O ESTADÃO - 12/04/12
Pelo que a gente começa a descobrir sobre esse tal de Dadá do esquema do Carlinhos Cachoeira, o cara só não parava no ar feito beija-flor e helicóptero para não ser confundido com o homônimo goleador de sobrenome Maravilha.
Mas era ele que fazia chover na horta da turma lá de Brasília. “A regra é clara!” - ia logo avisando aos malfeitores nas ligações gravadas pela Polícia Federal: “Você faz, você recebe; você não fez, não vai receber!” Não à toa, o chefe de Dadá está podre de rico!
É lamentável que, em vez de gerir quadrilha de bicheiro, alguém como Idalberto Matias, o Dadá, não se dedique a cuidar dos negócios do governo.
Imagina se o dinheiro público servisse para pagar tão-somente quem faz por merecê-lo! O Brasil já seria a quarta, sei lá, talvez a terceira maior economia do mundo.
***
Não será surpresa para esta coluna se, na audiência pública com Joseph Blatter sobre a Lei da Copa no Senado, o presidente da Fifa admitir que também recebeu Carlinhos Cachoeira em seu gabinete na Suíça. Explica-se: nada mais surpreende o colunista.
Viva a mulher pelada!Respondendo a 20 perguntas da Playboy de abril, o cirurgião plástico brasileiro Robert Rey – personagem do reality show americano exibido na Rede TV! com o título Dr. Hollywood – conta que chega a ficar sete horas fazendo sexo com a patroa e que, nas internas, o apelido de seu pênis é Mister Happy. Isso querdizer o seguinte: foi-se o tempo em que os homens inteligentes podiam dizer que compravam a revista por causa das entrevistas.
Mal comparandoCoincidiu de Brasil e Coreia do Norte comemorarem na mesma semana os centenários de Mazzaropi e Kim Ilsung, mas nem por isso a gente vai sair por aí soltando foguete, certo?
DuvideodóA aposta é do assessor especial da Dilma para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia: “Se o governo da Síria honrar o plano de paz do Kofi Annan, eu venho trabalhar na sexta-feira vestido de bailarina!”O prazo para o cessar-fogo esgota-se hoje às 6h!
VenenosaSó se fala disso nos bastidores do leilão judicial do espólio de Clodovil Hernandez: quem dará mais por “Marta”, a cobra de bronze com 72 cm que servia de pé de mesa no gabinete do ex-deputado?
EsclarecimentoA coluna cometeu ontem elogio indevido a Márcio Thomaz Bastos, que impetrou, mas ainda não obteve habeas corpus para Carlinhos Cachoeira. Ratifica-se, entretanto, o aposto de “ex-ministro mais cheiroso do Brasil” aqui atrelado ao nome do criminalista.
quinta-feira, abril 12, 2012
A terra treme - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 12/04/12
Nunca se sabe se essas coisas são verdadeiras ou pressão política. Mas, por causa do custo da energia, a Alcoa está pensando em fechar sua unidade em Poços de Caldas, MG. O fechamento da Alumar, no Maranhão, onde a Alcoa opera com os sócios BHP Billiton e Rio- TintoAlcan, também não é descartado, pelo mesmo motivo.
Menino do Rio
Lula voltará ao Rio, depois desse período de doença, com uma agenda e tanto. Dia 3 de maio, participará de de um seminário sobre a África, no BNDES. No dia seguinte, receberá títulos de doutor honoris causa da UFRJ e da Uerj.
Já...
FH embarca para visitas à China e ao Oriente Médio.
Zélia, uma paixão
Zélia Cardoso de Mello enviou aos amigos convite para uma missa em Nova York, onde mora, pelos 30 dias de morte do ex-marido Chico Anysio, com quem teve os filhos Victoria e Rodrigo. Será dia 21, às 13h30m, na St. Malachy’s The Actor’s Chapel (Capela dos Atores de São Malaquias).
Paz no Clube
Milton Nascimento e Toninho Horta, dois integrantes do Clube da Esquina, movimento musical mineiro dos anos 1960, brigados há tempos, selaram a paz. Quem os reaproximou foi outro mineiro, João Bosco, que pediu aos dois para gravarem juntos a música “Agnus sei” (dele e Aldir Blanc) em seu DVD de 40 anos de carreira.
Inédito de Tom Zé
Tom Zé, o cantor e compositor, vai comemorar 75 anos de idade com um novo CD, batizado de “Tropicália lixo lógico”. Lançará no fim de junho. Mallu Magalhães, 20 anos, a formosa cantora, fará participação especial numa faixa.
NESTES DIAS de agitação em Brasília com a possibilidade de uma CPI para apurar as relações perigosas do senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, surgiu a uns dez minutos do Congresso, na Quadra 408 Norte, a Pizzaria... Senado, cujo slogan, repare na foto, é “Aqui tudo acaba em pizza”. Parece provocação. E é.
O homem cordial
Pesquisa do Skyscanner.net, um dos principais sites da área de turismo no mundo, aponta o francês como o povo “mais rude” com turistas, com 19,2% dos votos de 1.200 entrevistados. Depois vêm russos (16,6%), britânicos (10,4%), alemães (9,9%), chineses (4,3%), americanos (3,3%) e espanhóis (3,1%).
Já...
Os brasileiros foram eleitos os “menos rudes”, seguidos dos povos de países do Caribe, de Filipinas e Tailândia.
Sciences Po...
Aliás, por falar em França, com a morte de Richard Descoings, diretor do renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris, a universidade mandou email aos alunos com a oferta de sessões gratuitas de análise. Diz que é para ajudar os alunos neste momento difícil.
SOS Niterói
Beltrame anuncia hoje um pacote de medidas para reduzir a violência em Niterói.
Estado laico
O Conselho Federal de Serviço Social publicou resolução no DO da União que proíbe, a partir de agora, o uso de símbolos, imagens e escritos religiosos em suas dependências e nas de todos os conselhos regionais e seccionais país afora. Não importa o credo.
Tango de Jacob
O Instituto Jacob do Bandolim vai lançar dia 18 agora, no MIS, no Rio, o “Caderno de Partitura de Jacob do Bandolim”, com toda a obra do grande músico brasileiro, e, veja que legal, 14 músicas inéditas. A lista inclui o tango “Pensando em você”, o único composto por Jacob.
É fantástico
O desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, do Rio, indeferiu liminar em que a empresa Bella Vista Refeições pedia a anulação da suspensão dos pagamentos de seus contratos com o estado e a prefeitura carioca, depois de ter sido denunciada pelo “Fantástico”, da TV Globo, num esquema de propina.
Reage, Mangueira
De Alcione, a querida Marrom, em discurso ontem na Assembleia do Rio, ao receber a Medalha Tiradentes: — Quero a Mangueira longe das páginas policiais. O lugar da Mangueira é nas páginas mais bonitas dos jornais. Eu apoio.
Nunca se sabe se essas coisas são verdadeiras ou pressão política. Mas, por causa do custo da energia, a Alcoa está pensando em fechar sua unidade em Poços de Caldas, MG. O fechamento da Alumar, no Maranhão, onde a Alcoa opera com os sócios BHP Billiton e Rio- TintoAlcan, também não é descartado, pelo mesmo motivo.
Menino do Rio
Lula voltará ao Rio, depois desse período de doença, com uma agenda e tanto. Dia 3 de maio, participará de de um seminário sobre a África, no BNDES. No dia seguinte, receberá títulos de doutor honoris causa da UFRJ e da Uerj.
Já...
FH embarca para visitas à China e ao Oriente Médio.
Zélia, uma paixão
Zélia Cardoso de Mello enviou aos amigos convite para uma missa em Nova York, onde mora, pelos 30 dias de morte do ex-marido Chico Anysio, com quem teve os filhos Victoria e Rodrigo. Será dia 21, às 13h30m, na St. Malachy’s The Actor’s Chapel (Capela dos Atores de São Malaquias).
Paz no Clube
Milton Nascimento e Toninho Horta, dois integrantes do Clube da Esquina, movimento musical mineiro dos anos 1960, brigados há tempos, selaram a paz. Quem os reaproximou foi outro mineiro, João Bosco, que pediu aos dois para gravarem juntos a música “Agnus sei” (dele e Aldir Blanc) em seu DVD de 40 anos de carreira.
Inédito de Tom Zé
Tom Zé, o cantor e compositor, vai comemorar 75 anos de idade com um novo CD, batizado de “Tropicália lixo lógico”. Lançará no fim de junho. Mallu Magalhães, 20 anos, a formosa cantora, fará participação especial numa faixa.
NESTES DIAS de agitação em Brasília com a possibilidade de uma CPI para apurar as relações perigosas do senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, surgiu a uns dez minutos do Congresso, na Quadra 408 Norte, a Pizzaria... Senado, cujo slogan, repare na foto, é “Aqui tudo acaba em pizza”. Parece provocação. E é.
O homem cordial
Pesquisa do Skyscanner.net, um dos principais sites da área de turismo no mundo, aponta o francês como o povo “mais rude” com turistas, com 19,2% dos votos de 1.200 entrevistados. Depois vêm russos (16,6%), britânicos (10,4%), alemães (9,9%), chineses (4,3%), americanos (3,3%) e espanhóis (3,1%).
Já...
Os brasileiros foram eleitos os “menos rudes”, seguidos dos povos de países do Caribe, de Filipinas e Tailândia.
Sciences Po...
Aliás, por falar em França, com a morte de Richard Descoings, diretor do renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris, a universidade mandou email aos alunos com a oferta de sessões gratuitas de análise. Diz que é para ajudar os alunos neste momento difícil.
SOS Niterói
Beltrame anuncia hoje um pacote de medidas para reduzir a violência em Niterói.
Estado laico
O Conselho Federal de Serviço Social publicou resolução no DO da União que proíbe, a partir de agora, o uso de símbolos, imagens e escritos religiosos em suas dependências e nas de todos os conselhos regionais e seccionais país afora. Não importa o credo.
Tango de Jacob
O Instituto Jacob do Bandolim vai lançar dia 18 agora, no MIS, no Rio, o “Caderno de Partitura de Jacob do Bandolim”, com toda a obra do grande músico brasileiro, e, veja que legal, 14 músicas inéditas. A lista inclui o tango “Pensando em você”, o único composto por Jacob.
É fantástico
O desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, do Rio, indeferiu liminar em que a empresa Bella Vista Refeições pedia a anulação da suspensão dos pagamentos de seus contratos com o estado e a prefeitura carioca, depois de ter sido denunciada pelo “Fantástico”, da TV Globo, num esquema de propina.
Reage, Mangueira
De Alcione, a querida Marrom, em discurso ontem na Assembleia do Rio, ao receber a Medalha Tiradentes: — Quero a Mangueira longe das páginas policiais. O lugar da Mangueira é nas páginas mais bonitas dos jornais. Eu apoio.
Juros altos - a culpa não é (só) dos bancos - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 12/04/12
Mas ainda não temos o Cadastro Positivo. A coisa está em debate há mais de dez anos, ficou a maior parte disso no Congresso. Em junho do ano passado, foi aprovada uma legislação básica, mas cuja implementação depende de um decreto do governo federal para regulamentar todo o processo. E que permanece em, digamos, negociações.
Por que demora tanto? No essencial, por causa de uma espécie de ideologia dos coitadinhos, segundo a qual o consumidor brasileiro e o tomador de empréstimo são uns idiotas que não sabem cuidar de suas finanças. Assim, precisam da proteção do Estado, pois quando caem na malha dos devedores inadimplentes isso se deve, tal é a explicação, à ação quase criminosa dos bancos e financeiras.
Não que estes sejam os mocinhos da história. Todo mundo tem uma bronca qualquer com o seu banco. As mais frequentes: pouca transparência, informações precárias sobre tarifas e custos dos serviços, tarifas exageradas e muita cobrança na base do "se colar, colou". Assim: cobram uma taxa no cartão de crédito, o cliente reclama, e a taxa é cancelada. Vem uma tarifa no extrato, o freguês protesta e ganha o "desconto". Denota uma certa malandragem e/ou desorganização. Afinal, eles deveriam saber de quem cobrar e quanto. E, sabendo, não poderiam cometer aqueles erros, se é que são erros.
