ajuste da economia colocado em marcha pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e há os que são até a favor de algum ajuste, mas contra “este ajuste concentrado sobre a população mais pobre”.
O líder do Movimento dos Sem-Terra, João Pedro Stédile, por exemplo, fez essa cobrança no dia 20, na presença da presidente Dilma, em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, quando também exigia mais humildade dos ministros: “Quem tem de pagar a conta não são os trabalhadores. São os ricos e os milionários”.
Esta é outra ideia errada. Insistir com ela prejudica principalmente os mais pobres. Em geral, quem é contra qualquer forma de ajuste se agarra ao discurso eleitoral da presidente Dilma, que se baseava no diagnóstico, em que nem mesmo ela acreditava, de que não havia nada de errado na economia brasileira. O que havia de errado, dizia ela, não passava de algum impacto da crise externa e de efeitos da estiagem. Nessas condições, não haveria o que ajustar; era só ter paciência e esperar pelo refluxo natural da crise externa e… pelas chuvas.
A outra afirmação, de que o ajuste está sendo descarregado apenas sobre a população pobre e não sobre os ricos, pelo menos reconhece que a economia vai mal e que precisa de conserto. Mas a afirmação de que os pobres estão sendo esfolados mais do que os “coxinhas que marcham nas manifestações e batem panela” contém graves equívocos.
O primeiro deles é o de que a política anterior estava certa, na medida em que teria beneficiado a população mais pobre, porque criou emprego e distribuiu renda. A farra anterior que esmerilhou as contas públicas e puxou a inflação para perto dos 8% ao ano criou, sim, certo emprego e distribuiu renda, mas não se baseou em políticas sustentáveis que garantissem a continuidade do emprego e da distribuição de renda.
A necessidade de dispensa de pessoal em consequência da recessão e o salto da inflação mostram que a política anterior estava errada do ponto de vista de quem pretendia a criação permanente de empregos e da renda.
Quando concentra o ajuste no combate à inflação e às distorções da economia, o governo não está apenas repassando a conta da crise para a população. Está recriando condições para que os moedores de renda do trabalhador sejam desativados. Portanto, a política correta de ajuste é a política que dá sustentação ao crescimento da renda e do emprego.
Outro equívoco está em pregar políticas que apenas, aparentemente, se concentrariam no confisco de renda daqueles mais ricos. Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, é um falso instrumento de distribuição de renda. Onde ainda funciona, exige um aparato de administração que custa mais do que arrecada. E tende a provocar fuga de capitais, o que não interessa a ninguém.
Para ter um mínimo de eficácia fiscal, o aumento do Imposto de Renda das faixas superiores não esfolaria os mais ricos; esfolaria a classe média. Mas quem pensa binariamente, como bom e mau ou rico e pobre, não consegue ver a importância crescente das classes médias. Nem se deu conta de que o setor de serviços no Brasil ultrapassou os 71% do PIB (veja o Confira).
CONFIRA:
O gráfico acima mostra como se distribui a pizza do PIB entre os principais setores da economia.
A indústria emagreceu
A novidade é a de que o setor de serviços já corresponde a 71,0% do PIB. Há apenas três anos (em 2011), era de apenas 67,7% do PIB. Enquanto isso, a indústria, que levava uma fatia de 27,2% em 2011, emagreceu para 23,4% em 2014.
Economia de serviços
Ou seja, para todos os efeitos, o Brasil tem de começar a se assumir como uma grande economia de serviços.
O câmbio e a política - AFFONSO CELSO PASTORE
O Estado de S. Paulo - 29/03
Na definição de Kenneth Rogoff, o câmbio é um preço esquizofrênico. Quando falamos em câmbio real estamos nos referindo a um preço relativo - entre os bens comercializáveis e domésticos -, e quando falamos em câmbio nominal estamos nos referindo ao preço de um ativo financeiro. As movimentações recentes do real com relação ao dólar americano são fruto tanto das forças que alteram o câmbio real, buscando reduzir o déficit nas contas correntes, quanto das que o movem como o preço de um ativo, dando saltos em resposta a variações nas expectativas. Na prática, essas duas forças ocorrem juntas, e para entender o que pode se passar é preciso entendê-las separadamente.
A primeira força do lado real é a tendência à valorização do dólar. O que importa não é se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevará a taxa de juros mais cedo ou mais tarde, e sim que o crescimento econômico dos Estados Unidos é sustentável e mais forte do que o crescimento de Europa e Japão, que são grandes no mercado financeiro mundial. Os EUA não precisam mais de estímulos monetários, tendo o Fed já cessado as compras de ativos financeiros, preparando-se para começar a elevação da taxa de juros. O contrário ocorre com Europa e Japão, que ainda estão elevando a dose de estímulos monetários. A consequência é que os yields dos ativos financeiros nos Estados Unidos superam os de Europa e Japão, atraindo capitais que levam ao fortalecimento do dólar.
O futuro dirá se a valorização do dólar será mais intensa ou menos intensa do que nos dois ciclos de fortalecimento ocorridos desde os anos 80. Mas é inegável que há uma tendência à valorização, diante da qual todas as demais moedas, inclusive o real, se depreciam em relação ao dólar. Ocorre que para reduzir o déficit brasileiro nas contas correntes o real terá de se depreciar com relação à cesta de moedas, isto é, mais do que as demais moedas em relação ao dólar. Lembremos que essa cesta inclui o euro, que é a moeda de países cuja participação no comércio brasileiro é bem maior do que a dos Estados Unidos, e cuja depreciação com relação ao dólar vem se acentuando por causa da ação do Banco Central Europeu (BCE).
Um segundo conjunto de forças é representado pelos preços internacionais de commodities e pelo crescimento do comércio mundial. Como a moeda de transação internacional das commodities é o dólar, seu fortalecimento pressiona para baixo os preços internacionais das commodities, e essa tendência se acentua com a desaceleração do crescimento da China. Em adição, depois da crise internacional cresceu o protecionismo, contribuindo para forte desaceleração do crescimento do valor em dólares e em quantum das exportações mundiais. Assim, o Brasil não pode mais contar com a "bonança eterna" dos preços de commodities e da ampliação do comércio mundial, vendo-se obrigado a ajustar o seu déficit em contas correntes com uma maior depreciação do câmbio real.
Quando em 2011 e 2012 os déficits nas contas correntes atingiam US$ 50 bilhões por ano, o Brasil tinha investimentos estrangeiros diretos em torno de US$ 65 bilhões, podendo acumular reservas mesmo sem contar com o ingresso de outros capitais. Atualmente, o déficit nas contas correntes se situa em torno de US$ 90 bilhões, com os investimentos estrangeiros diretos flutuando em torno de US$ 60 bilhões. É verdade que, com a depreciação cambial, o déficit nas contas correntes tende a se reduzir, mas é também verdade que a recessão em que estamos entrando reduz os ingressos em investimentos estrangeiros diretos. A aritmética do equilíbrio no balanço de pagamentos mostra que não somente o País é hoje dependente dos ingressos de portfólio de renda fixa, como continuará dependente nos próximos trimestres.
Um otimista exclamaria que estamos salvos. Afinal, as elevadas taxas de juros no Brasil devem atrair ingressos em renda fixa que ajudam a financiar o nosso déficit, ainda que ele permaneça elevado. A falha no raciocínio é que o cálculo dos investidores não se baseia apenas no diferencial entre os juros no Brasil e no resto do mundo, mas no excesso desse diferencial sobre o risco Brasil. Para um dado diferencial de taxa de juros - não importa quão alto seja - os ingressos em renda fixa declinam quando o risco Brasil se eleva. A prova disso é a enorme correlação positiva entre o câmbio nominal e as cotações do CDS brasileiro. O gráfico anexo superpõe essas duas séries com base em dados diários. Mesmo os mais céticos com relação à mensagem das evidências empíricas terão de reconhecer que uma elevação dos riscos leva à depreciação do real, porque encolhe os ingressos e/ou acelera as saídas dos investimentos em renda fixa.
A pergunta seguinte é: por que variam as cotações do CDS brasileiro? Não há uma única causa. Certamente existirão alguns dispostos a defender sanguineamente que o aumento recente das cotações do CDS é por causa apenas e tão somente ao escândalo da Petrobrás, e que o risco cairá tão logo aquela companhia publique o seu balanço. Não nego que essa é uma força. Mas afirmo que não é a única. Mesmo que Levy entregue neste ano o que prometeu - um superávit de 1,2% do PIB -, este ainda é insuficiente para levar a relação dívida/PIB a uma trajetória descendente. Levy terá de colocar em ação um programa de reformas que reduza a taxa real de juros e eleve o crescimento do PIB potencial. Se tiver sucesso nessa segunda fase de seu programa, talvez tenha sucesso em começar a reduzir a relação dívida/PIB com um superávit primário de apenas 2% do PIB, prometido para 2016. Mas se isso não ocorrer valerá mais a aritmética de Arminio Fraga que, em entrevista recente, afirmou que nas condições atuais (taxa real de juros de 6% ao ano, e crescimento do PIB potencial próximo de 1% ao ano) o superávit primário teria de se elevar para 3% do PIB. É obvio que não precisamos apenas do cumprimento da meta de 1,2% do PIB. São necessários: um aumento do esforço fiscal nos próximos anos; e o sucesso na implementação de um ciclo de reformas, que reduza a taxa real de juros e faça o País voltar a crescer.
Em 2015, o Brasil enfrentará uma recessão, e não haverá alívio na política fiscal em 2016. O custo dessa saga seria menor se o governo não estivesse politicamente fragilizado, mas a popularidade da presidente despencou, e o PT não tem mais a força que no passado tinha no Congresso, com o poder pendendo para o PMDB. Este, por seu turno, tem dado claras demonstrações de que somente está disposto a apoiar o governo caso este se disponha a dividir com ele o poder. Não se trata de um ministério aqui ou a presidência de uma estatal acolá. Trata-se de uma divisão muito mais ambiciosa de poder, com a queda do poder de Dilma e do PT dentro do governo. Políticos diferem de empresários, que maximizam os lucros de suas empresas. Políticos maximizam o poder, e se têm de pagar o ônus de um ajuste social e economicamente custoso, querem o bônus do aumento de sua fatia de comando.
Se o câmbio não tivesse essa incômoda característica de se comportar como o preço de um ativo, tudo seria mais simples. Mas não é isso que ocorre no mundo real. O caso mais benigno é aquele no qual Dilma se decida por dividir o poder com o PMDB, adquirindo maior grau de governabilidade. Não fugirá nem da inflação alta nem da recessão, mas possivelmente reduzirá o overshooting cambial, evitando o custo de uma inflação ainda maior. No extremo oposto está o caso em que o impasse político leve ao aumento dos riscos, com uma depreciação cambial e uma inflação maiores, o que ao lado da recessão reduz ainda mais o apoio político ao governo, fechando-se um círculo vicioso.
Há quem se orgulhe que o papel dos economistas não é relevante, e que o centro do palco deveria ser dado aos políticos. Agora os políticos estão no centro do palco. A nós resta observar os resultados.
Na definição de Kenneth Rogoff, o câmbio é um preço esquizofrênico. Quando falamos em câmbio real estamos nos referindo a um preço relativo - entre os bens comercializáveis e domésticos -, e quando falamos em câmbio nominal estamos nos referindo ao preço de um ativo financeiro. As movimentações recentes do real com relação ao dólar americano são fruto tanto das forças que alteram o câmbio real, buscando reduzir o déficit nas contas correntes, quanto das que o movem como o preço de um ativo, dando saltos em resposta a variações nas expectativas. Na prática, essas duas forças ocorrem juntas, e para entender o que pode se passar é preciso entendê-las separadamente.
A primeira força do lado real é a tendência à valorização do dólar. O que importa não é se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevará a taxa de juros mais cedo ou mais tarde, e sim que o crescimento econômico dos Estados Unidos é sustentável e mais forte do que o crescimento de Europa e Japão, que são grandes no mercado financeiro mundial. Os EUA não precisam mais de estímulos monetários, tendo o Fed já cessado as compras de ativos financeiros, preparando-se para começar a elevação da taxa de juros. O contrário ocorre com Europa e Japão, que ainda estão elevando a dose de estímulos monetários. A consequência é que os yields dos ativos financeiros nos Estados Unidos superam os de Europa e Japão, atraindo capitais que levam ao fortalecimento do dólar.
O futuro dirá se a valorização do dólar será mais intensa ou menos intensa do que nos dois ciclos de fortalecimento ocorridos desde os anos 80. Mas é inegável que há uma tendência à valorização, diante da qual todas as demais moedas, inclusive o real, se depreciam em relação ao dólar. Ocorre que para reduzir o déficit brasileiro nas contas correntes o real terá de se depreciar com relação à cesta de moedas, isto é, mais do que as demais moedas em relação ao dólar. Lembremos que essa cesta inclui o euro, que é a moeda de países cuja participação no comércio brasileiro é bem maior do que a dos Estados Unidos, e cuja depreciação com relação ao dólar vem se acentuando por causa da ação do Banco Central Europeu (BCE).
Um segundo conjunto de forças é representado pelos preços internacionais de commodities e pelo crescimento do comércio mundial. Como a moeda de transação internacional das commodities é o dólar, seu fortalecimento pressiona para baixo os preços internacionais das commodities, e essa tendência se acentua com a desaceleração do crescimento da China. Em adição, depois da crise internacional cresceu o protecionismo, contribuindo para forte desaceleração do crescimento do valor em dólares e em quantum das exportações mundiais. Assim, o Brasil não pode mais contar com a "bonança eterna" dos preços de commodities e da ampliação do comércio mundial, vendo-se obrigado a ajustar o seu déficit em contas correntes com uma maior depreciação do câmbio real.
Quando em 2011 e 2012 os déficits nas contas correntes atingiam US$ 50 bilhões por ano, o Brasil tinha investimentos estrangeiros diretos em torno de US$ 65 bilhões, podendo acumular reservas mesmo sem contar com o ingresso de outros capitais. Atualmente, o déficit nas contas correntes se situa em torno de US$ 90 bilhões, com os investimentos estrangeiros diretos flutuando em torno de US$ 60 bilhões. É verdade que, com a depreciação cambial, o déficit nas contas correntes tende a se reduzir, mas é também verdade que a recessão em que estamos entrando reduz os ingressos em investimentos estrangeiros diretos. A aritmética do equilíbrio no balanço de pagamentos mostra que não somente o País é hoje dependente dos ingressos de portfólio de renda fixa, como continuará dependente nos próximos trimestres.
Um otimista exclamaria que estamos salvos. Afinal, as elevadas taxas de juros no Brasil devem atrair ingressos em renda fixa que ajudam a financiar o nosso déficit, ainda que ele permaneça elevado. A falha no raciocínio é que o cálculo dos investidores não se baseia apenas no diferencial entre os juros no Brasil e no resto do mundo, mas no excesso desse diferencial sobre o risco Brasil. Para um dado diferencial de taxa de juros - não importa quão alto seja - os ingressos em renda fixa declinam quando o risco Brasil se eleva. A prova disso é a enorme correlação positiva entre o câmbio nominal e as cotações do CDS brasileiro. O gráfico anexo superpõe essas duas séries com base em dados diários. Mesmo os mais céticos com relação à mensagem das evidências empíricas terão de reconhecer que uma elevação dos riscos leva à depreciação do real, porque encolhe os ingressos e/ou acelera as saídas dos investimentos em renda fixa.
