terça-feira, março 22, 2016

Lula, Sócrates e eu - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 22/03

Admiro a criatividade dos brasileiros. Sobretudo quando a realidade é sombria. No momento em que bato estas linhas, o meu corpo balança ao som de "Não é nada meu", um samba dedicado ao ex-presidente Lula da Silva.

O samba reproduz uma conversa imaginária entre um magistrado e Lula. Confrontado com o tríplex da praia, o sítio em Atibaia e outras mordomias, Lula replica: "Não é nada meu" e "Excelência, eu não tenho nada / Isso é tudo de amigos meus".

Mas o momento áureo da composição acontece com este primoroso diálogo: "E aquele filho milionário?", pergunta o juiz. Lula responde: "Excelência, também não é meu."

É possível que a música conquiste o público português. Não apenas pela beleza do ritmo e pela riqueza narrativa. Mas porque os portugueses conhecem bem este samba -ou, melhor dizendo, este fado.

Em novembro de 2014, o ex-premiê José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Preso preventivamente durante quase um ano, o homem que liderou Portugal entre 2005 e 2011 -ou, para os íntimos, da grande promessa à grande bancarrota- aguarda agora acusação formal para ir a julgamento.

Mas o que espanta na história de Sócrates é que a sua defesa também assenta na generosidade de um amigo, empresário da construção civil. Durante a sua estadia em Paris, já depois de perder as eleições, o antigo premiê terá recebido centenas de milhares de euros desse amigo para viver com a dignidade inerente à sua biografia.

Esses "empréstimos", como Sócrates lhes chama, eram entregues em mão porque, segundo os seus advogados, o ex-premiê não confiava no sistema bancário do próprio país que governara.

Mas o amigo não se limitava a "emprestar" fortunas colossais. A amizade era tão grande que o apartamento de luxo onde Sócrates viveu em Paris também era desse amigo.

Perante as histórias paralelas de Lula e Sócrates -eles próprios grandes amigos- dou por mim a pensar na minha melancólica existência. Não sou má pessoa. Na idade certa, também li os conselhos do sr. Dale Carnegie sobre como fazer amigos e influenciar pessoas. E agi em conformidade.

Sou bom ouvinte. Sorrio com frequência. Tolero as imperfeições humanas. E tenho afeto pelos meus amigos da mesma forma que recebo o afeto deles.

Mas, aos 40 anos, uma pessoa sente que os "afetos" não chegam. Onde está o meu sítio? O meu tríplex? A minha casa em Paris? E por que motivo os meus amigos não me emprestam milhares ou milhões de euros a título de caridade?

Desconheço qual será o futuro judicial de Lula ou Sócrates. Mas uma coisa eu sei: não é crime ter bons amigos. Crime é não os ter.

Por isso deixo ficar um pedido público a ambos: partilhem a sabedoria acumulada. Na cadeia ou fora dela, Lula e Sócrates poderiam escrever um livro sobre a melhor forma de ter amigos ricos e bondosos.

Eu ainda vou a tempo de mudar os meus.

Ser de esquerda tem algumas vantagens. Algumas? Eu diria todas. Nos grampos divulgados, Lula não é politicamente correto com as donzelas.

Em conversa com o ex-ministro Paulo Vannuchi, Lula pergunta: "Onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?" Engraçado: eu julgava que o uso do "grelo" para designar certo atributo feminino era exclusivo de portugueses. Não é. Estamos sempre a aprender, irmãos.

Mas o melhor momento está no comentário sobre a intervenção policial na casa de Clara Ant, a diretora do Instituto Lula. "A Clara estava dormindo quando entraram cinco homens lá dentro", diz Lula a Dilma. E acrescenta: "Ela pensou que era um presente de Deus, e era a Polícia Federal." O problema desses grampos é que uma pessoa começa a simpatizar com Lula.

Não seria caso único. Como relata uma matéria desta Folha, muitas feministas, que tradicionalmente cortariam os "sacos" alheios perante tais insultos, afirmam que "grelo duro" pode ser até um elogio: significa "mulher forte" e, além disso, é uma expressão típica do Nordeste.

E sobre os cinco presentes de Deus para Clara Ant, a ONG Think Olga defende que é normal o desejo feminino por (cinco) homens. A própria Clara, ouvida a respeito, desvaloriza o caso: foi apenas uma piada para quebrar o grelo, perdão, o gelo.

Moral da história? Seja machista à vontade. Mas, primeiro, convém marchar com as patrulhas certas.


Se prenderem Lula, o país vai ferver - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 22/03

O juiz Sérgio Moro está brincando com fogo. Recentemente, na 24ª fase da Operação Lava Jato, o magistrado autorizou a polêmica condução coercitiva de Lula e quebrou o sigilo de gravações de ligações grampeadas do ex-presidente. Com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que suspendeu a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil, o juiz da "República de Curitiba" pode prender o petista a qualquer momento. A pergunta que faço é a seguinte: será que Moro tem noção dos efeitos que uma eventual prisão de Lula causaria nas ruas?

Antes de qualquer coisa, uma eventual prisão de Lula provocaria um baita reboliço no Judiciário e no Congresso Nacional. Como os áudios das ligações do ex-presidente revelaram, ele acredita que o STF, o STJ e o Parlamento estejam "totalmente acovardados" e que nós tenhamos presidentes da Câmara e do Senado "fodidos". Podemos imaginar como os representantes dos órgãos citados se sentiriam se o autor desses comentários fosse preso.