Curiosamente, há menos reclamações quanto à própria taxa de juros. O consumidor aceita tranquilamente as seis "parcelas sem juros". É claro que tem juros, a maioria sabe disso, mas quase ninguém se preocupa em fazer a conta. Aceita-se o "sistema" - e essa é uma das causas dos juros mais altos. Os consumidores deveriam ser mais bravos nessa relação.
Mas até aqui estamos falando dos clientes normais, que pagam em dia e formam a imensa maioria. Uma coisa é a lei do consumidor regular essa relação. Outra, bem diferente, é a legislação e a tendência no Judiciário de proteger os devedores em quaisquer circunstâncias.
Juízes frequentemente decidem que a inadimplência não é motivo para a suspensão dos serviços não pagos. Não raro, dificultam a execução de garantias. E, mais recentemente, em algumas cidades, tribunais têm decidido pela anulação de contratos de financiamento de carros sob o argumento de que os juros são abusivos.
Ora, não são juros baixos, longe disso, mas são o preço do mercado e, de todo modo, trata-se de contratos firmados entre pessoas adultas e responsáveis, que sabem muito bem o que estão fazendo. Parece que se trata de mais um daqueles golpes que aproveitam a lentidão e o viés pró-devedor do Judiciário. O sujeito assina o papel, pega o carro e vai logo contestar a prestação.
Tudo considerado, qual o problema com o Cadastro Positivo? Ali estarão os nomes da imensa maioria que paga em dia e que será beneficiada por esse retrospecto. É bom para o cliente, bom para o banco, bom para a economia, pois deve levar a uma redução dos juros.
Não prejudica ninguém, certo?
Errado, diz o pessoal que vê o devedor como vítima do insaciável sistema financeiro. A restrição: o Cadastro Positivo é uma discriminação. Como? O cliente que não tiver seu nome ali será um "excluído" do mercado, tal é a argumentação.
Não faz sentido. Esse cliente não conseguirá financiamento ou terá que pagar juros mais altos justamente porque está inadimplente, não porque não consta do Cadastro Positivo.
Entre os devedores, a maioria não paga porque não consegue, não por vontade. São pessoas que se planejaram mal ou que sofreram um baque, como o desemprego ou uma doença na família, levando a uma perda de renda disponível. Para esses casos, a saída é a negociação direta ou nos órgãos de defesa do consumidor ou mesmo dos tribunais. Deve haver regras disciplinando essa situação.
Mas não se pode punir todo o universo de devedores com uma legislação tão restritiva ao crédito que termine por encarecê-lo. Não se pode colocar tanta limitação ao uso do Cadastro Positivo que ele se torne uma informação inútil e nivele todo mundo no lado do risco maior. E se o governo quer mesmo derrubar os juros, poderia também reduzir alguns impostos.
CARRÃO IMPORTADO
Não é só a presidente Dilma que circula por Brasília em carro importado. O presidente da CNI, Robson de Andrade, percorre os ministérios, em sua defesa da indústria nacional, em um Ford Malibu.
O que fazer com o Mercosul? - MAURO LAVIOLA
O Globo - 12/04/12
Mês passado o bloco atingiu sua maioridade, mas apenas cronologicamente porque em termos de maturidade sequer terminou o jardim de infância. Se formos analisar os efetivos resultados alcançados pelo bloco nesses 21 anos de existência, afora o inegável aumento do comércio sub-regional, os resultados de fortalecimento socioeconômico entre os sócios e de maior inserção internacional são notoriamente pífios. A partir da tentativa de formação de uma união aduaneira de forma apressada, de sofrer vicissitudes internas por adoção de políticas nacionais erráticas e inteiramente autônomas, além de sofrer fortes respingos da conjuntura internacional, os anos 2000 caracterizaram-se por frustradas tentativas de reparar o irreparável, uma vez que a engrenagem interna do conjunto já estava carcomida.
A primeira crise internacional deste século, em 2002, nos fez pensar que o comércio regional seria suficiente para fortalecer o conjunto que os anos subsequentes mostraram tratar-se de uma bela armadilha. Na incapacidade ou impossibilidade de implementar os dispositivos inerentes ao aperfeiçoamento do aparato institucional e operacional previsto no Tratado, os países-membros passaram a descumprir, sistematicamente, as regras preestabelecidas e criar inúmeros artifícios dilatórios para encobrir suas inadimplências. Chegaram, ultimamente, ao ponto crítico de sequer cumprir o estipulado no art. 1 do Tratado de Assunção que estabelece a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos.
Nesse aspecto, aliás, vale mencionar certa semelhança com o que ocorre hoje no seio da OMC. Em princípio, todos os países fazem de conta que obedecem estritamente aos dispositivos do organismo praticando, porém, um mercantilismo calcado em subsídios e regulamentos nacionais ambíguos em relação às regras ou simplesmente as ignoram, distorcendo inteiramente o princípio da sadia competitividade. Nesse aspecto, parece que o Mercosul só soube colher do ambiente multilateral o que lá se convencionou denominar de trade rugby (comércio pesado). As recentes medidas argentinas de proteção integral à produção doméstica, flagrantemente contrárias à OMC, ao Mercosul e aos acordos por ela firmados na Aladi, invalidam qualquer visão mais otimista para o futuro do bloco. Por outro lado, as medidas protecionistas pontuais que vêm sendo adotadas pelo Brasil configuram a tentativa de "argentinizar" sua política comercial agravando o quadro geral.
Em outro prisma, a derivação do Mercosul para o campo político, como tentativa de encobrir ou amortecer seu insucesso operacional, tampouco mostrou-se eficaz frente à comunidade internacional. Primeiro porque, internamente, criou uma série de penduricalhos custosos e inócuos como o Parlamento do Mercosul que só teria sentido se o regime de decisões do bloco fosse supranacional. Externamente, embaralhou-se com uma série de outras instâncias regionais de duvidosas intenções ideológicas e pouca praticidade, tais como Unasul/Sela/Calc/Celac/Asa et caterva.
Nesse momento, o governo brasileiro mostra certo "cansaço" do Mercosul e não crê em algo importante a fazer. Mas, como sua política externa mostra-se pendular e obediente ao preceito do "regionalismo aberto" tão a gosto do Itamaraty, a bola da vez volta-se para o campo do Brics. Só que, com os demais integrantes desse grupo, o jogo de interesses será igualmente pesado e vai necessitar de muito engenho e arte para dar frutos adicionais à economia do país.
A primeira crise internacional deste século, em 2002, nos fez pensar que o comércio regional seria suficiente para fortalecer o conjunto que os anos subsequentes mostraram tratar-se de uma bela armadilha. Na incapacidade ou impossibilidade de implementar os dispositivos inerentes ao aperfeiçoamento do aparato institucional e operacional previsto no Tratado, os países-membros passaram a descumprir, sistematicamente, as regras preestabelecidas e criar inúmeros artifícios dilatórios para encobrir suas inadimplências. Chegaram, ultimamente, ao ponto crítico de sequer cumprir o estipulado no art. 1 do Tratado de Assunção que estabelece a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos.
Nesse aspecto, aliás, vale mencionar certa semelhança com o que ocorre hoje no seio da OMC. Em princípio, todos os países fazem de conta que obedecem estritamente aos dispositivos do organismo praticando, porém, um mercantilismo calcado em subsídios e regulamentos nacionais ambíguos em relação às regras ou simplesmente as ignoram, distorcendo inteiramente o princípio da sadia competitividade. Nesse aspecto, parece que o Mercosul só soube colher do ambiente multilateral o que lá se convencionou denominar de trade rugby (comércio pesado). As recentes medidas argentinas de proteção integral à produção doméstica, flagrantemente contrárias à OMC, ao Mercosul e aos acordos por ela firmados na Aladi, invalidam qualquer visão mais otimista para o futuro do bloco. Por outro lado, as medidas protecionistas pontuais que vêm sendo adotadas pelo Brasil configuram a tentativa de "argentinizar" sua política comercial agravando o quadro geral.
Em outro prisma, a derivação do Mercosul para o campo político, como tentativa de encobrir ou amortecer seu insucesso operacional, tampouco mostrou-se eficaz frente à comunidade internacional. Primeiro porque, internamente, criou uma série de penduricalhos custosos e inócuos como o Parlamento do Mercosul que só teria sentido se o regime de decisões do bloco fosse supranacional. Externamente, embaralhou-se com uma série de outras instâncias regionais de duvidosas intenções ideológicas e pouca praticidade, tais como Unasul/Sela/Calc/Celac/Asa et caterva.
Nesse momento, o governo brasileiro mostra certo "cansaço" do Mercosul e não crê em algo importante a fazer. Mas, como sua política externa mostra-se pendular e obediente ao preceito do "regionalismo aberto" tão a gosto do Itamaraty, a bola da vez volta-se para o campo do Brics. Só que, com os demais integrantes desse grupo, o jogo de interesses será igualmente pesado e vai necessitar de muito engenho e arte para dar frutos adicionais à economia do país.
Quando o aborto é uma estratégia reprodutiva - FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 12/04/12
Contos infantis e páginas policiais estão cheios de padrastos malvados. Geralmente o pai morre, a mãe se casa novamente e o drama gira em torno do esforço feito pela mãe para proteger a prole anterior da rejeição do novo marido. Darwin explica: não faz sentido um macho colaborar na criação de filhos que não carregam seus genes.
Nos animais, esse fenômeno é mais violento. Muitos mamíferos se organizam em grupos onde diversas fêmeas são fecundadas por um único macho. Nessas espécies, é comum o macho dominante ser desafiado por um novo macho. Quando perde, é expulso do grupo e perde o acesso às fêmeas. Nesses casos, é comum que o novo macho mate todos os filhotes.
O novo macho não "quer" que suas fêmeas gastem energia criando a prole de outro. Mortas as crias, as fêmeas entram no cio e são fecundadas. Em algumas espécies, a ira do novo macho vai mais longe. Filhotes nascidos logo após a troca de machos também são mortos: eles não possuem os genes do novo macho.
Em 1959, a pesquisadora Hilda Bruce observou que, após colocar um camundongo macho desconhecido em uma gaiola com fêmeas prenhas, as fêmeas abortavam. É o chamado efeito Bruce, demonstrado em grande número de espécies, mas sempre em condições de cativeiro.
Inicialmente, o aborto foi atribuído ao estresse causado por um macho novo em cativeiro. Mas estudiosos propuseram que esse fenômeno poderia ser uma defesa das fêmeas. Se o novo macho vai matar os filhotes, não seria mais vantajoso para elas abortarem e assim poderem ser engravidadas pelo novo macho?
Em tese, isso garantiria às fêmeas um número maior de descendentes vivos, ao mesmo tempo que permitiria a incorporação mais rápida dos genes do macho superior.
Darwin teria aprovado a explicação. Mas, como o efeito Bruce nunca havia sido observado na natureza, essa interpretação não foi levada a sério. Agora, o efeito Bruce foi observado na natureza.
Os Theropithecus gelada são uma espécie de babuíno que habita as montanhas da Etiópia. Vivem em colônias de até 12 fêmeas, dominadas por um macho. O monopólio desse macho é frequentemente desafiado por outros que vivem em grupos contendo só machos. Durante cinco anos, os cientistas acompanharam 21 colônias de fêmeas (110 fêmeas no total). Nesse período, puderam observar 28 processos de troca de machos.
Como o período de gestação desses animais é de 183 dias (6 meses), os cientistas analisaram o número de filhotes nascidos ao longo de 18 meses - 6 antes da troca e 12 depois. Foram comparados dois grupos de colônias, um em que havia ocorrido a troca de macho e outro em que o macho não havia sido substituído.