A pergunta seguinte é: por que variam as cotações do CDS brasileiro? Não há uma única causa. Certamente existirão alguns dispostos a defender sanguineamente que o aumento recente das cotações do CDS é por causa apenas e tão somente ao escândalo da Petrobrás, e que o risco cairá tão logo aquela companhia publique o seu balanço. Não nego que essa é uma força. Mas afirmo que não é a única. Mesmo que Levy entregue neste ano o que prometeu - um superávit de 1,2% do PIB -, este ainda é insuficiente para levar a relação dívida/PIB a uma trajetória descendente. Levy terá de colocar em ação um programa de reformas que reduza a taxa real de juros e eleve o crescimento do PIB potencial. Se tiver sucesso nessa segunda fase de seu programa, talvez tenha sucesso em começar a reduzir a relação dívida/PIB com um superávit primário de apenas 2% do PIB, prometido para 2016. Mas se isso não ocorrer valerá mais a aritmética de Arminio Fraga que, em entrevista recente, afirmou que nas condições atuais (taxa real de juros de 6% ao ano, e crescimento do PIB potencial próximo de 1% ao ano) o superávit primário teria de se elevar para 3% do PIB. É obvio que não precisamos apenas do cumprimento da meta de 1,2% do PIB. São necessários: um aumento do esforço fiscal nos próximos anos; e o sucesso na implementação de um ciclo de reformas, que reduza a taxa real de juros e faça o País voltar a crescer.
Em 2015, o Brasil enfrentará uma recessão, e não haverá alívio na política fiscal em 2016. O custo dessa saga seria menor se o governo não estivesse politicamente fragilizado, mas a popularidade da presidente despencou, e o PT não tem mais a força que no passado tinha no Congresso, com o poder pendendo para o PMDB. Este, por seu turno, tem dado claras demonstrações de que somente está disposto a apoiar o governo caso este se disponha a dividir com ele o poder. Não se trata de um ministério aqui ou a presidência de uma estatal acolá. Trata-se de uma divisão muito mais ambiciosa de poder, com a queda do poder de Dilma e do PT dentro do governo. Políticos diferem de empresários, que maximizam os lucros de suas empresas. Políticos maximizam o poder, e se têm de pagar o ônus de um ajuste social e economicamente custoso, querem o bônus do aumento de sua fatia de comando.
Se o câmbio não tivesse essa incômoda característica de se comportar como o preço de um ativo, tudo seria mais simples. Mas não é isso que ocorre no mundo real. O caso mais benigno é aquele no qual Dilma se decida por dividir o poder com o PMDB, adquirindo maior grau de governabilidade. Não fugirá nem da inflação alta nem da recessão, mas possivelmente reduzirá o overshooting cambial, evitando o custo de uma inflação ainda maior. No extremo oposto está o caso em que o impasse político leve ao aumento dos riscos, com uma depreciação cambial e uma inflação maiores, o que ao lado da recessão reduz ainda mais o apoio político ao governo, fechando-se um círculo vicioso.
Há quem se orgulhe que o papel dos economistas não é relevante, e que o centro do palco deveria ser dado aos políticos. Agora os políticos estão no centro do palco. A nós resta observar os resultados.
A madrasta da crise - BERNARDO MELLO FRANCO
FOLHA DE SP - 29/03
BRASÍLIA - Alguém se lembra do PAC? Somadas, essas três letrinhas formavam o Programa de Aceleração do Crescimento. Turbinaram o segundo mandato de Lula e o ajudaram a vestir a faixa presidencial na pupila Dilma Rousseff.
Há sete anos, em março de 2008, Lula chamou sua então ministra de "mãe do PAC". "É ela que cuida, acompanha, que vai cobrar junto com o Márcio Fortes [então ministro das Cidades] se as obras estão andando ou não estão", disse, em visita a uma favela do Rio.
Dilma seguiu o script à risca. Para aparecer nas ruas, viajou o país e tirou fotos com chapéu de operário. Para aparecer nos jornais, apagou as luzes do palácio e pilotou sonolentas apresentações de PowerPoint, cheias de tabelas com números e cronogramas de obras.
A oposição dizia que o PAC era um slogan eleitoreiro e que a ministra fazia campanha antes da hora. A imprensa mostrava que as obras estouravam prazos e orçamentos. Não tinha importância. A economia estava crescendo. Os empreiteiros estavam felizes ""naquele tempo, lava jato era só o lugar onde alguém lavava seus carros. A mãe do PAC, que nunca havia disputado uma eleição, virou presidente da República.
Desde que Dilma assumiu, a economia patina. Os números divulgados na sexta-feira mostram que o PIB médio de seu primeiro mandato foi o menor desde a catástrofe do governo Collor. O ano passado, com crescimento de 0,1%, foi o pior de todos. O ministro Joaquim Levy avisou que 2015 será ainda pior. Nas palavras dele, o país deu uma "desacelerada forte". Se o trem estava parado, isso significa que começou a andar de marcha a ré.
O arrocho não poupa nem o programa-símbolo de Dilma, que teve suas verbas cortadas em fevereiro. A mãe do PAC virou madrasta da crise. A sorte dela é saber que não será mais candidata em 2018. O azar pode ter passado para Lula, que contava os dias até a próxima eleição.
BRASÍLIA - Alguém se lembra do PAC? Somadas, essas três letrinhas formavam o Programa de Aceleração do Crescimento. Turbinaram o segundo mandato de Lula e o ajudaram a vestir a faixa presidencial na pupila Dilma Rousseff.
Há sete anos, em março de 2008, Lula chamou sua então ministra de "mãe do PAC". "É ela que cuida, acompanha, que vai cobrar junto com o Márcio Fortes [então ministro das Cidades] se as obras estão andando ou não estão", disse, em visita a uma favela do Rio.
Dilma seguiu o script à risca. Para aparecer nas ruas, viajou o país e tirou fotos com chapéu de operário. Para aparecer nos jornais, apagou as luzes do palácio e pilotou sonolentas apresentações de PowerPoint, cheias de tabelas com números e cronogramas de obras.
A oposição dizia que o PAC era um slogan eleitoreiro e que a ministra fazia campanha antes da hora. A imprensa mostrava que as obras estouravam prazos e orçamentos. Não tinha importância. A economia estava crescendo. Os empreiteiros estavam felizes ""naquele tempo, lava jato era só o lugar onde alguém lavava seus carros. A mãe do PAC, que nunca havia disputado uma eleição, virou presidente da República.
Desde que Dilma assumiu, a economia patina. Os números divulgados na sexta-feira mostram que o PIB médio de seu primeiro mandato foi o menor desde a catástrofe do governo Collor. O ano passado, com crescimento de 0,1%, foi o pior de todos. O ministro Joaquim Levy avisou que 2015 será ainda pior. Nas palavras dele, o país deu uma "desacelerada forte". Se o trem estava parado, isso significa que começou a andar de marcha a ré.
O arrocho não poupa nem o programa-símbolo de Dilma, que teve suas verbas cortadas em fevereiro. A mãe do PAC virou madrasta da crise. A sorte dela é saber que não será mais candidata em 2018. O azar pode ter passado para Lula, que contava os dias até a próxima eleição.
A política da crise - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S. Paulo - 29/03
O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) criou em palestra recente uma síntese que contrapõe à crise política, que chama de a política da crise. Refere-se ao comportamento dos atores nela envolvidos que passaram a cumprir roteiros próprios em que a pirotecnia prevalece sobre a busca de soluções que apontem um rumo ao país.
A política da crise, assim, retroalimenta a crise, graduando a intensidade das dificuldades impostas ao governo, dependente do êxito de um ajuste fiscal sob a responsabilidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para encontrar uma porta de saída que lhe devolva o oxigênio perdido desde que tocou fogo no modelo que estabilizara a economia.
O foco dessa guerrilha de facções está na base chamada (impropriamente) aliada, mais que na oposição formal, empenhada em construir agenda paralela, dissociada do esforço de reconstrução da economia, e cujo êxito parcial se deve exatamente à colaboração que o governo empresta com uma soma impressionante de erros em série.
Agora mesmo, ao dar início a uma reforma ministerial negada na véspera, a presidente Dilma Rousseff dá sinais contraditórios com a nomeação de um professor, Renato Janine, para a Educação, e o tesoureiro de sua campanha para gerir as verbas publicitárias, partidarizando o cofre e realimentando a desconfiança quanto ao equilíbrio do processo decisório de governo.
Janine é valor intangível, enquanto Edinho é imposição partidária com o objetivo de dar unicidade ao combate à liberdade de imprensa, associando asfixia econômica com controle de conteúdos, uma dobradinha entre o tesoureiro-ministro e o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini.
Nesse cenário tem-se a base aliada na oposição, PMDB contra PT, PT contra PT e ministros contra ministros, ex-presidente contra presidente, sem que exista perspectiva de romper o ciclo de paralisia política, tornando o futuro incerto.
O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) criou em palestra recente uma síntese que contrapõe à crise política, que chama de a política da crise. Refere-se ao comportamento dos atores nela envolvidos que passaram a cumprir roteiros próprios em que a pirotecnia prevalece sobre a busca de soluções que apontem um rumo ao país.
A política da crise, assim, retroalimenta a crise, graduando a intensidade das dificuldades impostas ao governo, dependente do êxito de um ajuste fiscal sob a responsabilidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para encontrar uma porta de saída que lhe devolva o oxigênio perdido desde que tocou fogo no modelo que estabilizara a economia.
O foco dessa guerrilha de facções está na base chamada (impropriamente) aliada, mais que na oposição formal, empenhada em construir agenda paralela, dissociada do esforço de reconstrução da economia, e cujo êxito parcial se deve exatamente à colaboração que o governo empresta com uma soma impressionante de erros em série.
Agora mesmo, ao dar início a uma reforma ministerial negada na véspera, a presidente Dilma Rousseff dá sinais contraditórios com a nomeação de um professor, Renato Janine, para a Educação, e o tesoureiro de sua campanha para gerir as verbas publicitárias, partidarizando o cofre e realimentando a desconfiança quanto ao equilíbrio do processo decisório de governo.
Janine é valor intangível, enquanto Edinho é imposição partidária com o objetivo de dar unicidade ao combate à liberdade de imprensa, associando asfixia econômica com controle de conteúdos, uma dobradinha entre o tesoureiro-ministro e o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini.
Nesse cenário tem-se a base aliada na oposição, PMDB contra PT, PT contra PT e ministros contra ministros, ex-presidente contra presidente, sem que exista perspectiva de romper o ciclo de paralisia política, tornando o futuro incerto.
Acabou-se a festa do Carf - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 29/03
A Polícia Federal pegou a quadrilha que resolvia litígios tributários do andar de cima na burocracia da Fazenda
Junto com a blitz da Polícia Federal em cima da quadrilha que operava no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, vem uma boa notícia: ao contrário do que sucedeu na Lava Jato, na qual a Petrobras e as empreiteiras relutavam em colaborar com a investigação, desta vez há centenas de auditores da Receita querendo contar o que sabem, o que provam e o que denunciam há anos.
Através dos tempos e com outros nomes, o Carf é uma espécie de instância especial para grandes vítimas da Receita. Um lambari apanhado na malha fina acha melhor pagar do que discutir. Uma grande empresa recorre e acaba no Carf. Lá, seu recurso é julgado por turmas presididas por servidores da Fazenda e compostas por três outros servidores, mais três representantes do sindicalismo patronal. Nenhum outro país digno de menção tem um sistema semelhante.
No Carf tramitam 105 mil processos com R$ 520 bilhões em autuações contestadas. A porca torce o rabo quando auditores viram consultores e ligam-se a escritórios de advocacia que militam junto ao Conselho. A PF já achou 70 processos com desfechos suspeitos. Nove extinguiram cobranças que iam a R$ 6 bilhões. Se procurarem direito acharão cinco cobranças que valiam R$ 10 bilhões e viraram pó. Na casa de um conselheiro acharam R$ 800 mil em dinheiro vivo. (Há alguns anos, na casa de um auditor da Receita, acharam uma máquina de contar dinheiro.)
O Carf tem uma caixa preta. É impossível obter dele algumas estatísticas simples: quantos recursos são apreciados? Quantos são acolhidos e quantos são rejeitados? Quantos são os recursos aceitos nas faixas de até R$ 10 milhões, R$ 100 milhões e acima de R$ 1 bilhão? Diversas tentativas, até mesmo em pedidos de informações de parlamentares, bateram num muro de silêncio. Quais foram os cinco maiores recursos negados? E os concedidos? Tudo isso pode ser feito sem revelar o nome dos contribuintes. O Ministério da Fazenda informou que "se forem constatados vícios nas decisões" do Conselho "elas serão revistas nos termos da lei". Seria possível o contrário?
Os contubérnios vêm de longe. Durante o mandarinato do doutor Guido Mantega eles foram combatidos e gente séria estima que, se a taxa de malandragens era de 70%, hoje estaria em 30%. Ainda assim, a operação da PF poderá transformar a Lava Jato num trocado. O prejuízo da Viúva pode chegar a algo como R$ 19 bilhões. Enquanto as petrorroubalheiras envolviam obras, essas são exemplos de pura corrupção, com o dinheiro indo do sonegador para o larápio, e mais nada. Uma autuação de R$ 100 milhões era quitada por fora ao preço de R$ 10 milhões.
Nesse tipo de malfeito não há partidos políticos nem doações de campanha, legais ou ilegais. Só há bolsos. Empresas de consultoria e escritórios de advocacia que julgavam ter descoberto o caminho das pedras precisam procurar bons defensores.
RECORDAR É VIVER
Na hora em que a Polícia Federal foi em cima das malandragens praticadas no Conselho Administra-tivo de Recursos Fiscais, é justo recordar que, nos anos Quinhentos, os índios caetés não comeram só o bispo Pero Fernandes Sardinha. Eles traçaram também o provedor-mor da Fazenda, Antonio Cardoso de Barros, o homem dos impostos.
MUSEU DO MORO
Num benefício lateral da Lava Jato, o juiz Sergio Moro prestou uma colaboração à política nacional de museus.
Faz tempo, primeiro cuida-se da construção do prédio, contratando a empreiteira. Depois, cuida-se do acervo. Disso resulta que no Rio estão sendo construídos dois novos museus, mas o da Cidade está fechado desde 2011.
Moro, que botou empreiteiros na cadeia, apreendeu mais de 200 obras de arte nas casas de maganos (131 só com o petrocomissário Renato Duque). Formou primeiro o acervo.
RENAN E CUNHA
Muita gente boa acha que, no fundo, Renan Calheiros e Eduardo Cunha merecem uma indulgência plenária por estarem azucrinando a vida do PT.
O partido da dupla, o PMDB, blindou o versátil Fernando Baiano para que a CPI da Petrobras não o ouvisse. Ele está na cadeia, acusado de ser o operador do partido na Petrobras.
Renan e Cunha nada poderão fazer por ele junto ao juiz Sergio Moro.
MAUS VENTOS
Um velho marinheiro ensina: "Se você está em alto mar e sente cheiro de bosta de vaca, corra para um porto. No mar não tem vaca, isso é prenúncio de tempestade."
O comissariado petista que estuda a estratégia para a próxima eleição municipal está sentindo cheiro de bosta de vaca.
SALVEM A FORTALEZA DA LAJE
Uma licitação mutretada jogou luz sobre um atentado ao patrimônio histórico do Rio de Janeiro. O Exército pretendia arrendar por vinte anos a Fortaleza da Laje, aquele calombo rochoso que fica na entrada da barra da baía da Guanabara, entre o Pão de Açúcar e a Fortaleza de Santa Cruz.
