domingo, junho 04, 2017

'Billions' triunfa com vilões realistas que lembram caso JBS - LUCIANA COELHO

FOLHA DE SP - 04/06

Joesley & Wesley podem ensinar uma coisa ou duas a Bobby Axelrod, o protagonista do elétrico drama financeiro "Billions", cuja segunda temporada terminou em maio (e está inteira na Netflix). Os empresários-delatores de Goiás e o megainvestidor fictício de Nova Jersey, afinal, têm mais em comum do que daria a entender seu descompasso capilar.

A série, produzida e exibida nos EUA pelo canal pago Showtime, já tem terceira temporada confirmada para o ano que vem. É o trunfo da inteligência sobre a pirotecnia e o apelo fácil, já que a a produção se ampara essencialmente no roteiro engenhoso e nas atuações gigantescas de Paul Giamatti ("Sideways") e Damian Lewis ("Homeland") como o promotor federal e o dono de uma firma de investimentos movidos primariamente por ódio mútuo.

O que torna esta temporada especial (a coluna já havia abordado o primeiro ano da série em fevereiro) é o vigor dos roteiristas para, após alguns episódios arrastados que seguiram uma estreia bastante bem-sucedida, recobrarem o roteiro e produzirem um final perfeito que não só fecha a história de forma satisfatória como abre a porta para uma temporada mais centrada em política (e aí entra a similaridade com os irmãos Batista).

As reviravoltas são constantes, sem serem inverossímeis; as nuances dos personagens são tantas que é difícil assumir torcidas e apostas.

É fácil apontar "House of Cards" com suas intrigas políticas e seus crimes de poder como a epítome do nosso tempo, mas talvez seja "Billions" e seu desapreço pelas regras em nome do ego e do lucro que explique melhor esses anos revoltos.

Aqui, mocinho e bandido se confundem o tempo todo, com o lado supostamente "do bem" movido pela vaidade e o desejo de ascensão, metido em jogos sexuais fetichistas e usando subordinados e parentes para atingir fins pouco nobres.

Do outro lado, o vilão é sujeito família, o "self-made man" que constrói com destreza a riqueza que a sociedade americana apregoa, e é idolatrado pela sua habilidade de usar brechas na mal regulada indústria financeira para alavancar lucros e ambições que nem sempre têm a ver com dinheiro. Ambos filhos inegáveis da meritocracia, ambos prontos para fecharem a primeira delação ou usarem o primeiro grampo que lhes convier.

O centro desta temporada são duas grandes operação que lança mão de informações privilegiadas obtidas de forma pouco heterodoxa (tipo compra de dólares quando se sabe que o câmbio da moeda saltará) e as pretensões eleitorais do promotor Chuck Rhoades (Giamatti).

A dimensão pessoal também avança, com o crescimento da personagem de Maggie Siff, a inacreditavelmente "isentona" psicóloga que é mulher do promotor e confidente de seu investigado, e a introdução da protegée genial que não se identifica como homem nem como mulher vivida por Asia Kate Dillon —intérprete excelente que, aliás, se apresenta da mesma forma. Ah. E há Marie-Louise Parker, que deve ficar em 2018.

O que precisa ser esclarecido - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/06

Diligência do procurador-geral da República, que deseja colher o depoimento do presidente Michel Temer o quanto antes, contrasta com sua atuação a respeito do áudio que registrou a conversa entre Temer e Joesley Batista


Nos últimos dias, o procurador-geral da República tem atuado no inquérito aberto com a delação da JBS, que envolve o presidente da República, com uma pressa que contrasta com o vagar observado nos outros casos da competência do sr. Rodrigo Janot. Até a própria delação do sr. Joesley Batista, que o sr. Janot assegura versar sobre muitos e graves crimes ainda não revelados, esperou boas semanas na gaveta do procurador-geral até que lhe fosse dado encaminhamento. E o caso só veio a público graças a ilegal e ainda não esclarecido vazamento.

A fulgurante diligência do procurador-geral da República, que deseja colher o depoimento do presidente Michel Temer o quanto antes, contrasta, por exemplo, com sua atuação a respeito do controvertido áudio que registrou a conversa entre Temer e Joesley Batista no Palácio do Jaburu. Mesmo tão interessado em investigar a fundo as denúncias contra o presidente da República, o procurador-geral convenceu-se de cara de que é veraz o que se ouve naquela gravação, pois a considerou como prova sem tê-la submetido a perícia, uma providência que deveria ser trivial. E dali tirou conclusões sobre o comportamento de Temer que a íntegra da gravação, posteriormente conhecida de todos, mal sustenta.

O sr. Janot informou que não mandou periciar antes a gravação por receio - atenção! - de que seu conteúdo pudesse vazar e, assim, comprometer a operação em curso. Debalde, pois parece não haver encanador capaz de conter os vazamentos.

Agora, o sr. Janot, malgrado todo o cuidado que diz ter, deseja, com a mais veemente celeridade, que o presidente Michel Temer se manifeste - perante a Justiça - sobre um caso montado sobre um áudio a respeito do qual não se sabe se merece inteiro crédito, já que não houve, até o momento, perícia do material. Recorde-se, ademais, que ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) já observou que existem naquele tribunal processos relativos à Lava Jato à espera de providências da Procuradoria.

Para o procurador-geral, no entanto, bastam as impressões derivadas do que ouviu naquela gravação, corroboradas, segundo ele, por “outras provas” - majoritariamente testemunhais, oferecidas por associados do sr. Joesley Batista, empresário muito interessado em entregar ao Ministério Público o que os procuradores desejam, isto é, a nata da política nacional, obtendo em troca dadivosos benefícios. O sr. Janot parece tão certo da culpa do presidente que disse ter constatado nos pronunciamentos públicos de Temer a respeito de seu encontro com Joesley Batista uma “confissão espontânea”.

No mesmo diapasão age o ministro Edson Fachin, do STF. Ele acolheu o pedido do sr. Janot para que o presidente de República responda em 24 horas às perguntas a serem feitas pela Polícia Federal, embora tenha dado à Polícia Federal nada menos que 30 dias para realizar a tal perícia da gravação apresentada pelo sr. Joesley Batista.

A disparidade de tratamento é tão notável que não se pode condenar quem, porventura, fique cismado. Afinal, nem uma coisa nem outra se justifica - nem a pressa de ouvir o presidente Temer sobre o conteúdo de uma gravação ainda não periciada nem a demora em realizar a tal perícia. Alega-se que, no caso, há réu preso e isso justifica a urgência do depoimento de Temer. Será esse o único caso em que há réu preso? Nos demais casos, não há a necessidade de urgência?

Também chama a atenção o fato de tudo isso estar ocorrendo às vésperas da sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que vai analisar a ação contra a chapa Dilma-Temer por suposto abuso de poder econômico. Mais uma vez, não se pode ignorar que os embaraços jurídicos e políticos enfrentados agora por Michel Temer podem ter alguma influência na decisão da Justiça Eleitoral.

Desde que o escândalo da gravação estourou, há quem defenda que a cassação da chapa no TSE seria uma “saída honrosa” para Temer, seja lá o que isso signifique. Se assim for, os tribunais estarão sendo usados para a produção de fatos políticos de extrema gravidade. E não seria a primeira vez, como infelizmente sabemos. Isso, sim, precisa ser esclarecido o mais rapidamente possível, mas parece que, sobre esse assunto, não há a menor pressa.

Nem tudo é ideologia - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 04/06

O "Economista como Encanador" é o título da palestra apresentada por Esther Duflo no encontro anual dos economistas americanos neste ano.

O título decorre da crescente participação dos economistas na implementação de políticas públicas que, com frequência, enfrentam problemas de corrupção, de concessão indevida de benefícios ou não obtêm os resultados esperados.