Nas colônias em que o macho não havia sido trocado, o número de nascimentos foi constante: 28 filhotes nos primeiros 6 meses, 32 no segundo período e 30 no terceiro. Nas colônias em que o macho foi substituído, nos seis meses anteriores à troca do macho nasceram 25 filhotes. Nos seis meses seguintes (quando deveriam ter nascido os filhotes do acasalamento do macho anterior) nasceram somente 3. E, mais impressionante, no terceiro período (meses 7 a 12 após a troca de machos), quando os filhotes do novo macho nasceram, foram 60 partos.
Isso sugere que as fêmeas estavam abortando os fetos do macho anterior (nos seis meses após a troca) e engravidando rapidamente do novo. Isso explica o pico de nascimentos nos meses subsequentes aos seis meses em que praticamente não haviam nascimentos.
Não satisfeitos, os cientistas monitoraram o nível de estrógeno durante a troca de machos. A concentração desse hormônio aumenta na gravidez. Uma queda em sua taxa provoca a perda do feto. As fezes de cada fêmea foram coletadas diariamente e a taxa de hormônio, determinada. O resultado mostra que nas fêmeas prenhes a taxa aumenta gradativamente. Mas algo estranho ocorre no dia seguinte à troca de macho: a taxa de hormônio cai a zero e as fêmeas abortam. Isso comprova que as fêmeas abortam os fetos imediatamente após a troca de machos.
Quando os cientistas estudaram os números, concluíram que o aborto imediatamente após a troca de machos permite às fêmeas conceber um número maior de descendentes, além de evitar o infanticídio. O aborto também garante a incorporação rápida dos genes do novo macho dominante em um grande número de membros da população. É um dos poucos exemplos em que o processo de aborto é um mecanismo fisiológico natural que faz parte da vida social.
É claro que nas sociedades humanas a situação é diferente, mas nas discussões sobre a legalização do aborto muitas vezes é apresentado o argumento de que um filho indesejado tem chances menores de ser bem cuidado e educado. Enquanto na nossa sociedade essa discussão é tratada no plano moral, entre macacos o processo evolutivo selecionou favoravelmente fêmeas capazes de abortar em situações em que as chances de sobrevivência do feto são baixas. Nesses animais, o aborto faz parte da estratégia reprodutiva.
Apertão nos bancos - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 12/04/12
O governo federal iniciou grande operação de cabo de guerra com os bancos, com o objetivo de reduzir o custo do crédito na economia. Carregada de razão, a presidente Dilma o vem considerando injustificável.
Para isso, o governo mobilizou os bancos oficiais, especialmente o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, para serem bem mais agressivos na redução dos juros em suas operações de crédito. Essa ação do governo pressupõe a existência de cartel financeiro de fato, do qual fazem parte também os bancos oficiais. Assim, por determinação superior, esse cartel vai sendo inexoravelmente quebrado à medida que os bancos estatais, que hoje detêm 44% do crédito, trabalham com juros substancialmente mais baixos.
Ao mesmo tempo, o próprio governo se encarregou de cobrar dos bancos privados mais determinação na derrubada dos juros. Como há décadas, os bancos (por meio dos diretores da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban) expuseram as chamadas razões técnicas que explicam o alto spread hoje praticado.
Para quem não está familiarizado com o jargão financeiro, spread é a diferença entre o que os bancos pagam pelos recursos e o que cobram do tomador de crédito. Essa diferença é bem maior do que os juros pagos no sistema. Compõem-se também de impostos (cerca de 23,0%; custos administrativos (10,8%); índice de inadimplência (29,0%); recolhimento compulsório no Banco Central (3,2%); margem líquida dos bancos (34,0%); risco jurídico, etc.
Para derrubar o custo do crédito, os bancos fizeram o que há muito vêm fazendo: reivindicaram a redução de impostos, o aumento das garantias e providências que melhorem o desempenho operacional do sistema.
Também como sempre, o governo prometeu estudar o assunto. Como se trata de questão velha de guerra, ficou de novo a dúvida sobre se virá a solução que ataque os principais fatores que esticam o spread, em especial os impostos.
Independentemente dessa questão, está de pé o fato consumado que é a intervenção do governo na administração dos bancos oficiais, agora obrigados a operar fora do cartel, em concorrência com as instituições privadas.
Se o governo Dilma obtiver sucesso na sua determinação de obrigar os bancos oficiais a trabalhar com spread bem inferior ao do setor privado, teremos provavelmente duas consequências.
A primeira delas é de que os resultados dos bancos oficiais certamente sairão prejudicados, porque sua margem de lucro resvalará para muito abaixo dos 34% (sobre o total do spread), que é a média do sistema. Como em anos anteriores, o Tesouro se encarregará de cobrir rombos que eventualmente aparecerem na contabilidade de seus bancos.
O segundo desdobramento será a expansão da fatia do mercado de crédito dos bancos oficiais para provavelmente mais da metade do bolo, porque os privados dificilmente os acompanharão. Preferem perder participação do mercado a perder margem operacional. A principal preocupação deles é o relativamente alto nível de inadimplência, que exige formação de provisões, sempre muito custosas. E, se os bancos oficiais detiverem mais de 50% do crédito, toda a atividade econômica dependerá ainda mais da lubrificação do setor público.
Roleta russa - DENISE ROTHENBURG
Correio Braziliense - 12/04/12
Do PT ao DEM, cada grande partido do Congresso já teve a sua cota de relacionamento com Carlinhos Cachoeira, uns mais, outros menos. Façam suas apostas sobre quem sairá mais desgastado da CPI. O jogo começa em alguns dias
Numa roda, bem no centro do plenário do Senado, o presidente do Senado, José Sarney; o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL); e o presidente da Comissão de Constituição, Eunício Oliveira (CE), conversavam animadamente sobre os mais diversos assuntos. Enquanto isso, ao fundo, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) explicava a jornalistas assuntos econômicos. De repente, o grupo peemedebista olha para trás e acena para o petista. A expressão era de "Oi, estamos aqui!".
Em meio à monotonia política que tomava conta do Congresso, com o governo Dilma Rousseff ganhando quase todas e os partidos a ver navios, uma CPI para investigar as relações do empresário do jogo do bicho Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, vem bem a calhar. Para começar, trata-se do imponderável. Do PT ao DEM, cada um já teve a sua cota de relacionamento com Cachoeira. Uns mais, outros menos. Não por acaso, o maior problema ontem era definir o objeto da CPI. É como se personagens de vários partidos estivessem enfileirados, passando uma caneca de leite azedo e talhado, quase transbordando, de mão em mão. Morrem de medo que esse leite derrame, deixando seus ternos manchados e com aquele cheiro ruim que uma simples lavagem não resolve.
Da parte do PSDB, o governador de Goiás, Marconi Perillo, esteve em Brasília ontem e disse ao seu partido que siga em frente na CPI porque ele não tem negócios com o bicheiro. A caneca, garante, não derramará em suas mãos. Em relação ao DEM, seus caciques na Câmara — Rodrigo Maia (RJ) e ACM Neto (BA) — calculavam que não ter mais nada a perder. O terno de Demóstenes Torres já está sujo, o senador foi entregue às feras e ponto. Agora, vão tentar empurrar a caneca Cachoeira, digo, a CPI, no colo do PT. Em especial, sobre as relações de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro reintegrado ao partido, que faz política em Goiás.
Por falar em PT...
Os petistas, por sua vez, foram para cima e pediram a CPI de Cachoeira sem que a presidente Dilma Rousseff fosse consultada. Pelo sim, pelo não, fazem seu seguro via internet. O presidente do partido, Rui Falcão, aparece no site do partido pedindo o que chama de "CPI do Demóstenes", jogando a caneca de novo no colo do senador goiano. Falcão acusa os oposicionistas de patrocinarem uma operação abafa para que os seus não sejam investigados. O comandante petista diz que seu partido defende a apuração de tudo. Dentro do PT, há quem diga que essa CPI poderá ajudar a construir a tese de que o mensalão teria sido uma farsa montada para atingir o Partido dos Trabalhadores.
Ocorre que, como todo mundo sabe, o vídeo em que o funcionário dos Correios aparece recebendo R$ 3 mil — o estopim do caso do mensalão — foi apenas uma pontinha que nada teve a ver com o restante apurado depois, na esteira das CPIs. Não será por aí que os petistas conseguirão anular o processo do mensalão ou evitar seu julgamento este ano. Tanto é que, ontem, ao pensar melhor, alguns integrantes do PT no governo tinham um certo receio para a CPI de Carlos Cachoeira.
Por falar em governo...
Os ministros palacianos consideram não haver nenhum problema nessa CPI que leve ao Planalto. A presidente Dilma Rousseff acredita não dever a sua eleição a atores enrolados com Cachoeira, nem mesmo se forem do PT. Portanto lava as mãos em relação à essa roleta, que pode se voltar contra vários partidos. O que "pega" para o governo é a falta de tranquilidade no Congresso para aprovar medidas econômicas, se houver necessidade.
Em meio a tudo isso, o PMDB só observa, torcendo para que o braço da empresa Delta no Rio de Janeiro do governador Sérgio Cabral esteja "blindado" nesse processo. Por isso, seus caciques olham para os senadores do PT com ares de superioridade, com a certeza de que serão necessários logo ali na frente para ajudar o governo e os petistas a reequilibrar o jogo no Congresso. Afinal, uma CPI invariavelmente significa desgaste para quem está no poder. E a maioria dos congressistas aposta que, com o governo do PT, não será diferente. Bem, leitor, faça sua aposta mas tenha uma certeza: CPI sempre dá bode. Resta saber quem ele irá atingir.
Primeiros sinais da teia - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 12/04/12
Se a CPI mista decidida pelos presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney e Marcos Maia, conseguir aprovação das duas Casas; se conseguir razoável composição; se conseguir fazer trabalho sério e produtivo, nem assim conseguirá penetrar em certos meandros da teia para explicá-los. Seja porque nem o seu grande poder bastaria, seja por dificuldade excessiva.
A Operação Satiagraha, por exemplo, nada tinha a ver com Carlinhos Cachoeira e redes clandestinas de jogo. Mas o hoje deputado, e delegado da operação, Protógenes Queiroz, já se vê colhido pela vigilância sigilosa ao círculo de Cachoeira.
O deputado dispõe de incontáveis modos de citar sua atividade policial como motivo dos contatos. Mas não é tão simples.
Protógenes e o então juiz Fausto De Sanctis eram os alvos imediatos da exaltada acusação do ministro Gilmar Mendes, à época da Satiagraha, de que vivíamos "um Estado policial". Como provava, dizia ele, a gravação grampeada de um telefonema seu, no próprio Supremo Tribunal Federal. Com quem era o telefonema?
Com o senador Demóstenes Torres, que confirmou: "Sim, eu conversei por telefone com o ministro Gilmar". E nada mais disse nem lhe foi perguntado, por ninguém. Nem ao menos para saber se tinha ideia de como fora feita a gravação. Sobre a qual também Gilmar Mendes não teve ou não pôde dar qualquer esclarecimento.
Uma coisa, porém, ficou clara à época. A Satiagraha ultrapassou as finalidades que lhe estavam atribuídas e, com isso, tornou-se ela o alvo, por intermédio também dos ataques do ministro ao juiz De Sanctis. Eram muitos a querer encerrá-la. Algo havia batido em uma casa de maribondos.
Ninguém duvide: tanto os arquivos da PF guardam material valioso daquela fase, como parte dele é uma das inspirações da Operação Monte Carlo -esta que levou Cachoeira para a prisão, em fevereiro. E deu nos espantos que aí estão.
Mas por que, se há tanto tempo coletava gravações e outros materiais em torno de Carlinhos Cachoeira, a PF decidiu desfechar sua investida em fevereiro passado?
Tal explicação não aparece no pinga-pinga de seus vazamentos para a imprensa. Em todo caso, por falar em fevereiro, nesse mês ressurgiu das sombras um processo que lembra Carlinhos Cachoeira sem, no entanto, incluí-lo ou sequer citá-lo.