Desde os tempos coloniais a fortaleza foi uma das principais peças para a defesa da cidade. Usada como prisão, nela trancaram José Bonifácio e o poeta Olavo Bilac. Na crise da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, humilharam o general Henrique Lott mandando-o para lá. Depois da deposição do presidente João Goulart, o almirante Cândido Aragão, que comandara os fuzileiros navais, lá foi mantido incomunicável por várias semanas.
O Exército cuida bem de alguns sítios históricos, como o Forte de Copacabana e a Fortaleza de Santa Cruz. Nesse caso, patrocinaria uma monstruosidade, pois tratava-se de construir um apêndice-restaurante no calombo de 6 mil metros quadrados, desfigurando-lhe a silhueta. Algo como escavar um buraco no Pão de Açúcar para receber uma casa noturna. Pelas artes dos piratas, o projeto obteve o beneplácito do Instituto do Patrimônio Histórico. Há alguns anos, numa instância preliminar, o Iphan atendeu ao então Super-Eike Batista e aprovou a construção de um centro de convenções na Marina da Glória. O projeto era amparado pelo prefeito Eduardo Paes. Felizmente, os santos que defendem o Rio fizeram com que Eike e seu mafuá fossem à lona e com que caducasse a licença para o restaurante da fortaleza.
Do jeito que estão as coisas, o monstrengo parece ter sido arquivado, mas não custa ao Exército anunciar que, em nome de José Bonifácio, Olavo Bilac e Lott, não desfigurará a entrada da barra.
Como ensinou a poeta americana Elizabeth Bishop, que viveu na cidade durante o século passado: "O Rio não é uma cidade maravilhosa. É apenas um cenário maravilhoso para uma cidade". Ao longo dos últimos 450 anos, foram poucos os administradores que ajudaram a preservar o cenário.
A Polícia Federal pegou a quadrilha que resolvia litígios tributários do andar de cima na burocracia da Fazenda
Junto com a blitz da Polícia Federal em cima da quadrilha que operava no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, vem uma boa notícia: ao contrário do que sucedeu na Lava Jato, na qual a Petrobras e as empreiteiras relutavam em colaborar com a investigação, desta vez há centenas de auditores da Receita querendo contar o que sabem, o que provam e o que denunciam há anos.
Através dos tempos e com outros nomes, o Carf é uma espécie de instância especial para grandes vítimas da Receita. Um lambari apanhado na malha fina acha melhor pagar do que discutir. Uma grande empresa recorre e acaba no Carf. Lá, seu recurso é julgado por turmas presididas por servidores da Fazenda e compostas por três outros servidores, mais três representantes do sindicalismo patronal. Nenhum outro país digno de menção tem um sistema semelhante.
No Carf tramitam 105 mil processos com R$ 520 bilhões em autuações contestadas. A porca torce o rabo quando auditores viram consultores e ligam-se a escritórios de advocacia que militam junto ao Conselho. A PF já achou 70 processos com desfechos suspeitos. Nove extinguiram cobranças que iam a R$ 6 bilhões. Se procurarem direito acharão cinco cobranças que valiam R$ 10 bilhões e viraram pó. Na casa de um conselheiro acharam R$ 800 mil em dinheiro vivo. (Há alguns anos, na casa de um auditor da Receita, acharam uma máquina de contar dinheiro.)
O Carf tem uma caixa preta. É impossível obter dele algumas estatísticas simples: quantos recursos são apreciados? Quantos são acolhidos e quantos são rejeitados? Quantos são os recursos aceitos nas faixas de até R$ 10 milhões, R$ 100 milhões e acima de R$ 1 bilhão? Diversas tentativas, até mesmo em pedidos de informações de parlamentares, bateram num muro de silêncio. Quais foram os cinco maiores recursos negados? E os concedidos? Tudo isso pode ser feito sem revelar o nome dos contribuintes. O Ministério da Fazenda informou que "se forem constatados vícios nas decisões" do Conselho "elas serão revistas nos termos da lei". Seria possível o contrário?
Os contubérnios vêm de longe. Durante o mandarinato do doutor Guido Mantega eles foram combatidos e gente séria estima que, se a taxa de malandragens era de 70%, hoje estaria em 30%. Ainda assim, a operação da PF poderá transformar a Lava Jato num trocado. O prejuízo da Viúva pode chegar a algo como R$ 19 bilhões. Enquanto as petrorroubalheiras envolviam obras, essas são exemplos de pura corrupção, com o dinheiro indo do sonegador para o larápio, e mais nada. Uma autuação de R$ 100 milhões era quitada por fora ao preço de R$ 10 milhões.
Nesse tipo de malfeito não há partidos políticos nem doações de campanha, legais ou ilegais. Só há bolsos. Empresas de consultoria e escritórios de advocacia que julgavam ter descoberto o caminho das pedras precisam procurar bons defensores.
RECORDAR É VIVER
Na hora em que a Polícia Federal foi em cima das malandragens praticadas no Conselho Administra-tivo de Recursos Fiscais, é justo recordar que, nos anos Quinhentos, os índios caetés não comeram só o bispo Pero Fernandes Sardinha. Eles traçaram também o provedor-mor da Fazenda, Antonio Cardoso de Barros, o homem dos impostos.
MUSEU DO MORO
Num benefício lateral da Lava Jato, o juiz Sergio Moro prestou uma colaboração à política nacional de museus.
Faz tempo, primeiro cuida-se da construção do prédio, contratando a empreiteira. Depois, cuida-se do acervo. Disso resulta que no Rio estão sendo construídos dois novos museus, mas o da Cidade está fechado desde 2011.
Moro, que botou empreiteiros na cadeia, apreendeu mais de 200 obras de arte nas casas de maganos (131 só com o petrocomissário Renato Duque). Formou primeiro o acervo.
RENAN E CUNHA
Muita gente boa acha que, no fundo, Renan Calheiros e Eduardo Cunha merecem uma indulgência plenária por estarem azucrinando a vida do PT.
O partido da dupla, o PMDB, blindou o versátil Fernando Baiano para que a CPI da Petrobras não o ouvisse. Ele está na cadeia, acusado de ser o operador do partido na Petrobras.
Renan e Cunha nada poderão fazer por ele junto ao juiz Sergio Moro.
MAUS VENTOS
Um velho marinheiro ensina: "Se você está em alto mar e sente cheiro de bosta de vaca, corra para um porto. No mar não tem vaca, isso é prenúncio de tempestade."
O comissariado petista que estuda a estratégia para a próxima eleição municipal está sentindo cheiro de bosta de vaca.
SALVEM A FORTALEZA DA LAJE
Uma licitação mutretada jogou luz sobre um atentado ao patrimônio histórico do Rio de Janeiro. O Exército pretendia arrendar por vinte anos a Fortaleza da Laje, aquele calombo rochoso que fica na entrada da barra da baía da Guanabara, entre o Pão de Açúcar e a Fortaleza de Santa Cruz.
Desde os tempos coloniais a fortaleza foi uma das principais peças para a defesa da cidade. Usada como prisão, nela trancaram José Bonifácio e o poeta Olavo Bilac. Na crise da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, humilharam o general Henrique Lott mandando-o para lá. Depois da deposição do presidente João Goulart, o almirante Cândido Aragão, que comandara os fuzileiros navais, lá foi mantido incomunicável por várias semanas.
O Exército cuida bem de alguns sítios históricos, como o Forte de Copacabana e a Fortaleza de Santa Cruz. Nesse caso, patrocinaria uma monstruosidade, pois tratava-se de construir um apêndice-restaurante no calombo de 6 mil metros quadrados, desfigurando-lhe a silhueta. Algo como escavar um buraco no Pão de Açúcar para receber uma casa noturna. Pelas artes dos piratas, o projeto obteve o beneplácito do Instituto do Patrimônio Histórico. Há alguns anos, numa instância preliminar, o Iphan atendeu ao então Super-Eike Batista e aprovou a construção de um centro de convenções na Marina da Glória. O projeto era amparado pelo prefeito Eduardo Paes. Felizmente, os santos que defendem o Rio fizeram com que Eike e seu mafuá fossem à lona e com que caducasse a licença para o restaurante da fortaleza.
Do jeito que estão as coisas, o monstrengo parece ter sido arquivado, mas não custa ao Exército anunciar que, em nome de José Bonifácio, Olavo Bilac e Lott, não desfigurará a entrada da barra.
Como ensinou a poeta americana Elizabeth Bishop, que viveu na cidade durante o século passado: "O Rio não é uma cidade maravilhosa. É apenas um cenário maravilhoso para uma cidade". Ao longo dos últimos 450 anos, foram poucos os administradores que ajudaram a preservar o cenário.
A inação do governo - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29//03
A escolha do filósofo Renato Janine Ribeiro para o Ministério da Educação jogou um pouco de luz no cenário político que havia muito tempo estava dominado pela incapacidade da Presidente Dilma de colocar foco em questões fundamentais para o funcionamento do governo.
Escolher Cid Gomes para um governo que pretende ter como lema “Pátria Educadora” foi um sinal desse descompasso entre a teoria marqueteira e a prática medíocre de um governo sem rumo.
Renato Janine, um intelectual com proximidades ideológicas com o PT, mas independência suficiente para uma atuação técnica de qualidade, sem aparelhamento partidário do Estado, é exemplo de como deveria ter sido montado o governo em seu início, para tentar superar pela qualidade dos escolhidos os problemas previsíveis que encontraria pela frente.
Janine já tem experiência na burocracia de Estado, tendo trabalhado na direção da Capes e no CNPQ. Ao contrário, o baixo nível médio do primeiro ministério mostrou a incapacidade política da presidente de montar uma equipe pela meritocracia, cedendo à lógica do distorcido presidencialismo de coalizão iniciado no segundo mandato do ex-presidente Lula: quanto maior o número de partidos dentro da base aliada, melhor para a formação de uma maioria defensiva, montada não para executar um programa de governo, mas para evitar CPIs e, no limite, o impeachment que quase atingiu Lula em 2005.
Vê-se na prática que essa tese não funciona, pois a presidente Dilma já perdeu a maioria no Congresso, que só existe quando o PMDB deixa. Dependente desse apoio, o governo não governa, isto é, abandona suas funções de fazer a máquina pública andar pela incerteza de ter apoio para medidas que deseja tomar.
A indicação do substituto de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal é exemplar dessa inação governamental. Noves fora a saudável precaução de não nomear ninguém antes de confirmar sua reeleição, e algum atraso normal devido aos festejos de fim de ano e Carnaval, a presidente Dilma foi ampliando a cada nova nomeação a defasagem entre a saída de um ministro e a nomeação do novo, chegando a inacreditáveis 8 meses desta vez.
Com receio de seu indicado não ser aprovado pelo Senado, simplesmente não decide. Assim também as agências reguladoras, das quais a ANTT e a ANAC são exemplos gritantes, trabalham sem os diretores regularmente indicados, pois também têm que ser aprovados pelo Senado.
No Conselho Administrativo da Petrobras, os nomes são indicados e desindicados com ligeireza, a tal ponto que Luciano Coutinho foi nomeado presidente interino do Conselho para dar tempo a que a Petrobras consiga divulgar um balanço auditado, sem o qual o verdadeiro presidente, Maurílio Ferreira, da Vale, não aceita assumir o cargo.
São muitos os exemplos de decisões postergadas devido a esse parlamentarismo branco instalado em Brasília. A presidente não faz mais nada sem detectar antes o humor do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ou do Senado, Renan Calheiros, e chega-se a situações irônicas como a nomeação de Henrique Alves para o ministério do Turismo, para agradar Cunha, ser suspensa para não desagradar Calheiros, que protege o atual ministro do Turismo.
Para que todos fiquem satisfeitos, é capaz de Vinicius Lages ir para outro ministério, não se sabe qual mesmo, e acabar irritando o PT, ou o PP, ou outro aliado de ocasião qualquer. Enquanto perscruta o humor de Calheiros como os antigos tentavam entender os sinais dos oráculos, a presidente vai limitando sua capacidade de governar, já afetada pelos baixíssimos índices de aceitação popular, que deslegitimam suas decisões.
Como resultado desta inação governamental, cada setor exerce seu pequeno poder sem olhar para o lado, e o Estado vai se desmilinguindo.
A escolha do filósofo Renato Janine Ribeiro para o Ministério da Educação jogou um pouco de luz no cenário político que havia muito tempo estava dominado pela incapacidade da Presidente Dilma de colocar foco em questões fundamentais para o funcionamento do governo.
Escolher Cid Gomes para um governo que pretende ter como lema “Pátria Educadora” foi um sinal desse descompasso entre a teoria marqueteira e a prática medíocre de um governo sem rumo.
Renato Janine, um intelectual com proximidades ideológicas com o PT, mas independência suficiente para uma atuação técnica de qualidade, sem aparelhamento partidário do Estado, é exemplo de como deveria ter sido montado o governo em seu início, para tentar superar pela qualidade dos escolhidos os problemas previsíveis que encontraria pela frente.
Janine já tem experiência na burocracia de Estado, tendo trabalhado na direção da Capes e no CNPQ. Ao contrário, o baixo nível médio do primeiro ministério mostrou a incapacidade política da presidente de montar uma equipe pela meritocracia, cedendo à lógica do distorcido presidencialismo de coalizão iniciado no segundo mandato do ex-presidente Lula: quanto maior o número de partidos dentro da base aliada, melhor para a formação de uma maioria defensiva, montada não para executar um programa de governo, mas para evitar CPIs e, no limite, o impeachment que quase atingiu Lula em 2005.
Vê-se na prática que essa tese não funciona, pois a presidente Dilma já perdeu a maioria no Congresso, que só existe quando o PMDB deixa. Dependente desse apoio, o governo não governa, isto é, abandona suas funções de fazer a máquina pública andar pela incerteza de ter apoio para medidas que deseja tomar.
A indicação do substituto de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal é exemplar dessa inação governamental. Noves fora a saudável precaução de não nomear ninguém antes de confirmar sua reeleição, e algum atraso normal devido aos festejos de fim de ano e Carnaval, a presidente Dilma foi ampliando a cada nova nomeação a defasagem entre a saída de um ministro e a nomeação do novo, chegando a inacreditáveis 8 meses desta vez.
Com receio de seu indicado não ser aprovado pelo Senado, simplesmente não decide. Assim também as agências reguladoras, das quais a ANTT e a ANAC são exemplos gritantes, trabalham sem os diretores regularmente indicados, pois também têm que ser aprovados pelo Senado.
No Conselho Administrativo da Petrobras, os nomes são indicados e desindicados com ligeireza, a tal ponto que Luciano Coutinho foi nomeado presidente interino do Conselho para dar tempo a que a Petrobras consiga divulgar um balanço auditado, sem o qual o verdadeiro presidente, Maurílio Ferreira, da Vale, não aceita assumir o cargo.
São muitos os exemplos de decisões postergadas devido a esse parlamentarismo branco instalado em Brasília. A presidente não faz mais nada sem detectar antes o humor do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ou do Senado, Renan Calheiros, e chega-se a situações irônicas como a nomeação de Henrique Alves para o ministério do Turismo, para agradar Cunha, ser suspensa para não desagradar Calheiros, que protege o atual ministro do Turismo.
Para que todos fiquem satisfeitos, é capaz de Vinicius Lages ir para outro ministério, não se sabe qual mesmo, e acabar irritando o PT, ou o PP, ou outro aliado de ocasião qualquer. Enquanto perscruta o humor de Calheiros como os antigos tentavam entender os sinais dos oráculos, a presidente vai limitando sua capacidade de governar, já afetada pelos baixíssimos índices de aceitação popular, que deslegitimam suas decisões.
