sábado, fevereiro 15, 2014

Roomba, o robô - CORA RÓNAI

O GLOBO - 15/02

Aspirador eletrônico trabalha sozinho e é aquela mão na roda para quem tem peludos em casa


Um dos filmes de gato mais assistidos do YouTube — onde o que não falta é filme de gato muito assistido — mostra um gatinho absurdamente cool, vestido com uma fantasia de tubarão, passeando pela cozinha montado num Roomba, um robô aspirador parecido com uma torta achatada e grandona (bit.ly/1mgZqvx). Minha primeira reação ao ver este filme foi dar um daqueles gritos idiotas que as pessoas que amam gatos dão quando veem um peludo particularmente fofo: “Owwwwwnnnnnn!!!” A segunda foi googlar Roomba, para ver o que diabos era aquilo.

Na minha cabeça, como na cabeça de todo mundo que já leu ficção científica e assistiu a alguns filmes do gênero, robôs são figuras mais ou menos parecidas com seres humanos, isto é, em geral têm tronco, cabeça e membros, como o Gort, de “O dia em que a terra parou” (e que se desligava com a frase “Klaatu Barada Nikto“, lembram?) ou R2D2 e C3P0, de “Guerra nas Estrelas”. Com um certo esforço de imaginação, a gente ainda consegue incluir na categoria as criaturas que a Nasa espalha pelo espaço, mais parecidas com insetos do que com humanos. Mas um disco de plástico, sem patinhas nem antenas? Isso lá é robô?

Continuei assistindo a filmes de gatos pegando caronas em Roombas, que viralizaram, mais pelos gatos do que pelos Roombas. E não pensei mais no caso, até que o velho aspirador de casa morreu. Como hoje não compro mais nada sem consultar as bases, corri para o Twitter e para o Facebook, perguntando à turma qual aspirador me recomendavam — exatamente como fiz quando a máquina de lavar entregou a alma ao criador. O nome mais bem votado, campeão disparado na preferência da minha timeline, foi o Electrolux; mas, aqui e ali, apareceram pessoas recomendando o Roomba.

O “heavy duty” da casa, portanto, passou a ser um Electrolux Ultra Active, bonito, prático e poderoso — e que, curiosamente, se parece mais com o robô da minha imaginação. Ainda assim, quando estive em Miami, não resisti e trouxe um Roomba 770 na mala. Nunca tive um eletrodoméstico mais fofo! Os gatos ficaram deslumbrados com aquela coisa que vai e vem limpando a casa; os meus netos tratam o Roomba como se fosse uma pessoa, adoram apertar seus botões e alimentá-lo com todos os tipos de sujeirinhas. Programei-o para, todos os dias, dar uma volta às 16h e, às vezes, ele me surpreende entrando no escritório, enquanto estou trabalhando.

E que tal o robozinho como aspirador? Pois olhem, é surpreendentemente bom! Ainda não entendi a lógica do seu percurso, mas ele anda pela casa toda e recolhe quantidades incríveis de pelo e de poeira. Isso num ambiente sempre muito limpo, com chão frio, onde em tese se poderia notar o que ele, para nossa surpresa, acaba engolindo. Não se deve deixá-lo trabalhar solto, sem supervisão, porque é dado a se enroscar em fios elétricos, mas isso é simples de resolver tirando potenciais obstáculos do caminho antes de ligá-lo.

O modelo 770 tem filtros HEPA, que recolhem a poeira fina, e conta com uma ótima bateria: às vezes, trabalha mais de duas horas, zanzando solitário de cá para lá. Quando decide que a tarefa foi cumprida, volta obediente e sozinho para a base, para recarregar novamente. É uma graça!

Vale a pena investir num Roomba? Depende de quanto se tem no orçamento e das prioridades de cada um. Não recomendo o Roomba como único aspirador para quem tem estofados e cortinas, e costuma aspirar também as estantes, já que ele só trabalha no chão. Ele também deixa a desejar nos ângulos retos e não tem nem potência nem espaço interno para lidar com grandes desastres domésticos. Por outro lado, é uma máquina fantástica para manter a limpeza entre faxinas, sobretudo para quem tem peludos em casa. Com uma grande vantagem: como trabalha sozinho, passamos a aspirar tudo com mais frequência. A casa fica decididamente mais limpa com ele. Gosto tanto do meu Roomba que já estou de olho no seu irmão mais novo, o Scooba, que lava e esfrega o chão.

Que venham mais robôs!

De volta aos cachinhos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 15/02

RIO DE JANEIRO - Minha velha amiga Margarida Sarda detestava Shirley Temple. Sua mãe a penteava como Shirley Temple --fazia-lhe todo dia os 56 cachinhos dourados de Shirley Temple. Metia-a em casaquinhos, saiotes e marinheiras de Shirley Temple. Calçava-lhe as meias curtinhas ou três quartos de Shirley Temple. E a inundava de bonecas, brinquedos e adereços de Shirley Temple. Só não lhe aplicou as covinhas de Shirley Temple. Em represália, Margarida passou a infância dedicando-se a não ser Shirley Temple. Conseguiu.

Por causa de Shirley Temple, todas as mães do mundo exigiam o impossível de suas filhas. A própria Shirley também só foi Shirley Temple enquanto não teve escolha. Dos quatro aos 12 anos, ela foi um produto de sua mãe, Gertrude --e de si própria, porque ninguém a ensinou a representar. Aos seis, já sabia fazer tudo que a venerada Ethel Barrymore levara 60 para aprender.

Seus filmes, a uma média de quatro por ano, entre 1934 e 1939, rendiam milhões e podiam ser intoleráveis, mas ela não era. Na verdade, era quase impossível não admirá-la. E o quase vai por causa de Graham Greene, então crítico, para quem Shirley só podia agradar a gagás pedófilos. Não é verdade. Confira em "Dada em Penhor" (1934), "A Mascote do Regimento" (1935), "A Queridinha do Vovô" (dirigido por John Ford) e "Heidi" (1937) e "Sonho de Moça" (1938).

Aos 12 anos, em 1940, foi abandonada pelo público. Gertrude tirou-a do cinema e a botou para estudar. Shirley suspirou aliviada e nunca fez muita força para voltar ao estrelato. Tocou sua vida e, no futuro, sem ser da "carrière", tornou-se embaixadora dos EUA em Gana e na então Tchecoslováquia, em épocas conturbadas desses países. Shirley Temple finalmente chegara à idade adulta.

Mas bastou-lhe morrer, na segunda-feira, aos 85 anos, para ser devolvida aos cachinhos.

Gerações mais ou menos perdidas - MARLETH SILVA

GAZETA DO POVO - PR - 15/02


Minha amiga Glenda conta a história de um guarda do Muro de Berlim que ela entrevistou anos atrás. Frank G. nasceu sob o regime comunista e comportava-se como um bom cidadão de seu país. Teve de servir o Exército, teve de vigiar a área do muro quando foi escalado para a tarefa. Não tinha vocação para aquilo. Torcia para nunca se deparar com um compatriota em fuga. Mas uma noite isso aconteceu e ele cumpriu o protocolo: disparou o sinalizador para alertar os demais guardas, gritou que iria atirar, disparou sua Kalashnikov para o alto e, depois, na direção do fugitivo. Tentou errar o alvo. Acertou no ombro. O rapaz sobreviveu, mas foi pego pela polícia da Alemanha Oriental.

Anos depois, caiu o muro e a Justiça da Alemanha unificada processou e julgou Frank por aquele tiro. Ele foi condenado.

Glenda ficou impressionada com o papel que coube a Frank G., o de marionete da história. Sua vida sempre sendo levada na direção que a história tomava e não na direção em que sua natureza mais verdadeira o conduzia.

É um pensamento desconfortável: somos fruto do tempo e do lugar em que vivemos. Talvez mais que frutos, escravos, já que nossos pensamentos são influenciados pela mentalidade maior, coletiva, pelo Zeitgeist, aquela palavra alemã que designa o clima intelectual e cultural do mundo numa certa época. De tão mergulhados que estamos neste Zeitgest, ele nos parece natural. Só registramos parcialmente sua existência.

Meus colegas Paulo e Ricardo comentavam outro dia o impacto que o filme Terra Estrangeira teve sobre eles em 1995. Lembrei que o clima derrotista da obra me fez mal. O filme conta a história de um jovem brasileiro cuja mãe morre de preocupação e tristeza quando suas poucas economias são confiscadas pelo governo Collor. Sozinho e sem dinheiro em um país que oferecia mais desgostos que esperanças, Paco (interpretado por Fernando Alves Pinto) emigra para Portugal. Para quem hoje está na faixa dos 40 anos, aquilo é um retrato da nossa geração.

Durante os anos 90, os brasileiros debandaram para o Japão, para a Europa e para os Estados Unidos em busca de subempregos e de estabilidade. Aonde você ia, encontrava compatriotas atendendo nos bares, cuidando de crianças, fazendo faxina. Aquelas pessoas já tinham crescido sem perspectivas otimistas. A recessão dos anos 80 fizera até engenheiro virar suco! Se nem estudar resolvia, só restava o aeroporto.

Frank G., os Pacos dos anos 90, os engenheiros que nos anos 80 ficaram sem trabalho e tiveram de montar um negócio para sobreviver, são todos exemplos de quanto de nossa trajetória pessoal nos escapa ao controle. Nossos esforços são recompensados, sim, mas não é uma correlação perfeita de causa e efeito. Admitir isso não é procurar desculpa para os preguiçosos; é fazer justiça com tantos que se esforçam dignamente. Assim como o alemão fez o que era correto naquele ambiente em que vivia e foi punido pela história, gerações de brasileiros se esforçaram muito para avançar poucos passos. São gerações sacrificadas, umas mais, outras menos.

Lembro um exemplo oposto ao do Frank, do Paco e do Odil Garcez Filho (o tal engenheiro que abriu uma lojinha de suco em São Paulo). É o Steve Jobs. Quem lê a biografia dele percebe que Steve Jobs era fruto de seu ambiente: um garoto que cresceu enquanto o Vale do Silício florescia, que foi jovem na época da contracultura (o que moldou totalmente as crenças que levou para a Apple) e que se tornou um empresário da tecnologia no momento em que o mundo passou a girar em torno de mídias digitais. Dá para dizer que Jobs não é produto daquele meio, mas sim um dos homens que fizeram aquele meio ser o que é? O leitor que chegue a sua conclusão. Eu acho que não. Tivesse nascido Steve Jobs no Brasil dos anos 80, ele teria sido um engenheiro que virou suco.

O pragmatismo e os ovos de ouro - LUIZ FERNANDO JANOT

O GLOBO - 15/02

O valor do ingresso é compatível com o perfil dos frequentadores dos estádios? Isso pouco interessa aos que faturam, politicamente inclusive, com obras extraordinárias



Circulou recentemente pela imprensa uma série de artigos defendendo a tese de que os projetos de intervenção urbana devem se fixar, exclusivamente, nos seus resultados práticos e imediatos. De uma maneira geral, esse pensamento reflete um viés ideológico que tem o pragmatismo de resultados como a maneira mais eficaz para atender os interesses políticos de ocasião. Trata-se de uma retórica focada no aqui e agora, que dispensa qualquer compromisso de longo prazo.