Os "coxinhas", termo empregado por petistas para definir quem não vive de saquear os cofres públicos, também ficarão em polvorosa caso o ex-presidente seja preso. É que Lula deixou "um monte de peão" na rua para lhes dar "porrada". E deram mesmo, o que provavelmente deixou os coxinhas muito gratos ao petista.

Isso sem falar nas mulheres, em especial as feministas, que sempre foram tratadas de maneira muito respeitosa por Lula. O petista, ao falar sobre a busca e apreensão feitas na casa de Clara Ant, uma das fundadoras do PT, disse que, quando ela acordou com cinco homens da PF em sua casa, pensou que era "presente de Deus". Em outra gravação, Eduardo Paes (PMDB-RJ), prefeito do Rio, disse que será difícil segurar a Olimpíada com "aquela gorda", referindo-se à presidente Dilma Rousseff. Lula, nem um pouco incomodado, riu. Se o ex-presidente for preso, com certeza, as mulheres, revoltadas, sairão às ruas de "grelo duro" em apoio ao feminista tão delicado como empedernido.

Os milhões que pediram no dia 13 de março o impeachment de Dilma também ficarão sentidíssimos se o ex-presidente for preso. É que, na manifestação da última sexta-feira (18), Lula, em discurso, incitou a militância petista contra aqueles que tomaram as ruas em defesa do Brasil. "Corte uma veia deles para ver se o sangue deles é verde e amarelo. É vermelho igual ao nosso!", disse o petista, que sempre discursou em defesa dos direitos humanos.

Por isso, Moro, fique atento! Se você prender Lula, o país vai ferver. Será, sem dúvida, o maior Carnaval fora de época da história do Brasil.


Retórica vazia - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/03

Além da retórica petista, que se desdobra em vários setores da sociedade tentando dar à minoria que apoia o governo (?) Dilma uma aparência de protagonismo político, na vida real as manobras para invalidar a decisão do ministro Gilmar Mendes de anular a posse de Lula na Casa Civil até agora foram infrutíferas.

Antes de considerar-se impedido de decidir sobre um mandado de segurança impetrado por vários advogados do ex-presidente, pois é amigo de um dos impetrantes, o ministro Edson Fachin decidiu sobre outro, de um advogado por ele desconhecido, e tomou a decisão que parece ser a única possível: negou a liminar, recorrendo a jurisprudência do próprio Supremo que determina que uma decisão monocrática de um ministro não pode ser derrubada por mandado de segurança por outro ministro.

Esse entendimento está expresso em uma súmula editada em 1984, aplicada com frequência pela Corte.

Provavelmente, a ministra Rosa Weber, que acabou sendo sorteada eletronicamente para substituir Fachin na relatoria, adotará a mesma posição, embora seja impossível garantir que a jurisprudência será utilizada mais uma vez.

Aliás, a sorte está sendo madrasta com o governo. Primeiro, foi sorteado o ministro Gilmar Mendes para relatar mandados contra a posse de Lula no ministério, e agora a ministra Rosa Weber, a quem o ex-presidente pretendia que a presidente Dilma, que a nomeou para o STF, pressionasse para controlar as investigações da Operação Lava- Jato.

Também o balão de ensaio de convocar uma reunião de emergência do Supremo durante esse recesso de Páscoa deu com os burros n" água. Não houve receptividade da maioria dos juízes à tentativa do presidente Ricardo Lewandowski, e Lula passará mais uma semana longe do foro privilegiado, colocando seus peões para fazer a segurança de seu apartamento, temendo ser acordado pela Polícia Federal.

A intenção de Lula de conter as investigações da Lava-Jato ficou clara em vários dos diálogos gravados pela Polícia Federal com autorização do juiz Sérgio Moro, assim como a ânsia de seus correligionários de fazê-lo ministro para protegê- lo de uma prisão preventiva, base para os diversos mandados de segurança para impedir sua posse, por desvio de finalidade, crime de responsabilidade que pode ser acrescido às várias denúncias que pesam contra Dilma.

Também a tentativa do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, de controlar a Polícia Federal com ameaças de punição "ao menor cheiro de vazamento", surtiu efeito contrário. A reação da associação dos delegados da corporação foi tão vigorosa que ele foi obrigado a soltar uma nota afirmando que o diretor-geral da PF, Leandro Daiello - para quem ele já procurava substituto, segundo o noticiário -, merece toda a confiança.

Os blogs "amigos" chegaram até a noticiar que o ex- presidente cogita desistir de assumir o ministério, disposto a atuar informalmente para ajudar o governo na luta contra o impeachment. Esse "desprendimento" serviria para provar que Lula não teme o juiz Sérgio Moro, mas não corresponde à realidade.

Se há provas documentais e áudios mostrando que a posse foi antecipada sem nenhum motivo concreto, e que a presidente Dilma entregou a Lula um termo de posse para "usar apenas se houver necessidade", por que o ex-presidente mudaria de posição assim, de repente? Tudo indica que ele só tomará essa atitude quando e se o Supremo Tribunal Federal decidir que sua nomeação é uma fraude política.

