segunda-feira, março 14, 2011

J. R. GUZZO

Beleza e desastre
J. R. GUZZO
Revista Veja

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LYA LUFT

Dia da pessoa
LYA LUFT
REVISTA VEJA

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ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Riscos declináveis
ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
O Estado de S. Paulo - 14/03/2011

Empresas alegam que a alta sinistralidade em alguns seguros compromete seus resultados e dificulta a manutenção e renovação de contratos de resseguros

Riscos declináveis são aqueles que, por uma razão ou outra, uma seguradora considera passíveis de não serem aceitos por ela. A forma mais fácil de explicar como é isso é através de dois exemplos emblemáticos, um envolvendo seguradora de vida e, outro, seguradora de riscos patrimoniais. Uma seguradora especializada em seguros de vida não teria razão para assumir o risco de incêndio de uma usina nuclear. O risco está completamente fora de sua área de atuação, não havendo razão que justifique sua aceitação por não ser sua especialidade. Da mesma forma, não tem sentido uma seguradora especializada em riscos patrimoniais assumir o seguro de vida dos escafandristas de uma petrolífera perfurando em águas profundas. Ou seja, nenhuma das duas seguradoras tem a expertise necessária, ou massa de negócio no ramo, para justificar seu interesse no risco que lhe é proposto.

Durante quase 70 anos o Brasil teve o monopólio do resseguro pautando o setor. Por força dele, o grande definidor das regras para a atividade seguradora era o Instituto de Resseguros do Brasil - IRB, que determinava inclusive as condições e taxas de todas as apólices emitidas no território nacional, através da imposição de tarifas únicas obrigatórias para todas as seguradoras em operação no Brasil.

Como as condições das apólices brasileiras tinham coberturas mesquinhas e preço caro, o índice de sinistralidade do contrato de resseguro do IRB era muito mais baixo do que os resultados internacionais. Isto permitia a ele manter um dos maiores contratos automáticos de cessão de resseguro do mundo, o que lhe dava capacidade para aceitar riscos bons e riscos ruins, que eram colocados num mesmo pacote, basicamente subsidiado pelos riscos bons.

Dentro deste desenho, e das condições tarifárias vigentes, pelas quais os riscos eram taxados levando em conta uma série de fatores de ordem interna e externa ao segurado, era possível ao IRB aceitar, por preço acessível, riscos que no resto do mundo só eram aceitos em condições bem mais caras.

Isso não significa dizer que na época do monopólio do resseguro não houvesse riscos declináveis. Havia. Como sempre houve e continuará havendo. Além dos exemplos acima, nos quais os riscos eram declinados porque as seguradoras não operavam naquelas determinadas carteiras, havia também o interesse comercial, que pode ser resumido, de novo, em dois exemplos simples.

O primeiro é a antiga dificuldade para colocação de seguros "All Risks" para joias, mas em especial para relógios Rolex de ouro. Há pelo menos 30 anos praticamente nenhuma seguradora opera com estes riscos. Da mesma forma, nos últimos 20 anos o seguro de transporte rodoviário de carga passou a ser risco declinável para a imensa maioria das seguradoras em operação no Brasil, por conta da alta sinistralidade de roubo que envolve este tipo de atividade empresarial.

O que acontece no momento é a mesma situação, mas envolvendo seguros que durante décadas foram aceitos com poucas exigências e por preço módico. Fábricas de colchões e móveis, indústrias têxteis, químicas, supermercados e outros estão encontrando dificuldades para a colocação de seus seguros, o que não ocorria até poucos anos atrás.

A razão alegada é a alta sinistralidade destes riscos, que compromete o resultado das seguradoras e dificulta a manutenção e renovação de seus contratos de resseguros. E isso é verdade.

Mas não significa que não haja uma solução para o problema, e uma solução de mercado, mais inteligente do que uma eventual decisão judicial, que tem tudo para ser extremamente danosa para o setor, em virtude da falta de conhecimento técnico do magistrado a respeito do funcionamento de uma atividade econômica cujos meandros são pouco conhecidos inclusive por quem trabalha nele.

Estes riscos não são exclusivos do Brasil. Então, como o resto do mundo os trata? A resposta para esta pergunta pode ser o começo da solução.

É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA ADVOCACIA, PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO

JOSÉ CARLOS RIBEIRO FILHO

Idas e vindas do setor de petróleo
JOSÉ CARLOS RIBEIRO FILHO
O Estado de S.Paulo - 14/03/11

Numa entrevista concedida nos anos 70, Golbery do Couto e Silva, então Ministro Chefe da Casa Civil, afirmou que a maior ou menor intervenção do Estado na economia assemelhava-se aos movimentos cardíacos de sístoles e diástoles, o que os tornava, portanto, inexoráveis com o passar do tempo. 
A nova lei para exploração de petróleo e gás natural nas áreas estratégicas e do pré-sal representa uma reorientação na flexibilização do monopólio daquela atividade econômica iniciada pela aprovação da Emenda Constitucional 9/95 e implementada pela Lei do Petróleo (9.478/97). É descartado, com sua sanção, o regime das concessões. Adota-se o contrato de partilha de produção para assegurar à União o produto da lavra. A reflexão não encerra crítica, mas a constatação de que a presença preponderante do Estado no novo marco regulatório se caracteriza menos por ruptura do que por resgate de uma tendência "inexorável" na solução encontrada pelo legislador. 

Tradição intervencionista. Um olhar para o passado revela que a nova legislação segue a tradição intervencionista iniciada com a edição do decreto-lei nº 395/38, responsável pela criação do Conselho Nacional do Petróleo e que declarou de utilidade pública importação, exportação, refino, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados. O decreto-lei seguia tendência da época, que considerava o petróleo a principal fonte de energia para o transporte, especialmente aéreo e rodoviário, indispensável, portanto, à defesa militar e econômica. 
Nos anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial, em razão da escassez de petróleo no mundo, houve a exacerbação das disputas entre as grandes companhias e os governos dos países produtores, que ensaiavam os primeiros passos para atuar em conjunto. O governo Vargas, sob a égide da Constituição de 1946, deflagrou a campanha nacionalista do "Petróleo é Nosso", respaldada pela população brasileira e que resultou na promulgação da Lei 2004/53. Foi ela que criou a Petrobrás e declarou constituírem monopólio da União a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros, além de refino do petróleo nacional ou estrangeiro, transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país.
A Petrobrás organizou-se sob o manto protetor dessa lei monopolista e cresceu em busca da autossuficiência, consolidando-se como grande empresa durante o governo Geisel. Vivia-se o auge do Estado intervencionista, com o florescimento dos grandes sistemas estatais organizados sob a forma capitalista das "holdings" e suas subsidiárias.
Na última década do século passado, a Petrobrás e suas subsidiárias caminhavam a passos largos para a autossuficiência quando o governo brasileiro identificou como principais metas a derrota da inflação e a busca da estabilização monetária, o que levou à redução dos investimentos em infraestrutura, inclusive petróleo.
Naquele contexto, fez-se necessário dotar o país de mecanismos legais ágeis e flexíveis para obtenção do concurso de capitais nacionais e internacionais com vistas a incrementar a produção interna de petróleo e gás natural, com a retomada das atividades de pesquisa, lavra e desenvolvimento de campos já descobertos pela Petrobrás. Para atingir tais objetivos, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional acima aludida que, flexibilizando o monopólio estatal, permitiu a adoção do regime das concessões entre nós.
A política obteve êxito. O setor de petróleo experimentou formidável desenvolvimento ao longo do governo Fernando Henrique, com destaque para a Petrobrás. A indiscutível competência da companhia ambientou-se com facilidade ao processo de competição com outras petroleiras e propiciou avanços significativos em todos os campos de atuação.