O Bolsa Família, por exemplo, é concedido com base na renda reportada no Cadastro Único, que por vezes subestima a renda verdadeira, e leva à concessão de benefícios acima do previsto.

Esses desvios, porém, poderiam ser significativamente reduzidos caso fossem utilizados os demais dados do cadastro, que permitem uma melhor inferência da renda familiar.

O economista-encanador deve partir dos objetivos da política pública, verificar as causas dos eventuais desvios e propor instrumentos, indicadores e incentivos que garantam os resultados esperados.

Os detalhes do caso particular importam. Duflo discute diversos exemplos, como o desenho da política de acesso à água e saneamento, a distribuição de alimentos subsidiados para famílias de baixa renda ou a implementação de obras de infraestrutura e a geração de empregos em comunidades pobres financiadas pelo governo central.

O tema da palestra contrasta com a economia no Brasil, quase sempre dominada por discussões, frequentemente estéreis, sobre poucos preços, como juros e câmbio, e intervenções com resultados decepcionantes, como as adotadas a partir de 2008.

Além do economista encanador, há também o economista engenheiro que desenha mecanismos para melhor distribuir os recursos existentes.

Todo ano, cerca de 20 mil médicos são formados nos Estados Unidos, com habilidades e especializações diversas. Há, igualmente, muitas vagas abertas em hospitais. O desafio é garantir a melhor alocação possível dos jovens médicos aos empregos disponíveis.

Como no casamento, podemos fazer uma escolha provocada por encontros fortuitos e mais tarde descobrir que havia outras opções que fariam todas as partes mais felizes.

O mesmo ocorria com o processo de alocação dos jovens médicos. Desde os anos 1950, os economistas começaram a desenvolver mecanismos para resolver os problemas observados e culminaram com um algoritmo desenvolvido por Alvin Roth que tem sido extremamente eficaz na prática.

As muitas contribuições de Roth incluem casos surpreendentes, como o desenho de mecanismos para aumentar o número de transplantes para pacientes com insuficiência renal crônica. Roth ganhou o Prêmio Nobel em 2012.

A economia não se reduz à ideologia. Vale a pena conhecer a técnica.


Joesley, o anjo do apocalipse - ANGELA ALONSO

FOLHA DE SP - 04/06
Nos apertos pessoais como nas crises nacionais, cada um recorre à sua Bíblia. Economistas abraçam o breviário ortodoxo. Políticos peregrinam aos cardeais. Movimentos sociais brigam. Cidadãos comuns rezam. E crentes, como Deltan Dallagnol, esperam o armagedom.

O purgatório instaurado por Joesley Batista, esse nome meio protestante, virou um inferno. Labaredas nos ministérios, fúria nas redes sociais e nas ruas, e braseiro sob a cadeira presidencial.

Mas quem é o arauto do apocalipse? Um fanfarrão, disse Temer. Ou, quiçá, um anjo caído, rebelado contra seus criadores. Joesley parece criatura de ficção, daquelas que fazem pacto com o demônio. Ou que o encarnam.

Em "A Igreja do Diabo" encontra-se seu molde. Narra Machado de Assis que o dito-cujo, insatisfeito com seu papel secundário, "embora os seus lucros fossem contínuos e grandes", resolveu copiar Deus e fundar a própria igreja. Joesley fez o mesmo: uma confraria patriarcal, enraizada na família, e globalizada, com tentáculos no inferninho capitalista internacional.

Seu apostolado, contou à Justiça, entre jocoso e singelo, não inquiria o passado do converso. Igreja ecumênica. Acolheu pecadores de todos os partidos, provectos e iniciantes, à direita e à esquerda, do governo e da oposição.

Joesley foi pastor longevo, atravessou mandatos, jamais detido por cara feia ou porta fechada. Pregava a venalidade. Como o diabo no conto de Machado, via aí um "direito superior a todos os direitos", pois "como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência (...)?". Mas se precavia, como ao eleger a calada da noite e a entrada pela garagem, ao tratar desses assuntos de consciência com o presidente.

Muitos se converteram à igreja do diabo. Joesley persuadia com o recurso que é o demônio feito coisa: o dinheiro. Distribuía quantias em montes, magotes, mochilas.

Quando o pecador veio a público, a ira santa se abateu. Colunistas, tuiteiros, facebuquistas sacaram seu metro moral. Impropérios contra a corrupção como decadência ética, julgamentos sobre o caráter de corruptores e corrompidos.

De fato, Joesley e demais falcatrueiros não são modelos de conduta, mas o dinheiro que embolsam e distribuem não nasce nas malas. Veio de negócios tecidos, por décadas, entre empresários, governos, congressistas, magistrados e outras eminências do mundo público. O profeta jamais pregou no deserto.

É tentador pensar que o dinheiro corrompe a política. Mas aí, como em toda parte, não há santos. A lisura dos negócios públicos não pode depender da boa índole dos cidadãos. Precisa de regras e instituições que a garantam. Por isso a Lava Jato é faca de dois gumes.

Visar fins nobres, mas se descuidar da retidão dos meios de alcançá-los pode acelerar o fim desse mundo, sem erigir o novo que apregoa. E de que adiantará mandar ao inferno petistas, peessedebistas, peemedebistas, se o funcionamento geral continuar o mesmo? Ou alguém supõe que das cinzas do apocalipse surgirá um país purificado, com nova elite de incorruptíveis? Só se os anjos descessem do céu. E não se matriculassem na escola de Lúcifer.

O tom moral dos projetos de salvação nacional ignora que viemos todos da mesma costela de Adão. E os imaculados de ontem, Aécio Neves atesta, são os decaídos de amanhã. As instituições devem operar por regras impessoais, válidas para ímpios e santos.

A democracia não é o reino da virtude. É um regime de regras de convivência civilizada entre diferentes e antagonistas, supondo-se que nenhum deles –nem políticos, nem juízes, nem qualquer outra categoria que o reivindique– seja angelical. E no regime democrático não é pecado disputar os rumos da vida pública. Lúcifer disputou com Deus, criando o próprio partido, de modo que nem a Bíblia solapa a política.

O apocalipse está longe do fim, mas o capítulo Joesley já achou seu desfecho machadiano. Em "A Igreja do Diabo", o demônio, depois de estrondoso sucesso, vê-se traído: pecadores, às escondidas, cometem pequenas virtudes. Joesley foi mais tinhoso. Praticou uma virtude grande, a de entregar todos os fiéis de sua igreja. E nem precisou de ave-marias. Confessou-se e granjeou indulgência. Depois voou, livre, leve, solto, para o paraíso da Quinta Avenida.


'O Eu Diário' - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/06

Quando você acessa alguma rede social em busca de notícias, acaba lendo um "jornal" que poderia muito bem receber o nome de "O Eu Diário". É que quem se informa apenas pelas redes acaba adquirindo um conteúdo ultrafiltrado, que exclui tudo o que o titular da conta não aprecia. O "noticiário" esportivo fala apenas do seu time; o político, do partido com o qual você se identifica; e as páginas de opinião trazem justamente as opiniões com as quais você já concorda.

Para alguns, essa poderia ser a definição de vida perfeita: um filtro que elimina tudo aquilo de que eu não gosto. Mas, como o mundo não é tão simples, a prática tem alguns efeitos colaterais deletérios. É esse o tema central de "#republic", de Cass Sunstein. Para o autor, as câmaras de eco em que as redes sociais nos colocam acabam reforçando a fragmentação e a polarização da sociedade. Sunstein analisa com competência a literatura psicológica que mostra por que e em quais condições isso ocorre. Para ele, as redes tratam as pessoas como consumidoras e não como cidadãs, e a diferença é importante para a democracia.