No caso, não lhe restará alternativa. Se, contra todos os indícios, ele desistir antes mesmo da decisão do Supremo, será uma indicação de que já está convencido de que perderá no julgamento. Se porventura o Supremo lhe for favorável, a decisão lhe dará um fôlego para tentar convencer os deputados de que ainda lhe resta uma expectativa de poder.

Mas Lula sabe que é difícil enganar os "picaretas" - como ele já se referiu aos deputados, antes de comprar seus apoios no mensalão e no petrolão - que ele está procurando para estancar o impeachment de Dilma. O ex-presidente já não parece em condições políticas de reverter um jogo que parece decidido.


Vem aí o presidente 1% - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de SP - 22/03

O Datafolha divulgou uma nova pesquisa para a corrida presidencial de 2018. Os principais pré-candidatos estão mal na foto. Aécio derreteu, Lula continuou a cair e Marina assumiu a liderança por inércia, sem sair do lugar.

O levantamento apresenta um paradoxo. De todos os nomes do principal cenário, o menos citado pelos eleitores é o que tem mais chances de assumir a Presidência. Estamos falando do peemedebista Michel Temer, que aparece com apenas 1% das intenções de voto.

Não se trata de apostar no cavalo azarão. Como vice-presidente, Temer é o substituto imediato de Dilma Rousseff, que está com o mandato em risco. Se o Congresso aprovar o impeachment, como parece cada vez mais provável, ele pode se sentar na cadeira até o fim de abril. Terá 75 anos de idade e mais dois anos e oito meses para governar o país.

Aliados do vice já começaram a escalar sua equipe. "Será um ministério surpreendentemente bom", disse o senador José Serra ao jornal "O Estado de S.Paulo". Derrotado em duas eleições presidenciais, ele quer assumir um cargo similar ao de primeiro-ministro. Se der certo, será mais um a governar sem votos.

O Datafolha também perguntou o que os brasileiros esperam de uma eventual gestão Temer. Só 16% acreditam que ele fará um governo ótimo ou bom. Para a maioria absoluta (60%), a administração será igual ou pior do que a que está aí.

O dado leva a outro paradoxo: sete em cada dez brasileiros apoiam o afastamento de Dilma, mas quase nenhum se empolga com o vice. É um cenário desalentador, porque a recessão não vai evaporar com o impeachment. Um presidente 1% seria capaz de nos tirar do buraco?


*

O governo escalou Paulo Maluf para defendê-lo na comissão do impeachment. Desta vez, ele não exigiu foto com Lula. Deve ter achado que não faria bem à sua imagem.

Nova frente - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 22/03

Avançam investigações sobre a burocracia sindical, que conduziu negócios suspeitos na Petrobras e nos fundos de pensão, deixando um legado de prejuízos bilionários



As investigações em Curitiba avançam em uma nova frente, a do sindicalismo. Desde o início deste ano, duas dúzias de dirigentes sindicais dos setores químico, petroleiro e bancário passaram ao centro de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais.

Trata-se do lado até agora pouco visível da metamorfose de parte dos movimentos sindicais e sociais mais atuantes desde os anos 60 em grupamentos de agitação e propaganda alinhados ao Partido dos Trabalhadores.

Essa transformação foi possível graças à concepção corporativa da política disseminada na era Lula, num flerte com a alternativa da democracia direta. Parecia paradoxal, porque a premissa dessa forma de organização tende a resultar em governantes autômatos. Lula, no entanto, manipulou-a com astúcia. Metabolizou entidades e movimentos organizados. Viraram instrumentos.

A cooptação não se restringiu à vertente sindical trabalhista. Alcançou a Fiesp. O empresário Paulo Skaf, que encobriu com o manto do impeachment a exótica sede piramidal da Avenida Paulista, elegeu-se presidente da Fiesp em 2004 com auxílio de Lula, José Alencar e José Dirceu, em manobra conduzida por Aloizio Mercadante.

Fiel, continuou a burocracia sindical trabalhista, imobilizada em atividades remuneradas pelos cofres públicos. Ela mudou o foco do ativismo, concentrando-se na luta permanente pela impugnação das iniciativas de adversários do partido e do governo. Hoje, sobram porta-bandeiras em defesa de Lula, Dilma e também das empresas processadas por corrupção na Petrobras e em outras estatais. Só não se percebem evidências de preocupação com a origem, os métodos e as perdas resultantes dessa combinação de interesses cleptocratas.

Os efeitos se espraiam, por exemplo, nas estranhas transações decisivas para os déficits da Petrobras (R$ 34,5 bilhões em 2015) e dos fundos de pensão das estatais (Previ, Funcef, Petros e Postalis devem somar R$ 70 bilhões).

A conta vai subir. Na Petrobras, revelou a repórter Cláudia Schuffner, o Conselho de Administração pediu investigações sobre um elenco de decisões de sindicalistas responsáveis pela área de Recursos Humanos, com potencial de novas e bilionárias perdas para a companhia.

Em oito anos, esses burocratas sindicais aumentaram em 2.300% o passivo trabalhista da estatal. Passou de R$ 500 milhões para R$ 12,3 bilhões entre 2006 e 2014. É o dobro das perdas com corrupção registradas pela empresa.

Os delitos estão sendo mapeados. Calcula-se que o custo de algumas cláusulas dos acordos feitos com entidades como a federação dos petroleiros contribua para ampliar em R$ 40 bilhões, no médio prazo, o estoque de dívidas trabalhistas da empresa.