No admirável mundo das cidades virtuais, onde quase tudo é possível, é comum a utilização de estratégias publicitárias e de sofisticados recursos visuais para “vender” projetos urbanos das mais variadas espécies. Alguns, no entanto, não resistem a uma avaliação crítica mais apurada. Afinal, do virtual para o real há uma distância significativa. No entanto, quando as dificuldades se resumem aos aspectos de ordem financeira desponta a “parceria público-privada” como solução ideal para viabilizar a realização da obra.

Esse foi o modelo escolhido para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Todavia, para perplexidade geral, foi divulgado que os R$ 2,6 bilhões previstos inicialmente para a organização da Copa já alcançaram — pasmem — o montante de R$ 8,9 bilhões. Contradizendo o que havia sido dito sobre a participação majoritária do capital privado na realização dessas obras, 90% dos recursos empregados estão sendo bancados pela União, pelos estados e pelos municípios, através de empréstimos concedidos generosamente pelo BNDES. Mais uma vez, seguindo o propalado pragmatismo de resultados, privatizaram as obras e estatizaram os seus custos.

Independentemente ou não da relevância desses investimentos, algumas dúvidas pairam no ar em relação ao futuro de tais arenas esportivas. Estariam elas adequadas à precária estrutura regional das competições esportivas brasileiras? O alto valor dos ingressos é compatível com o perfil socioeconômico dos frequentadores dos nossos estádios? Lamentavelmente, essas questões pouco interessam àqueles que estão faturando, inclusive politicamente, com essas obras extraordinárias.

No Rio, inúmeras intervenções urbanas estão sendo feitas para receber a Copa e as Olimpíadas. Para os defensores do pragmatismo de resultados basta divulgar algumas sedutoras apresentações virtuais dos projetos para impressionar a população e consolidar essas realizações no tempo presente. Resta saber se o baixo padrão de qualidade verificado em algumas construções feitas para os Jogos Pan-Americanos de 2007 irá se repetir nas obras para as Olimpíadas. O afundamento do terreno da Vila dos Atletas e a interdição do Engenhão são exemplos que fundamentam essa preocupação.

Esse questionamento não se restringe, exclusivamente, às obras de exceção. Se considerarmos a falta de um modelo consistente de planejamento e a maneira açodada como estão sendo feitas as obras nas cidades brasileiras é de se esperar, para elas, um futuro sombrio. Além do mais, há o fato de que a elaboração dos projetos executivos, de um modo geral, tem sido entregue às empreiteiras responsáveis pela execução das obras. Em outras palavras é o mesmo que dar à raposa a responsabilidade de cuidar das galinhas dos ovos de ouro.

Para não transparecer má vontade, não custa esclarecer que nos Estados Unidos é comum separar essas funções e adotar como prazo para a elaboração dos projetos o mesmo tempo que se destina à execução da obra. No Brasil, contudo, projetar pensando o futuro parece ser uma atitude estranha para certas pessoas que ignoram a história, negam o passado e vivem exclusivamente de resultados que se esgotam no presente. Infelizmente, esse é o triste quadro da atual realidade política brasileira.

Barbárie ou civilização: cabe decidir - LAURA GREENHALGH

O Estado de S.Paulo - 15/02

Era um encontro mundial sobre saúde da mulher no Rio de Janeiro, no ainda bem disposto Hotel Glória, meados dos anos 1990. A jornalista, às voltas com mil e uma possibilidades de boas matérias, encanou de conversar com uma doutora de Burkina Faso, país africano na região do Saara. Diziam que a mulher era uma estudiosa da mutilação genital feminina. O quê? Sabia-se pouco sobre uma realidade tão estranha aos nossos trópicos - embora sejam trópicos tão pródigos em estranhezas.

Numa varanda do Glória, a jornalista se deparou com a mulher negra corpulenta, envolta em panos ultracoloridos, deusa africana "empoderada" em fóruns internacionais, com sólido discurso sobre um crime cometido milenarmente contra meninas e mulheres. Diante da pergunta técnica da repórter, como se faz uma mutilação dessa natureza?, o empoderamento da doutora não durou um minuto. Vi desmontar a ativista que, como as mulheres de sua família, em diferentes gerações, passou pelo suplício. Guardo na memória seu olhar de tristeza e humilhação ao se confessar uma vítima.

Dias atrás, o jornal The Guardian entrou com força numa campanha contra a mutilação genital feminina (comumente tratada como FGM, sigla para female genital mutilation), e o fez já cortando de saída aquela fleuma britânica que dilui em contida polidez o que é simplesmente um escândalo. Em editorial, o diário denuncia haver no Reino Unido cerca de 66 mil vítimas desse tipo de violência e pelo menos 20 mil jovens ameaçadas de passar pelo mesmo sofrimento nos próximos tempos, por imposição de suas famílias.

São meninas abaixo de 15 anos, filhas e netas de imigrantes, a grande maioria com origens numa geografia que abrange não só África, mas Oriente Médio, Ásia e Indonésia. Nasceram na Grã-Bretanha ou têm cidadania inglesa, no entanto, continuam sendo mutiladas dentro de casa ou em locais clandestinos nos domínios de Sua Majestade. Há também casos em que as famílias as levam aos países de origem, a propósito de férias e/ou visita familiar. Lá consumam o ato e daí voltam ao Reino.

A campanha deflagrada pelo Guardian ganhou um rosto inesperado, coberto pelo véu islâmico. Trata-se de Fahma Mohamed, estudante inglesa de 17 anos, que chegou aos 7 da Somália, a bordo de uma família com pai, mãe e nove filhas. Em vídeo postado no site do jornal, Fahma olha para a câmera e fala diretamente a Michael Gove, secretário de Educação do gabinete Cameron. Trata de informá-lo que a mutilação genital existe na Grã-Bretanha e cobra dele que escreva para todas as escolas primárias e secundárias do país, determinando que professores e pais troquem informação abalizada sobre o tema. E que isso ocorra já, antes das férias de verão, marcadas para o meio do ano, quando as meninas sempre correm mais risco. Desde 1985, há uma lei inglesa estabelecendo que a mutilação genital feminina, eufemisticamente tratada como circuncisão, é crime. A lei francesa, tão antiga quanto, tem sido ao menos aplicada, o que se confirma por alguns julgamentos exemplares. No Reino Unido, nada.

O mundo da FGM é sórdido, e não me deixarão na mão aqueles que estudam o problema. Não se pode atribuir essa prática a questões de fé, incluindo nesse campo as três grandes religiões monoteístas, que são balizadoras de boa parte da humanidade. No limite, o que se pode admitir é a persistência de tradições culturais arraigadas, que ainda hoje encontram respaldo em sociedades patriarcais. O que não justifica, em absoluto, o abuso perpetuado com o propósito único de controlar a sexualidade e o corpo da mulher.

Documentário feito no Quênia mostra como comunidades lidam com isso. De um lado, falam os homens, jovens homens, inclusive, justificando a necessidade de "operar" as mulheres antes do casamento. Dizem que só assim elas ficarão puras para eles. O que terão inoculado nas mentes destes pobres diabos, que só se satisfazem ante a certeza de que sua parceira jamais vai experimentar o prazer? De outro lado, falam as mulheres que realizam as tais operações, até como meio de vida, no meio daquela pobreza. As mutiladoras, respeitadas socialmente, exibem com naturalidade um arsenal de objetos cortantes e seus modos de uso em condições de total falta de higiene.

Explicam que a "circuncisão" pode ser mais restrita ou mais radical no estrago anatômico, digamos assim, de acordo com o que lhes é encomendado. Daí as "pacientes" são deixadas sangrando no correr de uma festa marcando o rito de passagem para a vida adulta - e muitas sangram até a morte. São pavorosos os relatos das sobreviventes da FGM que passam pela experiência do parto. Sabe-se que muitas não resistem ao dar à luz, assim como seus bebês. É um soco no estômago, ouvir essas mulheres, sejam elas vítimas consumadas ou potenciais. Dentre as últimas, há as que ainda ousam tentar escapar. A única maneira é fugindo de casa rumo ao desconhecido, entregues à própria sorte ou à falta dela.

Cabe, então, a pergunta: por que nós, por aqui, deveríamos nos preocupar com esse drama humano, quando tantos outros batem à nossa porta cotidianamente? Duas respostas saltam de imediato. Primeira resposta, para que vejamos como a barbárie não faz a menor cerimônia em conviver com o mundo civilizado. Ou altamente civilizado - e que o diga a jovem Fahma, que precisou contar ao secretário da Educação aquilo que ela vê acontecer entre as colegas de classe, num dos melhores sistemas de ensino do mundo. Segunda resposta, porque a FGM se tornou um problema global.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula em 125 milhões o número de mulheres e meninas "cortadas", vivendo em 29 países majoritariamente, sem falar na dispersão silenciosa pelo planeta. Em sua Recomendação Geral n.º 14, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, da ONU (UN-CEDAW), encabeçado pela jurista brasileira Silvia Pimentel, tem cobrado compromissos dos governos para a erradicação da prática, ao mesmo tempo em que propõe iniciativas envolvendo sistemas de saúde, redes de ensino, organizações da sociedade civil, o mundo acadêmico. Mas o problema existe e persiste, sobressaindo-se desde já na galeria dos maiores abusos aos direitos humanos neste século. Aqui, também, cabe decidir: de que lado estaremos? Da barbárie ou da civilização?

Que jovens são esses? - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 15/02

É difícil descobrir o que são e o que querem hoje, até porque são grupos segmentados, que não formam uma geração uniforme, como em 1968



Estão cada vez mais visíveis os sinais do comportamento desviante e agressivo de uma parte dos jovens. Em SP, no mês passado, seis deles confessaram à polícia ter espancado até a morte Bruno Borges, de 18 anos, por ser gay. As agressões homofóbicas chegaram a tal ponto que, para se proteger, homossexuais passaram a andar em grupos em torno da Avenida Paulista. “A gente tenta se blindar, senão não sai de casa”, disse um deles, que recentemente foi espancado ao andar sozinho. No Rio, como se sabe, dois episódios de violência juvenil chamaram a atenção. No primeiro, agressores prenderam pelo pescoço num poste no bairro do Flamengo um assaltante de 15 anos, depois de espancá-lo e deixá-lo ferido e nu. Um desses autodenominados “justiceiros” revelou que são uns 50, que costumam sair à noite para caçar marginais e dar-lhes uma “lição de moral”, ou seja, agem como os criminosos que perseguem. O pior é que muita gente boa, alegando a ineficácia da polícia, apoia a Lei de Talião, do olho por olho. Em vez de exigir o aprimoramento da segurança, prefere retroceder à barbárie que vigorou 1.700 anos antes de Cristo.