Como resultado desta inação governamental, cada setor exerce seu pequeno poder sem olhar para o lado, e o Estado vai se desmilinguindo.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Não se pode discutir reforma política criando partido fictício”
Deputado Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, sobre a criação do PL
NOVO MINISTRO CRITICA RENAN, CUNHA E O PMDB
O novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, ex-funcionário do governo Lula entre 2004 e 2008, costuma criticar asperamente o PMDB e seus principais líderes. Durante palestra gravada em vídeo, quando se refere aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, afirma: “Pelo visto não têm preocupação maior com o País” e lembra que ambos “são acusados de fatos de corrupção grave”.
CUNHA É AMEAÇA
Para Renato Janine Ribeiro, é “perigosa” a eleição de Cunha, que “define a pauta” da Câmara. E insiste: “É uma coisa muito grave”.
SÓ UM ‘CIVILIZADO’
Para o novo ministro, entre os três da linha de sucessão (o vice Michel Temer, Cunha e Renan) o “único na esfera civilizada é Temer”.
SOBROU PARA O PT
Renato Janine Ribeiro diz que o PT “era o partido da ética” e concluiu que o partido de Dilma “relaxou no combate à corrupção.”
GERENTONA CRITICADA
Para o novo ministro da Educação, no mesmo vídeo, “a presidente não é a mais fácil do mundo em termos de gestão, direção etc.”
DILMA ENFURECE RENAN OFERECENDO-LHE A CONAB
No auge da irritação por não ter sido consultado sobre a demissão do ministro Vinícius Lages (Turismo), por ele indicado, para ser substituído pelo ex-deputado Henrique Alves, o presidente do Senado, Renan Calheiros, ficou furioso ao receber por telefone a oferta de Dilma para compensá-lo: indicar o presidente da Conab, empresa pública de abastecimento de alimentos, ligada ao Ministério da Agricultura.
JOGADA
A escolha de Henrique para o cargo de ministro do Turismo objetiva “rachar” o PMDB. A reação de Renan mostra que a jogada deu certo.
PASSOU RECIBO
Irritado, Renan ignorou os insistentes apelos de Henrique Alves por seu “aval”. “Para quê? Não precisa, é uma escolha da presidente”, disse.
CHANCES REDUZIDAS
O presidente do Senado ficou tão afetado com a desfeita de Dilma que se lançou na luta inglória pela demissão do ministro Gilberto Kassab.
SEMANA NADA SANTA
Alguns dos principais comandantes do PMDB combinaram passar a Semana Santa em Portugal, acertando ponteiros: Renan Calheiros e Eduardo Cunha, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, e o ex-presidente José Sarney. Viajam quinta no jato particular de um deles.
BARRADO NO BAILE
Quando soube que as principais figuras do PMDB planejavam a Semana Santa em Portugal, o ministro Eduardo Braga (Minas e Energia) se ofereceu para ir. Mas não havia mais lugar no avião.
GESTÕES NA CPI
Emissários fazem gestões na CPI do HSBC para evitar a convocação de três senhoras da família Queiroz, donas de empresas de mídia em Fortaleza. Juntas, somavam US$ 83,9 milhões na conta nº 5940 CE do HSBC na Suíça. Não está claro se eram declarados à Receita Federal.
ABRIGO PROVISÓRIO
Com sua sala sob reforma, o deputado desabrigado Ronaldo Lessa (PDT-AL) ocupa o gabinete cedido pelo conterrâneo Renan Calheiros no Anexo I do Senado, vazio desde que assumiu a presidência.
NA PAIXÃO, SEM FARDÃO
O governador Paulo Câmara trocou a posse do pernambucano Evaldo Cabral de Melo na Academia Brasileira de Letras para ir à Paixão de Cristo de Nova Jerusalém com o ministro Vinícius Lages (Turismo).
PEC BARRICHELLO
Ganhou o apelido de “PEC Barrichello”, em homenagem à lerdeza do nosso piloto, a proposta de emenda que fixa prazo para Dilma indicar membros do Supremo Tribunal Federal, do STJ e dos TRFs.
COTOVELADAS E TRAIÇÃO
Tucanos como Ricardo Tripoli, Andrea Matarazzo e Bruno Covas trocam cotoveladas pela candidatura do PSDB a prefeito, em 2016. Mas Geraldo Alckmin anda conversando com Marta Suplicy...
IMPOSTÔMETRO
No dia internacional do circo, o impostômetro bateu a marca de R$ 450 bilhões. Com a grana arrecadada em tributos seria possível construir e equipar quase 33 milhões de salas de aula.
FOI A GANÂNCIA
Em reportagem sobre a fragilidade das democracias latinas, a revista britânica The Economist atribui a corrupção na Petrobras à “ganância voraz do PT e aliados”.
PODER SEM PUDOR
Votos garantidos
O "coronel" e vereador Nei Ferreira era candidato à reeleição, em Vitória da Conquista (BA), quando visitou um bairro da cidade:
- Aqui eu quero 750 votos - gritou, no palanque.
- Pois o sr. vai ter aqui uns 1.500 votos, coronel - cochichou um cabo eleitoral.
Ferreira voltou a proclamar, ao microfone:
- Eu sei que 1.500 eleitores já prometeram votar em mim neste bairro, mas como eleitor é um animal muito safado, eu aceito a metade!
Deputado Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, sobre a criação do PL
NOVO MINISTRO CRITICA RENAN, CUNHA E O PMDB
O novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, ex-funcionário do governo Lula entre 2004 e 2008, costuma criticar asperamente o PMDB e seus principais líderes. Durante palestra gravada em vídeo, quando se refere aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, afirma: “Pelo visto não têm preocupação maior com o País” e lembra que ambos “são acusados de fatos de corrupção grave”.
CUNHA É AMEAÇA
Para Renato Janine Ribeiro, é “perigosa” a eleição de Cunha, que “define a pauta” da Câmara. E insiste: “É uma coisa muito grave”.
SÓ UM ‘CIVILIZADO’
Para o novo ministro, entre os três da linha de sucessão (o vice Michel Temer, Cunha e Renan) o “único na esfera civilizada é Temer”.
SOBROU PARA O PT
Renato Janine Ribeiro diz que o PT “era o partido da ética” e concluiu que o partido de Dilma “relaxou no combate à corrupção.”
GERENTONA CRITICADA
Para o novo ministro da Educação, no mesmo vídeo, “a presidente não é a mais fácil do mundo em termos de gestão, direção etc.”
DILMA ENFURECE RENAN OFERECENDO-LHE A CONAB
No auge da irritação por não ter sido consultado sobre a demissão do ministro Vinícius Lages (Turismo), por ele indicado, para ser substituído pelo ex-deputado Henrique Alves, o presidente do Senado, Renan Calheiros, ficou furioso ao receber por telefone a oferta de Dilma para compensá-lo: indicar o presidente da Conab, empresa pública de abastecimento de alimentos, ligada ao Ministério da Agricultura.
JOGADA
A escolha de Henrique para o cargo de ministro do Turismo objetiva “rachar” o PMDB. A reação de Renan mostra que a jogada deu certo.
PASSOU RECIBO
Irritado, Renan ignorou os insistentes apelos de Henrique Alves por seu “aval”. “Para quê? Não precisa, é uma escolha da presidente”, disse.
CHANCES REDUZIDAS
O presidente do Senado ficou tão afetado com a desfeita de Dilma que se lançou na luta inglória pela demissão do ministro Gilberto Kassab.
SEMANA NADA SANTA
Alguns dos principais comandantes do PMDB combinaram passar a Semana Santa em Portugal, acertando ponteiros: Renan Calheiros e Eduardo Cunha, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, e o ex-presidente José Sarney. Viajam quinta no jato particular de um deles.
BARRADO NO BAILE
Quando soube que as principais figuras do PMDB planejavam a Semana Santa em Portugal, o ministro Eduardo Braga (Minas e Energia) se ofereceu para ir. Mas não havia mais lugar no avião.
GESTÕES NA CPI
Emissários fazem gestões na CPI do HSBC para evitar a convocação de três senhoras da família Queiroz, donas de empresas de mídia em Fortaleza. Juntas, somavam US$ 83,9 milhões na conta nº 5940 CE do HSBC na Suíça. Não está claro se eram declarados à Receita Federal.
ABRIGO PROVISÓRIO
Com sua sala sob reforma, o deputado desabrigado Ronaldo Lessa (PDT-AL) ocupa o gabinete cedido pelo conterrâneo Renan Calheiros no Anexo I do Senado, vazio desde que assumiu a presidência.
NA PAIXÃO, SEM FARDÃO
O governador Paulo Câmara trocou a posse do pernambucano Evaldo Cabral de Melo na Academia Brasileira de Letras para ir à Paixão de Cristo de Nova Jerusalém com o ministro Vinícius Lages (Turismo).
PEC BARRICHELLO
Ganhou o apelido de “PEC Barrichello”, em homenagem à lerdeza do nosso piloto, a proposta de emenda que fixa prazo para Dilma indicar membros do Supremo Tribunal Federal, do STJ e dos TRFs.
COTOVELADAS E TRAIÇÃO
Tucanos como Ricardo Tripoli, Andrea Matarazzo e Bruno Covas trocam cotoveladas pela candidatura do PSDB a prefeito, em 2016. Mas Geraldo Alckmin anda conversando com Marta Suplicy...
IMPOSTÔMETRO
No dia internacional do circo, o impostômetro bateu a marca de R$ 450 bilhões. Com a grana arrecadada em tributos seria possível construir e equipar quase 33 milhões de salas de aula.
FOI A GANÂNCIA
Em reportagem sobre a fragilidade das democracias latinas, a revista britânica The Economist atribui a corrupção na Petrobras à “ganância voraz do PT e aliados”.
PODER SEM PUDOR
Votos garantidos
O "coronel" e vereador Nei Ferreira era candidato à reeleição, em Vitória da Conquista (BA), quando visitou um bairro da cidade:
- Aqui eu quero 750 votos - gritou, no palanque.
- Pois o sr. vai ter aqui uns 1.500 votos, coronel - cochichou um cabo eleitoral.
Ferreira voltou a proclamar, ao microfone:
- Eu sei que 1.500 eleitores já prometeram votar em mim neste bairro, mas como eleitor é um animal muito safado, eu aceito a metade!
sexta-feira, março 27, 2015
Os robôs abandonam o barco - FERNANDO GABEIRA
O ESTADO DE S.PAULO - 27/03
O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.
Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês - contrataram uma empresa americana - que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.
Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da imprensa.
Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá conta de que a porta está aberta.
O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de comunicação.
Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.
Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.
Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir seus projetos com o interesse nacional.
Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica da crise política.
Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.
Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem violência.
Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento: intensificar a propaganda em São Paulo.
Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria esmagadora que o rejeita.
Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no futuro, teria razões para se preocupar.
A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais energia?
As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o mordomo.
Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.
Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam cada vez mais inteligentes.
Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.
Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.
Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro contando picaretas no Congresso.
É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a morrer exangue.
O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.
Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês - contrataram uma empresa americana - que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.
Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da imprensa.
Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá conta de que a porta está aberta.
O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de comunicação.
Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.
Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.
Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir seus projetos com o interesse nacional.
Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica da crise política.
Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.
Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem violência.
Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento: intensificar a propaganda em São Paulo.
Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria esmagadora que o rejeita.
Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no futuro, teria razões para se preocupar.
A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais energia?
As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o mordomo.
Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.
Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam cada vez mais inteligentes.
Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.
Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.
Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro contando picaretas no Congresso.
É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a morrer exangue.
Paciência tem limite - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S. Paulo - 27/03
Não bastassem os embates com Lula, com o PT, com o Congresso, com a realidade econômica, com as pesquisas de popularidade e com a própria equipe, a presidente Dilma Rousseff decidiu agora abrir mais uma frente de batalha: com os prefeitos.
Sem entrar no mérito da mudança de indexador das dívidas dos municípios, que aumenta ainda mais o rombo do governo federal, o fato é que Dilma deu o doce e depois tirou o doce da boca das crianças. O novo indexador foi aprovado há quatro meses, não entrou em vigor e ela recorre a um argumento técnico para tratar uma questão que é também política: a lei foi aprovada, mas não regulamentada, e os tempos são de aperto. É mesmo?
São sete Estados e 180 municípios beneficiados pela mudança e desesperados pela redução drástica de suas dívidas. A da capital de São Paulo, por exemplo, pode despencar 42%, de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Imaginem essa diferença às vésperas da eleição municipal de 2016, com muitos já em campanha pela reeleição.
Os primeiros a partir para cima foram Eduardo Paes, do Rio, e Fernando Haddad, de São Paulo. Paes, que não é apenas do PMDB, mas aliado do deputado Eduardo Cunha e até possível nome do partido para a Presidência em 2018, entrou na Justiça para fazer valer a lei. E Haddad, que é do PT lulista, mandou recados mal humorados pela imprensa.
Nessa nova crise, aconteceu o que já se tornou rotina: o Palácio do Planalto ficou de um lado e o Congresso, de outro. Dilma falou à tarde que reduzir a dívida de Estados e municípios com a União (algo já aprovado, lembre-se) seria "inconsequente" num momento de cortes. Horas depois, na mesma noite, a Câmara aprovou um projeto botando a faca no pescoço da presidente: o governo tem 30 dias para mudar o indexador e acabou-se a história.
Detalhe: a "inconsequência" comandada por Cunha foi apoiada pelo próprio PT e até pelo dócil PC do B, que vota (votava?) tudo que seu mestre - ou sua mestra - mandar.
São Joaquim Levy conseguiu adiar a decisão do Senado para ao menos terça-feira que vem, mas veja você: o filho do presidente da Casa, Renan Calheiros Filho, é governador de Alagoas, um dos Estados beneficiados. Dilma vai acabar perdendo no Senado também...
Bem, é nesse clima que os prefeitos de todo o País vão se reunir em Brasília de 7 a 9 de abril. O tema oficial é desenvolvimento sustentável, mas a pauta real não vai ser o aquecimento global, mas o clima político insuportável contra o PT e Dilma.
Após dizer ao Estado que já passou por momentos semelhantes (de "caos político", de tensão, de desânimo) no governo Lula, o ministro Jacques Wagner (Defesa) pediu "paciência, foco, perseverança". Ele acha que o ajuste fiscal vai passar e tudo vai melhorar lá pelo final do ano.
Pode ser, pode não ser. Com o governo à deriva, sem um(a) líder, sem rumo, Dilma joga todas as suas fichas na aprovação das medidas do ajuste fiscal, que dependem justamente... da Câmara de Eduardo Cunha e do Senado de Renan Calheiros. Mas, se ela perdeu na eleição para a presidência da Câmara, no embate com prefeitos, na correção do Imposto de Renda e está perdendo no confronto com municípios, por que ganharia no ajuste?
Por enquanto, o cenário não é animador. Só ontem, num único dia, tivemos: o Banco Central admite pela primeira vez retração em 2014 e 2015, o índice de desemprego de fevereiro é o pior para o mês desde 2011 e o novo escândalo da praça (desvios no "tribunal" da Receita) consegue ser ainda pior do que o da Lava Jato, em torno de R$ 19 bilhões (?!). Você conseguiria imaginar algo ainda mais escandaloso do que o da Petrobrás? Existe.
Pois é, ministro, vai ser preciso muuuuiiiita paciência.
Pericás. Morreu o embaixador Bernardo Pericás, estrela de um momento glorioso do Itamaraty e referência para as novas gerações de diplomatas.
Não bastassem os embates com Lula, com o PT, com o Congresso, com a realidade econômica, com as pesquisas de popularidade e com a própria equipe, a presidente Dilma Rousseff decidiu agora abrir mais uma frente de batalha: com os prefeitos.