Se, no registro do consumo, podemos perfeitamente nos pautar apenas por nossos gostos e idiossincrasias, no da cidadania, precisamos nos expor a assuntos e ideias que não fazem parte de nossa pauta favorita. É preciso até ouvir e avaliar argumentos com os quais não concordamos.

Sem isso, os aspectos mais deliberativos de nossa democracia, que só funcionam em condições muito específicas, entram em colapso. E não é só. Sem uma base comum de problemas e ideias que valem a pena discutir, não temos nem sequer uma linguagem que possa ser usada -e compreendida- por todos.

Para Sunstein a questão não é se devemos ou não regular a internet e a liberdade de expressão, mas como fazê-lo para preservar ao máximo as vantagens da rede, as liberdades civis e a saúde da República.

O que esperar da política monetária? - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 04/06

Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento

Os países desenvolvidos vêm gradativamente retomando o crescimento, mas o reconhecimento desta tendência é recente. Até há pouco ainda conviviam dois grupos: os que achavam intelectualmente excitante a ideia de que o mundo era vítima de uma “estagnação global”; e os que se assustavam com ela. O pedigree dos teóricos que referendavam aquela hipótese era atraente: foi inventada há algumas décadas por Alvin Hansen, e até hoje é insistentemente defendida por Larry Summers. Por alguma razão, a poupança dos países avançados teria crescido permanentemente em relação aos investimentos, jogando para baixo a taxa neutra de juros e levando os países ao paradoxo de que nem com juros reais negativos haveria crescimento. Estaríamos presos à “armadilha da liquidez” e, a menos que os países desenvolvidos se engajassem em uma política fiscal expansionista, o mundo estaria condenado à estagnação.

Infelizmente para seus adeptos, a hipótese tem sido negada pelos fatos. A economia dos EUA já chegou ao pleno emprego e continua crescendo, com o Fed abandonando medidas monetárias não convencionais iniciando a elevação da taxa de juros. Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento. Onde está a estagnação? É possível que a economia de algum país esteja estagnada, mas este está muito longe de ser um fenômeno global. A hipótese enunciada por Reinhart e Rogoff pode ser menos atraente, mas na minha visão tem maior poder explicativo. O baixo crescimento dos países avançados seria decorrência do endividamento excessivo dos governos, empresas e famílias, e esta lição é importante para o caso brasileiro. Nossa dívida pública é grande demais e, apesar de todo o esforço do ajuste fiscal, deverá continuar crescendo nos próximos anos. Quanto ao setor privado, os dados para as empresas privadas não financeiras mostram um endividamento elevado, e a expansão acelerada do crédito às famílias as levou a um comprometimento de renda que se constitui em um freio ao consumo.

A duras penas as empresas vêm reduzindo sua dívida líquida em relação ao Ebitda, e as famílias vêm reduzindo o estoque de sua dívida, o que, combinado com juros mais baixos, deverá colocar a economia em recuperação. Mais preocupante, no entanto, é a perspectiva sobre o overhang da dívida pública. A emenda constitucional que congela os gastos primários em termos reais foi um primeiro passo, mas terá de ser seguida de reformas como a da Previdência, e complementada por revisões tributárias que elevem as receitas. Na ausência dessas duas ações, continuaremos assistindo a uma dinâmica perversa da dívida pública, que tende a elevar os riscos e a remover o espaço para uma queda mais acentuada da taxa de juros, que é fundamental para a retomada do crescimento.

Não temo o risco da dominância fiscal, que chegou a assustar ao final de 2015, mas o desequilíbrio fiscal deslocaria o balanço de riscos na direção de quedas menores da taxa de juros, com consequências desastrosas sobre a recuperação do crescimento e sobre a própria dinâmica da dívida.

Olhando para a força desinflacionária que vem do hiato negativo do PIB e para a queda acelerada da inflação, mesmo em meio à atual crise política, o Banco Central pode reduzir a taxa de juros, como o fez na última reunião do Copom. Mas, dependendo dos efeitos da crise política sobre a continuidade das reformas, no campo fiscal o balanço de riscos se desloca na direção de um menor grau de estímulos monetários.

Se não criarmos condições para que o País possa eliminar a percepção do risco vindo da dinâmica perversa da dívida, aprovando a reforma da Previdência e criando condições políticas para elevar impostos e/ou reduzir desonerações tributárias nos próximos anos, a perspectiva de crescimento da dívida bruta elevará os riscos, tolhendo os estímulos ao crescimento. Sem a resolução da crise política, a tendência é de redução dos graus de liberdade na condução da política monetária, o que, na melhor das hipóteses, levará o País a um crescimento econômico muito lento, piorando a dinâmica da dívida e elevando os riscos, o que fecha um círculo vicioso que é preciso evitar.

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.

É investimento ou é corrupção? - CELSO MING

ESTADÃO - 04/06

Pairam dúvidas sobre a confiabilidade desses números, já que muitos recursos sumiram em malas pretas


Se o investimento hoje é produção amanhã, então estamos mal também por esse lado.

O investimento é um dos componentes do PIB, pela óptica da demanda. E vem tendo comportamento medíocre. No PIB, o investimento leva o nome de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Em 2013 andava por volta dos 21% do PIB, volume que já era baixo para o País que pretendia crescer 4% ao ano. Para isso, seria necessário um investimento de pelo menos 24% do PIB. Mas nos últimos três anos, veio mergulhando mais. No primeiro trimestre de 2017, caiu 28% em relação a mesmo período de 2014: ficou nos 15,7% do PIB.

Ainda assim, pairam dúvidas sobre a confiabilidade desses números. Um exemplo é o efeito produzido pela corrupção, que o IBGE pouco consegue mensurar. Nos últimos três anos, a Petrobrás extirpou dos balanços nada menos que R$ 115,25 bilhões de investimentos em refinarias e subsidiárias, na verdade desviados para corrupção.

Não é só a Petrobrás. Os recursos escorreram em outras estatais, nas obras das hidrelétricas, dos estádios da Copa, das rodovias... Mas esses pseudoinvestimentos seguem nas séries históricas do IBGE. Em novembro, será divulgado o PIB definitivo de 2015, última vez que o IBGE se debruçará sobre aquele ano, provavelmente sem conseguir dar baixa em muito dinheiro que era investimento, mas sumiu em malas pretas.

O que acontece com o Investimento Direto no País (IDP) também exige atenção e reparos. Desde 2015, o Banco Central, responsável pelas estatísticas de entrada e saída de capitais estrangeiros, adota o critério do Fundo Monetário Internacional, que inclui empréstimos intercompanhias nos investimentos estrangeiros.

A entrada líquida dos investimentos estrangeiros mostra grande força. Nos últimos seis anos, atingiram US$ 507,46 bilhões. Apesar da crise braba, para este ano, esperam-se outros US$ 75 bilhões. É um desembarque saudado como prova de confiança na economia do Brasil.

O problema está nos empréstimos intercompanhias. Boa parte não é investimento. Destina-se ou a comprar participações em negócios já existentes e, nesse caso, se limita a cobrir transferências de ações ou, então, não passa de operações de arbitragem com juros.

Quando corresponde à compra de instalações já existentes, não atua como investimento novo, embora seja registrada assim. As operações com arbitragem com juros são entradas líquidas de dinheiro barato levantado no mercado internacional que aqui abocanham rendimentos no generoso mercado financeiro, sem aumentar a capacidade de produção do País.