Pré-sal. A almejada produção de 2 milhões de barris/dia foi alcançada no governo do então presidente Lula. E já no segundo mandato do ex-presidente, em julho de 2007, a Petrobrás comunicou a conclusão da análise dos testes de formação do segundo poço na área denominada Tupi (hoje Lula). 
Adicionalmente, realizou avaliação do potencial petrolífero da sequência geológica denominada pré-sal e concluiu que os volumes recuperáveis estimados de óleo e gás tinham potencial para colocar o Brasil entre os principais produtores mundiais de petróleo e gás natural. Diante dessa realidade, que apontava para o crescente interesse do mercado de petróleo em direção ao Brasil, o Congresso Nacional, valendo-se do monopólio de escolha de que a União é detentora, aprovou o novo marco regulatório do petróleo e gás natural para as áreas estratégicas e do pré-sal com forte presença estatal. 
Atualmente, duas leis disciplinam a exploração do petróleo no País, sendo que o regime das concessões foi mantido para áreas não estratégicas e fora do pré-sal. Já para as áreas estratégicas e do pré-sal, o regime é o de partilha de produção (já que nelas se constata significativa diminuição do risco exploratório e aumento da recompensa). 
A nova lei registra precedentes em legislações de outros países produtores e segue orientação consistente com a história da exploração do petróleo no Brasil ao colocar a Petrobrás no centro do processo produtivo. A ideia é que a companhia imprima à exploração de jazidas ritmo compatível com o equilíbrio das contas públicas e o desenvolvimento do parque industrial. Tudo muito coerente com os movimentos de sístole e diástole antevistos há quatro décadas.

CONSULTOR DE PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS DO VIEIRA, REZENDE, BARBOSA E GUERREIRO ADVOGADOS

COM ARES DE VENCEDOR - REVISTA VEJA

Com ares de vencedor
ANA CLAÚDIA FONSECA
Revista Veja 

Com armas mais modernas, mercenários experientes e bem pagos, dinheiro e a indecisão das potências ocidentais, Muamar Kadafi vira o jogo na Líbia e corta a iniciativa dos rebeldes

O diretor de inteligência nacional dos Estados Unidos, James Clapper, informou ao Senado americano na quinta-feira passada que seria perda de vidas, tempo e dinheiro tentar impor uma zona de exclusão aérea na Líbia como meio de apressar a queda do regime de Muamar Kadafi. Isso porque a força do ditador não está nos aviões, mas nos helicópteros que passariam despercebidos pelos radares e na lealdade total de três modernas e bem equipadas brigadas de infantaria blindada. A avaliação de Clapper foi inequívoca: “Os rebeldes líbios estão em um beco sem saída. A longo prazo, o regime de Kadafi prevalecerá”. Embora a reputação de aceno da inteligência americana não seja lá essas coisas, os fatos confirmam as afirmações.

Há duas semanas no controle do leste do país, os rebeldes chegaram a remar uma marcha sobre a capital, Trípoli, mas foram rechaçados a 30 quilômetros da cidade pelas forças de Kadafi. Depois desse fracasso, eles só perderam terreno. A bandeira verde, símbolo do regime do coronel Kadafi, foi hasteada nos prédios da cidade petrolífera de Zawiya. Os insurretos foram expulsos também de outras cidades. Na sexta-feira, as tropas de Kadafi avançaram sobre Ras Lanuf, a 615 quilômetros de Trípoli. A região é vital porque abriga um terminal de petróleo e poderia servir de base de lançamento de ataques contra Benghazi, a cidade no extremo leste da Líbia onde se originou a rebelião. “Tenho apenas duas palavras para nossos irmãos e irmãs do leste: estamos chegando”, ameaçou Seif al Islam, filho do ditador líbio e seu provável herdeiro.

A luta é desigual. Os rebeldes contam com a adesão de cerca de 6000 desertores do efetivo de 50000 regulares do Exército líbio. E quem são eles? São professores, estudantes e comerciantes com pouca ou nenhuma experiência de combate, unidos pela desilusão com o regime e recrutados por líderes religiosos muçulmanos e por antigos aliados de Kadafi que agora se apresentam como líderes de um governo de transição que, muito provavelmente, não tem futuro. Na semana passada, um deles, Muscafa Abdel Jalil, foi recebido por altos dirigentes franceses e obteve de Paris o reconhecimento de seu status como força de oposição legítima. Pode ter sido tarde demais. Com exceção do francês Nicolas Sarkozy, os chefes de estado europeus que se reuniram na semana passada para tratar do problema líbio não se entenderam quanto à forma de ajuda aos rebeldes. Os Estados Unidos também não estão dispostos a intervir militarmente no Oriente Médio, temerosos das repercussões negativas no mundo islâmico. Kadafi ficou certo de que não haverá a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e mais seguro ainda de que nenhuma nação estrangeira se oporá militarmente a seu movimento de retomada das áreas que haviam sido abandonadas por seus funcionários e, por causa disso, passaram a ser dominadas pelas forças rebeldes. Na semana passada, Kadafi revertou a maré da guerra interna que lhe era desfavorável. Seu triunfo é iminente.

ELES VÃO SER COPIADOS - REVISTA VEJA

Eles vão ser copiados
MARCELO SAKATE
Revista Veja 

Genéricos dos remédios líderes de vendas chegam ao mercado. Sem patentes, laboratórios terão menos recursos para aplicar em pesquisa

O fim do século passado foi saudado como uma era de ouro para a indústria farmacêutica. Avanços tecnológicos, ganhos de produtividade e lançamentos simultâneos de remédios em diferentes mercados foram fatores que ajudaram a elevar o status do setor como um dos mais rentáveis da economia. Surgiram substâncias para aplacar alguns dos males mais comuns do homem moderno, tanto físicos (como colesterol e hipertensão) como psíquicos (depressão, ansiedade e disfunção erétil). As farmácias foram tomadas por blockbusters, como o Lípitor, usado para o tratamento de colesterol alto, e o Viagra, para a disfunção erétil. A americana Pfizer, a fabricante das duas drogas, não tardou a ser alçada ao posto de maior grupo farmacêutico do mundo. Pouco mais de uma década depois, no entanto, os grandes laboratórios atravessam um momento muito distinto - e desafiador. Até 2012, uma dezena dos medicamentos mais vendidos do mundo deixará de ser protegida por patentes. Na prática, isso significa que• eles poderão ser produzidos como genéricos por outros fabricantes e comercializados a preços em média 70% menores.

O surgimento de cópias tão eficazes quanto os originais beneficiará milhões de pessoas ao redor do planeta. Mas é uma notícia que traz uma indagação. Sem os seus atuais best-sellers e nenhuma grande novidade para ocupar as prateleiras, como os laboratórios farmacêuticos sustentarão os bilhões de dólares gastos em pesquisas? Esse é o segundo setor que mais investe em desenvolvimento de produtos (foram 113 bilhões de dólares em 2009), atrás apenas de computação e eletrônicos. Estudos apontam que, passado um ano do fim da patente de um medicamento, os genéricos conquistam em média 65% de suas vendas. Essa fatia é ainda maior na medida em que o remédio original é mais caro. No caso de dez dos medicamentos mais vendidos nos Estados Unidos cujas patentes estão para expirar até 2012, a perda anual de receita dos laboratórios deve superar 17 bilhões de dólares. Assim como se beneficiou no passado, a Pfizer agora será uma das empresas mais afetadas. Apenas o Lípitor, campeão de vendas no mundo, faturou 10,7 bilhões de dólares no último ano, metade no mercado americano.

Os efeitos das perdas das patentes já se fizeram sentir. A Pfizer anunciou que vai reduzir em até 30% suas despesas com pesquisas nos próximos dois anos e fechar seu centro de desenvolvimento em Sandwich, no sul da Inglaterra, como parte da nova estratégia de reorientar seus esforços em inovação em outras áreas da medicina. Até que se chegue ao produto final, o processo para desenvolver um remédio leva de dez a quinze anos, entre testes em animais e seres humanos. Uma triagem que começa com até 10000 compostos químicos culmina com só uma substância ativa aprovada pelas agências reguladoras. A patente que assegura a exclusividade do remédio vale a partir do pedido de registro nas agências de propriedade intelectual, o que costuma acontecer logo no primeiro ano de desenvolvimento, e estende-se por vinte anos. Isso significa que a janela de comercialização antes da chegada do genérico dura de cinco a dez anos. Ao mesmo tempo, a indústria dos genéricos cresceu em todo o mundo, apertando ainda mais a margem dos grandes laboratórios. No Brasil, por exemplo, já estão disponíveis nas drogarias as versões genéricas do Lípitor e do Viagra.