No papel de gestores, os burocratas sindicais inflaram os próprios ganhos (média de R$ 40 mil mensais). Entre outras coisas, permitiram-se adicionais equivalentes aos de periculosidade e de expediente noturno pagos aos “peões” das refinarias e das plataformas marítimas. Alguns lucraram em dobro: estenderam à faina noturna, em gabinetes confortáveis e refrigerados da sede na Avenida Chile, a intermediação (remunerada) de interesses de fornecedores privados em negócios com a companhia estatal.

Desajuste fiscal - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/03

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, vai anunciar hoje que o déficit será ainda maior do que os R$ 60 bilhões que havia divulgado em fevereiro. Ontem, ele anunciou alívio para a dívida dos estados e a mudança no contingenciamento para proteger alguns gastos. Além disso, será criado um mecanismo que pode dar a impressão de que a dívida bruta caiu, ainda que o passivo público seja o mesmo.

Há economistas prevendo que o rombo deste ano pode ser tão grande quanto o do ano passado e chegue até a R$ 100 bilhões ou R$ 110 bilhões. É o cálculo que faz o economista Mansueto de Almeida, agregando aos 60 bi já anunciados a frustração de receita, os gastos extras, custos da renegociação da dívida dos estados. No ano passado, chegou- se a esse valor mas porque foram pagas as pedaladas. O risco é este ano continuar no patamar de R$ 100 bi, mesmo sem o pagamento das pedaladas. Ou seja, há um crescimento acelerado do déficit.

Por isso, ontem ele anunciou outras medidas, dizendo que elas controlarão os gastos no médio prazo, deixando para hoje a divulgação da revisão da meta, que já era de déficit e que vai ficar ainda maior.

Das medidas que ele anunciou ontem, e que serão agrupadas em um projeto de lei complementar, está a de permitir que os bancos façam depósitos voluntários remunerados no Banco central. Quando o Banco Central compra reservas, ele tem que vender títulos no mercado para, como dizem os economistas, "esterilizar a liquidez". Isso é uma forma de evitar mais pressão inflacionária com o aumento do dinheiro em circulação. Essa operação tem sido feita com vendas de títulos com o compromisso de recompra a curto prazo. Tem o nome de operações compromissadas. Em 2007, elas eram 7% do PIB, agora já são 16%. E elas têm crescido porque os bancos não estão aceitando comprar papéis de dois anos ou mais, mas aceitam se o BC prometer recomprá- los em pouco tempo. Hoje, o prazo médio das compromissadas é de 3 meses. Uma dívida cara, curta e crescente.

A proposta feita por Nelson Barbosa é de criar a possibilidade de que, em vez de fazer esta operação de compra de título, os bancos possam recolher voluntariamente parte das suas reservas no Banco Central e sendo remunerados por isso. Será passivo do BC de qualquer maneira, mas como não envolverá um título público pode reduzir o impacto na dívida bruta. Hoje, as operações compromissadas são de quase R$ 1 trilhão. Se parte disso virar reserva bancária remunerada pelo BC, a dívida parecerá menor, ainda que o passivo público seja o mesmo.

O ministro disse que esse mecanismo não é uma jabuticaba. Não é mesmo. Mas depende da maneira que for usada. Pode ser mais um instrumento na mão do BC ou ser uma forma de mascarar o crescimento da dívida que era 52% do PIB no começo do governo Dilma, está em 66% hoje e pode chegar a 80% em 2018.

Barbosa anunciou a criação do Regime Especial de Contingenciamento, que servirá para preservar gastos e não cortá- los. Quando o governo estiver com "baixo crescimento", ele poderá proteger áreas para não cortar despesas ou para até aumentá- las. Foi anunciado também o alongamento da dívida dos estados com a União e a possibilidade de que eles não paguem 40% dos juros devidos ao governo federal durante 24 meses. Isso custará R$ 9,6 bi para a União este ano e pode chegar a R$ 45 bilhões em três anos. Os estados estão mal mesmo, mas o alívio chega bem na hora em que o governo está precisando de apoio político. No fim das contas, foi um anúncio de expansão de gastos, com o nome de "reforma fiscal".


Vergonha na cara - LUIZA NAGIB ELUF

O Estado de S. Paulo - 22/03

Acredito que os brasileiros tenham sofrido um impacto muito grande quando, em 28 de maio de 2007, um ministro japonês de Agricultura, Floresta e Pesca cometeu suicídio, enforcando-se em sua casa com uma corrente de guiar cachorro, por estar sob suspeita de corrupção. Seu nome era Tashikatsu Matsuoka, tinha 62 anos e era acusado de ter recebido US$ 107 mil de empresas do ramo de construção com interesses na área de sua pasta. À época do suicídio, praticado horas antes de seu depoimento perante um comitê parlamentar, Matsuoka contava com 41% de aprovação entre os japoneses.

O impacto que suponho tenham os brasileiros possivelmente sofrido não se restringe à violência do suicídio, mas ao seu motivo. Parece impossível que exista no mundo nação tão correta, bem organizada e apegada à honra e ao bom caráter como o Japão. É claro que estar sob suspeita de corrupção deve causar vergonha, depressão, arrependimento, no caso de os atos criminosos terem realmente ocorrido. Mas, no Brasil, o sujeito que subtrai dinheiro público, mesmo sendo condenado e preso, é fotografado e filmado externando as mais esdrúxulas reações: rindo, fazendo gestos obscenos, levantando o punho cerrado (insinuando ameaças do tipo “esperem o meu retorno”, ou “minha vingança não tardará”, ou “fiz e farei de novo”, ou “vão se danar, idiotas”). Isso eles fazem a caminho da carceragem ou da penitenciária!