Esse processo ficou cinco anos guardado com o ministro Cezar Peluso, que desde 2005 o recebera para relatá-lo. É a ação do Ministério Público de Goiás contrária, por inconstitucionalidade, a um decreto e uma lei aprovada pela Assembleia goiana em 2000, ambas liberando a exploração de uma tal loteria instantânea.
Outro nome para o jogo em caça-níqueis, especialidade de Cachoeira. O Tribunal de Justiça de Goiás derrotou os procuradores do Ministério Público, que voltaram a recorrer. Mas, como jogo de azar é assunto federal, o recurso foi para o Supremo Tribunal.
Na redistribuição dos processos em mãos de Peluso, quando feito presidente do STF em 2010, o de Goiás foi entregue a Gilmar Mendes. Em abril, foi mandado ao procurador-geral da República para dar parecer. Roberto Gurgel demorou 20 meses para fazê-lo, até meados de dezembro do ano passado. E, afinal, a solução: em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes mandou o processo ao arquivo. Com o argumento de que, ainda em Goiás, os procuradores queixosos perderam o prazo para recorrer.
Mas não perderam. Um agravo seu já demonstrara a antecedência da entrega, feita em 19.8.2002, conforme o recibo. A data posta no recurso pelo tribunal goiano foi, porém, 25.8.2002, adotada por Gilmar Mendes para o arquivamento.
Erro de um dia, dois, seria compreensível. Mas sete dias de erro, uma semana, ao registrar a data do dia em curso, é impossível. Só por má-fé. O poder dos interesses no decreto se preveniram com esperteza.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, recorreu para reconsideração de Gilmar Mendes. Não ocorrida, até ontem. O ministro limitou-se a dar entrevista afirmando que uma decisão vinculante do STF, em caso de 2007, já negava validade à exploração do jogo em caça-níqueis.
A decisão de arquivar a ação dos procuradores de Goiás, contra a inconstitucionalidade da liberação do jogo naquele Estado, não considerou a sentença do caso de 2007.
E estamos no começo da história.
Dilma e Kissinger -KENNETH MAXWELL
FOLHA DE SP - 12/04/12
Ele participou da exposição do centenário da independência dos EUA, na Filadélfia, com o presidente Ulysses Grant. Depois fez uma viagem pelo rio Mississippi em barco a vapor, de Saint Louis a Nova Orleans. Voltando de trem, ele visitou as cataratas do Niágara e o Canadá. Chegou a Boston em 8 de junho. Em Harvard, jantou com o poeta Ralph Waldo Emerson, na casa deste em Brattle Street.
Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff visitou Harvard. Falou na Escola Kennedy de Administração Pública. No dia seguinte, Henry Kissinger voltou à sua antiga universidade. Falou no Sanders Theater, parte da magnífica edificação que celebra os alunos de Harvard caídos na Guerra Civil Americana, lutando pela União ou pela Confederação.
Drew Gilpin Faust, reitora de Harvard e primeira mulher a dirigir a universidade, foi criada no vale do Shenandoah, na Virgínia, e é uma historiadora premiada da Guerra Civil Americana. Visitou Kissinger em Nova York e o convidou a voltar a Harvard para discursar na celebração do 375º aniversário da instituição.
A presidente Dilma delineou seus planos para encorajar a ciência e a tecnologia no Brasil. O governo federal pretende patrocinar os estudos de 100 mil jovens brasileiros no exterior.
No ano letivo de 2009/10, havia apenas 9 mil alunos brasileiros em universidades dos EUA, ante 127 mil chineses e 100 mil indianos. Mas o problema básico brasileiro jamais esteve limitado ao ensino superior. Está mais na qualidade horrenda do ensino básico de matemática, ciências e leitura, o que é muito mais difícil de resolver.
Talvez seja a hora certa para que Harvard volte a receber Kissinger, antigo professor na universidade. Ao menos foi esta a decisão da reitora Faust. Mas Kissinger não quis discutir a política que adotou para a América Latina em seu período como assessor de segurança nacional do presidente Nixon e secretário de Estado do presidente Ford.
Entre 1970 e 1972, Dilma Rousseff foi prisioneira do regime militar brasileiro. Era chamada de "Joana d'Arc" dos guerrilheiros marxistas. Sofreu tortura por choque elétrico. Ela sobreviveu, ao contrário de milhares de torturados e "desaparecidos" na Argentina e nas demais nações do Cone Sul latino-americano, depois dos golpes militares ocorridos na região no começo dos anos 70, todos durante o período de Kissinger no poder.
Dilma e Kissinger na Universidade Harvard na mesma semana: eis uma comparação que a reitora Faust talvez não tenha pretendido.
Uma casinha na serra - CLAUDIA ANTUNES
FOLHA DE SP - 12/04/12
Na vizinha Friburgo, houve a mesma combinação de negligência com o interesse de criar currais eleitorais. As duas cidades da serra fluminense têm perto de 20 mil pessoas em lugares de risco, sobressaltadas desde a tempestade de 2011, que deixou 900 mortos na região.
Embora grande, o contingente equivale a menos de 6% da população dos dois municípios. Resolver o problema não deveria ser difícil, mas a construção de casas para a transferência dessa gente a locais seguros virou um périplo burocrático-legal.
Em Friburgo, um terreno desapropriado pelo prefeito da época da tragédia -Dermeval Barboza, depois afastado sob a acusação de desviar verbas emergenciais- revelou-se um pântano. Foi preciso esperar um ano para que o Estado garantisse a posse de outra área, por R$ 2,8 milhões.
Em Teresópolis, os donos da fazenda onde serão erguidas as moradias recorreram do valor fixado pelas autoridades, R$ 2 milhões. Pediram R$ 24 milhões, e só agora a Justiça bateu o martelo em R$ 11 milhões.
Para complicar o processo, nenhuma construtora apresentou-se no ano passado para as obras, bancadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida. Para atrair interessados, o Estado negociou o aumento do valor de cada habitação, de cerca de R$ 50 mil para R$ 65 mil.
As primeiras unidades poderão ser entregues no fim do ano, mas os novos bairros completos não ficarão prontos em menos de 18 meses. É menos complicado fazer uma casa oscilante em cima do morro, e rezar para não chover mais.
Corredores da morte - ROGÉRIO GENTILE
FOLHA DE SP - 12/04/12
Tal proibição estava prevista no texto que originou o código, em 1997, mas foi vetada por Fernando Henrique Cardoso, que cedeu ao lobby da indústria. Na ocasião, o então presidente alegou que o dispositivo restringia a serventia das motos, que "em todo mundo são utilizadas como forma de garantir maior agilidade de deslocamento".
Pois bem, de lá para cá, o número de motociclistas mortos no trânsito cresceu de uma forma meteórica e assustadora. Em 1998, foram 1.047, o que representou 3,4% do total dos óbitos no trânsito. Em 2010, último dado disponível, foram 10.143, ou 25% do total. Sem contar os milhares de motociclistas que são obrigados a aposentar-se no INSS, todos os anos, por invalidez permanente em decorrência de acidentes (apenas nos primeiros nove meses do ano passado foram 116 mil).
É evidente que contribuiu para essa situação o aumento da frota, estimulado por uma política lulista de incentivos fiscais para a fabricação e de facilidades de crédito para a compra. Hoje chega a sair mais barato pagar a prestação de uma moto do que arcar, ao longo de um mês, com a tarifa de ônibus.
Mas essa não é a única razão, considerando que o número de motocicletas circulando no país não cresceu na mesma proporção dos óbitos em acidentes em duas rodas.
O problema é resultado direto do vale-tudo das ruas, do zigue-zague irresponsável e autorizado que ocorre nos espaços apertados entre os carros. A agilidade de deslocamento não pode mais servir como justificativa para a manutenção desses verdadeiros corredores da morte.
Bancos: 'Dilma está irritada' - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 12/04/12
Os bancos privados dizem que querem contrapartidas antes de mexer nos seus juros. O governo quer resultado imediato, até porque o estopim do novo rebuliço sobre "spreads" foi o baixo crescimento da economia neste início do ano. O governo atribui parte do marasmo econômico à alta dos juros médios na praça, que vem desde novembro.
Mesmo que o governo adotasse as medidas sugeridas pelos bancos com o fim de baixar o custo do crédito, levaria tempo para que tais providências surtissem efeito, se mesmo eficazes. Ou melhor, uma proposta dos bancos poderia ter eficácia quase imediata. Trata-se da redução de impostos sobre a intermediação financeira. Mas se dá de barato, aqui e em Brasília, que tais impostos não baixarão tão cedo.
Logo, ou vai haver confusão ou muito barulho por nada, excetuada a hipótese de os bancos privados se comoverem com a "liquidação de juros" promovida por Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Isto é, se Itaú, Bradesco e cia. muito limitada considerarem que não vão perder dinheiro se baixarem suas taxas a fim de não perder mercado.
Pode bem ser que os juros para o tomador final sejam altos devido à baixa concorrência nesse mercado. Mesmo que seja o caso, talvez os cortes brutais das taxas do BB e da CEF não bastem para acirrar a competição (por ora não se sabe nem mesmo o volume dos novos negócios com juros reduzidos). De qualquer modo, com ou sem razão, a atitude do governo não é lá muito esperta e é obnubilada outra vez por voluntarismos de curto prazo.
É evidente que garantias melhores, regras mais seguras para execução de dívidas, menos impostos e outras melhorias nas tecnicalidades desse mercado contribuiriam para a baixa de "spreads" e juros. Basta ver o que aconteceu com as condições de financiamento de carros e imóveis, que melhoraram brutalmente com algumas medidas inteligentes e de baixíssimo custo.
O governo poderia fazer um "bem bolado" com a banca, implementar logo reformas, exigir alguma contrapartida da finança, melhorar a proteção ao cliente dos bancos (quase inexistente) e faturar o progresso. Por que não o faz é de fato um mistério. Não custa quase nada.
No mais, é preciso lembrar que há empecilhos econômicos reais ao aumento do crédito, sejam os "spreads" altos ou baixos. O estoque de crédito tem crescido a quase 15% ao ano, em termos reais, na última meia dúzia de anos. Quase nada cresce tão rápido assim, afora o pé de feijão de João (e esse é um dos motivos dos bons lucros da banca).
É possível ainda pisar no acelerador? Primeiro, é preciso haver poupança disponível. Segundo, é preciso haver capacidade de pagamento: que o endividamento de famílias e empresas esteja em nível razoável (e note-se que a inadimplência está alta, e o BC pisou no freio do crédito via medidas "prudenciais"). Terceiro, é preciso haver oferta, capacidade produtiva. Ou vamos tomar empréstimo para importar carros, gadgets e insumos?
PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV
14h30 - Sivasspor x Bursaspor, Copa da Turquia (quartas de final), Bandsports
15h - Villarreal x Málaga, Campeonato Espanhol, ESPN e ESPN HD
19h30 - Flamengo x Lanús (ARG), Taça Libertadores, Fox Sports
19h30 - Atlético-PR x Criciúma, Copa do Brasil, Sportv
19h30 - Portuguesa x Juventude, Copa do Brasil, Sportv 2
20h30 - Boston Bruins x Washington Capitals, hóquei, ESPN e ESPN HD
21h - Miami Heat x Chicago Bulls, NBA, Space e Space HD
21h50 - Nacional (URU) x Vasco, Taça Libertadores, Fox Sports
23h - Treino do GP da China, F-1, Sportv 2
3h - Treino do GP da China, F-1, Sportv e Sportv HD
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 12/04/12
Previ tem um dos maiores retornos com 'small caps'
O investimento de R$ 300 milhões que a Previ fez em ações de pequenas e médias empresas ('small caps'), no início de fevereiro deste ano, obteve uma das maiores rentabilidades dentre as aplicações do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.
No acumulado de fevereiro e março, os cinco fundos dedicados às "small caps" renderam 9,25%, segundo a Previ. Foi a primeira experiência de terceirização de fundos com aporte de recursos do fundo.
Foram criados cinco fundos exclusivos de ações com R$ 60 milhões cada um.