A nova fronteira para as empresas farmacêuticas é a biotecnologia, com o desenvolvimento de medicamentos a partir de organismos vivos. São os chamados remédios biológicos. É para essa área que afluem os investimentos, e os grandes laboratórios gastam parte de seu caixa para adquirir empresas especializadas nesse ramo. Isso não quer dizer que a química pura será abandonada. Especialistas lembram que existe um amplo campo de doenças sem cura ou cujo tratamento pode ser desenvolvido, entre elas Parkinson, Alzheimer e câncer, além de moléstias tropicais, como a malária. Resume Jorge Raimundo, da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa no Brasil (Interfarma): “A inovação é a palavra-chave da indústria farmacêutica e vai guiá-la por muitos e muitos anos. É a descoberta de medicamentos que garante o valor das empresas”.

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Único para os outros
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/03/11

Imagine se o cozinheiro do restaurante onde você almoça não comesse ali por preferir ingredientes de primeira. Se o mecânico que conserta seu carro levasse o dele a outra oficina, mais confiável. Ou se o gerente da sua conta aplicasse o próprio dinheiro em outro banco, onde é mais bem atendido. O que você faria?

Pois quem administra o sistema público de saúde prefere ter um plano complementar para receber atendimento, provavelmente melhor, em hospitais e clínicas particulares. É um direito deles, inalienável.

O único senão é que você também paga para que funcionários do Ministério da Saúde tenham um sistema de assistência médica particular, que lhes permite serem tratados em instalações mais bem equipadas, com menos filas do que as públicas.

Apenas em 2010, o Ministério da Saúde desembolsou R$ 99,3 milhões em pagamentos à GEAP Fundação de Seguridade Social, a título de "assistência médica aos servidores, empregados e seus dependentes".

Supondo-se que os serviços médicos, hospitalares, odontológicos e laboratoriais tenham sido prestados a todos os servidores do ministério, a fatura ficou em R$ 1.885 por cabeça.

O Piso de Atenção Básica à saúde, um dos pilares financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS), usa como referência o mesmo valor de despesas por habitante desde 1996: R$ 10. Proporcionalmente, os gastos com a GEAP são 188 vezes maiores.

Fundada em 1945, a GEAP é uma operadora de saúde sem fins de lucro. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a entidade funciona na base da "autogestão multipatrocinada".

Multipatrocinada de fato. Os funcionários da saúde não são os únicos beneficiados pela benemerência governamental com o seu, o meu, o nosso.

Nada menos do que 49 órgãos federais - de universidades ao Ministério do Esporte, passando pela Presidência da República e até um hospital universitário - fizeram pagamentos à GEAP pela prestação de serviços a seus servidores em 2010.

Somando tudo, o governo federal desembolsou R$ 223 milhões para pagar por serviços privados de saúde a funcionários públicos federais via GEAP. Isso apenas no ano passado.

Entre 2004 e 2010, a GEAP recebeu a bagatela de R$ 1,8 bilhão dos cofres federais. Foi a segunda entidade sem fins lucrativos que mais recebeu dinheiro público nesse período.

Enquanto o governo tenta cortar gastos e equilibrar as contas, é de se imaginar o que os dirigentes das instituições federais que gastam com a GEAP fariam com centenas de milhões de reais a mais em seus orçamentos. Talvez nem precisassem penalizar a imensa maioria da população cortando outros programas.

É um privilégio ter um plano médico particular em um país onde a saúde é historicamente o setor mais mal avaliado do serviço público. Mas o governo pagar para que quem toca o SUS não use o SUS melhora ou piora o serviço?

Há mais de uma década o Tribunal de Contas da União questiona a legalidade dos contratos entre a GEAP e o governo, sem muito sucesso. Em 2010, o Ministério Público solicitou que os órgãos públicos federais sustassem os pagamentos à fundação.

O imbróglio jurídico se deve à concorrência, supostamente desleal, com outros planos de saúde. Lei de licitações à parte, a novela GEAP x TCU lembra mais uma disputa comercial do que de princípios.

Há uma questão anterior, mais importante: a cultura dos privilégios a poucos com dinheiro de todos. Se há um sistema teoricamente único e público de saúde, por que a União dispersa seus recursos pagando por serviços privados concorrentes? É único só para os outros?

Quando a elite funcional, econômica ou política deixa de usar um serviço público ele só tende a piorar. É assim com a educação, com o transporte e com a saúde.

Se o governo investisse esse dinheiro na rede pública, talvez mais hospitais fossem tão bons quanto o Sarah Kubitschek de Brasília. A Associação das Pioneiras Sociais, gestora da rede Sarah, é a entidade sem fins lucrativos que mais recebe verba federal: R$ 3,4 bilhões desde 2004. Seu serviço é público, gratuito e auditado pelo TCU.

GOSTOSA

CRISTIANE JUNGBLUT E MARTHA BECK

Três atos na Previdência
CRISTIANE JUNGBLUT  E MARTHA BECK
O Globo - 14/03/2011

Governo quer mexer em regime de servidores, benefícios como pensão por morte e fator previdenciário

A histórica barreira à realização de uma ampla reforma da Previdência - que toque em pontos sagrados como fixação de uma idade mínima para aposentadoria - levou o governo a optar por mudanças mais específicas. A estratégia é a mesma que se quer adotar na reforma tributária: trabalhar para minimizar problemas. No caso previdenciário, a equipe econômica quer mudar regras que hoje pesam sobre as contas públicas. O governo terá três focos de atuação: o regime de previdência complementar dos servidores públicos, benefícios como pensão por morte e o fator previdenciário.

Em termos políticos, a questão da previdência complementar enfrenta resistência de partidos ligados ao sindicalismo, a começar pelo PT. No Congresso, o tema do fim do fator previdenciário é explosivo. O auge da polêmica foi quando o Congresso aprovou, no texto de uma medida provisória, o fim do fator previdenciário. Diante do susto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a medida.

No caso do regime dos servidores públicos, o governo quer aprovar projeto que cria o fundo de previdência complementar da categoria. A proposta foi enviada ao Congresso em 2007 e engavetada por pressões da própria base aliada, em especial PT e PCdoB. A intenção é negociar com o Congresso a aprovação da medida o mais rapidamente possível.

Somente no ano passado, a União desembolsou R$51,3 bilhões para garantir a aposentadoria de apenas 949.848 servidores públicos. O quadro é discrepante em relação ao regime do INSS, que paga aposentadorias para 24 milhões de pessoas e tem um gasto anual de R$42,8 bilhões.

Teto para servidores seria de R$3,6 mil

O projeto prevê que o fundo será apenas para novos servidores federais e terá alíquota máxima de contribuição de 7,5%, acompanhando tendência do mercado de fundos de pensão. O tema é polêmico inclusive no governo, porque só teria resultado em até 30 anos. Se o fundo dos servidores públicos entrasse em vigor, o teto para aposentadoria seria o mesmo do INSS, R$3.689,66. Para receber mais seria necessário contribuir para o fundo.

- Você tem hoje no Brasil servidores públicos se aposentando com salário integral elevadíssimo e gente pondo a culpa dos problemas da previdência em pessoas que ganham um salário mínimo - diz o economista da consultoria Tendências Felipe Salto.