Acima de tudo, é impactante um sujeito suspeito de corrupção e com pedido de prisão já formulado pelo Ministério Público ser convidado e aceitar assumir um ministério com o fim de escapar dos rigores da lei e da Justiça, e, mais especificamente, subtrair-se ao rigor judicante do excelente magistrado Sérgio Moro. E quem faz o convite é nada menos que a presidente da República, que tem o menor índice de aprovação da História recente do País.

O Brasil de hoje se apresenta ao mundo como uma crônica do absurdo. O povo, inconformado com tanta desmoralização, sai às ruas várias vezes, em passeatas pela moralidade, pela Justiça, pelo fim da corrupção generalizada, pela paz social e pela recuperação da economia. Os governantes surpreendem-se com o gigantismo dos protestos, mas não se sentem em situação de pedir para sair. Parece que os brios acabaram, venceu a pouca-vergonha. Querem o poder pelo poder, nada de trabalhar pela Nação, pelo desenvolvimento e pela segurança do povo. Nada de espírito público, de respeito ao que pertence aos outros ou ao Estado, nada de responsabilidade, seriedade, caráter. A gestão pública foi pelos ares, estamos sob o império da “cara de pau”. O que se lê nas entrelinhas é: eu roubei, mas você também roubou; não venha tirar meu cargo senão eu vou tirar o seu; vamos ver quem pode mais e não me provoque, que eu mando matar você... Enfim, nada se faz pelo povo, qualquer coisa se faz para salvar a própria pele.

Os prefeitos Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, tiveram morte violenta, respectivamente, em 10/9/2001 e 18/1/2002. Várias testemunhas desses casos foram sendo assassinadas no decorrer dos processos judiciais. Os casos não foram esclarecidos, ou seja, ainda não se identificou a autoria, mas a motivação política dessas mortes salta aos olhos. Estamos enfrentando uma verdadeira desgraça moral.

O último homem público a mostrar preocupação com sua imagem, em terras brasileiras, foi Getúlio Vargas. Ele cometeu erros, mas pagou-os com a própria vida. Foi ditador, entregou Olga Benário, grávida, aos nazistas, mas Luiz Carlos Prestes, em lamentável conduta posterior, aceitou dialogar com ele. Getúlio era autoritário, mas ao menos prezava sua honra, tinha brios de homem público e não admitia ser deposto. Semelhante aos governantes de hoje, achava governar para o povo, era o “pai dos pobres”, porém seu governo derreteu antes de chegar ao fim. Seu maior mérito foi ter deixado o cargo quando ficou sem saída. Acabou com a própria vida, e isso não é pouco. Em atitude diametralmente oposta, os governantes atuais preferem acabar com a vida dos outros.

Quem se dispõe a ocupar cargo público deve saber que fará sacrifícios pessoais e terá de pensar no povo antes de cuidar de si. Terá de perceber a grandeza de sua missão e submeter-se às necessidades da Nação. Precisará compreender serem as benesses do cargo apenas facilitadoras dos encargos de quais deverá desincumbir-se. Terá de ser consciente da extrema responsabilidade de um(a) político(a) escolhido(a) pelo povo para gerir um país, um Estado, um município. Abraçar a verdadeira política é ser abnegado, altruísta e, acima de tudo, cioso de suas obrigações.

É por isso que o combate à corrupção deve ser amplo, geral e irrestrito, perdurando para sempre na nossa cultura. Nesse sentido, torna-se louvável a posição assumida pela Ordem dos Advogados do Brasil, em reunião de seu Conselho Federal pleno, apoiada pela Associação dos Advogados de São Paulo, que se pronunciaram de forma uníssona pela instauração do processo de impeachment da presidente, asseverando a observância do devido processo legal. Neste momento de crise, a nós cabe lutar pela decência.

Jânio renunciou, Collor renunciou, mas Dilma declarou que “não tem cara de quem vai renunciar”. Nem com 6 milhões de pessoas em passeata, protestando. Nem com a popularidade despencando a cada minuto. Nem com o País afundando economicamente. Nem com a carestia, a dengue, a zika, a inflação, o desgoverno, o desemprego, as pressões. Nem com a bancarrota da Petrobrás e com os escândalos da Lava Jato. Nem com nada. Pena não sermos o Japão.

*Luiza Nagib Eluf é advogada, ex-procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e ex-secretária nacional dos Direitos da Cidadania, e autora, entre outros, do livro 'A Paixão no Banco dos Réus'

Um país a limpo - CARLOS ALEXANDRE

CORREIO BRAZILIENSE - 22/03

Ao completar dois anos neste mês de março, a Lava-Jato entra para a história brasileira como a operação que recuperou o maior volume de recursos desviados pela corrupção. A força-tarefa conseguiu devolver aos cofres públicos praticamente R$ 3 bilhões. Para efeito de comparação, o mensalão representou uma sangria de R$ 100 milhões. O escândalo que defenestrou o todo-poderoso José Dirceu estremeceu o projeto político do então presidente Lula, mas não impediu a reeleição do líder petista. Pelo contrário: Lula não apenas continuou no poder como terminou o mandato como presidente com maior índice de aprovação popular. Delúbio Soares, no auge das denúncias, disse a célebre frase: "As denúncias serão esquecidas e vão virar piada de salão".