O outro episódio foi por demais comentado: a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão lançado por dois rapazes, Fábio Raposo, de 22 anos, e Caio Silva de Souza, de 23, que pertencem à gangue de vândalos que promovem quebra-quebra em manifestações. Antes de se saber que os dois são de modesta origem sócioeconômica, houve muita especulação. O prefeito Eduardo Paes chegou a se referir aos “filhinhos de papai”, o que de fato não são: eles moram sozinhos, um na Zona Norte e o outro na Baixada Fluminense, trabalham e ganham salário-mínimo. A partir dessa amostra, no entanto, não se pode generalizar, como se faz equivocadamente com os participantes dos rolezinhos, acreditando que são todos excluídos.

A Sininho, por exemplo, de 28 anos, tem outro perfil intelectual e social. Chamada de “patricinha” por populares, é a mais proeminente dos ativistas, capaz de circular entre políticos, de recolher doações de vereadores, de recrutar advogados e de ir a uma delegacia afrontar, xingando os jornalistas de “carniceiros” e, em outra ocasião, um PM de “macaco”. Seu protagonismo desmente a crença de que entre eles não há liderança, que é uma estrutura horizontal e que se reúnem de forma aleatória e espontânea.

A verdade é que é difícil descobrir o que são e o que querem certos jovens hoje, até porque são grupos segmentados, que não formam uma geração única, uniforme, como em 1968. São tribos — e cada tribo é uma categoria à parte, com hábitos particulares e uma “cultura” própria. O que os une é o gosto pelo vandalismo e a transgressão, principalmente quando recebem um dinheirinho político para praticarem o que tanto curtem: a violência.

Socuerro! Não Vai Ter Carnaval! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 15/02

Dica de economia de água: A Alstom só pode MOLHAR as mãos dos secretários do Alckmin a cada 15 dias!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! "Casamento de Latino terá bloqueador de celular". Sem fotos! Graças a Deus! Pelo bem do Brasil!

Como disse uma amiga: já basta o que sofremos com as imagens do casamento do Naldo! Rarará!

Casório com bloqueador de celular! Vai ser no presídio? O casório vai ser na Papuda? Devia ter bloqueador de som pras músicas do noivo!

E o Sujão? A falta d'água! Dicas de economia de água do amigo Ciro Botelho: 1) O Corinthians só pode levar uma LAVADA por mês. 2) A Alstom só pode MOLHAR as mãos dos secretários do Alckmin a cada 15 dias!

E eu acho que o Lula deixou uma herança maldita pra Dilma: a Copa! Pelo jeito, quem vai precisar de Mais Médicos é a Dilma!

E médicos cubanos fugindo pra Miami pelo Brasil? Miami via Brasil. O Brasil virou escala! Vou sugerir um pacote pra CVC: "Cuba-Brasil-Miami! Balseros, não fujam pelo mar, fujam pelo Brasil!"

Só que em Miami eles não vão ser médicos, vão limpar banheiro. Vão limpar banheiro de apartamento de brasileiro!

E torno a repetir aquela placa na padaria: "Temos Pudim de Leite Condenado". Sobremesa na Papuda! Já imaginou o Genoino e a Palmirinha dando receita de pudim de leite condenado? "Pegue uma lata de crime de leite e o creme não compensa". Rarará!

E eu só acredito na regeneração do Adriano se ele passar o Carnaval em Curitiba! Verdadeiro Rehab! Diz que o trio mais animado de Curitiba é o caminhão da Liquigás tocando "Pour Elise". Rarará!

Em compensação, olha o e-mail que eu recebi de um amigo baiano: "O Carnaval tá quase acabando e você ainda não veio!". O Carnaval na Bahia já começou. Em 1500! Quando os portugueses gritaram "Ivete à Vista!". Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E a clássica pergunta de todo ano: "Onde você vai passar o Carnaval?". Em Minas! Em escola de samba mineira as passistas são de fora, o mestre-sala dança no Municipal e o mestre de bateria dá aula no conservatório! Uma explosão de desânimo! Rarará!

Aliás, NÃO VAI TER CARNAVAL! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje, só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.

Tirando a máscara - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

O capuz de Caio e o voto secreto no Congresso escondiam quem sabotava a democracia


A máscara é um disfarce. O capuz de Caio e o voto secreto do Congresso serviam para esconder o nome e o rosto de quem sabotava a democracia. Nem Caio nem os deputados queriam assumir seus atos diante da sociedade e da opinião pública. Tudo faziam para não se expor.

É natural que se tente disfarçar a autoria de um crime contra a vida ou um delito de consciência. No escurinho da máscara, na proteção do anonimato, seja aliciado, recrutado, manipulado ou favorecido, fica mais fácil explodir os valores, as crenças, os ideais e até a vida de um cinegrafista, de um manifestante, de um policial. Ou boicotar o futuro político de uma nação.

Agem todos como assaltantes da esperança num país melhor. Uns ganham R$ 150, quentinhas e vale-transporte, outros ganham milhões de dólares e a gratidão de poderosos. Até que a prisão de mensaleiros e a morte de Santiago acendem um rojão vermelho na cabeça de todos os brasileiros.

No velório de Santiago, as camisetas dos jornalistas traziam nas costas a inscrição: “Poderia ter sido qualquer um de nós”. É verdade. Vamos parar com o ciclo da violência e da ignorância acobertadas e financiadas por quem quer ver o circo pegar fogo. Chega de black blocs e white blocs mascarados! Chega de mártires como Amarildo e Santiago! E chega de corrupção premiada!

Chega de caçar jornalistas como se fossem bruxas! Desde junho de 2013, quando começaram as manifestações públicas, lindas, emocionantes e populares, houve 118 casos de violência contra jornalistas. Isso inclui agressões e prisões indevidas. Desse total, 88 atos de violência partiram de policiais, e 30 de manifestantes. Em 60% dos casos, as agressões não foram aleatórias. O jornalista se identificou. De nada adiantou. Ao contrário. Ao se identificar, o jornalista tem-se tornado alvo – e isso demonstra o medo das autoridades e o desconhecimento de parte da sociedade civil sobre como a imprensa realmente trabalha no Brasil.

Uma coisa é criticar a abordagem de um veículo de informação. Isso não só é legítimo, mas recomendável. Outra é assediar e tentar desmoralizar a imprensa em geral e seus profissionais. Ou, pior, tentar coibir a liberdade de informação. Isso equivale à censura, típica de regimes totalitários.

Com a cassação do deputado-presidiário Natan Donadon, por 467 votos a favor e uma abstenção, na primeira sessão de voto aberto na Câmara, o Congresso tira finalmente a máscara. Donadon mantivera o mandato anteriormente, em votação secreta, envergonhada e vexaminosa. Manter ativo o mandato de um deputado condenado pela Justiça é dar um tapa na cara do eleitor, traído por seus representantes fichas-sujas.

Houve hipocrisia populista em ano eleitoral? Prefiro celebrar esse momento histórico. De cara lavada, a ética se impõe. Se as máscaras do Congresso já tivessem sido tiradas antes, provavelmente não teríamos na presidência do Senado e da Câmara Renan Calheiros e Henrique Alves. O voto aberto nos renova a confiança num Congresso melhor.

Que os manifestantes imitem os congressistas. Que saiam às ruas sem máscaras e assumam seus atos, financiados ou não. Caio estava de rosto livre e feições indignadas no protesto contra o aumento das passagens de ônibus. Vestiu o capuz pouco antes de detonar a bomba caseira, em parceria com seu amigo Fábio Raposo, e fugir em disparada. Caio Silva de Souza, um sobrenome composto, tão brasileiro e tão comum. Um rapaz que desgraça a própria vida ao matar um profissional inocente, que estava na praça para registrar e mostrar a insatisfação popular com o alto custo de vida no Rio de Janeiro.

“Manifestações políticas são feitas por cidadãos que devem ter o orgulho e a responsabilidade de ser autores de seus gestos”, afirma o professor de Direito e formação político-econômica José Garcez Ghirardi. A máscara, segundo Ghirardi, serve como síntese para um desafio complexo das democracias: como legitimar as ações indivi­duais no espaço público? Indivíduo e cidadão são conceitos distintos, mas temos misturado tudo. Esquecemos assim a civilidade e favorecemos o arbítrio. Ghirardi cita o sociólogo francês Alain Touraine: “Uma sociedade de indivíduos pode destruir uma sociedade de cidadãos”.

Estamos a duas semanas do Carnaval. No Brasil, as máscaras dos foliões, que costumavam ser apenas divertidas, nos últimos anos se politizaram. Agora, em 2014, nessa festa tardia de março, uma das máscaras trará o rosto do pedreiro Amarildo, torturado e morto na Rocinha por policiais. Se os cinegrafistas filmassem o Carnaval com a máscara de Santiago, seria uma homenagem-protesto de imenso peso simbólico.

Nosso baticumbum pré-carnavalesco se reveste de drama épico. Esperamos que, no fim, a verdade e a transparência não sejam só fantasias.


Depois das UPPs, policiamento a pé - ALFREDO SIRKIS

O GLOBO - 15/02

Com recursos limitados, é preciso estabelecer prioridades e concentrar esforços na prevenção daquela criminalidade violenta



A implantação das UPPs acabou com o controle territorial ostensivo do narcovarejo sobre algumas das favelas mais visíveis da cidade. Representou um progresso lá onde o Rio de Janeiro se equiparava a um punhado de cidades arruinadas em estados falidos. Há muito tempo ressalvávamos a necessidade da ocupação permanente dessas comunidades. Houve problemas como o notório episódio do pedreiro Amarildo, na Rocinha, mas globalmente há um grande avanço.

Por outro lado, temos essa recente percepção de deterioração nas condições de segurança em diversos bairros cariocas agora corroborada pelos indicadores oficiais. Isso significa o “fracasso das UPPs”? Penso que não. Elas lidam com um problema específico: o controle territorial militar das favelas pelo narcovarejo debelado, em parte. Continuamos uma cidade assolada por forte insegurança e violência no espaço urbano. Para melhorar a segurança nas ruas e bairros é fundamental um policiamento ostensivo, a pé, que ocupe o território com grande visibilidade e poder de dissuasão, apoiado por uma parafernália tecnológica de mapeamento georreferenciado e imagens em tempo real. Bogotá é exemplo de uma grande cidade patrulhada essencialmente a pé. Seu território, um pouco maior que o do Rio, é coberto de forma ostensiva e eficiente com um efetivo menor que o nosso, mas com dedicação exclusiva.