Já os benefícios de pensão por morte, segundo técnicos do governo, precisam mudar porque as regras dão margem a distorções. Um exemplo clássico é o de um trabalhador mais velho que se casa com uma jovem. Se ele falecer logo após o casamento, ela terá o direito de receber não apenas sua aposentadoria, mas uma pensão vitalícia por morte no mesmo valor.

- No Brasil, não existe qualquer restrição para o cônjuge. Em caso de morte, ele tem direito a uma pensão vitalícia independentemente da idade. Já os filhos recebem o benefício até os 21 anos - afirma o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano.

Idade mínima para cônjuge ter pensão

Segundo o especialista, nos Estados Unidos, por exemplo, cônjuges com menos de 60 anos não têm direito a receber pensão por morte. Existem apenas algumas exceções para o caso dos casais com filhos. Caetano defende a fixação de uma idade mínima para o cônjuge receber o benefício ou a limitação do tempo para o pagamento.

No caso do fator previdenciário, o governo quer manter o mecanismo. Ele foi criado para ser usado no cálculo do benefício do regime privado de aposentadoria, que considera o valor das contribuições, idade e expectativa de vida, atuando como espécie de redutor. A ideia é incentivar o trabalhador a ficar mais tempo no mercado para elevar aposentadoria. O fator, criado em 1999, trouxe economia de R$10 bilhões aos cofres públicos até 2009.

- O fator confere maior equilíbrio ao fluxo de caixa do sistema previdenciário, na medida que o segurado que se aposenta precocemente recebe, em contrapartida, menor aposentadoria - afirma a especialista em previdência e consultora Meiriane Nunes Amaro.

Dentro do governo, há técnicos que acreditam que o mecanismo já não surte o efeito esperado. Por isso, no governo Lula se incentivou a proposta do "fator do B", a chamada "Fórmula 95": a soma da idade e do tempo de contribuição deve chegar a 95 anos, no caso de homens, e 85 anos, mulheres, para a aposentadoria integral.

Relator de projeto sobre o fim do fator, o deputado Pepe Vargas (PT-RS) defende a aprovação da "Fórmula 95" e diz que a adoção simples de uma idade mínima seria um desastre para o trabalhador mais pobre:

- Adotar idade mínima é pior, é transpor a Europa para o Brasil.

A oposição cobra dos governistas um posicionamento, já que nem o PT costuma apoiar os técnicos.

- O PT precisa se manifestar antes sobre esses pontos. É uma incongruência total: a área econômica diz uma coisa e a política, outra - disse o líder do DEM na Câmara, ACM Neto.

- O governo terá que oferecer medidas amargas - acrescentou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias.

ANCELMO GÓIS

Leão se recupera
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 14/03/11

A Metro Goldwin Mayer acaba de sair de um processo de Chapter 11 (uma espécie de concordata). Com isso foi retomado o projeto
de fazer um remake do filme “RoboCop”, sob a direção do brasileiro José Padilha. Desta vez o policial de lata sofrerá uma crise de consciência com o passado. 

GoisLeaks
A Azul que se cuide. Na Rádio Corredor é dado como certa a entrada da TAM no capital da TRIP, a maior empresa regional de aviação brasileira, com mais de 80 destinos. Já A americana SkyWest Inc. deve, aos poucos, deixar o capital da TRIP.

O poeta e a floresta
O produtor Luiz Carlos Barreto prepara o documentário “O poeta, a floresta e o rio” sobre Thiago de Mello, 84 anos, que nasceu no Amazonas.

A terra treme 
O Canal Fox exibiu sábado, às 22h,“O dia depois de amanhã”. O filme de ficção americano é apocalíptico. Retrata desastres ambientais, um resultado do aquecimento global. Qualquer semelhança com o que ocorreu no Japão é mera coincidência. Ou não? 

No mais
 
Para 92% dos internautas ouvidos pelo DataGois no site da coluna, sem o apoio do bicho, a Beija-Flor não conseguiria ser a campeã do carnaval. Há controvérsia.

Obama no Fla
Os cinco helicópteros de Obama que estão vindo para o Rio de porta-aviões causaram um problema operacional. São enormes
e não têm onde pousar. Não cabem, por exemplo, no heliponto da Lagoa. A ideia é que usem o campo do Flamengo.

Coisa de Jesus
Christian Audigier, o estilista francês que assinou a camisa do Camarote da Brahma, diz que levou um cano de... Jesus Luz, ex de Madonna. O modelo brasileiro tinha acertado um cachê de R$ 50 mil com o estilista para o lançamento de sua nova coleção, que seria fotografada no Brasil. Mas, na véspera, Jesus ligou e disse que não poderia fazer o trabalho.

No que...

O novo modelo escolhido para a campanha é Caio Vaz. 

Duas rodas 
Veja como o Brasil é o país dos... motoboys. Surgiu na internet, lançado na semana do carnaval, o portal Clube do Motoboy (), onde a turma das duas rodas tem notícias do tempo nas cidades, preços dos combustíveis nos postos etc., e potenciais clientes podem contratar serviços de entrega.

Silêncio pelo Japão

Sábado, na Fundição Progresso, a plateia do Monobloco fez, a pedido de Pedro Luiz, um momento de silêncio em nome das vítimas da tragédia no Japão. Os 4.500 presentes aderiram à ação e balançaram as mãos para mandar boas vibrações.

Sala das Neves

Wilson das Neves, 75 anos, baluarte do Império Serrano e baterista de Chico, terá homenagem, sábado que vem, na inauguração
de uma sala de música com seu nome, no Colégio Paranapuã, Ilha do Governador, Rio. Merece.

À la Mike Tyson
Simone Rodrigues, que foi casada com Ibrahim Sued, o grande colunista, foi assaltada na esquina das ruas Farme de Amoedo
e Prudente de Moraes, no Rio, semana passada, e, de cara, o ladrão arrancou seu cordão. Mas quando foi tirar o relógio Bvlgari italiano, coisa de R$ 40 mil, Simone mordeu (nhac!) a mão do gatuno, que fugiu.

Economia solidária

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário de Eduardo Paes fechou parceria com o Banco do Brasil para dar microcrédito com juros miúdos (0,95%) a empreendedores das favelas de Manguinhos, Alemão, Dona Marta e Cidade de Deus.
Os empréstimos vão variar de R$ 200 a R$ 5.000, com prazo de pagamento de até dois anos.

Thomas Jefferson

O Ciep municipal Thomas Jefferson, Realengo, invadido várias vezes, precisa de reformas. Há banheiros quebrados, uma árvore nasceu em cima da quadra esportiva e, nos fins de semana, cavalos pastam no local.

MARCO ANTONIO ROCHA

Só indiretamente dá para perceber os ''lides''
MARCO ANTONIO ROCHA
O Estado de S. Paulo - 14/03/2011

A nossa presidente continua não dando lide. Para a imprensa.


Já falamos disso em artigo anterior. Mas, de lá para cá, acompanhando alguns fatos do novo governo, foi possível perceber que, se ela não dá lide para fora do governo, para a imprensa em geral, certamente tem dado lide para dentro do governo.

Em outras palavras, o que ela tem dito, e provavelmente exigido, a portas fechadas, nos gabinetes de reunião, transparece indiretamente em palavras de auxiliares seus ou em documentos oficiais ou, ainda, em novas atitudes de pessoas que já atuavam no período Lula.

A mais recente indicação de que a fala de S. Exca. é mais afirmativa para dentro do governo do que para fora pôde ser avaliada pelo texto da ata da reunião do Comitê da Política Monetária (Copom), possivelmente o último lugar onde alguém iria procurar indícios do que pensa e do que se propõe d. Dilma.

Podemos estar redondamente enganados, mas nesse texto encontramos sinais de uma preocupação de governança séria que vai além do habitual tema central do Copom, que é a elevação ou diminuição da taxa básica de juros, a Selic.

Ali está escrito, no item 31 - que muita gente já comentou -, que "a eventual introdução de ações macroprudenciais (sic) pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada".