Os recursos foram entregues a gestores que serão avaliados quadrimestralmente.
"Ao final de dois anos, aquele que obtiver a pior performance será excluído, mesmo que tenha tido um bom desempenho, e dará lugar a um novo gestor", diz Ricardo Flores, presidente da Previ.
"Esse investimento tem um efeito econômico importante. Pequenas e médias empresas muitas vezes sofrem com a alta volatilidade decorrente do trânsito de recursos", segundo Flores.
"Como a Previ tem visão de longo prazo e não é pressionada pela necessidade de retornar rapidamente, essa injeção de recursos gera capitalização mais estável e reforma o mercado de capitais com esse horizonte longo", afirma ele.
"O tamanho dos fundos está adequado pelos próximos dois anos", diz Renê Sand, diretor de investimentos.
"À medida que a experiência confirme seu êxito depois dos dois anos, poderemos aportar mais recursos", acrescenta Flores.
"Além de o investimento em 'small caps' ser uma excelente forma de diversificar a carteira de renda variável, são R$ 300 milhões injetados na economia brasileira, em empresas cuja produção está diretamente ligada ao mercado consumidor interno"
RICARDO FLORES
presidente da Previ
foco
A Previ deve investir mais em fundos de investimentos e participações (FIPs) nos setores em que já atua.
"Vamos focar mais em FIPs nos segmentos de óleo e gás, infraestrutura e varejo", diz Ricardo Flores, presidente do fundo de pensão, sem precisar valores de futuros aportes. A Previ aplicou R$ 100 milhões no FIP de óleo e gás do BB no mês passado e já tinha investido nos FIPs Mare e Sete Sondas.
Na área de infraestrutura, o fundo participou da proposta vencedora da concessão do aeroporto de Guarulhos com o grupo Invepar.
A Previ registrou recorde de pagamento de R$ 9,04 bilhões em 2011 em benefícios aos aposentados e pensionistas do fundo de pensão.
Cerca de 54,2% dos pagamentos foram feitos com recursos provenientes de aluguéis de empreendimentos comerciais da Previ.
O Estado de São Paulo concentra 20% dos benefícios, com 17 mil dos cerca de 88 mil aposentados e pensionistas da Previ, e um total pago de R$ 1,86 bilhão ao ano.
Grupos de hotéis do PR e de AL construirão três novas unidades
A Rede de Hotéis Deville, do Paraná, vai investir R$ 91 milhões na construção de dois hotéis e na reforma de suas outras dez unidades.
Um dos novos hotéis, que receberá aporte de R$ 42 milhões, será em Campo Grande (MS). "Iremos atender os empresários da área de agronegócios", diz o presidente da rede, Jayme Canet Neto.
As obras devem começar em julho e ser concluídas em dois anos.
A outra nova unidade da companhia será em Campinas (SP) e exigirá R$ 37 milhões em investimentos.
"Esse projeto ainda está em fase de aprovação, em um ritmo lento por causa dos problemas políticos da cidade [cujo comando da prefeitura mudou quatro vezes em um ano por denúncias de corrupção]."
No Nordeste, o Grupo Salinas também prevê ampliar sua rede de resorts. Com aporte de R$ 32 milhões, instalará uma unidade com perfil econômico em Japaratinga (AL).
O grupo, que tem mais dois resorts, projeta hotéis em outras três regiões do Estado, segundo o diretor Glênio Cedrim.
CONTRAPROPOSTA
A escassez de talentos no Brasil começa a atrapalhar o mercado de recrutamento de executivos.
Na disputa por profissionais qualificados, as companhias têm optado por cobrir, com salários mais altos, propostas recebidas por seus funcionários para trabalharem em outras empresas.
Estudo realizado pela consultoria de recrutamento executivo Michael Page, de novembro de 2011 a março de 2012, aponta que houve retenção por cobertura de proposta em mais de 30% dos casos de uma amostra de cerca de 1.500 processos de colocação.
"É ruim para a empresa que retém o funcionário pois a decisão de sair já foi tomada e ele acabará indo embora em outra ocasião. Para o executivo é mau. Ele fica com salário inflacionado, que o impede de receber futuras oportunidades", diz Marcelo De Lucca, diretor da consultoria.
A retenção não planejada eleva artificialmente os salários e o tempo de colocação, segundo Lucca.
Cabo A americana General Cable Corporation, de cabos de ignição eletrônica de automóveis, comprou a Délphia Produtos Elétricos, fabricante de suplementos no Brasil. A compradora foi assessorada pelo TozziniFreire Advogados.
Energia alternativa A empresa argentina de energia eólica Impsa vai investir aproximadamente R$ 150 milhões em um novo parque no Uruguai. A companhia possui produção de aerogeradores em Pernambuco.
Descaminhos na saúde - JOSÉ SERRA
O ESTADÃO - 12/04/12
Os escândalos nos hospitais federais no Rio de Janeiro fazem parte da rotina entranhada na política brasileira de hoje. Paralelamente, ilustram a falta de rumo na saúde do País.
Todas as grandes inovações que deram certo nesse setor vêm dos anos 1990. Começaram no governo Itamar Franco, com a incorporação do antigo Inamps ao Ministério da Saúde (MS), abrindo caminho para a universalização e integração do atendimento entre as três esferas de governo, dentro de um sistema único. No governo FHC sucederam-se as conquistas: o Piso de Atenção Básica, pago de forma regular e automática aos municípios pelo MS, e a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF), que atingiu 16 milhões de famílias. As despesas com atenção básica saltaram de 17% para cerca de 25%.
Nesse período se deu a batalha dos medicamentos: o combate às falsificações, a introdução dos genéricos, a redução de tributos dos remédios de uso continuado e dos antibióticos, o enfrentamento das restrições excessivas das patentes, a generalização e ampliação da distribuição gratuita de medicamentos básicos e de maior complexidade. Pela primeira vez o item "custos" passou a ser uma preocupação obsessiva do ministério a fim de extrair mais de cada real gasto. E pela primeira vez investimos em recursos humanos, formando mais de 200 mil auxiliares e técnicos de enfermagem em cursos modelares espalhados pelo Brasil.
Foi a época também do salto definitivo na produção e cobertura de vacinas, bem como da implantação dos mutirões de prevenção e de cirurgias eletivas. Ou da campanha contra a aids, a melhor e mais bem-sucedida de todo o mundo em desenvolvimento. Com o novo Sistema Nacional de Transplantes, o Brasil tornou-se o segundo maior do planeta nessa área. As leis antitabagistas, ponto alto da prevenção de doenças, deram certo e nosso país se tornou vanguarda nessa batalha.
No plano institucional, houve a gestão plena nos municípios maiores, a lei que regulamentou os planos de saúde, a criação da Agência Nacional de Saúde (ANS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos moldes do FDA norte-americano - ambas com diretorias aprovadas pelo Senado, sem indicações político-partidárias. Por fim, houve a recuperação da estrutura e da dignidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), voltada para o combate às endemias. Nela foi criada a exigência de qualificação formal mínima para cargos de direção. Conseguiu-se ainda aprovar a PEC 29, que fixou pisos mínimos para os gastos em saúde nas três esferas de governo e delegou à lei complementar o poder de regulamentar, mudar e aperfeiçoar os mecanismos de financiamento.
Enfim, essa foi a era das inovações nacionais na saúde em nosso país. A partir de então seu estoque estagnou. Algumas foram mantidas por inércia, como o PSF, os sistemas de vacinação e de transplantes e, mal e mal, o combate à aids. Outras sofreram retrocesso ou foram pervertidas por loteamento político e corrupção, como no caso da Funasa. Diga-se que a medida que exigia certificação para os altos cargos dessa agência foi revogada logo no início do governo Lula, em 2003.
O loteamento passou a dominar o setor da saúde, especialmente cruel no caso da ANS e da Anvisa. É fácil entender, nesse contexto, por que os prazos de aprovação de um medicamento genérico triplicaram. São agências poderosas e o preço para vender facilidades depois de criar dificuldades pode ser imenso. Preocupações práticas com custos e formação de recursos humanos foram para o beleléu. Os mutirões foram extintos por terem, supostamente, marca tucana. Cessou a ofensiva pela massificação dos medicamentos genéricos. Tirou-se a Anvisa do sistema de registro de patentes, enfraquecendo o poder de negociação do MS quanto aos preços de novos medicamentos. Até hoje a ANS não consegue cobrar o ressarcimento dos planos de saúde por clientes atendidos no SUS.
Consagrou-se, também, a gestão publicitária da saúde, descarregando em cima de Estados ou municípios as despesas, mas faturando a iniciativa. Exemplos? As UPAs e o Samu. Das primeiras (cópia das AMAs de São Paulo), o MS financia a construção, mas o custeio, muito maior, é bancado... pelos municípios. Com o Samu o esquema se repete: o governo federal envia os veículos, mas quem paga a operação, infinitamente mais cara? Os municípios! Resultado? Ambulâncias cada vez mais encostadas.
A PEC 29 ficou valendo, mas a lei complementar que deveria regulamentá-la, prevista para 2004, só foi aprovada em 2011, depois de anos de obstrução pelo governo do PT, que impediu um equilíbrio maior na distribuição das despesas. No final dos anos 1990 a União comparecia com 55% das despesas da saúde. Em 2010, com 45%!
O escândalo nos hospitais federais no Rio pode ser compreendido a partir desse ambiente. Em 1998 trocamos todas as diretorias desses hospitais, que são numerosos, pois vêm do Rio capital federal. Além de cortar custos, iniciamos a descentralização, transferindo quatro das unidades para o município do Rio, em contratos que previam o repasse dos recursos necessários. Mas o PT sempre combateu essa medida e seu governo não se empenhou nas negociações, necessárias diante das dificuldades naturais do processo. O resultado foi uma intervenção desastrada na saúde da cidade em 2005, com motivação corporativa e eleitoral, e a volta dos hospitais à órbita federal, na contramão do que preconiza o SUS, jogando-os na rota da deterioração e da roubalheira.
Note-se que o loteamento no Brasil tem uma peculiaridade: o MS cochicha que estava resistindo às nomeações políticas, mas exclui delas o partido do governo, o PT, o que mais loteia. E foi precisamente um petista histórico e desqualificado para as funções que embolsou, confessadamente, pelo menos R$ 200 mil.
Os descaminhos da saúde no Brasil não estão aí por acaso. São fruto do descaso e da incompetência metódica, continuada e convicta.
CPI bumerangue - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 12/04/12
BRASÍLIA - A articulação da CPI do Cachoeira expõe as vísceras das relações do PMDB com o PT, que formam o corpo, mas talvez não a alma, do governo Dilma Rousseff.
O PMDB, via Sarney e Renan, dá a maior força para o PT criar a CPI, deixando uma dúvida: é para valer, ou só para espicaçar o PT e, por tabela, o próprio governo? CPIs, mais cedo ou mais tarde, acabam azucrinando as vidas dos governos.
Os tentáculos de Cachoeira, conhecidos apenas em parte, atingem petistas, tucanos, democratas e outros menos cotados, mas, curiosamente, até aqui não chegou ao PMDB, partido imenso, com ramificações em todos os Estados e enormes bancadas congressuais -e que não chega a ser um santuário.
Assim, parece que o PMDB está dando corda para o PT e a oposição se enforcarem juntos. Quanto mais CPI, mais denúncias contra o PT e mais aperreio para o Planalto, mais caro fica o "apoio" peemedebista.
Quanto a Lula e Dilma, que estariam dando um empurrão para a instalação da CPI, deve-se duvidar das boas intenções e avaliar o cálculo político. Lula está em fase de penitenciar-se pelas relações perigosas e pelos exemplos nada edificantes na área ética durante o seu governo. Fora da zona de risco, empurra todos, especialmente Dilma, para enfrentarem as feras com quem confraternizava, feliz da vida.