Enquanto nosso padrão for o policiamento em viatura e a “escala de serviço” 24 por 48 horas de “folga”, com a profissão policial tornando-se o verdadeiro “bico” para a maioria dos policiais que possuem uma segunda atividade profissional — em geral mais bem remunerada — não teremos qualidade nem efetivo suficiente. Com recursos limitados, é preciso estabelecer prioridades e concentrar esforços na prevenção daquela criminalidade violenta contra as pessoas. Prevenir assaltos, latrocínios, homicídios dolosos, estupro e outras violências contra mulheres e crianças. Isso implica num foco que não é necessariamente o do atual sistema policial, judicial e prisional. Faltam vagas nos presídios, há milhares de bandidos violentos com ordem de prisão que não são presos. As prisões estão cheias de jovens encarcerados por delitos envolvendo drogas, sem prática de violência. Eles estão sendo preparados naquelas universidades do crime para praticá-la no futuro. E há essa hipocrisia criminosa evolvendo menores que matam e logo voltam às ruas.

A estratégia de “guerra às drogas” é um fardo gigantesco sobre a segurança pública. O “proibicionismo” alimenta a logística bélica do crime e multiplica seu poder de corrupção. Desvia as energias do aparato de segurança e cria relações promíscuas que contribuem para criminalizá-lo. Vitórias contra as drogas podem ser obtidas no campo da saúde pública e da educação, como atesta o sucesso eloquente do antitabagismo. O outro lado da moeda é a leniência com crimes bárbaros.

O Brasil é o país do mundo onde um assassino brutal permanecerá menos tempo preso, beneficiado pela “progressão de pena”. Aqui convivem em estranho conúbio: um altíssimo nível de violência criminal (e policial), um discurso “liberal” nefelibata que trata o bandido como “vítima” da sociedade e uma visão “proibicionista” em delitos comportamentais. Os discursos tradicionais tanto da direita quanto da esquerda em relação à segurança estão falidos. Precisamos de inteligência e discernimento na definição das prioridades, linha dura contra a criminalidade armada e polícia com dedicação exclusiva, bem remunerada, bem equipada, priorizando a proteção da sociedade frente à violência.

Nova guerra tributária - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 15/02

O governo enfrenta resistência para aprovar a MP 627, que tributa os lucros das empresas brasileiras no exterior. O Planalto estima que a receita dessa fonte fechará 2013 em cerca de R$ 10 bi. O relator da MP, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, diz que busca o equilíbrio e mudará seu conteúdo, reduzindo a carga das empresas e a receita da União. E avisa: "Não será o que o governo quer".

Aposta na virada
Candidato do PSB ao Palácio do Planalto, o governador Eduardo Campos acredita que o PPS e o PV, com quem já foram iniciadas negociações, também podem apoiar o candidato socialista ao Palácio dos Bandeirantes. As eleições em São Paulo são estratégicas para Campos. Ele explica: "Se houver uma virada no Brasil, ela vai acontecer em São Paulo". O seu partido está dividido. A maioria, liderada pelo deputado Márcio França, tinha como plano inicial apoiar o PSDB. Mas uma ala, integrada pela deputada Luiza Erundina, é contra. Campos está convencido que a eleição paulista irá para o segundo turno e que isso permitirá uma recomposição com os tucanos.


"Em São Paulo, tem quer ter o 40 para governador. Mas faremos isso com diálogo. Não vamos quebrar a direção local" 

Eduardo Campos Governador de Pernambuco e candidato do PSB à Presidência da República

Criando moda
Depois de cunhar a hashtag #CopaDasCopas nas redes sociais em referência à Copa no Brasil, a presidente Dilma agora passou a publicar suas mensagens com #CopaContraORacismo. O inspirador foi o jogador Tinga, alvo de preconceito dos torcedores do Real Garcilaso em jogo contra o Cruzeiro, pela Libertadores, em Lima, no Peru.

Deu o bolo
O senador Lindbergh Farias, candidato do PT ao governo do Rio, marcou para ontem caravana em Barra Mansa e Volta Redonda. Estiveram a postos, no lugar combinado, os militantes e a imprensa local. Mas o petista não deu o ar de sua graça.

A dor do parto
Aliados e tucanos querem a renúncia do deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Alegam que é preciso tirar esse constrangimento do colo do senador Aécio Neves. E, quanto ao julgamento pelo STF, avaliam que é pedra cantada.

Você sabe com quem está falando?
Um dos temas em debate no VI Congresso de Delegados de Polícia Federal, dia dois de abril, em Vitória (ES), é o do tratamento que devem receber nas comunicações oficiais. Na página 25 do caderno temático está dito que é "exigível" que o tratamento dispensado "ao delegado de polícia deverá ser o de Vossa Excelência".

O PSOL vira vidraça
Acostumado a bater em todos, o PSOL está na defensiva. Especialistas em eleições avaliam que o partido perderá votos, em outubro, por causa da violência nos protestos. Seus parlamentares estão dizendo que a culpa é da ala radical do partido.

Alerta verde
Criada em 2006, a Floresta Estadual do Amapá (Flota) está ameaçada. Os madeireiros estão de olho nos seus 2,3 milhões de hectares. Está na pauta da próxima semana da Assembleia local a revogação da criação dessa área de preservação.

ESTÁ NOS AUTOS. Ciro Gomes foi ouvido no processo do mensalão tucano como testemunha de defesa do deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG).

Apertem os cintos - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 15/02

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voou para Belo Horizonte em um jato Cessna CJ3 de propriedade da holding de seu ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. O empresário foi réu no mensalão mineiro sob a acusação de peculato e lavagem de dinheiro, mas não será julgado porque a Justiça determinou que os crimes prescreveram em 2012, quando ele fez 70 anos. O avião em que Lula viajou, de prefixo PR-BIR, está em nome da Samos Participações Ltda., empresa do ex-ministro.

Outro lado Lula voou para BH acompanhado de mais três assessores. Procurada pela coluna ontem, a assessoria de imprensa do Instituto Lula respondeu que o ex-presidente não iria comentar o voo no jato de Mares Guia.

Texto Entre as novidades do projeto que o governo federal vai apresentar para conter violência em protestos está em discussão um mecanismo pelo qual quem for flagrado em um segundo ato de vandalismo seja detido provisoriamente. Hoje, os acusados respondem aos processos em liberdade.

Corpo... José Eduardo Cardozo (Justiça) vai buscar apoio no Congresso e no Supremo Tribunal Federal para obter consenso para que o projeto passe antes da Copa. Dilma Rousseff quer que a discussão avance antes da reunião que terá com os 12 governadores de sedes do Mundial, depois do Carnaval.

...a corpo A presidente também pedirá pessoalmente o apoio dos presidentes do STF, Joaquim Barbosa, do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para a nova lei.

Reformite Ideli Salvatti aproveitou reunião da base, quinta-feira, para se consultar com o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que é médico. Com cólicas, a ministra trocou bilhetes com o parlamentar para saber a causa da dor. Ele lhe receitou um exame.

Na urna Na conversa que teve com o PPS paulista, Eduardo Campos (PSB) se abriu sobre o motivo que o levou a atender a demandas de Marina Silva: admitiu que não pode desprezar o potencial de votos que ela agrega a sua candidatura.

Nova... O presidente do PPS, Roberto Freire, alçou o secretário de Gestão Pública paulista, Davi Zaia, ao cargo de secretário-geral da sigla, desbancando o deputado federal Rubens Bueno (PR).

... ordem Aliados dizem que foi um "troco" por Bueno ter votado contra o apoio a Campos e Marina no congresso do partido. Zaia passa a ser, então, o primeiro nome na linha de sucessão a Freire no comando do PPS. Ele preside a sigla há 22 anos.

Torneira fechada Em meio a disputa entre São Paulo e Campinas pela divisão das águas do sistema Cantareira, Geraldo Alckmin (PSDB) recebeu de prefeitos a notícia de que um estudo técnico do comitê gestor da bacia recomendará vazão maior às cidades do interior. Hoje elas têm 10% do que recebe a região metropolitana.

Antes tarde Alckmin tem cobrado de secretários agilidade no lançamento de uma PPP específica: a do trem Intercidades, que ligará municípios do interior e do litoral à capital. Acha que o projeto, que está atrasado, pode ser um dos carros chefes do discurso sobre investimento em mobilidade.

Olho no lance O governo paulista reuniu ontem funcionários da administração direta e indireta para esclarecer as restrições fiscais em ano eleitoral e evitar atrasos em projetos por equívocos. Também houve palestra sobre conduta vedada a agentes públicos no período.

Tiroteio
Lobão, com seu humor tragicômico, ironiza acidentes aéreos, que matam. Temos de rezar para que não vire ministro da Aviação Civil.
DE MENDONÇA FILHO (PE), líder do DEM na Câmara, sobre o ministro de Minas e Energia dizer que, assim como aviões, o sistema elétrico "sazonalmente cai".

Contraponto


A hora do pesadelo
O ministro do Trabalho, Manoel Dias (PDT), iniciou a reunião de um conselho ligado à pasta na última quarta-feira dizendo que seria muito rápido, porque tinha audiência com a presidente Dilma Rousseff em seguida.
Ainda assim, um dos conselheiros pediu a palavra, mas disse que falaria apenas por um minuto para evitar que o ministro se atrasasse e levasse uma das famosas broncas da atual mandatária do Planalto.
Ansioso, o ministro disparou, levantando da cadeira:
-É que, dependendo do atraso, pode ser que eu nem participe mais das reuniões aqui como ministro!

Prêmio para vigiar melhor - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 15/02

Apesar de o movimento sem-terra ter saído, há muito, do controle dos interlocutores do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff quer profissionalizar o MST. Dilma e a cúpula dos trabalhadores rurais discutiram, no encontro da última quinta-feira, em Brasília, a criação de um Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), específico para os agricultores ligados ao grupo.
O formato ainda não está definido, mas Dilma está empenhada em garantir cursos de qualificação para os assentados. No currículo, aulas sobre a vida no campo e a pequena produção agrícola no país.
Além de buscar uma porta de saída para os assentados, o governo também pretende arrumar caminhos para descobrir, entre os sem-terra, quem realmente deseja crescer na vida ou quem está disposto apenas a tumultuar o país.

Pode piorar…
No mesmo dia em que cassaram o mandato de Natan Donadon, os deputados aprovaram a urgência de um projeto de autoria do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). Ele obriga as concessionárias de energia a ressarcir os consumidores por conta de uma falha na metodologia de cobrança das tarifas entre 2002 e 2010. A matéria será analisada em plenário na semana que vem.

…ainda mais
Em valores atualizados, essa devolução chega a quase R$ 13 bilhões. Em tese, o dinheiro não sairá dos cofres públicos, mas das empresas — exceção em estados onde as concessionárias ainda são públicas. Com as queixas de falta de recursos para investimentos, a vitória dos consumidores poderá se transformar em uma derrota ainda maior na qualidade dos serviços.

Será que adianta?
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) concluirá, na próxima semana, a análise de 630 propostas para definir quais são os projetos prioritários do setor para o Congresso Nacional em 2014. A ideia é resumir em 100 projetos considerados essenciais, que vão compor a Agenda Legislativa da Indústria. Em ano de Copa e eleições, contudo, as chances de aprovação ou debate são quase nulas.