O julgamento do mensalão, em 2012, já no primeiro mandato de Dilma Rousseff, começou a tirar a graça dos petistas. Com a atuação enérgica e incansável do ministro Joaquim Barbosa, o Supremo Tribunal Federal deu prova ao povo brasileiro de que poderosos podem conhecer a prisão. Entre os condenados constavam um ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Muitos consideram o julgamento do mensalão uma quebra de paradigma na tradição de impunidade tão presente na política nacional. Quatro anos depois, o Supremo volta a assumir o protagonismo político, ao decidir se concede o foro privilegiado a Lula e ao definir o rito de impeachment no Congresso Nacional.

Esse resumo de capítulos relevantes da nossa história recente ressalta o eficácia de instituições no combate à corrupção. Não fosse a tenacidade de magistrados, a diligência do Ministério Público e da Polícia Federal, o país estaria refém de um grupo político que se mantém no poder de forma acintosa, em completo desprezo pelos interesses da nação. A contundente resposta do ministro Celso de Mello às ofensas dirigidas ao Supremo não deixa dúvidas da faxina ética que se impõe no Brasil de 2016: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade das leis e da Constituição de nosso país, a significar que condutas criminosas perpetradas à sombra do Poder jamais serão toleradas, e os agentes que as houverem praticado, posicionados, ou não, nas culminâncias da hierarquia governamental, serão punidos por seu Juiz natural na exata medida e na justa extensão de sua responsabilidade criminal".


O Ministro Jararaca - ARNALDO JABOR

O GLOBO - 22/03


“Eu sou o único cara que pode incendiar esse país... Tá pensando o quê? Eu estou aqui em frente ao espelho e posso falar tudo que quiser... Ninguém me ouve. Olho-me no espelho e vejo que eu sou o povo. Sou um fenômeno de fé. Quanto mais me denunciaram, mais eu cresci. Eu desmoralizei escândalos, vulgarizei alianças, subverti tudo, inclusive a subversão. Agora eu voltei como uma jararaca. Aaah. A jararaca virou ministro... Vou morder esse Sérgio Moro na bunda. Meus inimigos odeiam o homem maravilhoso que eu sou. Por isso querem me prender. Inveja. Não há vivalma no país tão inebriante como eu. Eu me amo.

“Por inveja, o Supremo Tribunal Federal também está querendo me esmagar a cabeça. Estão todos acovardados sem me defender, porque são uns neoliberais de merda – covardes... E mais: e os babacas dos presidentes da Câmara e do Senado? Estão fodidos. Se derrubarem a Dilma, caem juntos.

“Agora eu chamei um novo ministro para a Justiça, o Eugênio Aragão. Ele é meio maluco, frequenta o Santo Daime, bebe ‘huascar’ e já começou a ‘trabalhar’; já ameaçou o diretor da PF e vai nos ajudar a atacar a República de Curitiba... Ainda bem que surgiu um macho para me defender, porque a ministra Rosa Weber nem deu bola – mal-amada... Até a minha assessora, Clara Ant, está com raiva, porque eu falei que ela era uma baranga... E a ingratidão daquele Janot, que eu mandei a Dilma nomear?

“Mas o povo foi para as ruas, a CUT, o MST organizaram tudo. Os coxinhas ficam com medo daquela onda vermelha... Eles têm de me respeitar... Como pode um delegado, um promotor do MPF me desrespeitar? Eu não sou um cidadão comum, como eu disse uma vez para puxar o saco do Sarney. Eu sou especial. Fui falar com o Lewandowski, que tanto nos ajudou no mensalão, e também fui traído. Ele se recusou a agir contra a República; mas, que república? Ele traiu a mim...
“Eu vou secar essa Lava Jato. Eles têm de ter medo de mim... Esse Moro está subvertendo as regras políticas de 400 anos. Sempre fomos assim, é até uma tradição... E a Receita Federal que não me respeita? Tem de ficar bisbilhotando minhas contas? Já dei um esporro no Nelson Barbosa, que fica copiando aquele babaca do Levy, querendo fazer cortes no Orçamento... Que cortes? A militância não quer. Tem de cortar porra nenhuma. Tem é que aumentar os gastos públicos ainda mais para eu recuperar minha imagem. E tem mais: vou meter a mão naquele tal de ‘fundo soberano’, nas reservas internacionais do Brasil, no peito e na raça, para distribuir presentinhos de consumo para os idiotas que me amam.

“E a porra do sítio em Atibaia? A ideia foi boa, botar tudo no nome dos sócios do Fabinho... Mas veio essa PF, que o Aragão, graças a Deus, vai arrasar, e fodeu tudo...

“E aquele triplex que comprei, atualmente em nome da OAS. Êta gente boa! Eu achei pequeno como um daqueles barracos do Minha Casa, Minha Vida, e eles reformaram tudo. A direita diz que aquelas fotos no apartamento – eu, a Marisa e o Léo Pinheiro – provam que eu sou o dono. Eu direi a eles que não prova nada, porque estávamos decidindo cor de paredes, sancas, lustres etc. É isso aí, bicho. A OAS tem agora um novo departamento: ‘OAS Decorações’. Ha ha ha...