Deixando de lado o desejo de comentar o calamitoso, embora crescentemente usado, neologismo - um desrespeito até mesmo à estética vernacular -, notemos que o mercado financeiro reagiu à frase derrubando fortemente os contratos de juros futuros, na BM&F, conforme apontou o jornal Valor. Quem apostava na elevação dos juros perdeu dinheiro e ficou óbvio que o mercado, com o seu habitual imediatismo, interpretou a frase achando simplesmente que a sequência de altas da Selic vai ser interrompida ou até substituída por uma fase de baixas.

Pode ser.

Mas uma outra leitura é possível também.

Quais vinham sendo os fatores que levaram o Copom a ingressar na fase de elevação da Selic nas última reuniões?

Basicamente, a gastança e o relaxamento fiscal do final do período Lula, sob o pretexto de eleger Dilma, mas que resultaram no impulso inflacionário que estamos tendo no momento, com repórteres das TVs empunhando seus microfones nas gôndolas de supermercados para falar dos aumentos de preços dos mais variados produtos, depois que se noticiou o papel importante dos alimentos em geral na formação dos atuais índices de inflação.

Ora, o Banco Central e o Copom reagiram como de hábito, usando a Selic como amortecedora das pressões inflacionárias: se os juros sobem, os consumidores fazem menor uso do crédito, compram menos, a demanda geral se ajusta para baixo, a indústria e o comércio ficam com menos espaço para elevar preços e, no devido tempo, o ímpeto inflacionário se amaina.

Essa receita fez parte do período recente. Mas há uma outra ferramenta para colocar um freio na inflação, que muitos economistas apontavam - o ajuste fiscal, isso é, o corte de gastos do governo - sem que a equipe de Lula tivesse possibilidade de prestar atenção, uma vez que o então presidente não admitia falar disso na disputa eleitoral. E havia ainda a hipótese de se moderar a política de melhoria da renda da população em geral, para encolher o visível descompasso em relação à melhoria da produtividade. Outro assunto detestável para o ex-presidente.

De modo que a frase famosa da Ata indica também que medidas de natureza fiscal e de natureza anticíclica, no que se refere à renda, podem sobrevir. E indica, sobretudo, que a presidente não as descartará caso necessárias. A Ata não as mencionaria, se previsse seu veto ou soubesse que seriam vetadas. O Copom deve ter auscultado Dilma. Havendo sinal verde para políticas fiscal e de rendas mais ajustadas, a política monetária pode ser mais dovish, como disseram alguns financistas, sempre ligados na gangorra imediatista dos juros e imitando o linguajar debiloide de Wall Street. Parece claro que a estratégia do conjunto da política econômica vai se aproximando mais do que recomenda o manual, do que do voluntarismo da chefia. O texto das atas do passado recente era cheio de salamaleques para não pisar nos calos de quem nunca antes na história deste país tinha feito tantos milagres.

Mas houve outros episódios reveladores de uma fala diferenciada da chefia para dentro do governo. Por exemplo, o da representação brasileira na sede da ONU em Genebra, ao receber a exilada iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003. Na ocasião, a embaixadora do Brasil, Maria Nazareth, disse que o Brasil "apoiava" a posição de Ebadi - para consternação, por certo, do "amigo" do Lula, Ahmadinejad, cujo chanceler, Ali Akbar Salehi, não se furtou de queixar-se, ao Estado, de que seu governo se sentirá "decepcionado" se o Brasil mudar de posição em relação ao Irã. O que - tudo indica - já aconteceu, pois, antes, um dos poucos lides que Dilma dera para a imprensa fora sobre sua oposição ao tratamento que o Irã dispensa às mulheres.

Enfim, não dá mais para ignorar os sinais de que a criatura difere em boa medida do seu esforçado criador.

GOSTOSA

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Tolerância com a inflação
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S.Paulo - 14/03/11

O Banco Central (BC), conforme a Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada na semana passada, escolheu o cenário mais otimista. Mas há aqui uma questão. Terá o BC sido convencido pelos números ou teria antes decidido ser otimista e, a partir daí, escolhido os números que coubessem?

Uma dúvida razoável. Tem implicações políticas. Ser otimista, no caso, e bem resumido, significa acreditar que a inflação vai cair sem a necessidade de uma alta mais forte da taxa básica de juros e sem um corte de gastos mais expressivo do governo. Segurar juros e ter espaço para gastar - eis algo que interessa a qualquer governo, muito especialmente ao de Dilma Rousseff.

O que leva a uma segunda questão: estaria o BC de Alexandre Tombini, seu presidente, mais alinhado com a política do governo, a ponto de sacrificar sua autonomia operacional?

O precedente recente do BC é negativo. Em junho do ano passado, quando a campanha presidencial esquentava, o BC interrompeu abruptamente um processo de alta de juros que havia sido anunciado e antecipado por seus próprios documentos.

Na ocasião, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, alinhou uma série de dados para sustentar a tese de que a economia brasileira já estava em forte desaceleração e que isso logo levaria à queda da inflação - sem a necessidade de mais altas na taxa básica de juros.

Nasceu daí um bom debate. Poucos, pelo menos em público, levantaram a hipótese de que a atitude do BC havia sido eleitoral - não elevar a taxa básica num momento em que o candidato da oposição, José Serra, tinha no ataque aos juros um dos motes de sua campanha. Dado o excelente retrospecto de Meirelles, a maioria dos analistas procurou o debate técnico.

(Abertura: este colunista levantou a hipótese eleitoral em dois artigos, aqui neste espaço, em 26/7/10 e 2/8/10. Podem ser lidos em www.sardenberg.com.br, no item Política Econômica.)

Algumas consultorias e departamentos econômicos de bancos se alinharam inteiramente com o BC. Uma delas escreveu, em 10/8/10: "Qualquer que seja a decisão do Copom em 1/9/10 - derradeiro aumento da Selic ou nada -, avaliamos que a chance de a conjuntura vir a demandar outra rodada de ajuste significativo na política monetária em 2011 claramente não prepondera. Há vários fatores - como os efeitos defasados do aperto monetário; o efeito contracionista, na margem, da política fiscal; e o reajuste real baixo que se prevê para o salário mínimo em 2011 - que sugerem ser reduzido o risco de a atividade econômica vir a se reaquecer a ponto de colocar em risco o controle da inflação".

Naquela reunião citada, o Copom aumentou os juros em meio ponto porcentual, para 10,75% ao ano, e indicou que o ciclo de alta estava encerrado. Até julho, acreditava-se, inclusive no próprio BC, que a taxa precisaria subir a 12% para conter o surto inflacionário.

O que aconteceu? A economia brasileira de fato estava desacelerando, mas um caminhão de outros fatores indicava que o aquecimento do consumo continuava forte - como a farra de gastos do governo e de concessão de crédito via bancos públicos - e que a inflação se espalhava, não sendo "apenas" uma circunstância ocasional dos preços exagerados de alimentos.

Ou seja, a visão do BC e de seus aliados, depois de junho, estava equivocada. Era torcida. Estava certa a visão vigente anteriormente, que alertava para o grave descompasso entre consumo maior e produção menor. A inflação fechou 2010 na casa - elevada - dos 6%, continua rodando nesse ritmo e, só pelo embalo, deve subir ainda mais, podendo ultrapassar o teto da margem de tolerância, que é de 6,5% (a meta central é de 4,5%).

Em dezembro, esse mesmo BC, ante a inflação escancaradamente em alta e disseminada, disse que os juros precisariam subir de novo - o que começou a ser feito na primeira reunião do Copom da era Dilma, em janeiro último.

Depois de duas altas, a taxa básica está em 11,75%. E a situação se repete. No mercado, o consenso indica que essa taxa deveria subir para 12,5%, de modo a trazer a inflação para perto da meta só em 2012. E isso se o governo de fato contiver os seus gastos e reduzir os repasses a bancos oficiais, especialmente o BNDES. Ou seja, um cenário com muitas dúvidas.