Reunião da turma
Já que não é chamado para conversar sobre a reforma ministerial, o vice-presidente Michel Temer resolveu se transformar em anfitrião e reunirá, em jantar, na segunda-feira, em Brasília, os 90 prefeitos do PMDB de São Paulo mais os deputados federais. Além deles, o presidente da Fiesp, Paulo Skaff, pré-candidato do partido ao governo paulista, estará presente. Os peemedebistas juram que não falarão mal do PT nem de Dilma. Tá bom!

CURTIDAS 
Humor negro/ No dia em que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, reconheceu a possibilidade, ainda que remota, de racionamento de energia, as piadas se intensificaram em Brasília. Em tempos de reforma ministerial, há quem diga que Lobão poderia ser substituído por Pedro Parente, ex-chefe da Casa Civil de Fernando Henrique Cardoso, apelidado de “ministro do apagão”.

É grande a crise/ Outra troça é que o deficit de cargas para atender a demanda de energia seria do tamanho de Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a “maior” autoridade do setor, com 2,1 metros.

Tudo é possível/ Há dez dias, Lobão garantiu que o risco de um racionamento era zero. Em 2001, quando o governo FHC preparava-se para suspender o racionamento, o então ministro de Minas e Energia, José Jorge, foi indagado se o risco de um novo apagão era zero. “Eventos com probabilidade zero sempre correm o risco de acontecer”, brincou ele.

Eles erram e maquiam e os outros são caras de pau - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 15/02

A presidente Dilma Rousseff chamou de caras de pau os críticos de sua política econômica, bem representada em seus efeitos pela estagnação industrial, pela inflação elevada e, no último ano, por duas quedas trimestrais do índice de atividade calculado pelo Banco Central (BC). A última atualização desse índice foi divulgada nesta sexta-feira. A esses feitos, ou malfeitos, é possível somar várias outras façanhas, como a demora em fixar a meta fiscal para 2014, mais um claro sinal de falta de rumo. Daí um problema: se os críticos são caras de pau, como qualificar quem maquia as exportações com vendas fictícias de plataformas de petróleo inacabadas, sem condições de operação e até sem segurança? As exportações de mentirinha, destinadas inicialmente a produzir apenas efeitos tributários, eram conhecidas há muito tempo e já foram citadas muitas vezes. A novidade é a denúncia formulada pelo representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobrás, José Maria Rangel. A história foi publicada no Estado. Segundo Rangel, para reforçar a balança comercial e para impressionar o mercado, o governo decidiu lançar as plataformas antes da hora e completar a construção no mar, com riscos e custos muito maiores.

Os críticos do governo - caras de pau e pessimistas, segundo a presidente - ganharam na segunda semana de fevereiro muito material para sustentar seu mau humor e nada para atenuá-lo. Um mês e meio depois da ressaca do réveillon, os brasileiros continuam sem conhecer, neste fim de semana, a mera do governo federal para as contas fiscais de 2014. Quanto a presidente pretende separar para o superávit primário, isto é, para o pagamento de juros da dívida pública? Até conselheiros informais da presidente andaram sugerindo metas um tanto ambiciosas, na faixa de 2% a 2,5% do produto interno bruto (PIB), para dar um bom sinal ao mercado e às agências de classificação de risco.

Funcionários importantes da equipe econômica divergem sobre o assunto, em busca de um objetivo ao mesmo tempo crível, suficiente para o mercado e alcançável sem muita complicação. Não se toca publicamente no assunto, mas um dos problemas, é claro, é conciliar a meta e as formas de alcançá-la com as conveniências de um ano de eleições.

As pressões inflacionárias ainda fortes e as incertezas quanto ao custo da energia elétrica neste ano também dificultam as decisões. O subsídio aos consumidores, em 2013, ajudou a administrar os índices de inflação. Custou cerca de R$ 9,7 bilhões em contribuição direta do Tesouro. O peso de uma política semelhante neste ano poderá ser muito maior. Especialistas em política energética têm estimado algo em torno de R$ 19 bilhões. Se o governo mantiver essa política, no entanto, continuará enviando um sinal errado aos consumidores e complicando a gestão de recursos para investimentos no setor.

Todos esses detalhes caracterizam um governo desorientado. A presidente sem dúvida conhece os seus objetivos. O mais importante é a reeleição. Esse objetivo, porém, depende, em primeiro lugar, do apoio do PT e do auxílio do chefe supremo do petismo, o ex-presidente e grande vendedor de postes Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a governante é ela e a ela cabe descobrir como juntar e ordenar as peças da administração e da política para atender ao eleitorado, aos líderes de seu partido e aos companheiros de viagem, a começar pelos peemedebistas.

Por enquanto, nem as fontes oficiais de informação ajudam muito. De fato, mais atrapalham do que ajudam, quando publicam os indicadores econômicos e confirmam, a cada dia, o fracasso da política econômica. Essas informações se articulam cada vez mais claramente. O recuo da produção industrial nos últimos três anos foi acompanhado de redução do emprego no setor. O aumento do produto industrial em 2013, 1,2%, foi insuficiente para compensar a queda de 2,5% no ano anterior e para garantir um resultado positivo no acumulado de três anos. O nível de emprego na indústria caiu 1,4% em 2012 e mais 1,1% em 2013. Em 2011 havia subido apenas 1%. Esses números foram anunciados nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Detalhe relevante: a indústria continua sendo a principal fonte de emprego decente.

Na sexta-feira saiu o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Dados mais importantes: queda de 1,35% de novembro para dezembro e de 0,17% do terceiro para o quarto trimestre. Foram dois trimestres consecutivos de queda, suficientes para caracterizar uma recessão. Mas uma avaliação mais segura dependerá da publicação, no fim do mês, dos dados gerais do PIB de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IBC-Br vale basicamente como prévia.

O Brasil precisa de novos motores de crescimento, disse à revista Exame o presidente do BC, Alexandre Tombini. Não se pode crescer por muito tempo apenas pela absorção de novos contingentes de mão de obra, argumentou. Mais que um comentário, essa declaração é um diagnóstico de uma economia travada e impossibilitada de crescer sem pressões inflacionárias e sem desajustes nas contas externas. A novidade, nesse caso, é o avanço do presidente do BC no território da formulação da política de desenvolvimento. O governo, podem responder a presidente e seus auxiliares, já havia entendido o problema e procurado cuidar do investimento e das políticas de eficiência. Na melhor hipótese, isso mal chega a ser meia verdade. O investimento continua muito baixo (19,1% do PIB no terceiro trimestre de 2013) e a bateria de estímulos foi voltada, até agora, principalmente para o consumo, num evidente erro de diagnóstico e de estratégia. Os novos investimentos em infraestrutura, se forem além dos projetos iniciais, só produzirão efeitos nos próximos anos. Os caras de pau ainda terão assunto por longo tempo.

Em defesa da Copa do Mundo - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 15/02

Além de elevar a autoestima, a Copa multiplica ganhos com turismo e serviços e gera milhares de empregos


Investimento não é gasto. Qualquer um que se aventure ao livre empreendimento --de uma carrocinha de pipoca à construção de uma hidrelétrica-- sabe disso. Gasto não tem retorno; investimento tem. Visto isso, falemos da Copa do Mundo.

Está em curso uma campanha nacional contra sua realização, o que, além de equívoco do ponto de vista econômico, é uma leviandade política e social. Busca-se, por essa via, atingir o governo. Mas a Copa não é do governo: é do país --e é ele o atingido.

Foi o Brasil, não o governo --embora ele lá o representasse--, quem batalhou, concorrendo com adversários do porte da Espanha e da Inglaterra, para sediar o evento. E o fez por saber de seu significado não apenas econômico mas também psicossocial.

A Copa, além de elevar a autoestima da população --que tem no futebol sua principal fonte de lazer--, multiplica, entre outros, os ganhos com turismo, serviços, construção civil e alimentação e gera milhares e milhares de empregos diretos e indiretos.

Estudo desenvolvido pela consultoria Ernst & Young, em parceria com a Fundação Getulio Vargas --"Brasil Sustentável "" Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo de 2014"--, constata que o evento já quintuplicou os investimentos diretos, injetando R$ 142,39 bilhões no período 2010-2014.

Os investimentos diretos, em infraestrutura, construção e/ou reforma de estádios e organização, são de pouco mais de R$ 22 bilhões, e boa parte deles --frise-se isso!-- privada.

Considerando os impactos em inúmeros setores interligados --alimentação, bebidas, rede hoteleira, serviços essenciais (luz, água, esgoto)--, calcula-se o ingresso adicional de R$ 112 bilhões, o que gerará, segundo esse estudo, mais de 3 milhões de empregos, impulsionando o consumo interno.

Somente no turismo, o impacto econômico da Copa das Confederações, evento de expressão bem menor, foi de R$ 740 milhões, segundo a Embratur. Mobilizou 230 mil brasileiros e 20 mil estrangeiros. Para a Copa do Mundo, a projeção, entre turistas brasileiros e estrangeiros, é que superem a casa dos 3 milhões.

Quase a totalidade das obras estava prevista por se tratar de obras estratégicas. Seriam realizadas com ou sem Copa, segundo o governo. Tudo isso ficará para além do evento.

Não obstante, os que engendram a campanha contra a Copa --e infernizam as ruas do país, com ações predadoras, a pretexto de manifestações democráticas-- partem de uma argumentação desonesta, que só exibe os investimen- tos (apresentando-os, claro, como gastos) e insuflam a população a protestar.

O discurso socialista, que supõe possível banir a pobreza sem gerar riqueza, sonha com um Estado provedor, sem atentar para o dado elementar de que, para prover, é preciso ter recursos. E o Estado não gera recursos; capta-os da sociedade, que, por sua vez, para gerá-los, precisa de empreendimentos que gerem riqueza. E a Copa, como está mais do que demonstrado, assim o faz.

Pesquisa do Datafolha constata que 63% dos brasileiros, apesar da implacável campanha anti-Copa, são favoráveis à sua realização no Brasil. Apenas 21% são contra. Esses percentuais seriam bem mais expressivos se os números que expus fossem do conhecimento do público. Infelizmente, não são. Não por falta de dedicação e competência do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, mas por uma inexplicá- vel falha de comunicação do governo e da Fifa.

Compartilho da perplexidade do escritor Marcelo Rubens Paiva, que, há dias, perguntou: "Não vai ter Copa no país que mais Copas ganhou? O único que esteve em todas as Copas e chegou a sete finais? É como se os franceses organizassem o movimento social "pas de baguette" (nada de baguete); e os americanos, no "turkey on thanksgiving" (sem peru no dia de Ação de Graças)".

Ou seja, nada mais surrealista que o País do Futebol rejeitá-lo, em nome de argumentos desonestos, que transformam lucros em perdas, e oportunidade --força motriz dos grandes negócios--, em desperdício. Não há dúvida: quem assim age, por ignorância ou má-fé (ou ambas), incide em crime de lesa-pátria.

Fraqueza - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 15/02

Mais um indicador, desta vez o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), apontou ontem para um desempenho do setor produtivo ainda mais decepcionante do que o esperado.