E Dilma? Mantém no caso da CPI a mesma posição olímpica que adotou na ascensão e queda de seus ministros: assiste de longe e lava as mãos, como se Cachoeira não fosse problema dela. Mas pode acabar sendo, se a base aliada molhar-se tanto quanto a oposição.
Por enquanto, portanto, a CPI é só uma peça do jogo político, não uma realidade, principalmente porque os escândalos do Cachoeira revelam-se um típico caso bumerangue: dão uma volta danada, arranham os adversários e voltam direto na testa de quem se julga ileso. Não é, ex-quase senador Demóstenes?
O PMDB, via Sarney e Renan, dá a maior força para o PT criar a CPI, deixando uma dúvida: é para valer, ou só para espicaçar o PT e, por tabela, o próprio governo? CPIs, mais cedo ou mais tarde, acabam azucrinando as vidas dos governos.
Os tentáculos de Cachoeira, conhecidos apenas em parte, atingem petistas, tucanos, democratas e outros menos cotados, mas, curiosamente, até aqui não chegou ao PMDB, partido imenso, com ramificações em todos os Estados e enormes bancadas congressuais -e que não chega a ser um santuário.
Assim, parece que o PMDB está dando corda para o PT e a oposição se enforcarem juntos. Quanto mais CPI, mais denúncias contra o PT e mais aperreio para o Planalto, mais caro fica o "apoio" peemedebista.
Quanto a Lula e Dilma, que estariam dando um empurrão para a instalação da CPI, deve-se duvidar das boas intenções e avaliar o cálculo político. Lula está em fase de penitenciar-se pelas relações perigosas e pelos exemplos nada edificantes na área ética durante o seu governo. Fora da zona de risco, empurra todos, especialmente Dilma, para enfrentarem as feras com quem confraternizava, feliz da vida.
E Dilma? Mantém no caso da CPI a mesma posição olímpica que adotou na ascensão e queda de seus ministros: assiste de longe e lava as mãos, como se Cachoeira não fosse problema dela. Mas pode acabar sendo, se a base aliada molhar-se tanto quanto a oposição.
Por enquanto, portanto, a CPI é só uma peça do jogo político, não uma realidade, principalmente porque os escândalos do Cachoeira revelam-se um típico caso bumerangue: dão uma volta danada, arranham os adversários e voltam direto na testa de quem se julga ileso. Não é, ex-quase senador Demóstenes?
A França do 'não' - DEMÉTRIO MAGNOLI
O ESTADÃO - 12/04/12
A França, pátria da Revolução, é um país essencialmente conservador. Fernand Braudel enfatizou isso: "Todos os países da Europa viveram, durante séculos, em economia camponesa. Em seguida, todos dela se afastaram, mais ou menos rápido. A França, mais lentamente que outros - esse atraso seguramente marcou sua história profunda". A nostalgia de uma época de ouro, bem como o temor da mudança, contaminam a política francesa. Eis aí a raiz das ambivalências da campanha eleitoral em curso, na qual os dois candidatos principais se entregam à dissimulação, fingindo ignorar as fraturas nos pilares que sustentam o modo de vida francês.
Nicolas Sarkozy imita Charles de Gaulle, enquanto seu adversário socialista, François Hollande, imita François Mitterrand. De Gaulle e Mitterrand conciliaram a "França eterna" à "França europeia", quando tal operação era viável. Seus imitadores não podem mais fazê-lo, a não ser como prestidigitação retórica. A crise do euro ronda as portas da França. O país viveu de crédito enquanto perdia competitividade em relação à Alemanha. As sirenes de alarme já soaram, no terreno das finanças, pelo descolamento entre as taxas de juros cobradas sobre títulos públicos alemães e franceses, e no da política, pela submissão de Sarkozy à orientação definida por Angela Merkel. Mas, apesar do ruído inconfundível, o gaullista e o socialista navegam nas águas plácidas da irrealidade.
"Globalização" é o nome do mal, na visão tradicional de quase toda a elite política francesa, à esquerda e à direita. Até há pouco, "Estados Unidos" era o outro nome desse mal e "Europa" aparecia como o antídoto infalível: a concha protetora da nação francesa. Nos últimos dois anos, entretanto, sob o impacto do desmoronamento do edifício das dívidas públicas denominadas em euro, "Europa" converteu-se em mais um sinônimo de "globalização". Nos extremos do espectro político, o dilema encontra uma resposta coerente, ainda que desastrosa: a rejeição nacionalista à Europa. Tal rejeição não pode ser incorporada pelos dois candidatos principais - mas eles também não podem recusá-la por inteiro.
No início, Sarkozy organizou seu discurso eleitoral em torno da razão pragmática. A França deveria equilibrar seu orçamento, para ser uma segunda Alemanha, e ele faria campanha como o parceiro indispensável de Merkel no empreendimento titânico de salvação da Europa. As sondagens indicaram, contudo, que o personagem não lhe assegurava nem mesmo a passagem para o segundo turno. O presidente investiu, então, sobre o eleitorado de Marine Le Pen, da Frente Nacional, curvando-se à "França eterna" e retomando as senhas xenófobas que guarda como reserva para emergências: a "identidade nacional" e o "fracasso da integração". O tema da imigração foi conectado aos problemas do desemprego, da segurança e do terrorismo. O Hexágono francês acossado se defenderá da "peneira europeia", bradou Sarkozy, ameaçando retirar o país do Tratado de Schengen, de livre circulação de pessoas.
Uma "França do não" emergiu majoritária no referendo sobre o projeto de Constituição Europeia, em 2005. Gaullistas e socialistas se engajaram, juntos, na campanha do "sim", sofrendo uma derrota desconcertante. O heteróclito polo da negação reuniu a extrema esquerda aos semifascistas da Frente Nacional, entrelaçando narrativas revolucionárias e nacionalistas. O resultado, um divisor de águas na história política francesa, provocou a cisão no Partido Socialista que originaria o Partido de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, e a Frente de Esquerda, uma coalizão dos dissidentes socialistas com o Partido Comunista e grupos trotskistas. Na campanha em curso, a verdadeira novidade é a ascensão de Mélenchon, que aparece no terceiro lugar, à frente de Le Pen.
Nos comícios de Mélenchon ouvem-se os ecos longínquos da Comuna de Paris. "Quando já não existe liberdade, a insurreição é um dever sagrado da República". Ele fala numa "revolução dos cidadãos": a convocação de uma Constituinte para definir novos direitos sociais e desenhar os contornos de uma Sexta República. Promete romper com a "Europa neoliberal", retirar a França da Aliança Atlântica, dobrar o salário mínimo e, retomando o fio solto por Mitterrand em 1983, reorganizar a economia ao redor de um núcleo estatal formado pelas instituições financeiras e pelas indústrias estratégicas. As sondagens indicam que a esquerda renascida em 2005 avança sobre o eleitorado do anel industrial do leste francês, uma ampla base operária cedida pelos comunistas à Frente Nacional há duas décadas.
Hollande perdeu o primeiro posto nas sondagens eleitorais para Sarkozy, mas tem assegurado o seu lugar no segundo turno e, segundo as interpretações correntes, marcha rumo a um triunfo final propiciado pela transferência de votos de Mélenchon. O socialista comprometeu-se a reverter a reforma previdenciária de Sarkozy, aumentar a taxação sobre os mais ricos e renegociar o pacto fiscal europeu, a fim de reduzir os cortes previstos nos gastos públicos. No segundo turno, contudo, a dinâmica da conquista dos eleitores de Mélenchon exigirá algo mais: um apelo direto à "França do não". A inclinação à esquerda, aparentemente inevitável, terá um elevado preço político.
A prestação inicial será cobrada por Sarkozy, que já ensaia o ângulo de ataque. "Em 1981, os socialistas esvaziaram o cofre em dois anos. Em 2012, será preciso apenas dois dias. Eles nos levarão à Grécia ou nos levarão à Espanha", alertou o presidente, referindo-se ao tímido programa de reformas incrementais de seu oponente. Na hipótese provável de vitória de Hollande, os eleitores enganados cobrarão a prestação final. Então a curta primavera da dissimulação se dissolverá no tórrido verão da realidade e a crise do euro atingirá um patamar mais dramático, dilacerando o tecido frágil do sistema político francês.
Estupro de menores - CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 12/04/12
Como diz a turma dos bêbados: com prostituta vale tudo, pois, de qualquer forma, ela se dá para todos
COMO MUITOS, fiquei perplexo diante da recente decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que inocentou um homem acusado de estupro por ter se relacionado com três meninas de 12 anos que se prostituíam.
Os fatos aconteceram antes de 2009, quando o Código Penal passou a considerar como estupro qualquer relação (mesmo aparentemente consensual) com menor de 14 anos, pois, de qualquer forma, o menor não seria capaz de consentir com discernimento.
As leis não sendo retroativas, o STJ julgou no quadro legal de antes de 2009, e o homem foi inocentado porque, as meninas sendo prostitutas, a relação com elas não teria sido propriamente estupro.
Inevitavelmente, o argumento ressuscita o preconceito segundo o qual a condição da vítima faria diferença na hora de decidir se houve crime contra ela ou não. É o ranço das turmas de bêbados frustrados do sábado à noite: com prostituta e travesti de beira de estrada vale tudo, pois, de qualquer forma, eles se dão para todos, não é?
Mas não é só isso: o cliente de uma prostituta de 12 anos é, no mínimo, cúmplice da violência de quem, direta ou indiretamente, levou a menina a se prostituir.
Claro, a prostituição pode ser uma escolha livre, mas essa liberdade, em nossa cultura, só pode ser reconhecida a quem é maior de 18 anos -certamente não a meninas de 12. Essa observação, com a qual todos concordamos (imagino), introduz forçosamente uma pergunta: o que é, para nós, um menor? Como definimos esse ser "provisório", que precisa ser protegido, inclusive de seus próprios impulsos?
Digo logo: a pergunta e a tentativa de responder são interessantes, mas não mudam nada quanto ao fato de que sexo com uma menina de 12 anos, em nossa cultura, só pode ser estupro. Vamos lá.
Se tentarmos definir o menor por seu desenvolvimento inacabado, encontraremos dificuldades insolúveis. Digamos que a criança não tem experiência, saber, estruturas cognitivas ou maturidade suficientes para escolher de maneira responsável. Concordo, mas o problema é que há coortes de adultos que poderiam ser considerados como crianças por falta de experiência, maturidade, saber etc.
Por exemplo, no recente "Incognito - As Vidas Secretas do Cérebro" (Rocco), David Eagleman mostra que muitos criminosos são impulsivos como pré-adolescentes e apresentam um desenvolvimento incompleto do córtex pré-frontal comparável ao das crianças. Se escolhermos esse critério para definir a imaturidade infantil, deveríamos soltar esses indivíduos, considerá-los como crianças (não como criminosos) e mandá-los de volta para a escola, para que se tornem adultos e responsáveis por seus atos. Problema, hein?
De fato, as definições da infância por falta de maturação etc. são incertas. Talvez seja mais fácil defini-la pelo caráter especial de nosso amor: crianças são as que protegemos para que conheçam uma felicidade que nos fugiu e para que continuem nossa breve vida.
Por isso, aliás, preferimos manter as crianças longe das necessidades, dos perigos, das violências e também do sexo, que é, para nós, uma fonte frequente de frustração.
Há tempos (desde o trabalho seminal de Philippe Ariès, "História Social da Criança e da Família", LTC), os historiadores nos mostram que essa maneira de amar as crianças surgiu com a modernidade. Com o desencanto do mundo e a morte de Deus, a vida individual se tornou o único horizonte da existência moderna: as crianças nos consolariam, portanto, de nossa mortalidade, pois, por elas, duraremos um pouco mais.
É bonito e faz sentido. Mas, às vezes, o amor moderno das crianças parece grande demais: por exemplo, fato provavelmente incompreensível por um indivíduo clássico, nós achamos a morte de uma criança infinitamente mais trágica do que a de um adulto. E o mesmo vale para o estupro.