Sem entrar no mérito da mudança de indexador das dívidas dos municípios, que aumenta ainda mais o rombo do governo federal, o fato é que Dilma deu o doce e depois tirou o doce da boca das crianças. O novo indexador foi aprovado há quatro meses, não entrou em vigor e ela recorre a um argumento técnico para tratar uma questão que é também política: a lei foi aprovada, mas não regulamentada, e os tempos são de aperto. É mesmo?
São sete Estados e 180 municípios beneficiados pela mudança e desesperados pela redução drástica de suas dívidas. A da capital de São Paulo, por exemplo, pode despencar 42%, de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Imaginem essa diferença às vésperas da eleição municipal de 2016, com muitos já em campanha pela reeleição.
Os primeiros a partir para cima foram Eduardo Paes, do Rio, e Fernando Haddad, de São Paulo. Paes, que não é apenas do PMDB, mas aliado do deputado Eduardo Cunha e até possível nome do partido para a Presidência em 2018, entrou na Justiça para fazer valer a lei. E Haddad, que é do PT lulista, mandou recados mal humorados pela imprensa.
Nessa nova crise, aconteceu o que já se tornou rotina: o Palácio do Planalto ficou de um lado e o Congresso, de outro. Dilma falou à tarde que reduzir a dívida de Estados e municípios com a União (algo já aprovado, lembre-se) seria "inconsequente" num momento de cortes. Horas depois, na mesma noite, a Câmara aprovou um projeto botando a faca no pescoço da presidente: o governo tem 30 dias para mudar o indexador e acabou-se a história.
Detalhe: a "inconsequência" comandada por Cunha foi apoiada pelo próprio PT e até pelo dócil PC do B, que vota (votava?) tudo que seu mestre - ou sua mestra - mandar.
São Joaquim Levy conseguiu adiar a decisão do Senado para ao menos terça-feira que vem, mas veja você: o filho do presidente da Casa, Renan Calheiros Filho, é governador de Alagoas, um dos Estados beneficiados. Dilma vai acabar perdendo no Senado também...
Bem, é nesse clima que os prefeitos de todo o País vão se reunir em Brasília de 7 a 9 de abril. O tema oficial é desenvolvimento sustentável, mas a pauta real não vai ser o aquecimento global, mas o clima político insuportável contra o PT e Dilma.
Após dizer ao Estado que já passou por momentos semelhantes (de "caos político", de tensão, de desânimo) no governo Lula, o ministro Jacques Wagner (Defesa) pediu "paciência, foco, perseverança". Ele acha que o ajuste fiscal vai passar e tudo vai melhorar lá pelo final do ano.
Pode ser, pode não ser. Com o governo à deriva, sem um(a) líder, sem rumo, Dilma joga todas as suas fichas na aprovação das medidas do ajuste fiscal, que dependem justamente... da Câmara de Eduardo Cunha e do Senado de Renan Calheiros. Mas, se ela perdeu na eleição para a presidência da Câmara, no embate com prefeitos, na correção do Imposto de Renda e está perdendo no confronto com municípios, por que ganharia no ajuste?
Por enquanto, o cenário não é animador. Só ontem, num único dia, tivemos: o Banco Central admite pela primeira vez retração em 2014 e 2015, o índice de desemprego de fevereiro é o pior para o mês desde 2011 e o novo escândalo da praça (desvios no "tribunal" da Receita) consegue ser ainda pior do que o da Lava Jato, em torno de R$ 19 bilhões (?!). Você conseguiria imaginar algo ainda mais escandaloso do que o da Petrobrás? Existe.
Pois é, ministro, vai ser preciso muuuuiiiita paciência.
Pericás. Morreu o embaixador Bernardo Pericás, estrela de um momento glorioso do Itamaraty e referência para as novas gerações de diplomatas.
Dilma perde no emprego - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 27/03
Últimas escoras de prestígio se desfazem, salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos
O EMPREGO e o total dos salários pagos nas seis maiores metrópoles do país caiu de modo chocante em fevereiro, sobre fevereiro de 2014. O valor do salário médio diminuiu, coisa inédita desde outubro de 2011 e, antes disso, apenas em 2005.
Esses números deprimentes constam da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, divulgada ontem. Na semana passada, soubera-se que o total de gente empregada com carteira assinada caiu pela primeira vez desde o início de 2000 (queda de ano para ano).
A criação de emprego, que resistiu até 2014, era um dos últimos esteios econômicos possíveis para o prestígio de Dilma Rousseff, escora que se desfaz rapidamente.
Convém sempre lembrar que a situação, o nível, do mercado de trabalho ainda é o melhor em décadas. Além do mais, é preciso tomar cuidado com os dados de apenas um mês de estatística. Mas a deterioração no emprego, mesmo que não seja tão rápida quanto a do restante da economia, é acompanhada de choques de confiança na presidente, de redução da renda disponível e da freada rápida no consumo.
As condições materiais de vida, repita-se, são por enquanto melhores que faz cinco, dez ou vinte anos. Mas a parada súbita das melhorias e a revelação das mentiras do programa da campanha da reeleição da presidente provocam um surto de pessimismo econômico e de irritação política visto apenas em dias em que vida era muito pior e piorava.
Em março, o mau humor se generalizou pelo país, mostrou o Datafolha. A presidente perdeu o apoio também em seus bastiões restantes: os mais pobres, o Nordeste. O governo de Dilma Rousseff é ruim ou péssimo para 60% daqueles com renda familiar inferior a dois salários mínimos (65% para famílias com renda superior a dez salários). Ainda em fevereiro, essa avaliações eram, respectivamente, de 36% e 65%.
O governo de Dilma é ruim péssimo para 66% dos habitantes do Sudeste; 55% para os do Nordeste.
O consumo ainda cresce mais rapidamente em Estados do Nordeste (em relação ao começo do ano passado): 3,7% na Bahia e 2,4% em Pernambuco, por exemplo. Em São Paulo, o ritmo de alta anual caiu a apenas 0,8%. Na média nacional, a 1,8% (ante 4,3% em 2013 e 8,2% em 2013).
Mas a diferença entre o ritmo de aumento de consumo entre o Nordeste e Estados mais ricos já foi bem maior. Há convergência para a mediocridade. Para piorar, no Nordeste a taxa de desemprego começou ainda no início de 2014, enquanto na média do Brasil ainda diminuía.
Há regressão no número de empregos formais no conjunto do país e queda no número de pessoas empregadas nas grandes metrópoles. A queda recente mais forte ocorre no setor de serviços, que ainda deve sofrer muito (indústria e construção civil penam desde 2014, pelo menos).
O salário médio começa a cair puxado pelos rendimentos dos trabalhadores ditos informais, sem carteira e por conta própria. Começa a haver degradação da qualidade do emprego, que melhorara de modo brilhante nos últimos 20 anos.
Há menos salário, menos emprego, menos carteiras assinadas, menos consumo e menos confiança na capacidade de Dilma Rousseff, acuada num canto na praça dos Três Poderes. E o efeito do arrocho mal começou.
Últimas escoras de prestígio se desfazem, salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos
O EMPREGO e o total dos salários pagos nas seis maiores metrópoles do país caiu de modo chocante em fevereiro, sobre fevereiro de 2014. O valor do salário médio diminuiu, coisa inédita desde outubro de 2011 e, antes disso, apenas em 2005.
Esses números deprimentes constam da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, divulgada ontem. Na semana passada, soubera-se que o total de gente empregada com carteira assinada caiu pela primeira vez desde o início de 2000 (queda de ano para ano).
A criação de emprego, que resistiu até 2014, era um dos últimos esteios econômicos possíveis para o prestígio de Dilma Rousseff, escora que se desfaz rapidamente.
Convém sempre lembrar que a situação, o nível, do mercado de trabalho ainda é o melhor em décadas. Além do mais, é preciso tomar cuidado com os dados de apenas um mês de estatística. Mas a deterioração no emprego, mesmo que não seja tão rápida quanto a do restante da economia, é acompanhada de choques de confiança na presidente, de redução da renda disponível e da freada rápida no consumo.
As condições materiais de vida, repita-se, são por enquanto melhores que faz cinco, dez ou vinte anos. Mas a parada súbita das melhorias e a revelação das mentiras do programa da campanha da reeleição da presidente provocam um surto de pessimismo econômico e de irritação política visto apenas em dias em que vida era muito pior e piorava.
Em março, o mau humor se generalizou pelo país, mostrou o Datafolha. A presidente perdeu o apoio também em seus bastiões restantes: os mais pobres, o Nordeste. O governo de Dilma Rousseff é ruim ou péssimo para 60% daqueles com renda familiar inferior a dois salários mínimos (65% para famílias com renda superior a dez salários). Ainda em fevereiro, essa avaliações eram, respectivamente, de 36% e 65%.
O governo de Dilma é ruim péssimo para 66% dos habitantes do Sudeste; 55% para os do Nordeste.
O consumo ainda cresce mais rapidamente em Estados do Nordeste (em relação ao começo do ano passado): 3,7% na Bahia e 2,4% em Pernambuco, por exemplo. Em São Paulo, o ritmo de alta anual caiu a apenas 0,8%. Na média nacional, a 1,8% (ante 4,3% em 2013 e 8,2% em 2013).
Mas a diferença entre o ritmo de aumento de consumo entre o Nordeste e Estados mais ricos já foi bem maior. Há convergência para a mediocridade. Para piorar, no Nordeste a taxa de desemprego começou ainda no início de 2014, enquanto na média do Brasil ainda diminuía.
Há regressão no número de empregos formais no conjunto do país e queda no número de pessoas empregadas nas grandes metrópoles. A queda recente mais forte ocorre no setor de serviços, que ainda deve sofrer muito (indústria e construção civil penam desde 2014, pelo menos).
O salário médio começa a cair puxado pelos rendimentos dos trabalhadores ditos informais, sem carteira e por conta própria. Começa a haver degradação da qualidade do emprego, que melhorara de modo brilhante nos últimos 20 anos.
Há menos salário, menos emprego, menos carteiras assinadas, menos consumo e menos confiança na capacidade de Dilma Rousseff, acuada num canto na praça dos Três Poderes. E o efeito do arrocho mal começou.
As reais proporções do desafio - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O GLOBO - 27/03
Planalto se vê hoje com pouca ascendência sobre Congresso e vulnerável às demonstrações de força da cúpula peemedebista
A impressão que se tem é que, a cada dia que passa, surge um novo e grave problema a enfrentar. A penosa agenda da reconstrução da economia continua em aberto. Não parece ter fim. A combinação perversa de recessão, aceleração inflacionária, insustentabilidade fiscal e desequilíbrio externo — agravada pelas crises da Petrobras e do setor elétrico — vem-se desdobrando em vasto leque de problemas específicos de solução assustadoramente difícil. E quanto mais nítidas se tornam as reais proporções do desafio que o país tem pela frente, mais preocupantes parecem a fragilidade e o despreparo do governo para levar adiante a reconstrução que se faz necessária.
O que mais impressiona é que, diante dessa agenda tão pesada, o Planalto se tenha permitido dilapidação tão devastadora de seu capital político em menos de 90 dias do segundo mandato. Na esteira das retaliações que se seguiram à desastrosa tentativa de tornar o governo menos dependente do PMDB, o Planalto se vê hoje com pouca ascendência sobre o Congresso e perigosamente vulnerável às demonstrações de força da cúpula peemedebista.
Não é só pela extensão da perda do apoio parlamentar que a dilapidação de capital político pode ser aferida, mas também pela vertiginosa deterioração da imagem da presidente e da avaliação do seu governo, evidenciada pelas pesquisas de opinião, e pela surpreendente escala das manifestações de 15 de março.
Não bastassem todas essas dificuldades, o governo se vê agora envolvido num grande embate federativo em campo aberto, em torno da renegociação das dívidas dos governos subnacionais com a União. Tendo concordado em abrir a caixa de Pandora dessa renegociação no final do primeiro mandato, para propiciar alívio fiscal sob medida a prefeitos aliados, o Planalto percebe, afinal, que não tem como fechá-la, por mais que, agora, lhe pareça que a distribuição de benesses seria, a esta altura, “absolutamente inconsequente”.
Diante da disposição do Congresso de exigir que a União conceda as reduções de dívidas pleiteadas pelos governos subnacionais, é difícil que, com a simples alegação de que “nós estamos fazendo um imenso esforço fiscal” e “não temos condições de fazer essa despesa agora”, a presidente possa comover a ampla frente parlamentar mobilizada para dar apoio à medida. É mais um revés para o ajuste que se faz necessário nas contas públicas. Um novo e grande esqueleto a ser debitado ao surto de irresponsabilidade fiscal que marcou o primeiro mandato da presidente Dilma.
Nada disso tira o mérito do esforço de ajuste fiscal que vem sendo comandado pelo ministro Joaquim Levy. Muito pelo contrário. Especialmente quando, depois de tantos anos, o ajuste vem afinal respaldado por um discurso econômico que faz sentido. Mas há que se perceber com clareza a dura realidade que vem sendo enfrentada. A montagem da coalizão requerida para a aprovação das medidas no Congresso avança com inegável dificuldade. É bem possível que a aprovação não ocorra antes de junho. E não se sabe em que extensão as medidas serão afinal desfiguradas.
Nesse quadro, cada esqueleto e cada revés, como o da renegociação forçada das dívidas dos governos subnacionais com a União, levantam dúvidas adicionais sobre as limitações do esforço de ajuste fiscal em curso. É bem sabido que, mesmo que a meta de 1,2% do PIB para o superávit primário seja rigorosamente cumprida, a dívida bruta do setor público, como proporção do PIB, deverá mostrar nova e expressiva elevação em 2015. E quanto maiores os esqueletos desenterrados ao longo do ano, maior será tal elevação.
Para que a sustentabilidade fiscal possa ser restaurada, o esforço de 2015 terá de ser só o primeiro passo de um processo mais longo e ambicioso de ajuste fiscal, que perdure pela maior parte do atual governo. E é isso que continua pouco crível, tendo em vista a falta de convicção da presidente e a alarmante fragilização política do Planalto.
Petistas têm de ler Marx - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 27/03
Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam 'vítimas de sua pró-pria concepção do mundo'
Com todos os equívocos que abriga, o "18 Brumário de Luís Bonaparte", de Karl Marx, é um dos grandes livros de política. É leitura obrigatória para esquerdistas e conservadores. Nos anos recentes, estes têm se dedicado mais à teoria do que aqueles, o que é natural: os oprimidos costumam se preparar intelectualmente para a luta com mais afinco do que os opressores, que tendem a substituir a formação pelo proselitismo arrogante.
Quando eu era trotskista e quase criança, havia uma disputa para ver quem sabia quase de cor "O Programa de Transição". Hoje em dia, já percebi, as pessoas não decoram nem a batatinha-quando-nasce da "revolução permanente", apesar da crença fervorosa. Ocorre que a convicção que nasce da ignorância só produz fundamentalismo burro. Adiante.
Por que o "18 Brumário"? Lá está uma das boas frases sobre Luís Bonaparte, o sobrinho que seria o tio redivivo como farsa. O tirano da oportunidade, segundo Marx, vestindo a máscara napoleônica, "se torna vítima de sua própria concepção de mundo" e se transforma no "bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia, e sim a sua própria comédia pela história universal". A síntese, concorde-se ou não com ela, é genial no sintagma, no arranjo de palavras. Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam "vítimas de sua própria concepção do mundo".
Tenho lido o que escrevem esquerdistas ilustrados sobre a derrocada do petismo. É evidente que não perco meu tempo com blogs sujos, com pistoleiros da internet, com gente incapaz de pensar com a coluna ereta --ou, nos termos celebrizados pelo documento da Secom, ignoro a "munição" que é "disparada" pelos "soldados de fora". Não! Se André Singer escreve nestaFolha, no entanto, presto atenção ao que diz. Não lamento pelos outros. A Singer, dedico duas furtivas lágrimas.