Pois o que diz agora o BC? Que, de fato, a inflação vai ficar alta na maior parte deste ano, na casa dos 6%, mas que começa a cair no último trimestre, segue caindo em 2012, chegando na meta (os 4,5%, anualizados) apenas no finalzinho desse próximo ano. Isso sem precisar do aperto maior nos juros e confiando que o corte de gastos já anunciado e o ajuste comedido do salário mínimo são suficientes para barrar a "farra fiscal".

Não é mesmo uma argumentação parecida com a de julho passado? É bem otimista por isso. Acredita que o melhor vai acontecer assim, na manha. Mas hoje é maior a possibilidade de que o governo não cumpra a meta de corte de gastos e que continue estimulando os empréstimos dos bancos públicos. E já está contratado um aumento de 14% para o mínimo em janeiro do ano que vem.

Tudo considerado, o BC está nos dizendo que podemos conviver com dois anos seguidos de inflação a 6% (ou mais) e isso numa economia ainda com muita indexação formal e informal.

Está prevalecendo a tese Mantega: um pouco de inflação não faz mal; vamos crescer, que tudo se ajeita no final. Como em julho do ano passado. E se você é assalariado, anote: qualquer reajuste menor que 6% é perda de dinheiro, inclusive na Tabela do Imposto de Renda.

GABRIEL WEDY

Justiça para quem precisa de saúde
GABRIEL WEDY
O Estado de S.Paulo - 14/03/11

Centenas de ações se avolumam todos os dias na Justiça Federal questionando a inaplicabilidade ou uso não adequado das regras estabelecidas para o tratamento de pacientes portadores de doenças graves e raras; fornecimento de medicamentos de forma gratuita; ortotanásia (morte natural de um paciente terminal em que os médicos deixam de ministrar remédios que prolongam sua sobrevida); disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no privado; e cobrança abusiva cometida por operadoras de planos de saúde e de seguros.

Não é de hoje que o Poder Judiciário se tornou refúgio dos que buscam remédios ou algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando os hospitais e postos de saúde fecham suas portas, é na Justiça que os pacientes buscam socorro. Hoje tramitam mais de 112 mil ações desse tipo em 20 dos 91 tribunais brasileiros.

A premissa inaugurada na Constituição de 1988 de que a saúde é um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado invadiu o Poder Judiciário e consolidou a chamada "judicialização da saúde". Assim, a atuação judicial ganhou espaço diante da inexistência de políticas públicas ou da insuficiência em atender minimamente às demandas sociais.

Esse fenômeno teve início no começo da década de 1990, quando pacientes soropositivos, à procura de medicamentos antirretrovirais para combater o avanço do vírus HIV, recorreram à Justiça. Rapidamente a iniciativa se popularizou, quando inúmeras liminares foram concedidas pelo Poder Judiciário e passaram a obrigar o Estado a fornecer gratuitamente drogas de alto custo que não constavam da lista do SUS.

Embora novas leis tenham surgido nos últimos 20 anos para garantir a efetivação de políticas públicas de saúde, o volume de ações judiciais só fez crescer exponencialmente, exigindo decisões dos juízes que atendam sempre à garantia constitucional da duração razoável do processo. Esse fenômeno proliferou a ideia da "judicialização da saúde".

Recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que os Tribunais Regionais Federais, que tratam das questões em grau de recurso, têm recebido um número cada vez maior de demandas sobre saúde. Dados preliminares do CNJ revelam a existência de mais de 20 mil ações tramitando apenas na segunda instância da Justiça Federal. Segundo o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão - em discurso proferido no 1.º Fórum Nacional de Saúde, realizado em novembro do ano passado -, entre 2003 e 2009, houve 5.323 ações judiciais ajuizadas contra a União, em todo o País, somente para questionar a aquisição de remédios e procedimentos médico-hospitalares sonegados administrativamente.

É imprescindível, portanto, que o Poder Executivo faça a sua parte para evitar essa avalanche de ações no Poder Judiciário e, de outra banda, cumpra, de forma expedita e precisa, decisões judiciais que salvam a vida de milhares de cidadãos brasileiros todos os anos. Decisões judiciais, diga-se, respaldadas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional de regência.

Não se podem aceitar, passivamente, números como os divulgados pelo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de dezembro de 2010, em que se afirma que 100 milhões de pessoas no mundo, todos os anos, vão à falência (isso mesmo!) porque precisam financiar tratamentos privados de saúde e cerca de 1 bilhão não tem condições de arcar com gastos relativos à saúde.

No Brasil, há 21 anos o SUS oferece assistência gratuita à população (Lei n.º 8.080/90), mas o descaso com a aplicabilidade da lei pelo Executivo, apesar dos esforços do Estado-juiz com suas decisões, é uma constante. Um juiz, naturalmente, num processo desse estilo, procura sempre tutelar algo cuja perda é irreparável: o direito fundamental à vida do ser humano, previsto expressamente no artigo 5.º da Constituição Federal. Em casos de internação em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), a diferença entre viver e morrer se mede em minutos. E aí a Justiça não pode ser lenta e as decisões dos juízes precisam ser cumpridas pelo Poder Executivo e pelo SUS imediatamente, sem burocracia.

Em agosto do ano passado o CNJ, em exemplar decisão, arquivou reclamação disciplinar apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra uma juíza federal de Porto Alegre que, em março de 2009, determinou a prisão do procurador regional da União no Rio Grande do Sul por crime de desobediência. A ordem foi dada em razão do descumprimento da decisão em que a magistrada determinou a entrega, em 48 horas, do suplemento alimentar MSUD-2 a um bebê que corria risco de vida. A decisão só foi cumprida 48 dias depois da concessão da tutela antecipada, mais precisamente duas horas após a prisão da autoridade federal, que foi solta após concessão de liminar em habeas corpus. Obviamente, a juíza, em momento algum, como ficou evidenciado no julgamento do CNJ, teve a intenção de cometer qualquer afronta institucional ao advogado da União. Apenas, num juízo de ponderação de valores constitucionais, optou pela tutela do direito à vida do bebê no legítimo exercício do poder jurisdicional. Como bem disse o ex-corregedor nacional de Justiça ministro Gilson Dipp, em seu voto no plenário do CNJ, "a magistrada se viu na última fronteira entre as instituições públicas e o direito à vida".

É hora, portanto, de o governo, aproveitando o ensejo do anunciado Terceiro Pacto Republicano, propor medidas concretas e normativas voltadas a otimizar rotinas processuais e, em especial, administrativas, a fim de que se possa oferecer uma solução mais rápida aos cidadãos que pleiteiam seu direito à saúde. Pelo visto, lamentavelmente, o Poder Judiciário parece ser ainda o único remédio eficaz e ao alcance da sociedade para enfrentar certas disfunções ou insuficiências do Estado brasileiro.