“Espelho meu, a verdade é que eu comandei o esquema todo. Eu ia deixar toda essa grande empreitada para me salvar na mão de incompetentes como o Mercadante? Eu me salvo! Porra, tive de bancar o bobo, dizendo que não sabia de nada... Só se eu fosse um débil mental, com tudo ali à vista no Planalto, na cara.

“Eu sou foda. Eu fiz tudo sozinho. Claro que com a ajuda dos operários, aqueles operários que acreditavam em mim enquanto eu conciliava com as multinacionais... A verdade é que eu nunca me interessei pelo bem do povo. Essa visão de um operário pensando no país é uma imagem romântica de pequenos-burgueses. Operário quer é subir na vida. Fui mestre nisso. Eu odiava o calor daqueles tetos de Eternit na fábrica, aquela cachaça morna na hora do almoço. Aquele torno que cortou meu mindinho foi minha primeira grande sorte (tem gente que até acha que eu mesmo cortei...). Virei líder sindical. Foi a sorte grande. Sem dedo, descobri a massa. Eu vi a facilidade de convencer o povão de fazer o que eu quisesse. Tudo tão simples; basta falar como eles, falar de futebol, fingir de vítima, injustiçado por ter origem humilde, dividir o mundo em ricos e pobres, mentir estatísticas numa boa, falar do futuro.

“Meu grande erro, espelho meu, foi não ter pegado o terceiro mandato. Botei aquela guerrilheira incompetente no poder, e ela também sabia de tudo. Imagina se aquela comuna não sabia da compra da refinaria de Pasadena pela qual pagamos 300 vezes mais que o preço original... Foi lindo! Mais de 3% só para o PT. Quanto deu? Três por cento de R$ 1,2 bilhão quanto é? Sei lá... E dane-se que os ‘Cerverós’ da vida meteram a mão na cumbuca... Nosso plano foi de usar a corrupção para ficar no poder, como todos sabem... ‘Fora do poder tudo é ilusão’, dizia, acho que foi Lênin, que aqueles imbecis citam muito... Só a corrupção move o país.

“Ai que saudades das mãos da rainha Elizabeth – eu beijei sua mão com um vago perfume de verbena. Ai que saudades dos tempos em que eu posava com outros presidentes, com o Obama me puxando o saco, dizendo que eu era ‘o cara’. Mas eu voltarei... E mesmo com tantos problemas, tenho compensações: como é bom ver intelectuais metidos a besta ainda me olhando com fervor, me achando o símbolo do futuro, como se eu tivesse uma foice e um martelo nas mãos. Como são burros esses cultos, esses intelectuais da USP/PUC reunidos para me defender... Eu confesso que não entendo como esses artistas e cancioneiros populares ignoram que eu não sou a salvação de merda nenhuma. Como é que eles conseguem se enganar tanto? Só penso em mim. Mas, graças a Deus, eles têm fé... Por isso, eu conto com esses idiotas. Suas teorias e crenças ideológicas conferem um pouco de ‘profundidade’ a mim... Claro que estou pouco cagando para suas teses, mas eles são úteis.

“Eles pensam que são a revolução. Mas eu é que sou a revolução. Eles não queriam arrasar o capitalismo?

“Pois eu consegui”.


O cheiro como método - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 22/03

Se para punir suspeitos bastasse o “cheiro” de ilegalidade, sem necessidade de provas, Luiz Inácio Lula da Silva já estaria há algum tempo convivendo atrás das grades com os grandes empreiteiros de obras públicas com os quais, durante e após seus dois mandatos presidenciais, manteve relações ostensivamente promíscuas. Para Lula, porém, é auspicioso que o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, se declare franco adepto do método olfativo: “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova”.

Só não é totalmente inacreditável que o ministro da Justiça tenha feito essa declaração, em entrevista à Folha de S.Paulo, porque cheira forte que alguém com a truculência sob medida tenha sido colocado na importante pasta por imposição de Lula e do PT exatamente para criar obstáculos à Operação Lava Jato. Como primeira consequência da posse do ministro que confia no próprio olfato para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo lulopetismo, já no fim de semana passou a impregnar o ambiente político em Brasília o forte odor de que a intervenção na Lava Jato começaria pela troca do diretor da Polícia Federal (PF). Ontem, o Ministério da Justiça divulgou nota desmentindo que o chefe da PF, Leandro Daiello, esteja ameaçado de demissão, mas apurou-se que o Planalto teria estabelecido um prazo de 30 dias para sua substituição.

Daiello comanda a PF desde 2011, escolhido pelo então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Este deixou de ser ministro porque Lula e toda a tigrada petista o acusavam de não ter “pulso forte” para impedir as “arbitrariedades e injustiças” cometidas pela PF, principalmente a partir do momento em que o ex-presidente passou a ser alvo de investigações. Se a presidente Dilma Rousseff não teve força política para manter no cargo um ministro de sua estrita confiança, o que dizer do chefe da PF? A bombástica declaração de Eugênio Aragão logo após sua posse soa como destinada a tranquilizar os responsáveis por sua nomeação. Resta saber até que ponto ele está realmente disposto, para agradar a seus padrinhos, a intervir na Lava Jato, que a maioria absoluta dos brasileiros enxerga como um símbolo intocável da luta contra a impunidade dos poderosos e que, dessa perspectiva, passou a ser forte elemento de aglutinação das manifestações populares contra o governo.