Poucos, como ele, são tão vítimas de sua própria concepção de mundo. Singer avalia que Lula é a causa geradora de um movimento que, potencialmente --e isto digo eu--, pode destruir o próprio PT. Um esquerdista jamais acredita que possa existir algo de novo sob o sol, exceto a antítese liderada pelas forças da reação ou a dor necessária provocada pelas vanguardas disruptivas --nesse segundo caso, ainda que a coisa toda possa ser desagradável no começo, utopistas como Singer sugerem que a gente goza no fim... Nem que seja no fim da história.
Tentei achar nos seus textos onde estão os sujeitos que fazem história fora das hostes da esquerda. Não há. Ou os homens que disputam as narrativas estão engajados num movimento que traz em si o germe da mudança necessária ou estão articulando as forças da reação, o que levaria o mundo a andar pra trás.
É impressionante que mesmo os esquerdistas que leram mais de três livros ignorem que os valores do homem médio --que, no fim das contas, asseguram a estabilidade disso que entendemos como civilização-- também podem ser afirmativos, não apenas reativos ou derivados da mobilização esquerdista. Bakunin, numa crítica pela esquerda, apontava "a falta de simpatia" de Marx pela raça humana. A crítica era pertinente. O furunculoso nunca se interessou pelo homem que há, aquele que realmente faz história, mas sempre pelo homem a haver, que existe como projeto.
O petismo perdeu o bonde. Também perdeu a rua, como ficará claro, de novo!, no dia 12 de abril. O petismo já morreu. Tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo.
Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam 'vítimas de sua pró-pria concepção do mundo'
Com todos os equívocos que abriga, o "18 Brumário de Luís Bonaparte", de Karl Marx, é um dos grandes livros de política. É leitura obrigatória para esquerdistas e conservadores. Nos anos recentes, estes têm se dedicado mais à teoria do que aqueles, o que é natural: os oprimidos costumam se preparar intelectualmente para a luta com mais afinco do que os opressores, que tendem a substituir a formação pelo proselitismo arrogante.
Quando eu era trotskista e quase criança, havia uma disputa para ver quem sabia quase de cor "O Programa de Transição". Hoje em dia, já percebi, as pessoas não decoram nem a batatinha-quando-nasce da "revolução permanente", apesar da crença fervorosa. Ocorre que a convicção que nasce da ignorância só produz fundamentalismo burro. Adiante.
Por que o "18 Brumário"? Lá está uma das boas frases sobre Luís Bonaparte, o sobrinho que seria o tio redivivo como farsa. O tirano da oportunidade, segundo Marx, vestindo a máscara napoleônica, "se torna vítima de sua própria concepção de mundo" e se transforma no "bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia, e sim a sua própria comédia pela história universal". A síntese, concorde-se ou não com ela, é genial no sintagma, no arranjo de palavras. Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam "vítimas de sua própria concepção do mundo".
Tenho lido o que escrevem esquerdistas ilustrados sobre a derrocada do petismo. É evidente que não perco meu tempo com blogs sujos, com pistoleiros da internet, com gente incapaz de pensar com a coluna ereta --ou, nos termos celebrizados pelo documento da Secom, ignoro a "munição" que é "disparada" pelos "soldados de fora". Não! Se André Singer escreve nestaFolha, no entanto, presto atenção ao que diz. Não lamento pelos outros. A Singer, dedico duas furtivas lágrimas.
Poucos, como ele, são tão vítimas de sua própria concepção de mundo. Singer avalia que Lula é a causa geradora de um movimento que, potencialmente --e isto digo eu--, pode destruir o próprio PT. Um esquerdista jamais acredita que possa existir algo de novo sob o sol, exceto a antítese liderada pelas forças da reação ou a dor necessária provocada pelas vanguardas disruptivas --nesse segundo caso, ainda que a coisa toda possa ser desagradável no começo, utopistas como Singer sugerem que a gente goza no fim... Nem que seja no fim da história.
Tentei achar nos seus textos onde estão os sujeitos que fazem história fora das hostes da esquerda. Não há. Ou os homens que disputam as narrativas estão engajados num movimento que traz em si o germe da mudança necessária ou estão articulando as forças da reação, o que levaria o mundo a andar pra trás.
É impressionante que mesmo os esquerdistas que leram mais de três livros ignorem que os valores do homem médio --que, no fim das contas, asseguram a estabilidade disso que entendemos como civilização-- também podem ser afirmativos, não apenas reativos ou derivados da mobilização esquerdista. Bakunin, numa crítica pela esquerda, apontava "a falta de simpatia" de Marx pela raça humana. A crítica era pertinente. O furunculoso nunca se interessou pelo homem que há, aquele que realmente faz história, mas sempre pelo homem a haver, que existe como projeto.
O petismo perdeu o bonde. Também perdeu a rua, como ficará claro, de novo!, no dia 12 de abril. O petismo já morreu. Tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo.
Hora de acordar - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 27/03
É relevante que os nossos juristas estejam dando à corrupção a importância que ela merece. Seria muito bom se a turma do Planalto tivesse a mesma preocupação
É obrigação do Estado zelar por honestidade no comportamento de seus agentes. O que é simples de se afirmar, mas um tanto complicado de acontecer na prática. Trata-se de velho problema, comum em todos os governos do planeta. Ou quase todos: até na Santa Sé de vez em quando ele aparece, escondido nas batinas.
Por aqui, temos agora — e só agora — o início da vigência, ainda em fase de regulamentação, da Lei Anticorrupção, que se propõe, como diz o nome, a implantar honestidade no comportamento de empresas que prestam serviços ao governo federal. Juristas, como o advogado Modesto Carvalhosa, foram severos na crítica. Ele, por exemplo, não mostrou modéstia alguma ao definir a regulamentação da nova lei como farsa. E profetizou sério risco de corrupção na sua aplicação: especificamente, no caso de investigação da aplicação de contratos entre empresa e ministérios.
Não foi o único: Rossini Corrêa, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, condenou a delegação dessa investigação a ministros de Estado. Por um motivo que parece óbvio a qualquer leigo inocente: seria algo como entregar à raposa a chave do galinheiro.
A advogada Marta Viegas, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, foi mais longe: sugeriu que a questão da corrupção seja entregue a um organismo independente, algo parecido com o existente nos Estados Unidos, e dedicado exclusivamente a aplicar a Lei Anticorrupção. Como lá, poderia dar certo, se a independência fosse absoluta.
É obviamente bastante importante que os nossos juristas estejam dando ao problema a importância que ele merece. Seria muito bom se a turma do Palácio do Planalto tivesse a mesma preocupação. Vamos esperar, para ver se ela acorda.
É relevante que os nossos juristas estejam dando à corrupção a importância que ela merece. Seria muito bom se a turma do Planalto tivesse a mesma preocupação
É obrigação do Estado zelar por honestidade no comportamento de seus agentes. O que é simples de se afirmar, mas um tanto complicado de acontecer na prática. Trata-se de velho problema, comum em todos os governos do planeta. Ou quase todos: até na Santa Sé de vez em quando ele aparece, escondido nas batinas.
Por aqui, temos agora — e só agora — o início da vigência, ainda em fase de regulamentação, da Lei Anticorrupção, que se propõe, como diz o nome, a implantar honestidade no comportamento de empresas que prestam serviços ao governo federal. Juristas, como o advogado Modesto Carvalhosa, foram severos na crítica. Ele, por exemplo, não mostrou modéstia alguma ao definir a regulamentação da nova lei como farsa. E profetizou sério risco de corrupção na sua aplicação: especificamente, no caso de investigação da aplicação de contratos entre empresa e ministérios.
Não foi o único: Rossini Corrêa, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, condenou a delegação dessa investigação a ministros de Estado. Por um motivo que parece óbvio a qualquer leigo inocente: seria algo como entregar à raposa a chave do galinheiro.
A advogada Marta Viegas, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, foi mais longe: sugeriu que a questão da corrupção seja entregue a um organismo independente, algo parecido com o existente nos Estados Unidos, e dedicado exclusivamente a aplicar a Lei Anticorrupção. Como lá, poderia dar certo, se a independência fosse absoluta.
É obviamente bastante importante que os nossos juristas estejam dando ao problema a importância que ele merece. Seria muito bom se a turma do Palácio do Planalto tivesse a mesma preocupação. Vamos esperar, para ver se ela acorda.
O que pretende Dilma, afinal? - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 27/03
Sem apoio popular nem político e desamparada por parte do seu próprio partido, como Dilma Rousseff imagina que conseguirá governar nos 45 meses que ainda tem pela frente?
Quem acompanha o calvário da presidente da República neste início de segundo mandato já percebeu que do ponto de vista político - inclusive no que diz respeito à questão vital da aprovação das medidas necessárias ao ajuste fiscal - a maior pedra no sapato do governo é a rebeldia de seu maior aliado, o PMDB (ver abaixo o editorial A fraqueza de Dilma). Seria de esperar, portanto, que a chefe do governo tivesse interesse em pacificar as relações com o partido que tem o vice-presidente da República e o controle do Congresso Nacional. Mas não parece que seja essa a intenção de Dilma, a julgar por seu comportamento hostil, agora envolvendo a tentativa de criação de um novo partido, o PL, como parte da estratégia de enfraquecimento do PMDB maquinada dentro do Palácio do Planalto.
Como reação à investida do governo sobre sua posição hegemônica no Parlamento, o PMDB articulou a rápida aprovação, primeiro na Câmara, e, no último dia 3, no Senado, da lei que impede a fusão de partidos políticos com menos de cinco anos de existência. É uma medida deliberadamente adotada para neutralizar o projeto de recriação do Partido Liberal (PL), articulado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, com apoio do Palácio do Planalto. A ideia de Kassab era atrair parlamentares, principalmente do bloco do PMDB, para o PL, que depois se fundiria com o seu PSD, formando uma grande bancada fiel ao governo. Isso seria possível porque a adesão a uma nova sigla livraria o parlamentar do risco de perder o mandato. A proibição da fusão entre legendas com menos de cinco anos de fundação frustrou esse plano.
Ocorre que Dilma deixou para sancionar no limite do prazo legal a chamada "lei anti-Kassab". Isso permitiu que, na véspera, a comissão organizadora do PL apresentasse ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o pedido de registro da legenda, abrindo a possibilidade de contornar a restrição imposta pela nova lei sob o argumento de que o partido se inscreveu antes da sanção, ou seja, da vigência do novo diploma legal. E Dilma ainda vetou um item que abria uma janela de 30 dias para os parlamentares trocarem de legenda sem perder o mandato, o que tornaria essa troca liberada só para partidos novos, como o PL, caso se confirme sua criação.
Essa conjugação de circunstâncias, obviamente, levantou suspeitas e provocou reação irada de líderes peemedebistas, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): "Acho que houve uma estrutura de governo que deixou programado para o último dia para sancionar. E o Kassab se aproveitou e protocolou na véspera". Outro peemedebista, o baiano Lucio Vieira Lima, se manifestou na mesma linha: "A nossa leitura é que a presidente empurrou com a barriga para que se criasse um impasse jurídico".
Para botar mais lenha na fogueira, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, considerado o idealizador e coordenador da conspirata governista contra o PMDB, teve a imprudência de, sem que nada lhe fosse perguntado, ligar para o vice-presidente Michel Temer para explicar que o fato de Dilma ter sancionado a lei "anti-Kassab" no final do prazo era "um procedimento normal, de praxe". Temer limitou-se a observar que o ambiente em seu partido "não está nada bom" e que isso "só vai prejudicar a articulação política". E, logo em seguida, para confirmar a suspeita dos peemedebistas de que tudo havia sido combinado entre o Planalto e seu ministro das Cidades, Gilberto Kassab também ligou para Michel Temer para garantir que não tinha nenhum acordo com Mercadante, que soube pela imprensa do pedido de registro do PL e que não tem nenhum controle sobre as pessoas que estão trabalhando na criação desse partido. Foi, obviamente, uma conversa entre duas raposas políticas.
Em todas as conversas que teve ultimamente com sua pupila - se é que ainda se pode chamá-la assim -, Lula, com sua longa e comprovada experiência no campo do pragmatismo político, recomendou a reaproximação de Dilma com o PMDB como condição indispensável para a viabilização política de seu governo. Mas a presidente da República, como mais uma vez demonstra, não abre mão de ter ideias próprias sobre esse assunto.
Sem apoio popular nem político e desamparada por parte do seu próprio partido, como Dilma Rousseff imagina que conseguirá governar nos 45 meses que ainda tem pela frente?
Quem acompanha o calvário da presidente da República neste início de segundo mandato já percebeu que do ponto de vista político - inclusive no que diz respeito à questão vital da aprovação das medidas necessárias ao ajuste fiscal - a maior pedra no sapato do governo é a rebeldia de seu maior aliado, o PMDB (ver abaixo o editorial A fraqueza de Dilma). Seria de esperar, portanto, que a chefe do governo tivesse interesse em pacificar as relações com o partido que tem o vice-presidente da República e o controle do Congresso Nacional. Mas não parece que seja essa a intenção de Dilma, a julgar por seu comportamento hostil, agora envolvendo a tentativa de criação de um novo partido, o PL, como parte da estratégia de enfraquecimento do PMDB maquinada dentro do Palácio do Planalto.
Como reação à investida do governo sobre sua posição hegemônica no Parlamento, o PMDB articulou a rápida aprovação, primeiro na Câmara, e, no último dia 3, no Senado, da lei que impede a fusão de partidos políticos com menos de cinco anos de existência. É uma medida deliberadamente adotada para neutralizar o projeto de recriação do Partido Liberal (PL), articulado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, com apoio do Palácio do Planalto. A ideia de Kassab era atrair parlamentares, principalmente do bloco do PMDB, para o PL, que depois se fundiria com o seu PSD, formando uma grande bancada fiel ao governo. Isso seria possível porque a adesão a uma nova sigla livraria o parlamentar do risco de perder o mandato. A proibição da fusão entre legendas com menos de cinco anos de fundação frustrou esse plano.
Ocorre que Dilma deixou para sancionar no limite do prazo legal a chamada "lei anti-Kassab". Isso permitiu que, na véspera, a comissão organizadora do PL apresentasse ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o pedido de registro da legenda, abrindo a possibilidade de contornar a restrição imposta pela nova lei sob o argumento de que o partido se inscreveu antes da sanção, ou seja, da vigência do novo diploma legal. E Dilma ainda vetou um item que abria uma janela de 30 dias para os parlamentares trocarem de legenda sem perder o mandato, o que tornaria essa troca liberada só para partidos novos, como o PL, caso se confirme sua criação.
Essa conjugação de circunstâncias, obviamente, levantou suspeitas e provocou reação irada de líderes peemedebistas, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): "Acho que houve uma estrutura de governo que deixou programado para o último dia para sancionar. E o Kassab se aproveitou e protocolou na véspera". Outro peemedebista, o baiano Lucio Vieira Lima, se manifestou na mesma linha: "A nossa leitura é que a presidente empurrou com a barriga para que se criasse um impasse jurídico".