JUIZ FEDERAL, É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES

COCA

LUIZ FELIPE PONDÉ

Vigília
LUIZ FELIPE PONDÉ 
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/03/11

Existe coisa mais brega do que querer amar a si mesmo? Buscar o amor próprio é totalmente inútil


VOCÊ TEM baixa autoestima? Se sua resposta for "não", provavelmente se enganou.
Por quê? Porque todo mundo tem baixa autoestima por razões óbvias: falta de grana, de afeto, de saúde. E corpo e alma são feitos de grana, afeto e saúde.
Esse tripé é a chave para os aproveitadores do sobrenatural "acertarem" com frequência suas consultas sobre o destino de suas vítimas.
Resumindo a dor humana, tudo cabe nesse tripé. Basta atirar numa dessas razões óbvias, seguindo alguns critérios de como o cliente se apresenta, que a chance de acertar é grande.
Quase sempre o cliente é mulher, dizem os especialistas. Os homens seriam mais céticos. Por quê? Porque, dizem, "almas femininas" são mais dadas a crenças ingênuas. Eu cá tenho minhas dúvidas sobre isso porque conheço mulheres que deixam qualquer assaltante de banco assustado pela frieza com a vida.
Se for jovem, menos chance de ser doença, a menos que seja na família (neste caso, a menina tem que ter uma carinha de madre Tereza de Calcutá, do contrário, o que é mais provável, é quase sempre amor, porque meninas só pensam em meninos, graças a Deus).
Se for mais velha, saúde pode ser uma boa pedida. Mas, se estiver mal vestida, grana pode ser a causa também. Quando falta grana, a saúde normalmente falta também. Ou faltará.
Mas divago. Voltemos à miséria da baixa autoestima.
O mercado da autoestima cresce com livros e treinamentos e conferências para motivação e assertividade. O efeito dura uns dois dias, dependendo do estado de espírito. Se a dor for muito grande, a dependência da autoajuda poderá se tornar um vício.
Eu, que sou um medieval em matéria de natureza humana (afora alguns trágicos modernos), confio mais nos antigos e medievais, justamente porque não temiam ver o ser humano como um miserável em termos de autoestima.
Como o pensamento moderno e contemporâneo é um pensamento "para um mundo melhor", só pode virar autoajuda.
Entre outros, adoro santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C.). Meus alunos, moçada de 18 ou 19 anos, da elite econômica, lêem santo Agostinho. Eles discutem pecado, graça, inferno, o Mal, Deus, mito de Adão e Eva e afins.
E sem qualquer um desses "recursos didáticos" inventados para o professor não ter que dar aula ou não ter que entender do assunto.
Quase toda a pedagogia "moderna" é blá-blá-blá. E grande parte dos problemas da sala de aula é fruto da baixa vocação dos professores e do fato de que grande parte dos estudantes não tem nenhuma vocação para aprender qualquer coisa além do que interessa para garantir um lugar no mercado de trabalho.
Inteligência sempre foi uma maldição de poucos e isso nada tem a ver com grana ou com você ser uma pessoa moralmente legal. A falta de grana apenas ajuda a esmagar você mais rápido, o que piora se você for uma pessoa mais sensível.
Baixa autoestima é a regra do mundo. Todo adulto sabe disso. No trabalho, no corpo, na alma. Mas ficou na moda dizer que todo mundo é "maravilhoso!".
Voltando a um dos meus santos favoritos, santo Agostinho. Segundo dizem, ele não era um cara fácil. É sempre assim com os santos: nunca são santinhos.
Entendia de ser humano. Sabia que no fundo da alma habita o medo da tristeza e do fracasso, inevitáveis quando se é mortal (em todos os sentidos do termo).
Ao contrário do que se diz, quando acreditamos nesse blá-blá-blá de "amar a si mesmo", afundamos na miséria da baixa autoestima, porque conhecemos no silêncio de nós mesmos as baixarias que compõem a substância de nossa alma. Dentro de cada um de nós habita um demônio em vigília.
"Autoestima" é um termo contemporâneo, mas cabe bem na reflexão agostiniana sobre a vaidade como prisão psicológica.
Existe coisa mais brega do que querer amar a si mesmo? Amar a si mesmo é vão.
Uma pérola de santo Agostinho para começar sua semana: se você quiser ser livre, ame. Isso aí: não é buscando ser amado que escapamos da miséria da baixa autoestima, mas amando. Qualquer egoísta pode ser amado.
Os melhores dias da minha vida são aqueles em que eu não lembro que existo.

GUSTAVO CERBASI

O melhor pode sair caro
GUSTAVO CERBASI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/03/11

Na hora de investir, a comparação sobre a rentabilidade não deve ser seu único critério de decisão


VOCÊ TEM pesquisado as melhores alternativas de investimento para multiplicar suas reservas financeiras? Já ouviu dizer que qualquer pessoa pode investir em ações ou ficar rica com imóveis, e que títulos de capitalização, previdência e caderneta de poupança são armadilhas oferecidas por seu gerente?
Cuidado: acreditar na opinião do primeiro especialista que você encontra pode lhe custar caro.
Quando um especialista faz comparações de custo e desempenho de diferentes produtos de investimento e sugere os mais eficientes, ele está sendo parcialmente correto em sua orientação. Realmente, os produtos mais complexos do mercado são melhores, desde que você saiba usá-los de forma adequada. Por exemplo, para aqueles que têm o valor de alguns meses de salário poupados, concordo que abrir conta em uma corretora e comprar ações sai mais barato do que investir através de fundos de ações ou planos de previdência compostos.
Porém, a comparação de resultados raramente vem acompanhada de explicações sobre como diversificar a carteira, como lidar com crises agudas e como organizar as informações para apurar corretamente o Imposto de Renda devido.
Se um incauto parte ingenuamente para as ações e não se informa adequadamente, corre o risco de perder muito dinheiro com a quebra de uma empresa, de vender desesperadamente com prejuízo em um momento não recomendável ou de não cumprir uma obrigação fiscal e ser multado por isso.
Também devemos levar em consideração o tempo perdido para estruturar uma boa carteira de investimentos, assim como o tempo perdido para avaliar, para negociar, para oficializar a compra de um imóvel -o mesmo vale para a venda.
A comparação de rentabilidade de investimentos não deve ser seu único critério de decisão. Avalie seu conhecimento sobre o assunto e seu tempo para administrar o investimento.
Se fizer isso, pode ser que você conclua que, por exemplo, pagar taxas de administração nos fundos é relativamente barato pelo serviço contratado, que inclui a diversificação de ativos, a condução de uma estratégia consistente, a gestão ativa que substitui ativos ruins por melhores e o recolhimento de tributos sobre lucros.
Muitos ainda perceberão que, mesmo tendo um bom serviço de gestão nos fundos oferecidos pelos bancos, não é fácil decidir quanto investir por mês, durante quanto tempo e como lidar com a inflação e com os benefícios tributários que podemos ter.
Para essas pessoas, não sairá caro perder um pouco da eficiência dos investimentos e pagar a taxa de carregamento de um plano de previdência privada. Essa é a taxa que remunera o serviço de orientação do corretor de seguros e previdência, que estuda nossas necessidades e modela o plano mais adequado para atendê-las.
Não quero convencê-lo, leitor, de que produtos mais caros são mais eficientes, nem desestimulá-lo a investir bem. Porém, aumente a complexidade de seus investimentos aos poucos. Se, com um produto simples e bem orientado você se sente mais seguro, ele será mais eficaz na busca de seu objetivo financeiro, mesmo que esse objetivo seja menor em comparação com o que seria possível alcançar com um produto que o deixe apavorado diante de qualquer alteração de humor do mercado.
Pouco importa se você quer investir em ações, em renda fixa ou em imóveis, caso ainda não tenha escolhido o tipo de serviço financeiro que quer contratar. Minha opinião é que os brasileiros enriquecerão nos próximos anos investindo em renda variável -principalmente em ações e em imóveis. Se você não se sente seguro em comprá-los diretamente, vá atrás dos fundos. Se quem o orienta não lhe apresenta uma estratégia convincente, prefira planos de previdência.
No atual estágio da educação financeira dos brasileiros, um caro plano de previdência privada ainda é a melhor solução para a maioria da população, desde que se faça uma boa pesquisa entre as diferentes ofertas desse tipo de produto.

GOSTOSA

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Tratado das artes em Maastricht
SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/03/11

Ben Janssens, organizador da feira de antiguidades TEFAF, falou à coluna

A cidade histórica de Maastricht na Holanda hospeda, entre os dias 17 a 27, uma das maiores feiras de arte e antiguidades do mundo: a The European Fine Art Fair. Ainda pouco conhecida no Brasil, a TEFAF atrai gente do mundo inteiro. É destino certo dos maiores galeristas, colecionadores, curadores e interessados no mercado de arte, por onde passam média de 70 mil visitantes interessados em conhecer os 30 mil m² de planta estabelecidos no Centro de Congressos e Exposições. Para se ter uma ideia, em 2010, 163 jatos particulares visitaram a feira, sendo 55 nos primeiros dois dias depois da abertura.

