O Estado de S.Paulo - 15/02
As dificuldades pelas quais passa a Petrobrás são notórias: defasagem entre preços dos combustíveis importados e subsidiados, caixa curto diante da necessidade de fazer altos investimentos, produção abaixo da meta. As possíveis soluções também já são de domínio público. As agências de classificação de risco como Fitch, S&P e Moody's já se pronunciaram, expressando até um "passo a passo" para a empresa não perder seu grau de investimento. A Petrobrás, entretanto, demora a reagir, enquanto o preço da ação oscila fortemente e tende à baixa. Por quê?
A resposta está na própria definição da empresa: sociedade de economia mista. Isto é, metade governo, metade iniciativa privada. O sócio estatal prevalece e é sua a última palavra. O episódio da possível fórmula de reajustes de preços dos combustíveis, anunciado em novembro, dá uma pista. Após vários desmentidos e atrasos, a tal fórmula nunca apareceu. Enquanto isso, os problemas da empresa se avolumam.
O mercado antecipa a falta de respostas à altura em ano eleitoral e as expectativas transparecem no valor da ação. Sexta-feira, 31/1, a empresa valia cerca de metade do seu patrimônio líquido, avaliado em R$ 341,3 bilhões. Sua dívida líquida (dívida bruta menos caixa), orçada em R$ 211 bilhões no 3.º trimestre de 2013, representava 62% do seu patrimônio líquido e estava 15% acima do seu valor de mercado de 31/1/2014 (R$ 183,8 bilhões). Graças às operações de leasing operacional, de R$ 118 bilhões (3.º trimestre de 2013), a Petrobrás tem financiado equipamentos sem pressionar ainda mais seus índices de endividamento. Na ausência desse instrumento, a empresa veria sua dívida líquida saltar dos R$ 211 bilhões para R$ 329 bilhões, ou 96% do seu patrimônio líquido, indicador incompatível com seu atual credit rating.
Para resguardar o caixa, a empresa tem diferido o pagamento do Imposto de Renda (IR) e da contribuição social. No 3.º trimestre de 2013, a conta de IR mais contribuição social era de R$ 45,6 bilhões, revelando o impacto das receitas restringidas e de custeio e pagamentos elevados.
Um estudo do qual participei, patrocinado pela FGV, mostrou que a dívida da empresa se avolumou fortemente após a crise internacional de 2008 e acelerou o crescimento a partir de 2010. Entre outros fatores, acentuou-se a defasagem entre preços subsidiados e preços recebidos de combustíveis, trazendo uma perda acumulada de janeiro/2010 a dezembro/2013 de R$ 41,2 bilhões, conforme estimativas do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Essa perda de caixa, aliada às atuais dificuldades financeiras da empresa, ameaça comprometer o andamento de projetos como os do pré-sal, cuja meta, segundo os planos de expansão da companhia, é mais que dobrar a produção nacional diária de petróleo, dos atuais cerca de 2 milhões para mais de 4,5 milhões de barris em 2020.
Em janeiro, a empresa levantou R$ 11 bilhões em títulos europeus, um relativo, porém fugaz, sucesso. O ponto é que esse valor, mesmo junto com o caixa a ser gerado, é insuficiente para cobrir os compromissos financeiros da companhia em 2014. Por outro lado, a capacidade de obter empréstimos já está no limite, sob pena de arriscar o grau de investimento.
Diante deste quadro, o estudo da FGV aponta a securitização da dívida como alternativa para equacionar a necessidade de unir elevados investimentos à disponibilização de volumosos recursos num contexto de restrição de crédito e atingimento do teto de endividamento. Por mais remota que essa opção pareça (dado que a empresa liderou o maior processo de capitalização na história, com R$ 120,36 bilhões levantados em 2010), o fato é que as contas da empresa não fecham, e isso só será agravado na ausência de medidas efetivas de correção de rota.
Em ano de eleições, o maior desafio será manter o caixa em dia sem poder reajustar preços, enquanto terá de navegar nas águas geladas da falta de recursos sem esbarrar no iceberg do rebaixamento do credit rating, um sério estorvo para mais investimentos e crescimento.
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