Para botar mais lenha na fogueira, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, considerado o idealizador e coordenador da conspirata governista contra o PMDB, teve a imprudência de, sem que nada lhe fosse perguntado, ligar para o vice-presidente Michel Temer para explicar que o fato de Dilma ter sancionado a lei "anti-Kassab" no final do prazo era "um procedimento normal, de praxe". Temer limitou-se a observar que o ambiente em seu partido "não está nada bom" e que isso "só vai prejudicar a articulação política". E, logo em seguida, para confirmar a suspeita dos peemedebistas de que tudo havia sido combinado entre o Planalto e seu ministro das Cidades, Gilberto Kassab também ligou para Michel Temer para garantir que não tinha nenhum acordo com Mercadante, que soube pela imprensa do pedido de registro do PL e que não tem nenhum controle sobre as pessoas que estão trabalhando na criação desse partido. Foi, obviamente, uma conversa entre duas raposas políticas.
Em todas as conversas que teve ultimamente com sua pupila - se é que ainda se pode chamá-la assim -, Lula, com sua longa e comprovada experiência no campo do pragmatismo político, recomendou a reaproximação de Dilma com o PMDB como condição indispensável para a viabilização política de seu governo. Mas a presidente da República, como mais uma vez demonstra, não abre mão de ter ideias próprias sobre esse assunto.
A perigosa descoordenação política do governo - EDITORIAL O GLOBO
27/03
Não se compreende que, às portas de votações do ajuste fiscal no Congresso, o Planalto patrocine manobras contra o PMDB, partido vital para aprovar as medidas
Se a política brasileira seguisse as regras do vôlei, era o momento de o Planalto “pedir tempo” para reorganizar o governo nas articulações com o Congresso, em que os sinais de desorganização são estridentes. Chega a ferir os ouvidos, por exemplo, a insistência do Planalto no apoio à manobra engendrada pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), para recriar mais uma legenda, agora o PL, a fim de, pela atração de infiéis, desidratar o PMDB.
O ex-prefeito de São Paulo, hábil em manter os pés em várias canoas ao mesmo tempo, fez o mesmo para desinflar partidos da oposição, ao criar o PSD, aproveitando-se da brecha na legislação pela qual parlamentares podiam trocar de legenda sem risco de perder o mandato, caso o partido para o qual migrassem fosse recém-criado ou surgisse de fusão. O DEM foi um das vítimas de Kassab.
Identificada a manobra, os caciques do PMDB trataram de apresentar e aprovar em alta velocidade lei que veta a troca de partido para legenda com menos de cinco anos de existência. Inclusive, se ela for anexada a outra. Parecia esvaziada a ideia de Kassab de recriar o PL, para fundi-lo com o PSD
A lei foi sancionada na quarta-feira por Dilma, com veto ao dispositivo pelo qual o parlamentar não perderia o mandato se aderisse à legenda resultante de fusão, durante uma janela de 30 dias.
Na interpretação de peemedebistas, o objetivo é impedir a evolução das negociações entre DEM e PTB para juntar as bancadas. Mas o principal motivo da renovação das irritações do PMDB com o Planalto é que Kassab protocolou na Justiça eleitoral a criação do PL.
O fato de a sanção só ter sido sacramentada no final do prazo foi considerado prova de que o governo jamais desembarcou do plano de Kassab. Ao contrário, teria ganhado tempo para o ministro dar entrada no TSE com o pedido de permissão para lançar o partido.
Toda essa trapalhada comprova a desorganização na coordenação política do governo. Quem, em sã consciência, aconselharia insistir na manobra, às portas de votações importantes no Congresso cruciais para o ajuste fiscal, cuja aprovação depende dos votos do PMDB?
São visíveis em toda essa rocambolesca história as digitais de alas do PT que consideram o PMDB o grande mal do país. Isso porque o partido, com todos os defeitos conhecidos (fisiologismo, coronelismo), mantém grande bancada no Congresso que serve de barreira a ações de cunho chavista do lulopetismo. Na linha de usar a democracia para estrangulá-la, por meio de constituintes ilegais, descabidas e que tais.
De resto, uma rematada e perigosa bobagem, pois o Brasil não é Venezuela, e esse tipo de esperteza golpista será barrado por outras instituições republicanas. Mas cria instabilidade política e insegurança jurídica. Péssimo para todos, a começar pelo próprio governo do PT.
Não se compreende que, às portas de votações do ajuste fiscal no Congresso, o Planalto patrocine manobras contra o PMDB, partido vital para aprovar as medidas
Se a política brasileira seguisse as regras do vôlei, era o momento de o Planalto “pedir tempo” para reorganizar o governo nas articulações com o Congresso, em que os sinais de desorganização são estridentes. Chega a ferir os ouvidos, por exemplo, a insistência do Planalto no apoio à manobra engendrada pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), para recriar mais uma legenda, agora o PL, a fim de, pela atração de infiéis, desidratar o PMDB.
O ex-prefeito de São Paulo, hábil em manter os pés em várias canoas ao mesmo tempo, fez o mesmo para desinflar partidos da oposição, ao criar o PSD, aproveitando-se da brecha na legislação pela qual parlamentares podiam trocar de legenda sem risco de perder o mandato, caso o partido para o qual migrassem fosse recém-criado ou surgisse de fusão. O DEM foi um das vítimas de Kassab.
Identificada a manobra, os caciques do PMDB trataram de apresentar e aprovar em alta velocidade lei que veta a troca de partido para legenda com menos de cinco anos de existência. Inclusive, se ela for anexada a outra. Parecia esvaziada a ideia de Kassab de recriar o PL, para fundi-lo com o PSD
A lei foi sancionada na quarta-feira por Dilma, com veto ao dispositivo pelo qual o parlamentar não perderia o mandato se aderisse à legenda resultante de fusão, durante uma janela de 30 dias.
Na interpretação de peemedebistas, o objetivo é impedir a evolução das negociações entre DEM e PTB para juntar as bancadas. Mas o principal motivo da renovação das irritações do PMDB com o Planalto é que Kassab protocolou na Justiça eleitoral a criação do PL.
O fato de a sanção só ter sido sacramentada no final do prazo foi considerado prova de que o governo jamais desembarcou do plano de Kassab. Ao contrário, teria ganhado tempo para o ministro dar entrada no TSE com o pedido de permissão para lançar o partido.
Toda essa trapalhada comprova a desorganização na coordenação política do governo. Quem, em sã consciência, aconselharia insistir na manobra, às portas de votações importantes no Congresso cruciais para o ajuste fiscal, cuja aprovação depende dos votos do PMDB?
São visíveis em toda essa rocambolesca história as digitais de alas do PT que consideram o PMDB o grande mal do país. Isso porque o partido, com todos os defeitos conhecidos (fisiologismo, coronelismo), mantém grande bancada no Congresso que serve de barreira a ações de cunho chavista do lulopetismo. Na linha de usar a democracia para estrangulá-la, por meio de constituintes ilegais, descabidas e que tais.
De resto, uma rematada e perigosa bobagem, pois o Brasil não é Venezuela, e esse tipo de esperteza golpista será barrado por outras instituições republicanas. Mas cria instabilidade política e insegurança jurídica. Péssimo para todos, a começar pelo próprio governo do PT.
A fraqueza da presidente - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 27/03
Com a rápida e dura resposta que deu à presidente Dilma Rousseff, aprovando no mesmo dia em que foi apresentado o projeto de lei complementar que fixa prazo de 30 dias para o governo federal mudar os indexadores das dívidas de Estados e municípios, aliviando-as de maneira significativa, a Câmara dos Deputados não apenas impôs mais uma severa derrota política ao Palácio do Planalto. Com sua decisão, a Câmara como que obriga a presidente Dilma Rousseff a pagar pelos erros que cometeu no seu primeiro mandato, ao propor a aplicação de um indexador que torne menos pesado para os devedores o pagamento da dívida renegociada com a União. Na época, ela se recusava a admitir a dramática situação financeira de seu governo, que agora precisa ser corrigida com medidas duras, entre as quais o adiamento das facilidades para o pagamento das dívidas estaduais e municipais.
A situação só não ficou pior para o governo porque, depois de reunião do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com um grupo de senadores, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), concordou em não colocar o projeto em votação imediatamente. Isso dá tempo ao Planalto para pelo menos tentar absorver sua derrota. Mas, mesmo assim, o presidente do Senado manteve a pressão sobre o governo. Lembrou que, em caso de veto da presidente ao projeto, o Congresso tem a palavra final.
Na terça-feira passada, a presidente havia afirmado não haver "espaço fiscal" para aliviar as dívidas dos Estados e municípios. Respondia ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), que na véspera havia obtido liminar na Justiça Federal para que a dívida do município passe a ser corrigida pelos indexadores autorizados pela Lei Complementar n.º 148, aprovada em novembro de 2014 com o apoio do governo.
Pouco depois, o deputado Leonardo Piciani, líder do PMDB e, portanto, da base aliada do governo, apresentou o projeto fixando prazo para o governo renegociar as dívidas. A Câmara agiu, então, com inusitada rapidez. Em menos de 24 horas, aprovou por 389 votos a favor e apenas 2 contra - o que não deixa dúvidas quanto ao maciço apoio, vindo até do PT - o projeto que, além de impor prazo exíguo ao Executivo para a aplicação das novas condições de pagamento das dívidas estaduais e municipais, dispensa essa aplicação de regulamentação prévia. Esgotado o prazo, diz o texto aprovado, "o devedor poderá recolher, a título de pagamento à União", o montante corrigido pelo novo indexador, "ressalvado o direito da União de cobrar eventuais diferenças que forem devidas".
A lei complementar em vigor autoriza a União a adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano ou a taxa Selic - o que for menor - como índice de correção das dívidas, em substituição ao Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% ao ano (ou 9%, no caso de não cumprimento de condições contratuais).
Embora se apliquem a dívidas de 7 Estados e cerca de 180 municípios, as regras beneficiam especialmente a Prefeitura de São Paulo, atualmente ocupada por Fernando Haddad, companheiro de partido da presidente Dilma Rousseff.
De acordo com números que o ministro da Fazenda apresentou a senadores, a mudança do indexador reduzirá em R$ 163,1 bilhões o valor que a União tem a receber até 2040. No caso da Prefeitura paulistana, o saldo devedor, de R$ 60,5 bilhões, será reduzido em RS 36,4 bilhões, com a redução proporcional dos pagamentos anuais.
A redução dos compromissos com a dívida permitiria à Prefeitura aumentar seus investimentos, o que representaria uma grande ajuda para o prefeito Haddad em sua corrida pela reeleição. Mas tendo, afinal, se dado conta das dimensões da crise fiscal, a presidente Dilma Rousseff percebeu que a concessão de um benefício dessas dimensões, nesse momento, tornaria ainda mais difícil o ajuste fiscal, já ameaçado pela resistência que enfrenta até mesmo no PT. Por isso, ela quer adiar a aplicação da medida. Enfraquecida, parece ter cada vez menos condições para fazer isso.
Com a rápida e dura resposta que deu à presidente Dilma Rousseff, aprovando no mesmo dia em que foi apresentado o projeto de lei complementar que fixa prazo de 30 dias para o governo federal mudar os indexadores das dívidas de Estados e municípios, aliviando-as de maneira significativa, a Câmara dos Deputados não apenas impôs mais uma severa derrota política ao Palácio do Planalto. Com sua decisão, a Câmara como que obriga a presidente Dilma Rousseff a pagar pelos erros que cometeu no seu primeiro mandato, ao propor a aplicação de um indexador que torne menos pesado para os devedores o pagamento da dívida renegociada com a União. Na época, ela se recusava a admitir a dramática situação financeira de seu governo, que agora precisa ser corrigida com medidas duras, entre as quais o adiamento das facilidades para o pagamento das dívidas estaduais e municipais.
A situação só não ficou pior para o governo porque, depois de reunião do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com um grupo de senadores, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), concordou em não colocar o projeto em votação imediatamente. Isso dá tempo ao Planalto para pelo menos tentar absorver sua derrota. Mas, mesmo assim, o presidente do Senado manteve a pressão sobre o governo. Lembrou que, em caso de veto da presidente ao projeto, o Congresso tem a palavra final.
Na terça-feira passada, a presidente havia afirmado não haver "espaço fiscal" para aliviar as dívidas dos Estados e municípios. Respondia ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), que na véspera havia obtido liminar na Justiça Federal para que a dívida do município passe a ser corrigida pelos indexadores autorizados pela Lei Complementar n.º 148, aprovada em novembro de 2014 com o apoio do governo.
Pouco depois, o deputado Leonardo Piciani, líder do PMDB e, portanto, da base aliada do governo, apresentou o projeto fixando prazo para o governo renegociar as dívidas. A Câmara agiu, então, com inusitada rapidez. Em menos de 24 horas, aprovou por 389 votos a favor e apenas 2 contra - o que não deixa dúvidas quanto ao maciço apoio, vindo até do PT - o projeto que, além de impor prazo exíguo ao Executivo para a aplicação das novas condições de pagamento das dívidas estaduais e municipais, dispensa essa aplicação de regulamentação prévia. Esgotado o prazo, diz o texto aprovado, "o devedor poderá recolher, a título de pagamento à União", o montante corrigido pelo novo indexador, "ressalvado o direito da União de cobrar eventuais diferenças que forem devidas".
A lei complementar em vigor autoriza a União a adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano ou a taxa Selic - o que for menor - como índice de correção das dívidas, em substituição ao Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% ao ano (ou 9%, no caso de não cumprimento de condições contratuais).
Embora se apliquem a dívidas de 7 Estados e cerca de 180 municípios, as regras beneficiam especialmente a Prefeitura de São Paulo, atualmente ocupada por Fernando Haddad, companheiro de partido da presidente Dilma Rousseff.
De acordo com números que o ministro da Fazenda apresentou a senadores, a mudança do indexador reduzirá em R$ 163,1 bilhões o valor que a União tem a receber até 2040. No caso da Prefeitura paulistana, o saldo devedor, de R$ 60,5 bilhões, será reduzido em RS 36,4 bilhões, com a redução proporcional dos pagamentos anuais.
A redução dos compromissos com a dívida permitiria à Prefeitura aumentar seus investimentos, o que representaria uma grande ajuda para o prefeito Haddad em sua corrida pela reeleição. Mas tendo, afinal, se dado conta das dimensões da crise fiscal, a presidente Dilma Rousseff percebeu que a concessão de um benefício dessas dimensões, nesse momento, tornaria ainda mais difícil o ajuste fiscal, já ameaçado pela resistência que enfrenta até mesmo no PT. Por isso, ela quer adiar a aplicação da medida. Enfraquecida, parece ter cada vez menos condições para fazer isso.
Sinais do PMDB - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 27/03
Se a divulgação hoje do PIB de 2014 pelo IBGE confirmar que já no ano da eleição tivemos resultado negativo, ou próximo da estagnação, aumentará a certeza do PMDB de que é melhor garantir um lugar no escaler do Titanic do que permanecer na suíte master, na feliz definição do senador Romero Jucá, um especialista em governos, o líder de todos os mais recentes, que votou em Aécio Neves e está de saída da coligação governista, assim como boa parte do seu partido.
A saída está sendo feita por etapas, como convém aos cautelosos peemedebistas, mesmo porque não querem dar espaço para que novos "oportunistas" ocupem, como Gilberto Kassab, o mais próximo do "espírito" do PMDB que se pode encontrar na política atual.
Só que, quando Kassab vai aos cajus, o PMDB já volta com as castanhas. Ao tempo em que o PSD de Kassab almeja ser o futuro PMDB, este já está preparando o plano de escape de um governo que considera superado.
O PT está morto é a análise mais vulgarizada nas conversas das lideranças do PMDB, e a senadora Marta Suplicy é considerada exemplo dessa constatação. Não apenas ela, mas outros dois senadores, cada qual por sua razão pessoal: Paulo Paim e Delcídio Amaral.