Estimativas da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet) são de que os investimentos estrangeiros sobre o total de investimentos no Brasil foram de 13,4% em 2014 e de 26,8% em 2016. Mas somente o Banco Central tem como separar investimento de operações destinadas a tirar proveito dos juros. E ele não conta os números a ninguém. /COM RAQUEL BRANDÃO E LETICIA FUCUCHIMA, ESPECIAL PARA O ESTADO

CONFIRA

» Números inflados


Em complemento ao que ficou dito acima, certos analistas também entendem que os números dos Investimentos Diretos no País (IDP) estão inflados. Como esses recursos não se destinarão necessariamente ao setor produtivo, podem não contribuir para aquecer a economia. Bruno Lavieri, consultor da 4E, é um deles. Para ele, as estatísticas do IDP são pouco esclarecedoras pelas razões já apontadas: ou porque não passam de compra de participação acionária, dinheiro que pode ficar no bolso do sócio anterior, ou porque podem ser operações disfarçadas de arbitragem com juros.

» Depois melhora
Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, vê as movimentações de aquisição de participação acionária com mais otimismo. Os estrangeiros podem estar comprando apenas ativos de empresas nacionais, mas o mais comum é que, em algum momento, invistam mais, não só para aumentar a capacidade de produção, mas, também, para transferir tecnologia.

Um debate sobre Previdência - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 04/06

Meu interlocutor argumentou que os benefícios previdenciários no Brasil são baixos. Que é muito difícil viver com dois salários mínimos.

Respondi que a renda per capita do país é baixa e por isso o benefício médio da aposentadoria é baixo. No entanto, nosso salário mínimo já corresponde a 70% do salário mediano do país.

Meu interlocutor respondeu-me que o Brasil não era um país pobre; era a décima economia do mundo.

Respondi que, para esse tema, é errado olhar o tamanho absoluto da economia –somos a décima economia porque nossa população é grande. Temos de olhar a nossa renda per capita. Nesse critério, estamos entre a 60ª e a 70ª posição. Estranho ter que fazer esse argumento para um economista formado.

Em seguida, argumentei que gastamos com Previdência –incluindo aposentadorias e pensões, setor privado e público, população urbana e rural e o benefício de prestação continuada– 14% do PIB (Produto Interno Bruto), despesa três vezes maior do que a de economias com a mesma demografia do que a nossa. Adicionalmente, a conta da Previdência responde por 55% do gasto primário da União, de um Estado com uma das maiores cargas tributárias entre os emergentes.

Meu interlocutor respondeu-me que ninguém olha a conta de juros e que essa conta é muito maior do que a previdenciária.

Argumentei que a conta de juros é salgada pois os juros reais são muito elevados no Brasil. O principal motivo de os juros reais serem elevados no Brasil é que nossa taxa de poupança é ridiculamente baixa, e taxa de poupança baixa é a contrapartida de um Estado que gasta muito com Previdência.

Adicionalmente, os juros pagos pelo Tesouro Nacional aos detentores de títulos da dívida pública –os poupadores ou os rentistas, tanto faz– são muito menores do que algumas contas sugerem. Vários erros são cometidos.

O primeiro é considerar que a amortização da dívida pública constitui um gasto público. Suponha que um inquilino tenha de deixar o apartamento em que vive, pois ele foi requisitado pelo senhorio. Entrega o imóvel e aluga outro. Ninguém em sã consciência considera que ao entregar o imóvel a pessoa gastou o valor do imóvel. O imóvel nunca lhe pertenceu. Analogamente, amortização da dívida pública é a devolução de um recurso que nunca pertenceu ao Tesouro. Não constitui uma conta do gasto público.

Outro erro comum é considerar que a correção monetária da dívida pública corresponde a um item do gasto público. A correção monetária não é renda para o poupador (ou rentista, tanto faz), pois somente repõe a perda de valor da poupança pelo aumento dos preços; logo não é gasto para quem paga.

A conta de juros reais pagos sobe ou desce de acordo com a política monetária. Ao longo do tempo, é de aproximadamente 3% a 4% do PIB. A conta é salgada, mas bem menos do que se pensa.

Meu interlocutor afirma que o baixo crescimento da produtividade no Brasil precisa ser enfrentado como os asiáticos fizeram: estímulo à indústria.

Não nota que no leste asiático os juros são baixos. Juros baixos favorecem a indústria e o investimento em infraestrutura física, ambos intensivos em capital. O crescimento será bem maior.

Os juros são baixos pois lá a poupança é elevada. Esta, por sua vez, é elevada pois a Previdência é considerada um tema privado. O Estado pouco gasta com Previdência, e a carga tributária é baixa.

O círculo se fechou.

Temer resiste, entre acordão e depressão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 04/06

O Brasil vai passar pelo maior período de regressão econômica desde o início do século 20, "agora é oficial". Além disso, vive uma guerra civil por outros meios, que não são os meios da política, mas do conflito institucional.

Descendo desse panorama depressivo à vulgaridade dos dias que correm, a definição do destino de Michel Temer deve causar repulsa à larga maioria dos brasileiros. Aumentaram as chances de que o presidente resista no cargo. Caso sucumba, a coalizão no poder será reposta por si mesma, por eleição indireta, a não ser talvez em caso de insurreição nas ruas.

Ainda que a solução atenda a desejos pragmáticos da elite de empresas e finança, é quase certo que o programa reformista saia avariado da crise e que o crescimento seja ainda mais rebaixado até 2018.

Pode ser ainda pior caso Temer, o Terrífico, permaneça no Palácio do Planalto sangrando a cada batida da polícia, a cada vazamento de inquérito. Mais: embora tenha votos para evitar um remoto impeachment, o presidente mal controla metade dos votos do Congresso, dizem seus aliados.

O crescimento deste ano vai sendo revisto de quase nada para nulo ou menos que isso. Será de qualquer modo o quarto ano de regressão do PIB per capita, um quadriênio de redução de renda maior que o de 1981-84, que ajudou a dar cabo de uma ditadura: quase 10% de perda, uma situação de guerra.

Talvez o desespero seja menor agora, pois a proteção social é muito mais ampla; a renda média é o dobro da registrada nos 1980. Mas o povo não mede sua revolta por comparações estatísticas, nem existe termômetro que alerte para explosões nas ruas.

A crise política, por sua vez, é apenas parte de convulsão maior, um combate cada vez mais extremado entre parte do sistema de Justiça (juízes, procuradores, polícia) e o sistema político. Isso é óbvio, mas são menos
evidentes as consequências da radicalização do conflito.

O sistema político vai combater pela sua sobrevivência. Vai se tornar mais repulsivo aos olhos do eleitorado quanto maiores o acordão ou a chicana que consiga aprovar. A Procuradoria-Geral se torna mais agressiva. Em semanas, deve denunciar políticos graúdos às carradas e irá à jugular de Temer. Levará o caso ao Supremo, que terá então de decidir se afasta o presidente para o processo.

Até a última flutuação dos humores político-judiciais, os relatos eram que Temer venceria no Tribunal Superior Eleitoral. Quanto aos donos do dinheiro grosso, a revolta com a nova instabilidade político-econômica, que era muda, se tornou gritante atrás das cortinas. Com ou sem Temer, quer-se o fim do tumulto, tanto faz quem seja o regente reformista.

Na política politiqueira, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, se tornou a solução mais provável para uma cada vez mais improvável queda do presidente. O PSDB foi isolado por afoiteza, soberba e rachaduras internas.

A coalizão no poder talvez resista sob o comando de uma aliança dos partidos carcomidos maiores, coadjuvantes nos últimos quase 30 anos: DEM e PMDB.

Em suma, estão dados os motivos de um voto de grande revolta na eleição do ano que vem: repulsa política e sofrimento econômico enormes. Aduba-se o terreno para candidaturas e programas aventureiros.


Temer, por inércia - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 04/06

Rocha Loures é a maior ameaça a Michel Temer, que vai ficando por falta de opções


O ex-presidente Lula é réu cinco vezes, já, já, vai virar pela sexta e está sendo chamado pelo MPF a pagar multa de R$ 87 milhões só no caso do triplex. O quase ex-senador Aécio Neves foi denunciado pela PGR na sexta-feira no rumoroso caso da JBS, que ainda vai longe. E o presidente Michel Temer acordou ontem com um pesadelo: a PF prendeu o ex-deputado Rocha Loures, considerado seu braço direito e um delator com alto poder de destruição.