Entre os compradores confirmados este ano, destacam-se museus como o Louvre, Quai Branly, d''Orsai, Fondation Cartier pour l''Art Contemporain e Petit Palais de Paris. De Londres, marcam presença a Tate, British Museum, National Gallery, Victoria e Albert Museum. Direto de Nova York, vai gente do Metropolitan, Guggenheim, entre outros.

Presidida pelo holandês Ben Janssens desde 2007, a feira fatura alto. Os 260 galeristas arrecadam ali quase 40% de tudo que vendem durante o ano todo. Mas ninguém fala em números. Com a exceção do valor das obras asseguradas em US$ 2 bilhões.

Destaque deste ano? 

Um Rembrandt avaliado em US$ 47 milhões. Algum galerista brasileiro faz parte da feira? "Ainda não, mas pretendemos ter mais para frente, quando o setor de arte contemporânea crescer", contou à coluna o presidente da feira em conversa por telefone, semana passada. A TEFAF, por enquanto, busca é atrair colecionadores da America Latina.

O que acha da globalização no mundo das artes plásticas?

Tem suas vantagens e desvantagens. De um lado, as pessoas estão mais informadas sobre o que há no mundo, incluindo os negociadores. De outro, existe um sentimento de que tudo está muito igual. Nesse contexto, nosso evento procura se diferenciar da padronização.

Qual foi o impacto da crise em 2008 para o mercado das artes? 
Todo mundo sentiu. E o impacto maior se deu no mercado de arte moderna e contemporânea. Existe uma explicação para tanto. Havia mais especulação e investimento do que nos outros tipos de arte. Contudo, falando dos "after effects", senti menos no segmento top - o mesmo que a feira Maastricht trabalha. Como nossas peças são raras e muito procuradas, os negociadores desse segmento foram pouco atingidos.

Qual sua expectativa para os próximos anos?
Negocio muito arte chinesa, um mercado forte e crescente. Mas é claro que depois da crise, está tudo mais difícil. O mercado está mais seletivo. O que acaba sendo bom porque força galeristas a serem mais seletivos. Temos que trabalhar duro e isso não é ruim.

Você fez faculdade de Direito. Como se interessou por artes? 
Não cheguei a me formar. Ainda estudando, entrei em contato com galeristas e negociadores e acabei entrando neste mundo fascinante. Eu não era particularmente interessado em arte. E primeiro me apaixonei pela negociação. Só depois pela arte.

Que conselho daria a quem vai começar a colecionar?
Não se deve comprar de início. Não é bom comprar por impulso. E colecionar, como quase tudo na vida, é um oficio que se aprende. É melhor esperar, visitar feiras, museus, perguntar. Depois de um ano ou dois talvez o novo colecionador esteja pronto para comprar. Aí é preciso avaliar o orçamento e buscar comprar peças boas. No lugar de comprar cinco peças bacanas, optar por uma que seja excelente e mais rara.

É preciso ser visionário?
Acredito que sim. A maioria dos colecionadores torna-se acadêmica. Compra não por paixão, mas por valor de coleção. Não gosto disto. Prefiro gente como a maioria dos meus melhores clientes que, ao se deparar com uma obra boa com preço baixo, não a levam porque não gostam dela. E ponto. Tenho respeito por isso.

A maioria compra por investimento?

Não, por prazer. Mas gosta também de saber que é um investimento, tendo em mente que o maior ganho que você pode ter é olhar para aquela peça todos os dias. Não necessariamente tem retorno financeiro.

O que difere um marchand de um colecionador?
Muitos negociadores e galeristas são colecionadores. Eu sou. Por isso entendem a necessidade dos clientes. Mas defendo que um negociador não deve colecionar no campo de trabalho. Aí você compete com seu cliente.

Acredita que há espaço para o Brasil no mercado emergente de arte?
Há sim. Na nossa feira, no entanto, o setor de arte contemporânea ainda é pequeno. Não há como acomodar todos. Mas estamos dando passos na direção correta e de olho na arte brasileira. No futuro, adoraríamos ver mais galeristas do Brasil.

Nos últimos anos houve roubos graves em grandes museus. Fala-se muito sobre um mercado negro de arte. O que você acha?Sempre se falou sobre isto. Mas não há evidências até agora de que realmente exista. Por outro lado, sim, pinturas importantes são roubadas por dinheiro. É uma dificuldade que começa pelos museus, que precisam estar acessíveis a todos e, ao mesmo tempo, restringir o movimento para preservar as peças. É um equilíbrio delicado. Temos o mesmo problema na feira. Não queremos dificultar a entrada do visitante, mas prestamos muita atenção na segurança.

E qual é a diferença de uma peça rara e clássica e de um contemporânea? De um Renoir e um Damien Hirst, por exemplo?
Na arte contemporânea há um elemento da juventude, de moda, de época. O que, às vezes, pode virar coisa de aparências. A compra é feita para impressionar. Isso acontece menos nos campos da arte clássica.

É possível para uma pessoa comum, que não é colecionadora, comprar arte?
Há arte para todo mundo. Até na feira é possível comprar coisas acessíveis. O critério deve ser a qualidade.

Há museus que nascem de grandes colecionadores individuais, como o Masp no Brasil. Ainda há gente assim no mundo? Existe. Eu lido com clientes que colecionam há 20 anos e, de quando em quando, têm uma crise se perguntando "que eu vou fazer com tudo isso?". Aconselhamos, nessas horas, a abrirem suas coleções, fazerem doações. Como negociador é difícil me colocar. Porque isso é bom para os museus e para o público e não para a gente. (risos) O mais equilibrado é vender algumas peças revertendo a renda para museus investirem em educação.

Quem tem comprado mais?

Os chineses, seguindo a tendência global. Temos colecionadores do mundo inteiro, mas os chineses compram muito.

MARILIA NEUSTEIN E SONIA RACY

MELCHIADES FILHO

Porta de fábrica
MELCHIADES FILHO
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/03/11

BRASÍLIA - Dilma nunca teve forte ligação com os sindicatos, mesmo quando o então marido advogava para o setor. A presidente considera obsoleta a legislação trabalhista, reclama de "pelegos" acolhidos por Lula no governo e desdenha da pauta das centrais, a começar pela proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Por isso nem piscou ao mandar achatar o salário mínimo.
Mas daí a largar ao relento os sindicalistas? Nem a pau, Paulinho.
Num cenário de contração econômica, é impensável o Planalto permitir que as centrais se desgarrem. Até porque a oposição, em fase de reciclagem, cuida de cortejar os descontentes. Vide a foto de Aécio Neves com a Força Sindical, no auge da novela do mínimo.
Tampouco interessa a Dilma insinuar ruptura com o legado do "presidente dos trabalhadores". Em palavras e gestos, ela faz charme para as elites, mas não a ponto de alienar a maioria dos eleitores.
Há ainda outra razão para manter a Presidência próxima do movimento sindical: a disputa no PT.
O partido, que um dia esteve dividido em muitas correntes, hoje tem, de fato, apenas duas: os pró-Dilma "pragmáticos", que topam tudo pela "governabilidade", e os pró-Dilma "indóceis", que batem lata por uma agenda de esquerda.
Embora em declínio, os sindicalistas ainda têm peso (e dossiês) para definir qual lado sai vencedor.
A bancada ligada à CUT, por exemplo, emplacou o novo presidente da Câmara dos Deputados, o ex-metalúrgico Marco Maia -sindicalistas "pragmáticos" formaram aliança com a porção "indócil".
O mesmo se deu na eleição da CCJ, principal comissão da Casa. Ricardo Berzoini, ligado aos bancários, perdeu agora, mas garantiu o comando no ano eleitoral de 2012.
Dilma havia tirado sindicalistas de vários de seus espaços de atuação política (Previ, Banco do Brasil, Petros). Mas a tendência é de repactuação. Nomeações vêm aí.