Ora, um excesso de sentimentos ternos, amorosos e protetores é facilmente o sinal de uma formação reativa. Em outras palavras, talvez, para explicar os excessos de nosso amor pelas crianças, seja preciso supor que, de fato, nós as odiamos porque, justamente, 1) elas nunca estão à altura da expectativa de que compensem tudo o que não deu certo em nossa vida e 2) elas estarão aqui quando nós não estivermos mais.
Em suma, não paramos de proteger as crianças delas mesmas e do mundo, mas as protegemos tanto que fica difícil não imaginar que queiramos sobretudo (ou também) protegê-las de nós mesmos.
Como diz a turma dos bêbados: com prostituta vale tudo, pois, de qualquer forma, ela se dá para todos
COMO MUITOS, fiquei perplexo diante da recente decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que inocentou um homem acusado de estupro por ter se relacionado com três meninas de 12 anos que se prostituíam.
Os fatos aconteceram antes de 2009, quando o Código Penal passou a considerar como estupro qualquer relação (mesmo aparentemente consensual) com menor de 14 anos, pois, de qualquer forma, o menor não seria capaz de consentir com discernimento.
As leis não sendo retroativas, o STJ julgou no quadro legal de antes de 2009, e o homem foi inocentado porque, as meninas sendo prostitutas, a relação com elas não teria sido propriamente estupro.
Inevitavelmente, o argumento ressuscita o preconceito segundo o qual a condição da vítima faria diferença na hora de decidir se houve crime contra ela ou não. É o ranço das turmas de bêbados frustrados do sábado à noite: com prostituta e travesti de beira de estrada vale tudo, pois, de qualquer forma, eles se dão para todos, não é?
Mas não é só isso: o cliente de uma prostituta de 12 anos é, no mínimo, cúmplice da violência de quem, direta ou indiretamente, levou a menina a se prostituir.
Claro, a prostituição pode ser uma escolha livre, mas essa liberdade, em nossa cultura, só pode ser reconhecida a quem é maior de 18 anos -certamente não a meninas de 12. Essa observação, com a qual todos concordamos (imagino), introduz forçosamente uma pergunta: o que é, para nós, um menor? Como definimos esse ser "provisório", que precisa ser protegido, inclusive de seus próprios impulsos?
Digo logo: a pergunta e a tentativa de responder são interessantes, mas não mudam nada quanto ao fato de que sexo com uma menina de 12 anos, em nossa cultura, só pode ser estupro. Vamos lá.
Se tentarmos definir o menor por seu desenvolvimento inacabado, encontraremos dificuldades insolúveis. Digamos que a criança não tem experiência, saber, estruturas cognitivas ou maturidade suficientes para escolher de maneira responsável. Concordo, mas o problema é que há coortes de adultos que poderiam ser considerados como crianças por falta de experiência, maturidade, saber etc.
Por exemplo, no recente "Incognito - As Vidas Secretas do Cérebro" (Rocco), David Eagleman mostra que muitos criminosos são impulsivos como pré-adolescentes e apresentam um desenvolvimento incompleto do córtex pré-frontal comparável ao das crianças. Se escolhermos esse critério para definir a imaturidade infantil, deveríamos soltar esses indivíduos, considerá-los como crianças (não como criminosos) e mandá-los de volta para a escola, para que se tornem adultos e responsáveis por seus atos. Problema, hein?
De fato, as definições da infância por falta de maturação etc. são incertas. Talvez seja mais fácil defini-la pelo caráter especial de nosso amor: crianças são as que protegemos para que conheçam uma felicidade que nos fugiu e para que continuem nossa breve vida.
Por isso, aliás, preferimos manter as crianças longe das necessidades, dos perigos, das violências e também do sexo, que é, para nós, uma fonte frequente de frustração.
Há tempos (desde o trabalho seminal de Philippe Ariès, "História Social da Criança e da Família", LTC), os historiadores nos mostram que essa maneira de amar as crianças surgiu com a modernidade. Com o desencanto do mundo e a morte de Deus, a vida individual se tornou o único horizonte da existência moderna: as crianças nos consolariam, portanto, de nossa mortalidade, pois, por elas, duraremos um pouco mais.
É bonito e faz sentido. Mas, às vezes, o amor moderno das crianças parece grande demais: por exemplo, fato provavelmente incompreensível por um indivíduo clássico, nós achamos a morte de uma criança infinitamente mais trágica do que a de um adulto. E o mesmo vale para o estupro.
Ora, um excesso de sentimentos ternos, amorosos e protetores é facilmente o sinal de uma formação reativa. Em outras palavras, talvez, para explicar os excessos de nosso amor pelas crianças, seja preciso supor que, de fato, nós as odiamos porque, justamente, 1) elas nunca estão à altura da expectativa de que compensem tudo o que não deu certo em nossa vida e 2) elas estarão aqui quando nós não estivermos mais.
Em suma, não paramos de proteger as crianças delas mesmas e do mundo, mas as protegemos tanto que fica difícil não imaginar que queiramos sobretudo (ou também) protegê-las de nós mesmos.
SP CONTRA A LIGA - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 12/04/12
O São Paulo jogou uma pá de cal na ideia de alguns clubes de criar uma liga de futebol para organizar os campeonatos nacionais, esvaziando a CBF. "Não é hora disso", diz Juvenal Juvêncio, presidente do Tricolor. Ele acha que é preciso dar apoio e estabilidade ao novo presidente da entidade, José Maria Marin.
PORTA ABERTA
Eleonora Menicucci, ministra de Políticas para Mulheres, pode se encontrar com Lula amanhã. Ela participa de um encontro de trabalhadoras metalúrgicas em São Bernardo e deve depois fazer "visita de cortesia" ao ex-presidente, de acordo com a assessoria dele.
PORTA ABERTA 2
A visita ocorre dois dias depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter começado a analisar a permissão de aborto em casos de anencefalia, questão considerada crucial pela ministra e por setores que apoiaram a sua nomeação para o ministério.
PORTA ABERTA 3
Criticada por religiosos por sua posição favorável à descriminalização do aborto, Menicucci foi considerada um símbolo positivo por crianças da paróquia Santa Teresinha, em Higienópolis, em São Paulo. Em cartazes sobre o Dia da Mulher, elas colaram foto da ministra ao lado de personalidades que seriam exemplo de força e sucesso como Dilma Rousseff e Gisele Bündchen.
NO BRASIL
A top model Naomi Campbell procurou ontem médicos paulistas para uma consulta. Marcou hora com o infectologista David Uip, com a ginecologista Marianne Pinotti e com o ortopedista Sergio Rudelli.
MUDANÇAS
André Mantovani assumiu o cargo de vice-presidente de gestão da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura. Ele é ex-diretor-geral do canal MTV.
QUERO SANGUE
E quem ouviu as conversas de Lula com petistas para incentivar a criação da CPI de Cachoeira diz que ele está com "sangue nos olhos". O ex-presidente diz acreditar que ela pode esclarecer como surgiram não apenas o mensalão, mas vários outros escândalos de seu governo que teriam como origem arapongagens do grupo do contraventor.
QUERO SANGUE 2
O eventual envolvimento de petistas com Cachoeira seria um efeito colateral suportável, tem dito Lula, diante dos benefícios de uma CPI.
SOMA
O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) disse anteontem em conversas com interlocutores com quem tem se aconselhado que não cai sozinho no escândalo de Carlinhos Cachoeira. Calcula que tombem, como ele, pelo menos outros dez deputados federais, de PSDB, PMDB e PT, por envolvimento com o contraventor.
CÂMERA, AÇÃO
Carolina Dieckmann foi escolhida, depois de participar de leituras, para o elenco de "A Pele do Cordeiro", longa de Paulo e Pedro Morelli. O filme começa a ser rodado em maio, em São Francisco Xavier (SP), com Maria Ribeiro, Caio Blat, Paulinho Vilhena, Lee Taylor, Juliano Ribeiro e Martha Nowill. "É uma história sobre sonhos da juventude e desilusões da maturidade", diz Paulo.
NAMORO NO CADERNO
A peça "Música para Cortar os Pulsos", de Rafael Gomes, vencedora do prêmio APCA 2010 na categoria jovem, sairá em livro pela LeYa até o final do mês. A obra tem dez capítulos batizados com títulos que remetem às fases de um relacionamento amoroso.
VOO LIVRE
O estilista Heitor Werneck foi à pré-estreia para convidados do longa "Essa Maldita Vontade de Ser Pássaro", estrelado por Cynthia Falabella, anteontem, no MIS.
LETRA VIVA
O ex-governador José Serra foi ao lançamento do livro "Código Penal Comentado", do deputado estadual Fernando Capez e da advogada Stela Prado, anteontem, na Escola Paulista de Direito.
CURTO-CIRCUITO
A Prada promove almoço hoje no Nonno Ruggero do shopping Cidade Jardim.
Michel Teló faz show hoje, às 23h, no Villa Country. Classificação: 18 anos.
O Spa Lapinha hospeda os atores do Festival de Cinema da Lapa (PR).
com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY
Queda da inflação - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 12/04/12
A inflação está caindo fortemente em todos os índices. No ano passado, nesta mesma época, o cenário era de estouro do teto da meta. E estourou. Agora, o IPCA está menos de um ponto percentual acima do centro da meta, e o IGP-M está numa trajetória de queda ininterrupta há 14 meses, em que despencou de 11,5% para 3,2%. Há vários fatores favoráveis e um preço reprimido explicando o resultado.
O Banco Central tem motivos para ficar aliviado. No ano passado, em 31 de agosto, ele fez o primeiro corte da taxa de juros quando a inflação estava subindo e chegou ao pico de 7,3%, em 12 meses, em setembro. Desde então, ela caiu. O mercado apostava que cairia, mas não com essa velocidade.
O Banco Central viu de forma mais precisa o tamanho do agravamento da crise internacional do final do ano passado, que desacelerou a economia mundial e derrubou preços de commodities. Viu de forma mais precisa a desaceleração da atividade no Brasil. Nesses dois pontos o termômetro do BC foi mais exato do que o do mercado. O crescimento foi muito fraco no terceiro e quarto trimestres do ano passado e tudo indica que continuou frio no primeiro trimestre deste ano.
A inflação no final do ano ficou em 6,5%, o teto do permitido, mas porque houve fatos como o adiamento da elevação dos impostos sobre cigarro. O imposto subiria em outubro, ficou para dezembro. Se tivesse sido aprovado em dezembro, a inflação estouraria o teto da meta.
Para a atual queda da inflação, que em março foi mais forte do que era projetado, o economista Luiz Roberto Cunha lista uma série de motivos.
- Os preços dos alimentos caíram. Estavam num patamar muito alto pelos efeitos climáticos de 2010 e 2011. No primeiro trimestre, normalmente os preços ficam mais baixos, exceto hortifrúti quando há muita chuva. Mas nos dois últimos anos não houve essa folga. Este ano houve pouco aumento de ônibus porque é ano eleitoral. Isso fez com que preços administrados ficassem baixos. No começo de mandato de prefeito os ônibus costumam subir muito. Além disso, a mudança do cálculo da inflação, que reduziu o peso de educação, também puxou o índice para baixo - diz o economista.
Todo o aumento da educação acontece no começo do ano, por isso é um item relevante do primeiro trimestre. Neste ano, no entanto, começou a valer o novo sistema de pesos do IBGE.
Os bens duráveis estão em deflação por causa do câmbio valorizado e porque a crise internacional está reduzindo os preços desses produtos. Com isso, a importação acaba derrubando os preços internos. Neste ponto, há um conflito entre os objetivos do governo: o de querer a inflação baixa, e o de criar barreiras contra os importados que estão ajudando a manter a inflação baixa.
O IGP-M em forte queda produz vários efeitos benéficos porque ele é indexador de contratos. Mas tudo depende do ritmo da economia.
- Quando o IGP está alto, os aluguéis sobem conforme o índice; quando está baixo, mas o mercado de aluguéis está aquecido, aí eles acabam corrigidos pelo indicador que for maior - diz Cunha.