O que há em comum em tudo isso, além da força e da determinação dos procuradores, policiais e juízes na maior operação de combate à corrupção do planeta? Todos os principais partidos do país, o PT de Lula, o PSDB de Aécio e o PMDB de Temer chafurdaram nas piores práticas políticas e afundam juntos na Lava Jato.

Como falar em eleições diretas para presidente num ambiente assim, com lama para todo lado? É lindo gritar, ou cantar, “diretas já”, mas a Constituição não autoriza, não há tempo para mudá-la e maior parte da sociedade, que não é boba, não se engajou nessa festa. Nem os partidos estão preparados, nem os candidatos animam.

Dois desastres previsíveis: a vitória de um réu cinco vezes, acusado de ser o grande cérebro e articulador da corrupção institucionalizada, e Bolsonaro virar ídolo nacional. Onde ele vai, já é recebido como salvador da pátria, abrindo filas para selfies. Já imaginaram num palanque agora, com o país em chamas e a política em cinzas?

Quanto às eleições indiretas: os partidos que têm mais votos e maior capacidade de puxar votos no Colégio Eleitoral são exatamente o PMDB de Temer e o PSDB de Aécio, que estão de quarentena. Aliás, alguém precisa dar um toque nos meninos tucanos, os deputados de cabelos pretos que querem pular do barco Temer. Soa entre esquizofrênico e hipócrita. Depois do papo de Aécio com Joesley Batista derrubar Temer por um papo com Joesley Batista? Numa hora dessas?

Num rasgo de lucidez, onde o que menos há é lucidez, o petista Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, desembarcou em Brasília para o congresso do PT com duas frases inquestionáveis: “o Brasil não é parlamentarista para trocar de presidente de seis em seis meses” e “se for eleição indireta, Temer tem mais legitimidade, afinal, era vice”.

Se cair uma bomba sobre Temer, se a PGR tiver um caminhão de provas contra ele e se Rocha Loures disser – e provar - que era apenas carregador de malas de dinheiro do presidente, não tem jeito. Temer terá de ser trocado. Até lá, ele se beneficia de três fatores e vai ficando: apesar de tudo, a economia anda para a frente, os juros continuam caindo e o PIB parou de cair; falta autoridade moral no mundo político para trocá-lo; nenhum nome se impôs consensualmente para sucedê-lo.

Temer, portanto, fica por inércia. A política se move muito, faz muita espuma, mas rodando em círculos, sem ir a lugar nenhum, imobilizada pela Lava Jato e os próprios erros monumentais.

Do outro lado, a Força Tarefa anda resolutamente a passos largos e o procurador geral da República, Rodrigo Janot, em desabalada carreira, faz tudo o que tem e acha que deve fazer até setembro, quando entrega o bastão para seu sucessor, ou sucessora.

Temer balança num equilíbrio dificílimo, portanto, contando com o pragmatismo do setor privado, que dá absoluta prioridade à recuperação da economia e tenta relevar essas “questõezinhas morais”, e com a situação dramática da sua base aliada e da própria oposição, que mal se seguram nas próprias pernas. Atire a primeira pedra! Não chega a ser engrandecedor, nem animador, mas é o que temos...

Tremores seguidos MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 04/06

O evento Joesley foi um terremoto cujos tremores secundários ainda não acabaram. A empresa enfrentará enormes dificuldades, e os bancos ainda não dimensionaram todo o risco JBS. No julgamento do TSE, esse assunto estará presente, mesmo que não oficialmente. Na Lava-Jato, o acordo feito com o empresário dividiu a opinião pública, enfraquecendo o apoio à operação.

Os bancos começam agora a fazer as contas para entender a dimensão do risco JBS. E ele pode ser maior do que o imaginado. Há a exposição de diversas instituições, principalmente as públicas, ao passivo do grupo, mas há também o fato de que a situação está em aberto. Outras multas, processos, eventos podem atingir a empresa. Ela é enorme no mercado interno de carnes. Em algumas áreas do Brasil, o JBS é o único grande comprador da produção local e fornecedor, portanto, uma crise na companhia pode ter reflexos em cadeia. E nem todo esse risco está calculado.

No acordo de leniência que negociou com o Ministério Público, a holding J&F pagará muito mais do que imaginava no início, mas menos do que parece. A conta certa a fazer, segundo um graduado economista, é trazer a valor presente o pagamento que será feito em 25 anos, e não somar o valor nominal das parcelas a pagar. Trazido a valor presente, o custo será de R$ 6 bilhões. O Ministério Público exigiu, contudo, que a conta seja paga pelos controladores do grupo. Do contrário, os minoritários teriam que suportar parte do preço da corrupção dos irmãos Batista. Seria kafkiano se o BNDES tivesse que pagar parte dessa conta. Esse certamente não será o único custo a recair sobre a empresa.

Para a Lava-Jato, o evento Joesley teve duplo efeito. É o momento de maior poder dos investigadores. Nos próximos dias o presidente da República estará respondendo a um interrogatório da Polícia Federal. O simbolismo disso é enorme, ainda que as perguntas tenham que ser por escrito. A escolha do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, levantou muita suspeita sobre a tentativa de interferir na LavaJato. Ele tem negado.

O que causou mais estrago à operação foi a reação da opinião pública aos termos do acordo de delação que deu aos irmãos Batista a imunidade penal. A operação é uma travessia que estava sendo entendida pela população desta forma: o país está deixando a longa história da impunidade nos crimes dos poderosos e indo para o tempo do “erga omnes”, ou seja, aquele no qual a lei vale para todos. As vantagens dadas a Joesley e Wesley, a vida de Joesley em Nova York, consolidam a sensação de que mesmo entre os muito ricos do Brasil existe o “mais igual que os outros”. A imprensa publicou a comparação entre o que pesou sobre Marcelo Odebrecht e sobre Joesley Batista. Os dois têm vários pontos em comum. São herdeiros de grandes empresas e as fizeram crescer usando a corrupção, são os maiores financiadores de campanhas em caixa dois e tiveram contato direto com os presidentes do Brasil. Um está na cadeia e o outro na 5ª Avenida.

A semana passada foi boa para o presidente Temer e isso era previsível. Aqui eu escrevi que ele tentaria surfar nas boas notícias econômicas e foi o que ele fez. Nesta que começa ele ficará na berlinda porque será a do julgamento da chapa Dilma-Temer. Se houver algum pedido de vista será uma desmoralização para o TSE. Primeiro porque esse expediente tem sido entendido por todos como manobra do ministro que pede vista para evitar a decisão. Assim foi compreendido o movimento do ministro Alexandre de Moraes sobre a restrição ao foro privilegiado. Segundo, porque no terceiro ano do mandato, o TSE ainda não conseguiu julgar a ação que foi apresentada sobre a campanha de 2014. Neste caso, o tempo pode impedir a ação da Justiça. Apesar de a delação de Joesley Batista não integrar os autos e não poder ser usada como argumento ou prova, ela mudou o ambiente em relação ao presidente Michel Temer, enfraquecendo as articulações para salvá-lo no tribunal.

O evento Joesley continuará tendo efeitos no mundo jurídico, na economia e na política brasileiras. As placas tectônicas ainda estão se mexendo. Nada está garantido, nem mesmo o que o empresário conseguiu com sua esperteza: livrar-se de punições penais.