A atividade econômica em dezembro caiu 1,35% em relação a novembro, com uma agravante: o Banco Central revisou para baixo (de menos 0,31% para menos 0,64%) o resultado preliminar de novembro (veja o gráfico). Ou seja, as bases para medição da atividade de dezembro foram rebaixadas, acentuando o mau resultado.

Dados anteriores sobre a indústria e o varejo já vinham alertando para o início muito fraco de 2014. Agora, aumenta a probabilidade de um resultado mais fraco do que o crescimento de apenas 2,5% obtido em 2013.

Fica demonstrada a ineficácia das políticas anticíclicas adotadas pelo governo: aumento das despesas públicas, derrubada dos juros (até abril), incentivo ao crédito e redução de impostos para beneficiar o consumo.

Essas políticas desequilibraram a economia, criaram distorções, aumentaram a desconfiança e, mais que tudo, não produziram o efeito pretendido. Os desequilíbrios ficam evidenciados não só pelo baixo crescimento econômico e pela inflação muito alta, mas, também, pelo aumento do rombo (déficit nominal) tanto das contas públicas como das contas externas (déficit em conta corrente).

Ficou reafirmado, também, o que já se sabia. Redução de IPI para compra de veículos e de aparelhos domésticos é providência que apenas antecipa as vendas da indústria, mas não aumenta o mercado interno. Pode-se levar um consumidor a apressar uma compra prevista para mais adiante de modo a aproveitar o desconto, mas não o fará comprar mais, porque ninguém troca de carro ou de geladeira a cada seis meses. Além disso, o aumento induzido do endividamento do consumidor, além de provocar crescimento da inadimplência (calote ou atraso no pagamento das prestações), estanca as vendas de outros produtos pela sobrecarga do orçamento doméstico.

Se fosse para manter a política empreendida até aqui, diante da maior desaceleração da atividade produtiva e persistência da inflação em níveis elevados, o governo teria de aprofundar medidas anticíclicas. Mas elas estão esgotadas. Nem o Tesouro dispõe de recursos para despejar na economia nem o Banco Central pode recorrer a emissões de moeda, porque tem uma inflação braba a combater.

O melhor que o governo teria a fazer agora seria cuidar dos fundamentos da economia, especialmente das finanças públicas e das contas externas. Mas são providências que, a curto prazo, não acelerariam a atividade econômica; apenas ajudariam a colocar a casa em ordem e contribuiriam para alguma recuperação da confiança, hoje abalada.

Não está clara a direção da política econômica a ser tomada pelo governo Dilma. Diante do calendário eleitoral, a tendência é frouxidão das contas públicas e mais do mesmo - e bota mais nisso. Mas está aí a ameaça de rebaixamento da qualidade dos títulos de dívida do Brasil e suas duras consequências. É o que poderia levar o governo a cravar uma aposta mais ortodoxa.

Travessia possível - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/02

Pelo Banco Central, o país está em leve recessão. Ontem foi divulgado o IBC-Br negativo pelo segundo trimestre consecutivo. Mas a estimativa do BC pode não ser confirmada pelo IBGE. Vários analistas esperam crescimento, ainda que baixo, no quatro trimestre, e isso evita a feia palavra: "recessão". Mesmo assim, o risco não está afastado. As projeções do PIB de 2014 estão menores.

O Itaú Unibanco acha que o IBGE divulgará, dia 27, que o Brasil cresceu 0,4% no último trimestre. Se isso acontecer, não será recessão, porque ela é considerada após dois trimestres negativos. O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, tem outra visão. Acha que há um risco de ter havido encolhimento no último trimestre do ano passado.

- Minha projeção está próxima de zero e há uma margem de erro que pode levar a taxa para o negativo - explicou.

Na agricultura, mesmo com alguma quebra de safra, o país terá uma boa produção de grãos. É o que disse, em vídeo divulgado aos clientes, o economista Alexandre Mendonça de Barros, da MBAgro. Apesar de o país ter sido castigado por um fenômeno climático muito forte - um calor que chegou a oito ou nove graus acima da época - a colheita de grãos será boa. Mas ele acredita que no segundo semestre haverá uma pressão maior nos preços de alguns alimentos.

A volta da chuva não afasta as sombras sobre o quadro energético, porque elas foram formadas pela soma de erros gerenciais, falhas no modelo e uma estação chuvosa anormal. O mais sensato seria o governo iniciar imediatamente um programa de racionalização de energia. O tema deveria sair do palanque, mas é mais provável que a presidente Dilma continue negando a existência do problema e empurrando o ajuste para 2015.

O Itaú Unibanco divulgou a nova previsão de crescimento para 2014: de 1,9% para 1,4%. Os economistas do banco projetam um dado positivo de 0,4% para o PIB do quarto trimestre, mas zero no PIB do primeiro trimestre. Haverá dados de confundir os não economistas. A indústria pode ter uma recuperação, mas o que eles chamam de "carrego estatístico" vai puxar o número do PIB para baixo. Será preciso crescer o suficiente para anular a queda de dezembro, para então, estatisticamente, haver alta do PIB.

E por que haveria crescimento da indústria num ano fraco, com confiança empresarial diminuindo? É que a queda de 3,5% de dezembro foi, em parte, decorrência dos estoques elevados. A indústria deu férias coletivas e vendeu os estoques. Precisará agora renová-los. Um fato negativo virá da Argentina. A crise cambial dos vizinhos vai reduzir a produção que seria exportada para lá.

Camargo tem uma projeção ainda pior para o PIB de 2014: 1%. Ele explica que há muita incerteza na política econômica para este e o próximo ano:

- Os investimentos estão se retraindo. Os problemas no setor elétrico retraem os investimentos porque pode não haver energia ou ela ficar muito cara. Os juros estão em alta e a inflação permanece elevada.

O ano não será fácil, mas não será tão ruim quanto os que se assustam com a instalação do Brasil na incômoda lista dos "mais frágeis", feita até pela nova presidente do Fed. O Brasil tem reservas, é credor externo líquido, terá superávit comercial, ainda que pequeno. Tem armas para cumprir a travessia pela qual passa a economia internacional que reduz o interesse dos investidores pelos países emergentes. Não estaríamos em situação difícil se o governo tivesse ouvido os que apontaram os erros na política econômica. Mas o governo preferiu politizar o que deveria ser encarado de forma objetiva e técnica.

Fim da crise na Europa? - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 15/02

Será possível? Será o fim da crise que nos é prometida há seis meses? Não será uma miragem? Um sonho? Os dados são de estremecer. A riqueza francesa, que diminuía desde 2008, estagnou em 2012, começa a se recuperar. Segundo as previsões, o crescimento seria de 0,1% em 2013. E, ontem, dados oficiais indicaram que na realidade a economia cresceu 0,3%.

Claro, nada para alardear. Mas a tendência se reverteu. A queda foi interrompida e uma frágil recuperação se delineia. Os investimentos, que há dois anos diminuíram drasticamente, avançaram 0,6% em 2013. E embora o desemprego ainda seja alto, no terceiro trimestre de 2013 foram criados na França 14.700 postos de trabalho.

E todos os demais índices confirmam a notícia. O consumo das famílias registrou uma alta (mais 0,5% no terceiro trimestre de 2013). E uma outra feliz surpresa: o investimento cresceu pela primeira vezes desde 11% com um aumento de 6,6% no ano passado. E as exportações melhoraram.

Mas não criemos ilusões. Esses porcentuais continuam modestos. Mas há uma razão para o otimismo. É que quase toda a zona do euro foi arrebatada por um movimento paralelo. Com certeza continuam os retardatários, como Grécia, Itália e Espanha, mas no conjunto do Velho Continente encontramos a calmaria desfrutada pelos franceses; Alemanha avançou 0,4% no quarto trimestre e Holanda 0,7%.

Aí está a verdadeira razão da esperança. Num espaço econômico integrado como o da União Europeia nenhum país pode se isolar. Para que a retomada num país seja durável e perene é preciso que todo o espaço econômica ao qual ele está ligado siga a mesma trajetória.

Para que o comércio francês ou polonês progrida, é preciso que os outros países do continente tenham o apetite e o desejo de comprar produtos franceses ou poloneses. É nesse sentido que os dados divulgados ontem sobre o conjunto dos países europeus são encorajadores. E é nesse sentido também que será necessário, para que a recuperação esboçada na Alemanha, na França ou no Reino Unido se consolide que a Grécia, a Espanha ou a Itália se livrem das suas letargias.

Certamente essa nova fase é abordada em cada país segundo seu estilo e seu talento. No caso da França, vemos soprar novos ventos. País cansado, debilitado, cético e desencorajado, a França repentinamente se reconcilia com o espírito empreendedor, de inovação, da aventura.

Toda uma geração de jovens pioneiros chega à maturidade, assume riscos.

Adeus às velhas tradições mesquinhas, prudentes e pusilânimes dos pais e avós. Somos jovens, que diabo! Jogamos, nos expomos, rimos, inventamos. Jovens rapazes e moças de 25 a 30 anos se distanciam da atitude prudente dos mais velhos. As startups nascem como escargôs num jardim depois da chuva.

Este velho país fatigado, fragilizado, começa a produzir pequenos Vales do Silício (minúsculos na verdade). As velhas gerações se apagam, engolidas nas luzes amortecidas, confortáveis e um pouco mórbidas do século 20 ou mesmo 19.

Começamos a compreender uma lição já enunciada pelo grande teórico austríaco Schumpeter (1883-1950), que se empenhou para demonstrar que a queda das velhas estruturas, o colapso das indústrias obsoletas, o desaparecimento das casas de comércio tradicionais e a herança carcomida das gerações passadas, longe de serem mutilações, pelo contrário, eram aviso da ressurreição. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Petrobrás: desafios e riscos em ano eleitoral - PAULA BARBOSA

O Estado de S.Paulo - 15/02

As dificuldades pelas quais passa a Petrobrás são notórias: defasagem entre preços dos combustíveis importados e subsidiados, caixa curto diante da necessidade de fazer altos investimentos, produção abaixo da meta. As possíveis soluções também já são de domínio público. As agências de classificação de risco como Fitch, S&P e Moody's já se pronunciaram, expressando até um "passo a passo" para a empresa não perder seu grau de investimento. A Petrobrás, entretanto, demora a reagir, enquanto o preço da ação oscila fortemente e tende à baixa. Por quê?

A resposta está na própria definição da empresa: sociedade de economia mista. Isto é, metade governo, metade iniciativa privada. O sócio estatal prevalece e é sua a última palavra. O episódio da possível fórmula de reajustes de preços dos combustíveis, anunciado em novembro, dá uma pista. Após vários desmentidos e atrasos, a tal fórmula nunca apareceu. Enquanto isso, os problemas da empresa se avolumam.