Dilma e Lula sabem o risco político que representa, pela forte e inevitável repercussão nas ruas, mexer com a Lava Jato. Mas aparentemente o ex-presidente, que hoje tem sob seu comando as articulações políticas do governo, considera mais urgentes e prioritárias as medidas destinadas a impedir que a PF bata à sua porta com um mandado de prisão. Essa, aliás, é a principal razão, comprovada pelas gravações divulgadas pela PF, da tentativa de nomeação do ex-presidente para a chefia da Casa Civil, cargo que o deixaria a salvo da “perseguição” do juiz Sergio Moro.

Pelo que se viu até agora, Eugênio Aragão na Justiça pode ser o homem certo no lugar certo para blindar Lula da ação da Polícia Federal. Mas mesmo para ele essa será uma tarefa ingrata do ponto de vista legal, dado o acúmulo de evidências e provas contra Lula em relação ao patrimônio material que acumulou a partir de suas notórias relações com os maiores empreiteiros de obras públicas do País, das quais teriam resultado, como a Operação Zelotes investiga, benefícios mútuos. “Controlar” essas investigações exige botar freio na autonomia funcional que a Constituição garante aos policiais federais, independentemente de sua subordinação hierárquica ao ministro da Justiça. A este cabe apenas, segundo a Constituição, determinar as diretrizes e o orçamento das operações policiais.

Pois Aragão, na mencionada entrevista, deixou claro que vai impor “diretrizes” que, em última análise, significariam pura e simplesmente o cerceamento das investigações. Fez isso ao manifestar desconfiança sobre a maneira como o instituto da delação premiada é aplicado em Curitiba: “Na medida em que decretamos prisão preventiva ou temporária em relação a suspeitos para que venham a delatar, essa voluntariedade pode ser colocada em dúvida. Porque estamos em situação muito próxima de extorsão. Não quero nem falar em tortura”. Definitivamente, não cheira bem.


A preocupante ofensiva do governo contra a Lava-Jato - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/03

A nomeação de Eugênio Aragão para a Justiça confirma a intenção de enquadrar-se a PF, num momento em que o certo é confiar nas instituições


É muito provável que a ideia de nomear ministro o ex-presidente Lula tenha sido considerada no Planalto, PT e redondezas uma tacada de mestre. Ao mesmo tempo em que se blindaria Lula contra o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava-Jato, um governo enfraquecido contaria com substancial reforço para negociações políticas ou o que fosse. Mas, na prática, a teoria não tem funcionado.

Mesmo sabendo que era investigado, Lula não se moderou ao telefone e permitiu que se registrassem em gravações legais diálogos memoráveis, típicos de quem não se preocupa com limites da lei e éticos na defesa de interesses próprios.

Em uma gravação específica — cuja legalidade será decidida pelo Supremo —, Lula e Dilma deixaram claro que a prioridade, na semana passada, era apressar a nomeação do novo ministro, agora sub judice, para protegê-lo de eventual prisão. E também para que o processo em torno dele que está em construção na Lava-Jato vá para o STF, não fique na Justiça Federal de Curitiba, sede da operação.

A intenção de erguer barreiras contra o trabalho da força-tarefa da Lava Jato para elucidar quem é o verdadeiro dono do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia já é passível de pelo menos uma denúncia criminal.

Além da nomeação de Lula a fim de abrigá-lo no STF — intenção que pode ser ilusória, pois foi o Supremo que condenou os mensaleiros —, há uma operação em curso para, se não desmontar, paralisar a Lava-Jato.

A nomeação para o Ministério da Justiça do sub-procurador-geral da República, Eugênio Aragão, é sintomática. Ele é o mesmo que Lula, num dos diálogos gravados, diz achar que deveria cumprir um papel “de homem”, para enquadrar a Polícia Federal. O que o lulopetismo cobrava do ex-ministro José Eduardo Cardozo.

No fim de semana, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Aragão advertiu: “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda”. Mostrou logo a que veio, mesmo que tempere a advertência com declarações favoráveis à investigação. Mas ela não interessa ao lulopetismo, é certo.

Já começou difícil o relacionamento do ministro com delegados da PF ciosos da importância da sua autonomia operacional.

O ímpeto de Aragão nas primeiras entrevistas, a gana de Lula contra adversários que trata como inimigos, como expresso nas gravações, são ingredientes que podem levar a um agravamento da própria crise política. Porque não será, por certo, aceita de forma passiva qualquer intervenção arbitrária na PF.

Na manifestação de sexta-feira, na Paulista, o Lula que discursou foi o “paz e amor” da campanha de 2002. Melhor assim. A nomeação dele, colocada em suspenso por liminar concedida pelo ministro Gilmar Mandes, será examinada pela Corte. É preciso aguardar uma decisão final, de que dependerá o destino das investigações da Lava-Jato sobre ele. Se ficam em Brasília ou retornam a Curitiba, como determinou o ministro do STF.

Ao mesmo tempo, começa a funcionar a comissão do impeachment. É assim que deve ser: as instituições em funcionamento — Legislativo e Judiciário —, para que se supere a crise sem qualquer desobediência à Constituição.