Volver - LUIZ WERNECK VIANNA

ESTADÃO - 04/06

Não sairemos deste mato sem cachorro sem a política e os políticos que nos sobraram


Houve, nos idos da luta pela democratização do País, uma esquerda que procurava abrir seu caminho pelas vias abertas da sociedade civil. Entre os registros desse momento se podem lembrar algumas das mais marcantes, como a elaboração, em 1974, do programa do MDB por intelectuais de esquerda, incluídos comunistas, e do livro São Paulo, Riqueza e Miséria, de 1975, realizado sob o patrocínio do cardeal Paulo Evaristo Arns, ambos orientados a estabelecer os nexos da democracia política com a questão social.

Na mesma direção, foram realizados os ciclos de debates do grupo Casa Grande, em particular o de abril de 1978, cuja transcrição foi objeto, no ano seguinte, de uma publicação pela Editora Vozes, dedicada ao tema da transição para a democracia, então em curso. Os nove debates realizados envolveram 27 personalidades da esquerda e de identidade liberal, entre as quais intelectuais, economistas, empresários e lideranças sindicais, em que Luiz Inácio da Silva foi ovacionado ao participar de um deles.

Esses mesmos anos 1970 viram nascer o sindicalismo do ABC paulista sob a vanguarda dos trabalhadores metalúrgicos, que trouxeram à cena pública um novo ator na política do País por meio de suas mobilizações em greves bem-sucedidas. Com eles ressurgiram velhas demandas do movimento operário em favor da autonomia de suas organizações, pondo em xeque a estrutura corporativa sindical que nos vinha do Estado Novo.

Momento forte desse processo esteve na criação, em 1974, da figura dos delegados sindicais de fábrica por um congresso dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo, em rota de colisão com a estrutura verticalizada da CLT, identificada por Lula à época como o AI-5 dos trabalhadores.

A mesma década vai conhecer, na sociedade civil católica, a emergência da Teologia da Libertação, que vai promover uma ida ao povo dos seus intelectuais no sentido de ativarem a consciência popular dos seus direitos de cidadania. E ainda verá surgir, especialmente no Rio de Janeiro, o boom do associativismo das camadas médias em torno de temas urbanos. Sob essas novas influências, o léxico das esquerdas vai ter o eixo do seu discurso, tradicionalmente centrado na questão nacional - o que importava, na leitura da época, o fortalecimento do Estado -, deslocado em favor do que optava pelo da organização da sociedade civil com foco na valorização da democracia política.

Foi essa descoberta, feita no calor das lutas pela resistência contra o autoritarismo político vigente, que esteve na raiz da atração exercida sobre a esquerda desde então pela obra de Antonio Gramsci, pensador marxista italiano e teórico do tema sociedade civil, cuja influência entre nós, na esteira das traduções publicadas pela Editora Civilização Brasileira, logo se alargou para compreender círculos de tradição liberal.

O ensaio do filósofo Carlos Nelson Coutinho, então membro do Partido Comunista, A Democracia Como Valor Universal, inspirado na obra de Gramsci, de fins dos anos 1970, importou num divisor de águas, apartando o campo comunista entre a ortodoxia dos fidelizados à estratégia de orientação nacional-popular e os que adotavam a prevalência da questão da democracia e do liberalismo político.

Assim, quando se abrem os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, a cultura política sedimentada ao longo das lutas pela democratização do País encontrou o lugar para institucionalizar na nova Carta boa parte do que lhe servira de inspiração.

Contudo, apesar do resultado feliz do texto constitucional - levando em conta que a democratização do País não resultou de uma ruptura com o regime anterior, e sim de um processo de transição -, mal promulgada a Constituição o suporte que garantiu os êxitos das lutas democráticas se desfaz com a abertura da sucessão presidencial em 1989.

Com a opção do PT por candidatura própria, afrouxam-se os nexos entre democracia política e democracia social, evidente em sua recusa a admitir a presença de Ulysses Guimarães, o timoneiro das lutas pela democratização, no palanque de sua campanha para o segundo turno das eleições presidenciais.

A partir daí o PT se dedica a uma estratégia de assédio das instituições políticas pela mobilização da questão social em voo solo, à margem das alianças políticas presentes no seu momento bem-sucedido de fundação.

Nas sucessões presidenciais de 1994 e 1998 essa deriva ainda mais se afirma, especialmente quando o partido passa a investir na chamada questão nacional, instalando-a no cerne do seu programa. Nessa operação, movida mais por cálculos eleitorais do que por uma intervenção reflexiva, o PT se inscreve no campo do Terceiro Mundo, deixando para trás seu programa de ativação da sociedade civil como lugar privilegiado para a construção de uma hegemonia em favor da mudança social.

Na guinada imprevista, o PT absolve a era Vargas, absolvição dissimulada com a Carta aos Brasileiros, conquanto ainda no primeiro governo Lula tenha ficado evidente a vizinhança de suas práticas com as do Estado Novo varguista; mas é sob a Presidência de Dilma Rousseff, egressa do campo brizolista, que se estreitam as afinidades, até mesmo no campo sindical, entre os governos do PT e os de Vargas. A mudança deveria vir do Estado e de um capitalismo politicamente orientado, e não da auto-organização da vida social.

Os resultados desastrosos estão aí, à vista de todos os que testemunhamos os estertores de um tempo que só admite morrer se levar todos ao mesmo destino. Perdidos no labirinto da intricada política brasileira porque jogamos fora irrefletidamente o mapa dos bons caminhos que tivemos em mãos, dele não escaparemos sem uma reflexão corajosa por parte da esquerda que o recupere.

Nesta hora aziaga não há juízes e generais que nos valham. Desse mato sem cachorro não sairemos sem a política e os políticos que nos sobraram.

A esquerda capturou a alma cristã milenarista a serviço de uma utopia - CRISTOVÃO TEZZA

FOLHA DE SP - 04/06

O que significam ainda "esquerda" e "direita"? Desde que, na Convenção da França revolucionária, os jacobinos sentaram-se à esquerda e os girondinos à direita, muita história rolou sobre essa distinção.

Uma definição precisa não existe mais -o que restou, talvez, a partir de extremos brutos, seja um estado de espírito genérico ligado a alguns princípios voláteis. Penso em mim mesmo, quem sabe ecoando um sentimento coletivo. Para colocar algum método nessa nuvem, vejo três campos em que se pode pensar a separação.

O primeiro é o comportamento diante de escolhas pessoais do nosso dia a dia. Descriminalização do aborto e liberação das drogas, por exemplo. Direitos dos negros e dos índios. Casamento gay e direitos dos transgêneros. Movimento feminista e igualdade das mulheres.

Aparentemente, essas seriam pautas quase que exclusivas da esquerda, embora em boa parte venham de movimentos nascidos num certo viés libertário capitalista, em defesa dos direitos individuais.

Descontando-se as muitas variáveis socio-históricas, econômicas e geográficas que se opõem ou interpenetram na guerrilha político-cultural, há um ponto em comum subjacente: o Estado deve ser laico e o princípio da responsabilidade pessoal é inalienável e intransferível.

O segundo campo, talvez o dominante, está na relação entre Estado e economia -é o que, pela história dos últimos dois séculos, mais marcadamente vem distinguindo, aos olhos do senso comum, esquerda e direita. Nesse sentido, o que define uma coisa e outra seria a concepção de Estado.

Uma das coisas que a ditadura militar instaurada nos golpes sucessivos de 1964 e 1968 me ensinou foi a desconfiar profundamente do Estado. Naqueles anos turbulentos, nutri diariamente um horror pela burocracia estatal, por seus carimbos, por sua violência, por seus generais, por seu controle, por sua censura, e principalmente pela sua opaca e intransponível estupidez.

Ia nisso o anarquismo individualista romântico que estava no coração dos anos 1960 e 1970 em que eu entrei de cabeça e marcou quem quer que vivesse naquele tempo.