O mercado antecipa a falta de respostas à altura em ano eleitoral e as expectativas transparecem no valor da ação. Sexta-feira, 31/1, a empresa valia cerca de metade do seu patrimônio líquido, avaliado em R$ 341,3 bilhões. Sua dívida líquida (dívida bruta menos caixa), orçada em R$ 211 bilhões no 3.º trimestre de 2013, representava 62% do seu patrimônio líquido e estava 15% acima do seu valor de mercado de 31/1/2014 (R$ 183,8 bilhões). Graças às operações de leasing operacional, de R$ 118 bilhões (3.º trimestre de 2013), a Petrobrás tem financiado equipamentos sem pressionar ainda mais seus índices de endividamento. Na ausência desse instrumento, a empresa veria sua dívida líquida saltar dos R$ 211 bilhões para R$ 329 bilhões, ou 96% do seu patrimônio líquido, indicador incompatível com seu atual credit rating.

Para resguardar o caixa, a empresa tem diferido o pagamento do Imposto de Renda (IR) e da contribuição social. No 3.º trimestre de 2013, a conta de IR mais contribuição social era de R$ 45,6 bilhões, revelando o impacto das receitas restringidas e de custeio e pagamentos elevados.

Um estudo do qual participei, patrocinado pela FGV, mostrou que a dívida da empresa se avolumou fortemente após a crise internacional de 2008 e acelerou o crescimento a partir de 2010. Entre outros fatores, acentuou-se a defasagem entre preços subsidiados e preços recebidos de combustíveis, trazendo uma perda acumulada de janeiro/2010 a dezembro/2013 de R$ 41,2 bilhões, conforme estimativas do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Essa perda de caixa, aliada às atuais dificuldades financeiras da empresa, ameaça comprometer o andamento de projetos como os do pré-sal, cuja meta, segundo os planos de expansão da companhia, é mais que dobrar a produção nacional diária de petróleo, dos atuais cerca de 2 milhões para mais de 4,5 milhões de barris em 2020.

Em janeiro, a empresa levantou R$ 11 bilhões em títulos europeus, um relativo, porém fugaz, sucesso. O ponto é que esse valor, mesmo junto com o caixa a ser gerado, é insuficiente para cobrir os compromissos financeiros da companhia em 2014. Por outro lado, a capacidade de obter empréstimos já está no limite, sob pena de arriscar o grau de investimento.

Diante deste quadro, o estudo da FGV aponta a securitização da dívida como alternativa para equacionar a necessidade de unir elevados investimentos à disponibilização de volumosos recursos num contexto de restrição de crédito e atingimento do teto de endividamento. Por mais remota que essa opção pareça (dado que a empresa liderou o maior processo de capitalização na história, com R$ 120,36 bilhões levantados em 2010), o fato é que as contas da empresa não fecham, e isso só será agravado na ausência de medidas efetivas de correção de rota.

Em ano de eleições, o maior desafio será manter o caixa em dia sem poder reajustar preços, enquanto terá de navegar nas águas geladas da falta de recursos sem esbarrar no iceberg do rebaixamento do credit rating, um sério estorvo para mais investimentos e crescimento.

A bondade dos assassinos - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 15/02

País começou a matar Santiago ao ficar na dúvida sobre o que fazer diante dos boçais mascarados e seus chiliques medievais



O Brasil bonzinho assassinou o cinegrafista Santiago Andrade. Não foi outro o criminoso. Quem matou Santiago foi esse Brasil envernizado de bondade e infernizado de hipocrisia. Nenhum débil mental mascarado poderia ter matado Santiago sem a cumplicidade desse monstro.

A herança maldita da Primavera Burra foi apontada exaustivamente neste espaço. Os bem-pensantes e os demagogos — hoje praticamente indiscerníveis — continuaram matraqueando que os políticos precisavam ouvir “o recado das ruas”. Mentira. Não houve recado nenhum. Não há uma mísera mensagem aproveitável daquele carnaval cívico, onde multidões exuberantes marcharam contra tudo e contra nada — na mais patética perda de oportunidade política na era do Império do Oprimido.

É claro que esse heroísmo imaginário das passeatas não poderia acabar bem. Qualquer bando de almas penadas que fechava uma rua podia ser aplaudido pela sociedade engarrafada. “Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil”, diziam os revolucionários de videogame. Mudando o Brasil para onde? Para o Afeganistão?

Ninguém perguntou. E a natureza não perdoa: onde não há luz, há treva. Rapidamente, o espaço sacralizado da revolução sem cabeça foi tomado pelo obscurantismo. E o Brasil começou a matar Santiago Andrade quando se permitiu ficar na dúvida sobre o que fazer diante dos boçais mascarados e seus chiliques medievais. Ou melhor: a parte mais bondosa e solidária desse Brasil não ficou na dúvida. Criou um movimento pela libertação dos detidos nas arruaças, black blocs e idiotas associados.

Deputados bonzinhos, intelectuais do bem e artistas antenados gritaram — alto — pela liberdade dos presos em manifestações. Não há artefato mais letal do que a bondade prenhe de ignorância e flacidez moral. E os comandantes da segurança pública, intoxicados pelo arrastão populista, passaram a declarar que “a polícia não está preparada para esse novo tipo de manifestação”. Um escárnio. A barbárie nunca foi tratada com tanto carinho.

Ora, o que se faz com criminosos que saem pelas ruas destruindo o patrimônio público e privado, sitiando cidadãos e atentando contra a sua integridade física? Prende-se. Depois processa-se, julga-se e condena-se. Com as leis que estão aí, com o aparato judicial e policial que está aí, sem um segundo de conversa fiada sobre novos tempos e nova boçalidade. Esse Brasil progressista que matou Santiago se permitiu hesitar diante da afronta ao estado de direito. Confundiu atentado com protesto, e resolveu (embora jamais vá confessar isso) relativizar a violência. Assassino.

Os criminosos que explodiram o crânio do cinegrafista foram identificados sem dificuldade, e estão presos. Mas eles mesmos e seus coleguinhas de terror se cansaram de protagonizar atos igualmente letais, fartamente filmados e fotografados — e puderam voltar tranquilamente para o Facebook e combinar o próximo programinha. Isso porque a sociedade civilizada cismou que não sabe combater “esse novo tipo de manifestação”. A mãe do sujeito que disparou contra Santiago, assustada, não sabia que tinha um criminoso em casa. O Brasil escondeu isso dela.

Quem se meteu a investigar os computadores dos covardes mascarados, chegando a deter alguns dos articuladores desse câncer, foi bombardeado pelos progressistas nas redes sociais. E lá ia o Brasil discutir se pode ou não pode condenar os facínoras ideológicos, deixando as mamães sem uma notícia decente de quem eram os seus pimpolhos homicidas.

Brasil, explique isso agora aos filhos de Santiago.

Não, ninguém vai explicar nada. Já estão chovendo teorias sobre o que é terrorismo, o que é black bloc, que reformas devem ser propostas ao Congresso Nacional (só rindo). Daqui a pouco o irrevogável Mercadante propõe um “plebiscito popular”, e o país volta tranquilamente à sua letargia assassina. Por falar em assassinato, os diplomatas do MST deixaram dez policiais gravemente feridos em Brasília. O Brasil está esperando um deles morrer para se horrorizar.

E o que aconteceu com os agressores? Foram recebidos em seguida por Dilma Rousseff no palácio, para um bate-papo de uma hora sobre reforma agrária. O que você está esperando para pegar sua borduna e ir atrás do que é seu?

Mas vá logo, porque o que é seu está sendo devorado rapidamente pelos amigos do povo — esses que a Primavera Burra não viu. Santiago morreu cobrindo um suposto protesto contra aumento das passagens de ônibus, e não se viu um único revolucionário ninja apontando sua revolta contra a usina de inflação do governo popular S.A. E Dilma pode ir ao aniversário do PT apoiar os mensaleiros presos — numa boa, sem nem um herói das ruas para vaiá-la na saída.

Santiago não teve sorte. Quem tem sorte no país dele é Delúbio Soares, que arrecada pela internet R$ 1 milhão em uma semana — livre de impostos e de covardes mascarados.

Seguir o dinheiro - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 15/02

Os americanos costumam dizer que a maneira mais fácil de desvendar um crime é seguir o dinheiro. Follow the money, dizem. Essa lembrança me ocorreu quando vi a entrevista do tatuador Fabio Raposo, aquele que entregou o rojão a Caio Silva de Souza, autor do disparo fatal. Santiago Andrade, cinegrafista da Band, morreu. Chama a atenção, na entrevista, que ele alega preguiça de colocar a máscara contra gases. Reclama que incomoda, machuca, além de ser muito desconfortável.

Ninguém anda com máscara contra gás no bolso ou na bolsa. É acessório específico para utilização de soldados em guerra ou policiais que vão enfrentar conflitos urbanos. O cidadão comum não sabe nem onde comprar o equipamento. E, também, ninguém que vai protestar contra algum assunto político ou contra o governo esconde o rosto. Normalmente, o protesto tem líderes que querem ser vistos e responsabilizados. Isso é da política. José Dirceu começou a vida partidária fazendo discursos subindo em postes no Rio e em São Paulo. Franklin Martins também.

Nenhum deles escondeu o rosto. Ao contrário, os dois seguiram suas carreiras. Um hoje está preso. O outro é o responsável pela condução da campanha da presidente Dilma Rousseff. Com isso, quero dizer que o protesto político é praticado em todo o mundo. Nelson Mandela foi considerado subversivo na África do Sul. Aqui vários subversivos chegaram ao poder. E no Uruguai, como no Brasil, um ex-guerrilheiro urbano ocupa a presidência da República.

O episódio da máscara contra gás me deixou intrigado. O rapaz tem poucos recursos e não gastaria seu curto salário fazendo aquisições absurdas. Alguém, sem dúvida, pagou a conta. E quem paga a conta tem direitos especiais. Os integrantes dessas milícias civis, inesperadas, possuem organização e estrutura. Eles atacam sistematicamente instalações públicas, bancos, agências de automóveis de luxo e jornalistas. Seus próprios integrantes fazem a cobertura por intermédio de aparelhos celulares, que filmam, editam e transmitem diretamente para redes como o Youtube.

Tudo isso custa dinheiro. Até as máscaras que escondem o rosto. Quem não se mostra não quer fazer política. Pretende apenas destruir o que tiver à sua frente, de acordo com pauta previamente organizada. Veja-se que, de repente, surge Elisa Quadros, conhecida como Sininho, preocupada em prover assistência jurídica aos detidos pela polícia carioca. Alguém pediu a ela para entrar no circuito e tomar as providências necessárias. Há, portanto, algum comando atrás de todo o tumulto. As coisas não estão ocorrendo por geração espontânea.

No mês de julho do ano passado, conhecido professor norte-americano passou por Brasília. Ficou aqui alguns dias. Conversou com oficiais graduados do Exército. Os americanos vivem estudando alguns países, entre eles, o Brasil. Constroem cenários para entender as perspectivas do país. Esse professor deveria estudar e trabalhar apenas sobre as perspectivas de futuro do relacionamento militar entre Brasília e Washington. Nas suas conversas, segundo me garantiu, os oficiais afirmaram que o serviço secreto já detectara a presença de líderes de facções extremistas na organização de manifestações ocorridas no período da Copa das Confederações.