Paim e Marta são prata da casa petista e a saída deles tem significação política alta. Delcídio é um novato na sigla, já foi tucano, e não tem razão histórica nenhuma para ficar no barco que considera estar afundando.
A força dos presidentes da Câmara e do Senado corresponde à fraqueza da presidente Dilma, e o embate é desigual pois do lado do Palácio do Planalto não há quem saiba fazer política tão bem quanto os do PMDB.
E os que sabem, como o ex-presidente Lula, fazem sua política particular, que neste momento de Operação Lava-Jato recomenda mais silêncio.
Atribui-se a Lula uma explicação sobre a falta de correspondência entre seus conselhos e as atitudes do governo: não daria para se meter em conversa de Deus com Jesus Cristo, teria dito Lula referindo-se ao entendimento entre a presidente Dilma e o chefe do Gabinete Civil, Aloizio Mercadante. Logo Lula, que é considerado Deus pelos seus seguidores.
Dilma se considera sabedora de todas as verdades, mas cada vez há menos gente que acredita nisso, daí sua dificuldade.
Outro paradoxo difícil de lidar é o que as pesquisas de opinião mostram: a maioria esmagadora da população acredita que a presidente sabia de tudo o que acontecia na Petrobras.
Até mesmo no exterior virou piada a afirmação de que Dilma não sabia de nada. O humorista John Oliver, do programa Last Week Tonight, da HBO, tratou recentemente do escândalo do petrolão e mostrou-se ironicamente surpreso ante a notícia de que a presidente Dilma, por enquanto, está sendo considerada inocente de todo o escândalo pelos órgãos que o investigam.
Oliver foi ao ponto: como pode ser inocente se ela estava no Conselho de Administração da Petrobras por sete anos, enquanto as propinas eram distribuídas? Essa parece ser a convicção também da maioria dos brasileiros, e por isso a presidente não terá descanso, ao mesmo tempo que se arma uma incoerência legal, pois ela não pode ser processada por algo que aconteceu fora do seu mandato.
Como o mandato atual tem apenas quatro meses, é preciso que se prove que o esquema de propinas continuou acontecendo depois que ela foi eleita, para que alguma coisa concreta seja feita.
Ao mesmo tempo, o desgaste político tem sido tão violento que dificilmente Dilma terá condições de resistir a ele com a base política desagregada.
Se a divulgação hoje do PIB de 2014 pelo IBGE confirmar que já no ano da eleição tivemos resultado negativo, ou próximo da estagnação, aumentará a certeza do PMDB de que é melhor garantir um lugar no escaler do Titanic do que permanecer na suíte master, na feliz definição do senador Romero Jucá, um especialista em governos, o líder de todos os mais recentes, que votou em Aécio Neves e está de saída da coligação governista, assim como boa parte do seu partido.
A saída está sendo feita por etapas, como convém aos cautelosos peemedebistas, mesmo porque não querem dar espaço para que novos "oportunistas" ocupem, como Gilberto Kassab, o mais próximo do "espírito" do PMDB que se pode encontrar na política atual.
Só que, quando Kassab vai aos cajus, o PMDB já volta com as castanhas. Ao tempo em que o PSD de Kassab almeja ser o futuro PMDB, este já está preparando o plano de escape de um governo que considera superado.
O PT está morto é a análise mais vulgarizada nas conversas das lideranças do PMDB, e a senadora Marta Suplicy é considerada exemplo dessa constatação. Não apenas ela, mas outros dois senadores, cada qual por sua razão pessoal: Paulo Paim e Delcídio Amaral.
Paim e Marta são prata da casa petista e a saída deles tem significação política alta. Delcídio é um novato na sigla, já foi tucano, e não tem razão histórica nenhuma para ficar no barco que considera estar afundando.
A força dos presidentes da Câmara e do Senado corresponde à fraqueza da presidente Dilma, e o embate é desigual pois do lado do Palácio do Planalto não há quem saiba fazer política tão bem quanto os do PMDB.
E os que sabem, como o ex-presidente Lula, fazem sua política particular, que neste momento de Operação Lava-Jato recomenda mais silêncio.
Atribui-se a Lula uma explicação sobre a falta de correspondência entre seus conselhos e as atitudes do governo: não daria para se meter em conversa de Deus com Jesus Cristo, teria dito Lula referindo-se ao entendimento entre a presidente Dilma e o chefe do Gabinete Civil, Aloizio Mercadante. Logo Lula, que é considerado Deus pelos seus seguidores.
Dilma se considera sabedora de todas as verdades, mas cada vez há menos gente que acredita nisso, daí sua dificuldade.
Outro paradoxo difícil de lidar é o que as pesquisas de opinião mostram: a maioria esmagadora da população acredita que a presidente sabia de tudo o que acontecia na Petrobras.
Até mesmo no exterior virou piada a afirmação de que Dilma não sabia de nada. O humorista John Oliver, do programa Last Week Tonight, da HBO, tratou recentemente do escândalo do petrolão e mostrou-se ironicamente surpreso ante a notícia de que a presidente Dilma, por enquanto, está sendo considerada inocente de todo o escândalo pelos órgãos que o investigam.
Oliver foi ao ponto: como pode ser inocente se ela estava no Conselho de Administração da Petrobras por sete anos, enquanto as propinas eram distribuídas? Essa parece ser a convicção também da maioria dos brasileiros, e por isso a presidente não terá descanso, ao mesmo tempo que se arma uma incoerência legal, pois ela não pode ser processada por algo que aconteceu fora do seu mandato.
Como o mandato atual tem apenas quatro meses, é preciso que se prove que o esquema de propinas continuou acontecendo depois que ela foi eleita, para que alguma coisa concreta seja feita.
Ao mesmo tempo, o desgaste político tem sido tão violento que dificilmente Dilma terá condições de resistir a ele com a base política desagregada.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Petrobras merecia um gestor muito melhor do que eu”
Graça Foster fazendo ‘mea culpa’ na CPI que investiga a roubalheira na estatal
LULA QUER MERCADANTE EMBAIXADOR, ‘BEM LONGE’
O ex-presidente Lula voltou a insistir na demissão imediata do ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), como “única saída” para a retomada do entendimento com o PMDB. A idéia de Lula é nomear Mercadante embaixador, onde ele quiser, “de preferência bem longe”. Lula se irritou com a nova trapalhada do ministro, que fez Dilma desafiar o PMDB ajudando a fundar o Partido Liberal (PL), de Gilberto Kassab.
POLÍTICA ESTOMACAL
Visceral, Mercadante faz política com raiva, e quis se vingar do PMDB e do “emparedamento” do governo no Congresso, dando força ao PL.
JANELA DE DESERÇÃO
A criação de partido, como o PL, abre a janela para transferência de deputados sem risco de perder o mandato. A ideia é esvaziar o PMDB.
IRRELEVÂNCIAS
Após tornar o ministro Pepe Vargas (Articulação) irrelevante, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, está louco para encarar Mercadante.
ENQUADRAMENTO
Eduardo Cunha se recusou a receber Pepe Vargas, afirmando que não aceitava intermediários nas relações “entre presidentes de poderes”.
DILMA SUBMETEU TRAUMANN A HUMILHAÇÃO FINAL
Demitido nesta quarta (25) do cargo de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Thomas Traumann deixou funcionários do Planalto constrangidos com a humilhação a que se submeteu na segunda-feira (23). Ele ficou plantado durante todo o dia na porta do gabinete de Dilma, implorando inutilmente para ser recebido por ela. Pretendia explicar o documento cujo vazamento, dias atrás, a irritou.
ADIAMENTO
O ex-ministro também pretendia pedir a Dilma para ficar no cargo até junho, a fim de “descolar” sua saída do caso do documento vazado.
DIVERSIONISMO
Traumann divulgou haver retornado de breves férias na terça-feira, mas ele voltou ao Planalto na segunda, quando insistiu em falar com Dilma.
CASCA GROSSA
A repulsa de Dilma não é pessoal. Também maltratava a antecessora dele, Helena Chagas, e tem o hábito de submeter auxiliares a bullying.
VASOS COMUNICANTES
O deputado JHC (SD-AL) meteu Graça Foster em saia justa, ontem, ao conferir se ela apoiou a indicação de Luiz Eduardo Carneiro (já convocado para depor) para presidir a Sete Brasil. Ela confirmou. A empresa enrolada no petrolão é obra de André Esteves, do banco BTG.
TUTTI BUONA GENTE
A Sete Brasil, em cuja gestão Graça Foster admitiu meter o bedelho, foi antes dirigida pelo ex-gerente Pedro Barusco, o corrupto confesso que foi braço direito do ex-diretor petista da Petrobras Renato Duque.
BANCADA DO PETROLÃO
Graça Foster chegou à CPI da Petrobras na Câmara cercada da “bancada do petrolão”, de deputados do PT. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) ironizou a tropa de choque: “O depoimento é só da Graça”.
FOTO NA PAREDE
Desafeto de Lula, que o detesta, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), mantém relacionamento tão amistoso com Dilma que até pendurou uma foto oficial da presidente em seu gabinete.
ORÁCULO
O ex-senador José Sarney está montando um instituto, ainda sem nome definido, no Setor Hoteleiro Norte, em Brasília. Ali, ele pretende trabalhar e receber políticos. Quer manter a influência.
PLENÁRIO VAZIO
A ida de Ricardo Berzoini na Câmara nem de longe lembrou o show de Cid Gomes. Com duas dúzias de parlamentares, parecia mais tricô de comadres. Esvaziou de vez com o início do jogo Brasil 3x1 França.
OUTRA DERROTA
O governo também foi derrotado na Câmara na aprovação do projeto relatado pela deputada Gorete Pereira (PR-CE), que assegura mamografia a partir dos 40 anos. O governo insistiu nos 50 anos.
CUMPRINDO TABELA
Os funcionários da liderança do governo no Senado, que não são poucos, estão feito baratas tontas. Quase dois meses depois do início do
ano legislativo, o novo líder do governo ainda não foi definido.
PENSANDO BEM...
...após tantas trapalhadas, o ministro Aloizio Mercadante já pode ser considerado o co-piloto alemão de Dilma, no governo.
PODER SEM PUDOR
GARGALHANDO POR DENTRO
Jânio Quadros estava em campanha para presidente, em 1960, e foi a Sete Lagoas (MG) para um comício com Magalhães Pinto, que disputava o governo de Minas contra Tancredo Neves. No comício, os oradores foram recebidos com ovos e vaias. A comitiva seguiu para uma cidade vizinha. No carro, Jânio ficou um tempão esperando que Magalhães Pinto dissesse alguma coisa. Desconfiava que ele estava por trás das vaias e dos ovos. Até que perdeu a paciência com o impassível aliado:
- Os mineiros são terríveis. Quando não riem por fora, riem por dentro.
Graça Foster fazendo ‘mea culpa’ na CPI que investiga a roubalheira na estatal
LULA QUER MERCADANTE EMBAIXADOR, ‘BEM LONGE’
O ex-presidente Lula voltou a insistir na demissão imediata do ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), como “única saída” para a retomada do entendimento com o PMDB. A idéia de Lula é nomear Mercadante embaixador, onde ele quiser, “de preferência bem longe”. Lula se irritou com a nova trapalhada do ministro, que fez Dilma desafiar o PMDB ajudando a fundar o Partido Liberal (PL), de Gilberto Kassab.
POLÍTICA ESTOMACAL
Visceral, Mercadante faz política com raiva, e quis se vingar do PMDB e do “emparedamento” do governo no Congresso, dando força ao PL.
JANELA DE DESERÇÃO
A criação de partido, como o PL, abre a janela para transferência de deputados sem risco de perder o mandato. A ideia é esvaziar o PMDB.
IRRELEVÂNCIAS
Após tornar o ministro Pepe Vargas (Articulação) irrelevante, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, está louco para encarar Mercadante.
ENQUADRAMENTO
Eduardo Cunha se recusou a receber Pepe Vargas, afirmando que não aceitava intermediários nas relações “entre presidentes de poderes”.
DILMA SUBMETEU TRAUMANN A HUMILHAÇÃO FINAL
Demitido nesta quarta (25) do cargo de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Thomas Traumann deixou funcionários do Planalto constrangidos com a humilhação a que se submeteu na segunda-feira (23). Ele ficou plantado durante todo o dia na porta do gabinete de Dilma, implorando inutilmente para ser recebido por ela. Pretendia explicar o documento cujo vazamento, dias atrás, a irritou.
ADIAMENTO
O ex-ministro também pretendia pedir a Dilma para ficar no cargo até junho, a fim de “descolar” sua saída do caso do documento vazado.
DIVERSIONISMO
Traumann divulgou haver retornado de breves férias na terça-feira, mas ele voltou ao Planalto na segunda, quando insistiu em falar com Dilma.
CASCA GROSSA
A repulsa de Dilma não é pessoal. Também maltratava a antecessora dele, Helena Chagas, e tem o hábito de submeter auxiliares a bullying.
VASOS COMUNICANTES
O deputado JHC (SD-AL) meteu Graça Foster em saia justa, ontem, ao conferir se ela apoiou a indicação de Luiz Eduardo Carneiro (já convocado para depor) para presidir a Sete Brasil. Ela confirmou. A empresa enrolada no petrolão é obra de André Esteves, do banco BTG.
TUTTI BUONA GENTE
A Sete Brasil, em cuja gestão Graça Foster admitiu meter o bedelho, foi antes dirigida pelo ex-gerente Pedro Barusco, o corrupto confesso que foi braço direito do ex-diretor petista da Petrobras Renato Duque.
BANCADA DO PETROLÃO
Graça Foster chegou à CPI da Petrobras na Câmara cercada da “bancada do petrolão”, de deputados do PT. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) ironizou a tropa de choque: “O depoimento é só da Graça”.
FOTO NA PAREDE
Desafeto de Lula, que o detesta, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), mantém relacionamento tão amistoso com Dilma que até pendurou uma foto oficial da presidente em seu gabinete.
ORÁCULO
O ex-senador José Sarney está montando um instituto, ainda sem nome definido, no Setor Hoteleiro Norte, em Brasília. Ali, ele pretende trabalhar e receber políticos. Quer manter a influência.
PLENÁRIO VAZIO
A ida de Ricardo Berzoini na Câmara nem de longe lembrou o show de Cid Gomes. Com duas dúzias de parlamentares, parecia mais tricô de comadres. Esvaziou de vez com o início do jogo Brasil 3x1 França.
OUTRA DERROTA
O governo também foi derrotado na Câmara na aprovação do projeto relatado pela deputada Gorete Pereira (PR-CE), que assegura mamografia a partir dos 40 anos. O governo insistiu nos 50 anos.
CUMPRINDO TABELA
Os funcionários da liderança do governo no Senado, que não são poucos, estão feito baratas tontas. Quase dois meses depois do início do
ano legislativo, o novo líder do governo ainda não foi definido.
PENSANDO BEM...
...após tantas trapalhadas, o ministro Aloizio Mercadante já pode ser considerado o co-piloto alemão de Dilma, no governo.
PODER SEM PUDOR
GARGALHANDO POR DENTRO
Jânio Quadros estava em campanha para presidente, em 1960, e foi a Sete Lagoas (MG) para um comício com Magalhães Pinto, que disputava o governo de Minas contra Tancredo Neves. No comício, os oradores foram recebidos com ovos e vaias. A comitiva seguiu para uma cidade vizinha. No carro, Jânio ficou um tempão esperando que Magalhães Pinto dissesse alguma coisa. Desconfiava que ele estava por trás das vaias e dos ovos. Até que perdeu a paciência com o impassível aliado:
- Os mineiros são terríveis. Quando não riem por fora, riem por dentro.
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