Mas, para outra parte da minha geração, o efeito foi inverso, seguindo a esteira tradicional do país -o Estado seria o Xangrilá, a solução definitiva dos nossos problemas. Bastava tomá-lo nas mãos. Feito isso, o país daria um salto em direção ao paraíso. O modo mais simples de entender a questão está na guerra entre privatização e estatização.

Por este ângulo, o ditador Geisel e a presidente Dilma estariam curiosamente do mesmo lado, pranchetas criando estatais gigantescas e maravilhosas. Do ponto de vista econômico, ambos apenas cavalgavam o mesmo irresistível tiranossauro rex com uma cenoura quebrada a balançar-se adiante.

A grande conquista cultural da esquerda, de que decorre o seu resiliente poder político, está em vincular nos corações e nas mentes o primeiro pacote de valores -os direitos inalienáveis do indivíduo- com o segundo: precisamos de um Estado monstro para garantir a nossa liberdade. Assim, o mesmo brasileiro que defende o casamento gay, defende igualmente, no mesmo "combo político", os tentáculos estatais inarredáveis da Petrobras, do Banco do Brasil, dos Correios, mais o controle corporativo-sindical da educação brasileira em bolsões privilegiados, e assim por diante.

E o terceiro campo seria filosófico-religioso. O espírito da esquerda foi o herdeiro direto do espírito do cristianismo em dois aspectos revolucionários.

O primeiro é o conceito fundamental do cristianismo primitivo de que todas as pessoas são iguais perante Deus, o que, apesar da reza milenar de todos os santos, só se tornou de fato um ideário político consistente com o Iluminismo ateu e a Revolução Francesa.

O segundo aspecto é a ideia bizarra de que o mundo e a vida se dirigem inexoravelmente, ou dialeticamente (para os hegelianos), a uma redenção futura que dará um fim à história.

A teleologia cristã, ao criar uma narrativa única com começo, meio e fim, representou uma mudança radical na cosmologia da Antiguidade, fragmentária e circular.

A esquerda capturou integralmente a alma cristã milenarista, pondo-a a serviço de uma utopia estatal terrestre. É delírio, mas move o mundo.

Sem Temer - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/06

Deve começar na terça-feira (6) o julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, da chapa que uniu Dilma Rousseff (PT) a Michel Temer (PMDB), acusada de delitos no financiamento da campanha na qual se reelegeu, em 2014.

A decisão é crucial, pois poderá implicar o afastamento do presidente Temer do cargo que exerce desde maio de 2016. Sendo provável que ao menos um dos sete integrantes da corte peça vista do processo, o julgamento talvez se estenda pelas próximas semanas.

A expectativa é que o relator, ministro Herman Benjamin, vote pela cassação da chapa. Há uma avalanche de evidências, sustentada em documentos e dezenas de testemunhos, a incriminá-la.

Os depoimentos de donos e funcionários de empreiteiras atestam que somas milionárias, originadas da rede de propinas e caixa dois descrita por ex-executivos da Petrobras, custearam parte substancial das despesas da chapa. Dos fabulosos R$ 300 milhões declarados, ao menos R$ 50 milhões são apontados como contrapartida pela prestação criminosa de favores.
Editoria de Arte/Folhapress



Embora não exista prova de que Temer tenha participado desse esquema, a legislação eleitoral é clara ao vincular o vice ao presidente. Resta fora de dúvida que tanto Dilma Rousseff como Michel Temer se beneficiaram de ilicitudes que abalam a própria validade do pleito.

Ao mesmo tempo, desde a divulgação da delação premiada do delinquente confesso Joesley Batista, há duas semanas, a credibilidade do presidente se viu comprometida de forma dramática e, tudo indica, irremediável.
É verdade que a gravação da conversa do delator com o presidente é inconclusiva: contém trechos ambíguos ou inaudíveis e está sob suspeita de edição. Mas é preciso demasiada credulidade para considerar inocente aquele tipo de diálogo, naquela circunstância; parece óbvio que o teor ali é indecoroso.

Todo julgamento que implica um presidente da República tem um aspecto jurídico e outro político. A iminência do juízo no TSE surge como fórmula legal para remover um chefe de Estado cuja situação se afigura indefensável, até porque sujeita à aparição de revelações que convertam as fortes suspeitas em certezas.

É com desalento que esta Folha, portanto, considera recomendável a cassação da chapa e o afastamento do presidente. Seria a segunda interrupção de mandato em pouco mais de um ano.

No ano passado, este jornal exortou à renúncia da presidente Dilma Rousseff ao constatar que ela perdera condições de governar. Mas evitou apoiar seu impeachment.

Não por faltar fundamento jurídico (pedaladas fiscais, sobretudo naquela escala, configuram fraude orçamentária, razão estipulada na Constituição entre as que autorizam impedir um presidente). Mas por se tratar de motivo técnico, obscuro para a maioria, e de medida extrema, que deixaria um rastro de ressentimento.

Agora, como então, o ideal seria que o substituto fosse eleito pelo voto direto. A crise moral que corrói o sistema político é tão grave e profunda que somente um retorno à fonte de toda legitimidade -a soberania popular- pode restaurar a autoridade presidencial.

A Folha já declarou simpatia pelas emendas constitucionais que convertem a eleição indireta em direta nos casos de vacância verificada até seis meses ou um ano antes de o mandato expirar.

Não seria casuísmo, dado que mudanças constitucionais são comuns na vida política brasileira. Além disso, trata-se de universalizar, não de restringir, prerrogativas, devolvendo-se acesso a um direito democrático exercido pelo povo -a quem, diz a Constituição, o poder pertence.

Não há como negar, entretanto, que seriam imensos os obstáculos à aprovação de diretas já.

Desde logo, gigantesca pressão da sociedade, expressa em manifestações de rua comparáveis às de junho de 2013 ou março de 2016, teria de compelir três quintos dos parlamentares a aprovar a medida, talvez no bojo da reforma política em análise na Câmara.

O processo deveria, ademais, ocorrer em tempo recorde, que mesmo assim consumiria meses. Por outro lado, é indiscutível que a Constituição exige do Congresso a escolha do sucessor em 30 dias, desfecho a ser acatado como legítimo.

O governo Temer vem implantando um audacioso elenco de reformas estruturais que estão no rumo certo. Sua capacidade de seguir adiante com esse programa parece seriamente prejudicada.

Em algum momento, decerto nas eleições gerais de 2018, o caminho adotado será submetido ao escrutínio popular. Por ora, o mais importante, com ou sem Temer, é que governo e Congresso persistam nesse rumo, único capaz de nos livrar da recessão e preparar um futuro mais próspero e promissor.

Quem preserva o meio ambiente - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 04/06

Fatia de terras preservadas em propriedades rurais por agricultores no Estado de São Paulo é maior do que todas as reservas indígenas e unidades de conservação juntas


Com frequência constata-se a tentativa de atribuir uma suposta oposição entre sustentabilidade e agropecuária, como se o agricultor e o pecuarista fossem os grandes inimigos do meio ambiente. Dados recentes, compilados pela unidade de Monitoramento por Satélite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), indicam justamente o contrário da versão habitualmente difundida.

A fatia de terras preservadas em propriedades rurais por agricultores no Estado de São Paulo é maior do que todas as reservas indígenas e unidades de conservação juntas, indica a Embrapa. No Estado de São Paulo, as terras de preservação permanente, sejam as de reserva legal ou de vegetação excedente, em 309,4 mil imóveis rurais totalizam 3,8 milhões de hectares, correspondentes a cerca de 22% da área rural do Estado.

“Os dados revelam um papel decisivo da agropecuária na preservação do meio ambiente. Muitas vezes, não se leva em conta que as propriedades rurais têm, em média, uma fração de suas áreas preservadas maior do que os espaços que são oficialmente reservados para preservação de vegetação nativa. Erroneamente, acabamos não associando a prática de proteção da vegetação aos imóveis rurais”, afirma Evaristo Eduardo de Miranda, chefe-geral da unidade de pesquisas da Embrapa, sediada em Campinas.