O Boletim Focus vem reduzindo as projeções de inflação deste ano. Já estiveram em 5,5% e agora estão em 5,1%. Luiz Roberto Cunha acha difícil se confirmar o cenário do Banco Central, que é a convergência para a meta de 4,5%:
- Este ano haverá entressafra, ou seja, os preços de alimentos subirão no segundo semestre, a partir de agosto. Nos anos anteriores os preços estavam tão altos na safra que não houve muita elevação. Como este ano os alimentos tiveram queda, é natural que subam no período de maior escassez de oferta.
A inflação de serviços também caiu, mas continua bem elevada. Terminou o ano passado em 9%. Deve continuar caindo, mas dificilmente fica abaixo de 7%, mesmo com as mudanças de ponderações e alguns fatos positivos. Empregado doméstico teve alta forte este ano, mas outros itens que haviam subido muito pararam um pouco. O custo do item "mudanças" subiu 22% no ano passado. Manicure e cabeleireiro também subiram muito. Por uma alteração sugerida pelo Banco Central, passagens aéreas saíram do subgrupo "preços administrados" e foram para serviços. No ano passado, as passagens tiveram aumentos fortíssimos - de 53% - e a expectativa é que este ano não subam tanto, segundo o professor Luiz Roberto Cunha.
O aumento do imposto sobre cigarros, que havia sido adiado, já está valendo e impactando a inflação de abril, que ficará bem acima dos 0,21% de março. Uma parte do resultado é explicada pela forte deflação de vestuário.
O cenário é favorável, mas o Banco Central está prevendo que no começo do ano que vem a inflação volte a subir. A grande questão é se em algum momento a gasolina que é fornecida pela Petrobras às distribuidoras será corrigida. Hoje, ela está congelada. Gasolina tem peso quatro na composição do índice. Se o preço subir 10%, já representa 0,4 ponto percentual. Com petróleo em alta e dólar mais valorizado aumenta o prejuízo da Petrobras.
De qualquer maneira, até o momento, o Banco Central está vencendo a batalha, oferecendo o melhor dos mundos: derrubando os juros e a inflação ao mesmo tempo.
Neymar! Pelada no Congresso! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 12/04/12
Lotou o Congresso! Coisa que não se vê há décadas; ele visitou a Turma da Penalidade Máxima
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Boa notícia! Manchete do "Piauí Herald": "Obama transfere Miami pra Barra da Tijuca!". Oba! Acabou a agonia do visto! E, em São Paulo, vai ter emissão de visto pelo drive-thru!
E ontem eu escrevi que tem brasileiro fazendo supermercado em Miami. E recebi dezenas de e-mails: "EU!"; "EU!"; "EU também!"; "Trago até lata de ervilha!" Rarará!
E o Neymar batendo uma peladinha com os depus no nosso Congresso? Neymar no Congresso. Pra comemorar o centenário do Santos! Neymar visita a Turma da Penalidade Máxima.
Parabéns, Neymar, por lotar o Congresso! Coisa que não acontece há décadas. Até fantasmas, laranjas e os 800 parentes do Sarney apareceram pra pedir autógrafo!
A bola podia ser o Demóstenes. Tá todo mundo chutando. E a pelada, a Ideli Salvatti! Vamos jogar uma pelada? Rarará! Queria ver o Neymar jogar uma pelada com a Ideli. E o Congresso não joga bola, LEVA BOLA! Rarará!
E a charge do Duke com os deputados: "A gente também dribla muito: a fiscalização, as investigações, a Receita Federal".
Daqui a cem anos, quando o Sarney morrer, a gente bota o Neymar pra presidente do Senado. Pro bicentenário do Santos.
E o Pelé deu uma de Vanusa: esqueceu o hino do Santos. O Pelé "vanusou"! A especialidade do Congresso é carrinho por trás!
E olha só o que um cara escreveu no meu Twitter: "A Lei da Palmada deveria ser aplicada às testemunhas de Jeová que ficam batendo palma na frente da minha casa nas manhãs de domingo!".
E eu também vou fazer uma plástica pra deduzir do Imposto de Renda. Vou desentortar o pingolim e juntar as sobrancelhas. Quero ficar com uma monocelha igual à do Galvão! É mole? É mole, mas sobe!
Os Predestinados! Sabe como se chama a gerente do Santander de São Caetano? Fabiana BATTISALDO. Só o meu que nunca bate.
E sabe quem ministra o curso pra sobrevivência no Exército? Major MULETA! Rarará!
E, direto do Rio, dois advogados: Michel Minto da Silva e Marcelo Dias Temido! Ueba! E, em Pirassununga, tem o Escritório de Contabilidade Durango! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Gatos pardos - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 12/04/12
A intenção parece boa, mas como delas o inferno está repleto, convém prestar atenção às razões apresentadas na Câmara e no Senado para a criação da CPI mista destinada a investigar as armações ilimitadas das organizações Cachoeira em parceria com representantes do Legislativo, Judiciário, Executivo, imprensa ou quem mais tenha privado da convivência do contraventor.
Até agora só o que se ouve são contabilizações de custos e benefícios políticos.
De um lado o PT vê a possibilidade de constranger o PSDB na figura (por enquanto) do governador Marconi Perillo (GO), de misturar todas as farinhas no mesmo saco ante a proximidade do julgamento do processo do mensalão e de dar uma estocada no procurador-geral da República, que recentemente classificou o caso como "grave agressão à democracia".
Roberto Gurgel seria questionado sobre as razões pelas quais levou dois anos para dar seguimento às denúncias contra Demóstenes Torres, procurador de profissão.
De outro lado, a oposição enxerga a possibilidade de criar embaraços ao PT na pessoa (por ora) do governador Agnelo Queiroz (DF) e fazer resvalar lama no Planalto, onde já se detectou a presença de um interlocutor de preposto de Cachoeira, sem contar a hipótese de fazer emergir relações de empreiteiras com negócios oficiais e trânsito junto ao bicheiro.
Surge também o deputado Protógenes Queiroz na cena, em suspeitíssima troca de informações e orientações com um estafeta do contraventor, especializado em espionagens e produção de dossiês com serviços prestados a comitês de campanhas eleitorais.
A cada dia aparece um novo personagem, uma nova gravação. Levantam-se suspeitas sobre esse ou aquele, numa tão intrincada quanto ampla rede de traficâncias de extensão ainda desconhecida.
Profunda e obscura o suficiente para uma juíza declarar-se impedida de julgar o pedido da habeas corpus alegando ser oriunda de Goiás e, por isso, ter tido em algum momento contato pessoal ou profissional com autoridades do Estado, todas elas, segundo o governador Perillo, mantenedoras de relações com o chefão do jogo.
Não convém esquecer um detalhe até então deixado de lado: a tentativa de legalização dos bingos, em 2010, que acabou derrotada na Câmara, mas contou com 144 votos numa sessão permeada por acusações explícitas de que corria dinheiro da contravenção no ambiente.
Não é preciso muita reflexão para concluir quem transitou por esse terreno na defesa da liberação da jogatina.
É de se ver de que maneira será organizada e operacionalizada essa CPI mista que tanto entusiasmo provoca, mas cujos objetivos ainda não estão claros - se pretendem explicar ou simplesmente confundir, a fim de que todos os gatos sejam considerados pardos.
Anencefalia. Sobre a experiência emocionalmente massacrante que significa carregar um feto sem cérebro por nove meses até o nascimento sem perspectiva de vida, só quem viveu (ou vive) de perto pode dizer. E, por conseguinte, decidir.
A invocação da religiosidade como argumento contrário à interrupção da gravidez de anencéfalos é contraditória, pois não há como enxergar espiritualidade onde impera a inflexibilidade.
No caso em exame pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente cruel, já que tal posição, a prevalecer, torna reféns da tragédia apenas mulheres que não têm dinheiro para minorar seus efeitos de resto já instalados desde o diagnóstico.
As que optam por seguir até o fim o fazem por convicção. É uma escolha. O contrário configura imposição passível de condenação.
A equiparação do aborto terapêutico a aborto eugênico não parece tampouco apropriada. A ninguém ocorre, por exemplo, considerar assassinato a decretação da morte cerebral de alguém para efeito de transplante de órgãos.
Não se trata, como dizem alguns, do descarte de um ser vivo com "anomalias". Trata-se de um ser desprovido do órgão sede dos atributos definidores da existência de vida.
A intenção parece boa, mas como delas o inferno está repleto, convém prestar atenção às razões apresentadas na Câmara e no Senado para a criação da CPI mista destinada a investigar as armações ilimitadas das organizações Cachoeira em parceria com representantes do Legislativo, Judiciário, Executivo, imprensa ou quem mais tenha privado da convivência do contraventor.
Até agora só o que se ouve são contabilizações de custos e benefícios políticos.
De um lado o PT vê a possibilidade de constranger o PSDB na figura (por enquanto) do governador Marconi Perillo (GO), de misturar todas as farinhas no mesmo saco ante a proximidade do julgamento do processo do mensalão e de dar uma estocada no procurador-geral da República, que recentemente classificou o caso como "grave agressão à democracia".
Roberto Gurgel seria questionado sobre as razões pelas quais levou dois anos para dar seguimento às denúncias contra Demóstenes Torres, procurador de profissão.
De outro lado, a oposição enxerga a possibilidade de criar embaraços ao PT na pessoa (por ora) do governador Agnelo Queiroz (DF) e fazer resvalar lama no Planalto, onde já se detectou a presença de um interlocutor de preposto de Cachoeira, sem contar a hipótese de fazer emergir relações de empreiteiras com negócios oficiais e trânsito junto ao bicheiro.
Surge também o deputado Protógenes Queiroz na cena, em suspeitíssima troca de informações e orientações com um estafeta do contraventor, especializado em espionagens e produção de dossiês com serviços prestados a comitês de campanhas eleitorais.
A cada dia aparece um novo personagem, uma nova gravação. Levantam-se suspeitas sobre esse ou aquele, numa tão intrincada quanto ampla rede de traficâncias de extensão ainda desconhecida.
Profunda e obscura o suficiente para uma juíza declarar-se impedida de julgar o pedido da habeas corpus alegando ser oriunda de Goiás e, por isso, ter tido em algum momento contato pessoal ou profissional com autoridades do Estado, todas elas, segundo o governador Perillo, mantenedoras de relações com o chefão do jogo.
Não convém esquecer um detalhe até então deixado de lado: a tentativa de legalização dos bingos, em 2010, que acabou derrotada na Câmara, mas contou com 144 votos numa sessão permeada por acusações explícitas de que corria dinheiro da contravenção no ambiente.
Não é preciso muita reflexão para concluir quem transitou por esse terreno na defesa da liberação da jogatina.
É de se ver de que maneira será organizada e operacionalizada essa CPI mista que tanto entusiasmo provoca, mas cujos objetivos ainda não estão claros - se pretendem explicar ou simplesmente confundir, a fim de que todos os gatos sejam considerados pardos.
Anencefalia. Sobre a experiência emocionalmente massacrante que significa carregar um feto sem cérebro por nove meses até o nascimento sem perspectiva de vida, só quem viveu (ou vive) de perto pode dizer. E, por conseguinte, decidir.
A invocação da religiosidade como argumento contrário à interrupção da gravidez de anencéfalos é contraditória, pois não há como enxergar espiritualidade onde impera a inflexibilidade.
No caso em exame pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente cruel, já que tal posição, a prevalecer, torna reféns da tragédia apenas mulheres que não têm dinheiro para minorar seus efeitos de resto já instalados desde o diagnóstico.
As que optam por seguir até o fim o fazem por convicção. É uma escolha. O contrário configura imposição passível de condenação.
A equiparação do aborto terapêutico a aborto eugênico não parece tampouco apropriada. A ninguém ocorre, por exemplo, considerar assassinato a decretação da morte cerebral de alguém para efeito de transplante de órgãos.
Não se trata, como dizem alguns, do descarte de um ser vivo com "anomalias". Trata-se de um ser desprovido do órgão sede dos atributos definidores da existência de vida.
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