Aquela informação ficou na minha cabeça. Agora entendo que era procedente. Jornalistas de diversos órgãos se queixam que os manifestantes agridem repórteres e fotógrafos sem a menor cerimônia. Impedem o trabalho deles que, segundo eles, representaria a visão burguesa do Brasil. Quebrar banco faz sentido dentro dessa maneira de enxergar a história. Ou seja, eles querem destruir o sistema. Não é oposição ao governo local ou federal. É mais do que isso. O advogado Jonas Tadeu afirmou, em matéria gravada na GloboNews, que os manifestantes ganham dinheiro para participar de quebra-quebra. A média é de R$ 150 por protesto.

Não é difícil encontrar a mina de ouro. Existem organizações não governamentais que defendem os manifestantes. Partidos políticos desfrutam de verbas especiais, podem ser utilizadas de várias maneiras. Caio Silva de Souza, preso numa pensão barata de beira de estrada em Feira de Santana, é rapaz pobre, que mora em Nilópolis, trabalha como auxiliar de limpeza no Hospital Estadual Rocha Faria, zona oeste do Rio. Participar de passeatas lhe rendia algum dinheiro extra. O rastro do dinheiro pode indicar quem sustenta a violência programada nas grandes cidades brasileiras.

O paraíso perdido. E seco - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 15/02

Passamos semanas inteiras fixados no céu, tentando identificar a forma das nuvens, força e direção dos ventos, descrentes das charmosas e perplexas “moças do tempo”. Os privilegiados caiçaras, praianos, acrescentaram às rotinas diárias a tarefa de perscrutar o mar, a cor e a temperatura da água e os que foram escoteiros na infância, ou na juventude decoraram as apostilas de meteorologia para tirar o brevê de piloto ou paraquedista, transformaram-se em profetas climáticos. “Estou sentindo o cheiro de chuva” deixou de ser uma constatação exclusiva dos esotéricos. Com os narizes cada vez mais entupidos pela poluição urbana, tentamos retornar às origens rurais para reencontrar o tempo passado.

Ou o paraíso perdido. Não o inspirado épico composto pelo libertário John Milton (1608-1674), mas o do viajante e navegador italiano Américo Vespucci, que, aportando ao Litoral brasileiro em 1501, decretou que aquele era o paraíso terrestre. Filial do Éden, Canaã tropical, copiosa, exuberante, infinita, inesgotável.

Se foi, já não é. O país do futuro não está no brejo, porque os brejos secaram, empedrados, áridos. A prolongada estiagem nos trouxe de volta ao mundo real, tornamos a fazer parte do mesmo planeta impiedosamente espoliado que no Hemisfério Norte produz em simultâneo um inverno excepcionalmente implacável.

Ansiosos para buscar um culpado pelo calor, não nos damos conta de que os culpados somos nós. Consideramo-nos diferentes, filhos prediletos de Deus e da Natureza, desprezamos as aflições e lições alheias. Sem convicção, fomos acumulando modas e leis importadas, algumas de última geração, sem levar em conta que antes – bem antes – é preciso torná-las ardentemente desejadas. Caso contrário, serão descartadas. Como agora.

Nosso paraíso continua onde sempre esteve, nós é que nos extraviamos. Iludidos por uma bonomia que não resiste a um placar desfavorável no futebol ou a um revés na reunião de condomínio, seguimos impávidos, onipotentes, triunfantes, despojados de qualquer senso trágico, certos de que os viajantes extasiados do passado estavam certos.

Estavam, mas o tempo passou. Infalíveis, jamais nos preocupamos em prevenir as catástrofes sazonais, e agora estamos diante de outras – a desertificação, a seca, vendavais. Grande parte do país está rezando para chover, esquecido dos devastadores efeitos dos periódicos dilúvios anteriores.

País-criança – eterna criança – mimado, caprichoso, descuidado. Era dono de um paraíso e o perdeu. Ganhou uma democracia e não sabe o que fazer com ela.

#VaiTerCopa - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 15/02

A Copa no Brasil é uma desgraça --ou melhor, é uma síntese de diversas desgraças. Mas é legítima


"Protesto é quando digo que não gosto disso ou daquilo. Resistência é quando faço com que as coisas das quais não gosto não mais aconteçam." O mês era maio; o ano, 1968; o lugar, Berlim Ocidental; a autora, Ulrike Meinhof, uma jornalista de extrema-esquerda que, dois anos depois, organizaria o ato terrorista inaugural do grupo Baader-Meinhof. O "protesto" contra a Copa no Brasil impulsionou as manifestações de massa de junho do ano passado. A "resistência" à realização da Copa, expressa no dístico "#NãoVaiTerCopa", ameaça degradar ainda mais nossa democracia, dissolvendo a política no caldo da arruaça e da violência.

A Copa é uma desgraça --ou melhor, é uma síntese de diversas desgraças: desperdício de recursos escassos, desvio de dinheiro público para negócios privados, desprezo a prioridades sociais, desrespeito aos direitos de moradores submetidos a remoções compulsórias. Mas a Copa é legítima: dois governos eleitos, o de Lula e o de Dilma, decidiram sobre a candidatura brasileira, a legislação do evento e a mobilização de recursos para a sua realização. "#NãoVaiTerCopa" é a bandeira de grupúsculos políticos que não reconhecem as regras do jogo da democracia.

A Copa da Fifa, dos "patrocinadores oficiais" e das "marcas associadas" é um "negócio do Brasil" fincado no terreno do sequestro legal de dinheiro público. A Copa da Fifa, de Lula e de Dilma é uma tentativa política de restaurar o passado, em novas roupagens: o "Brasil-Grande" dos generais Médici e Geisel, emblema da coesão social em torno do poder. O "protesto" contra a Copa evidencia o fracasso do governo na operação de ludibriar o país inteiro, embriagando-o num verde-amarelismo reminiscente da ditadura militar. Mas a "resistência" contra a Copa só revela que, no 12º ano do lulopetismo, a praça do debate público converteu-se no pátio de folguedos de vândalos e extremistas.

Quando escreveu sobre "protesto" e "resistência", Meinhof concluíra que a Alemanha Ocidental era um "Estado fascista" disfarçado sob o véu da democracia representativa. Fanáticos sempre podem dizer isso, descartando com um gesto banal todo o aparato eleitoral, institucional e jurídico das democracias. "Estado policial" é a versão brasileira do diagnóstico de Meinhof. Ao abrigo dessa invocação, configura-se uma perigosa aliança tática entre lideranças radicalizadas de "movimentos sociais", pseudo-anarquistas, extremistas de direita e black blocs. Nas suas redes sociais, misturam-se delírios revolucionários, iracundas acusações contra a "mídia" e líricos elogios ao regime militar. Depois do "#NãoVaiTerCopa", emergirá o "#NãoVaiTerEleições", prometem esses depredadores da política, enquanto acumulam arsenais de rojões de vara.

O "protesto" contra a Copa tocou fundo na consciência das pessoas. Contudo, foi represado pela lona impermeável da coalizão governista e, ainda, pela adesão voluntária de governadores e prefeitos dos partidos de oposição à farra da Copa. Na Copa das Confederações, os cordões policiais de isolamento de um "perímetro de segurança" em torno dos estádios atestaram que, no Brasil rendido à Fifa, o direito à manifestação pacífica tem uma vergonhosa cláusula de exceção. Os incautos interpretam o "#NãoVaiTerCopa" como prosseguimento dos protestos de junho. Mas, de fato, o estandarte autoritário funciona como antídoto contra manifestações pacíficas e pretexto ideal para a repressão ao protesto legítimo.

"Agora, depois que se demonstrou que existem instrumentos outros além de simples manifestações; agora, quando se quebraram as algemas da decência comum, a discussão sobre violência e contraviolência pode e deve começar novamente", escreveu Meinhof. O "#NãoVaiTerCopa" é uma atualização tupiniquim daquela conclamação à "contraviolência". A resposta certa a ela é dizer: #VaiTerCopa --infelizmente.

Os servos cubanos - PEDRO DUTRA

O GLOBO - 15/02

Escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre



Os romanos os chamavam de servos, pois eram, entre os vencidos na guerra, aqueles separados para o trabalho forçado. Dez séculos depois, os germanos os chamavam de escravos, pois eram os eslavos assujeitados por eles a essa mesma condição. Servos e escravos tornaram-se sinônimos, daquele vocábulo derivando outro, serviço, a atividade prestada pelo servo e também pelo homem livre.

“Desde que o homem é reduzido à condição de coisa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é... privado de todos os direitos.” Assim escreve Perdigão Malheiros em sua obra jurídica sobre o regime servil no Brasil, publicada 22 anos antes da sua abolição. O servo estava sujeito ao poder, ao domínio do seu senhor: era propriedade sua. Este podia vendê-lo ou alugá-lo. Alugá-lo a terceiro, que, como contraprestação dessa locação de coisa, remunerava diretamente o senhor do escravo. O servo não era titular do seu próprio esforço, como não são (no plano jurídico) os animais de carga. Percebia o senhor a renda do trabalho do servo, em troca de lhe assegurar mínima subsistência física, bastante a seguir ele rendendo.

O escravo, sobretudo nas cidades, prestava igual serviço àquele executado pelo homem livre — carpinteiro, pintor, etc. Porém, este último recebia a paga pelo seu serviço, e o escravo, não. Sobre a indignidade da escravidão em si, uma questão surgiu a confundir a disciplina jurídica da relação servil. Materialmente, nada distinguia a locação de coisa — o serviço prestado pelo escravo — da locação de serviço, assim denominada a prestação de serviço (de igual serviço, inclusive) pelo homem livre. Por vezes, mostrava-se o escravo mais habilitado, agravando a iniquidade da regra jurídica a fazer tal distinção, que só subsistia devido ao regime servil, cuja abolição entre nós tardou.

Destinar, compulsoriamente, a terceiro, à pessoa física ou jurídica, ou, ainda, ao Estado a paga pelo serviço prestado por qualquer trabalhador é reviver uma das formas nefastas do regime servil: a expropriação do labor alheio — do esforço físico, intelectual e psíquico que permite ao homem livre consagrá-lo à sua realização e aperfeiçoamento existencial.

O Estado cubano não pensa assim, ao apropriar-se da renda do trabalho dos médicos, que inscreve na sua pauta de exportação. E tampouco o governo brasileiro, que cumpre as condições desse negócio, ao beneficiar-se dos serviços aqui prestados pelos médicos cubanos.

O Brasil precisa de mais médicos, assim como de mais professores etc. E, também, de mais atenção da sua sociedade, pois a complacência do governo com regras transviadas do regime servil, sob quaisquer formas insinuadas nas relações humanas, corrói o espírito de liberdade que anima a nossa imatura democracia.