No Brasil, a vegetação protegida pelos agricultores em suas propriedades representa mais de 20% de todo o território nacional, segundo a Embrapa. As unidades de conservação abrangem cerca de 13% do território. Os números são provenientes do Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro eletrônico de propriedades rurais criado em maio de 2012 pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012) e que arquiva as informações dos imóveis rurais, como delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APP), Reserva Legal (RL), de interesse social e utilidade pública e remanescentes de vegetação nativa.

Até fins de abril de 2017, isto é, em menos de cinco anos desde a criação da Lei 12.651/2012, já haviam sido cadastrados mais de 4,1 milhões de imóveis rurais no País, totalizando uma área de 407,9 milhões de hectares. Na Região Sudeste estão registrados 60,7 milhões de hectares.

Desde sua criação, o CAR tem sido um eficaz instrumento de regularização ambiental das propriedades rurais, bem como uma poderosa fonte de dados a auxiliar na análise e no planejamento da sustentabilidade no País. Além de permitir um acompanhamento próximo das tendências na ocupação das terras no País, o CAR vem possibilitando desvendar o papel decisivo da agropecuária na preservação ambiental. “Com os dados que temos a partir do CAR, foi possível observar que, na prática, ninguém e nenhuma instituição ou categoria profissional preserva mais a vegetação nativa do que os agricultores”, afirma Miranda.

Todo esse trabalho de regularização e acompanhamento só foi possível graças ao Código Florestal de 2012, uma lei que, para surpresa de quem acompanha de perto os seus benefícios, vem sendo ao longo desses anos duramente criticada, como se representasse um retrocesso na luta pela preservação ambiental.

Não bastassem as opiniões críticas, a Procuradoria-Geral da República e o PSOL ajuizaram perante o Supremo Tribunal Federal (STF) ações questionando a constitucionalidade de boa parte do Código Florestal de 2012. Na verdade, esses processos são uma tentativa extemporânea de reabrir uma discussão já decidida pelo Congresso Nacional, que, após intenso debate e estudo, estabeleceu o necessário marco jurídico ambiental, com uma equilibrada solução entre produção rural e sustentabilidade.

Cabe ao STF não fechar os olhos à realidade e, com presteza, reconhecer a constitucionalidade do Código Florestal de 2012, que, de forma tão eloquente, contribui para a preservação e a recuperação do meio ambiente. Como indicam os dados da Embrapa, nem a lei nem o produtor rural são os vilões nessa história. Não é justo, portanto, seguir tratando-os dessa forma.

Delações à vista - MERVAL PEREIRA

O Globo - 04/06

Não é preciso ter uma informação privilegiada para apostar na possibilidade de o ex-assessor do Palácio do Planalto Rodrigo Rocha Loures, preso ontem pela manhã em Brasília, fazer uma delação premiada, denunciando o presidente Michel Temer.

Assim como também são consequências naturais das investigações as delações dos ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega. Rocha Loures com mais razão ainda, pois não parece desses militantes convictos que se calam para ajudar o partido, como o ex-tesoureiro do PT João Vaccari ou José Dirceu, que, condenado várias vezes por corrupção, tenta preservar artificialmente a narrativa do “guerreiro do povo brasileiro”.

Nem Palocci nem Mantega são desse tipo, embora petistas de raiz. Pelo que já se sabe, no esquema de corrupção implantado pelo PT, ajudaram o partido e se ajudaram, assim como Dirceu, mas não têm, mesmo falsa, uma biografia heroica a preservar.

Entre ficar na cadeia por muitos anos para proteger Lula e safar-se, escolherão a segunda hipótese, assim como Rocha Loures. O cerco parece estar se fechando em torno dos chefes da organização criminosa montada nos últimos anos no país.

A denúncia, também ontem, contra o ex-presidente Lula no processo do tríplex do Guarujá é uma antecipação do processo do quadrilhão, que está sendo organizado pela Procuradoria Geral da República. Como no famoso PowerPoint do procurador Deltan Dallagnol, Lula é apontado como o chefe da organização criminosa, que montou todo o esquema de corrupção nas estatais do país, a começar pela Petrobras, para preparar um esquema de permanência no poder do PT.

O presidente Temer, por sua vez, terá mais um teste pela frente: o Supremo Tribunal Federal (STF) só poderá analisar o recebimento de uma eventual denúncia contra ele, que parece estar a caminho, com apoio de pelo menos dois terços (342 de 513) da Câmara dos Deputados.

Mais votos que para aprovar a emenda constitucional de reforma da Previdência, por exemplo, que precisa de três quintos dos membros de cada uma das Casas do Congresso, isto é, 308 deputados e 49 senadores.

Está difícil aprovar a reforma, mas, ao contrário, é possível que Temer escape de um processo por falta de quórum para condená-lo, por um corporativismo que domina a atuação dos parlamentares.

Se antes os estrategistas do governo, à frente o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, considerado um especialista em medir a pressão da Câmara, faziam contas para aprovar as reformas, agora as fazem para evitar um processo contra o presidente Temer.

O governo precisa apenas de 171 votos a seu favor para impedir a continuidade de um eventual processo, e por enquanto parece que ainda tem esse apoio. Mas, a depender do impacto das revelações de Rocha Loures, se acontecerem, é possível que esse apoio a Michel Temer desapareça.

À medida que a Operação Lava-Jato vai desvendando as tramas de corrupção acontecidas no país nos últimos anos, vai também revelando de que maneira os partidos políticos montaram seus esquemas de poder. E a autoproteção acaba prevalecendo.

Só que a cada delação, a cada revelação de detalhes das tramoias, vai ficando insustentável essa situação. Um governo que luta para sobreviver, cujo principal objetivo passa a ser salvar-se da guilhotina em vez de aprovar projetos no Congresso, está fadado ao fracasso.

A qualquer momento chegará à exaustão e não encontrará mais caminhos para superar os obstáculos pela frente. O julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começa na terça-feira, é apenas mais um deles. Difícil sobreviver.

As responsabilidades históricas - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ESTADÃO - 04/06

Apoiei a travessia e espero que a pinguela tenha conserto. Mas, e se não?

Há quem pense que a política é como as nuvens, move-se depressa e refaz incessantemente suas configurações. Talvez. Contudo nas democracias, a despeito de o jogo político ser variável, existem regras na Constituição que só se mudam seguindo os preceitos nela definidos. Quanto mais haja agitação e incertezas, menos se devem buscar atalhos e mais seguir a Constituição.

Escrevo este artigo antes de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir sobre a nulidade da eleição da chapa Dilma-Temer. Qualquer que seja o resultado, provavelmente haverá recursos. Com eles, o tempo de decisão se alongará e também a inquietação da sociedade.

Os políticos responsáveis sabem que qualquer arranjo político deve considerar suas consequências para os 14 milhões de desempregados e, portanto, para o crescimento da economia. Tampouco devem esquecer-se de que a população está indignada com a corrupção sistêmica que atingiu os partidos, o governo e parte das empresas. Portanto, chegou a hora de buscar o mínimo denominador comum que fortaleça a democracia e represente um desafogo para o povo, aflito com a falta de emprego e de renda. E indignado com a roubalheira.

É preciso dar continuidade às reformas em curso no Congresso e às investigações do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário. As reformas são essenciais para que a economia prospere. As investigações, para a moralidade pública.

As reformas não podem visar apenas o equilíbrio fiscal. Há que olhar para as pessoas, avançar com firmeza e com moderação para combater privilégios e atender ao que é justo. Na reforma previdenciária, diante da continuada queda da taxa da fecundidade (já abaixo de dois filhos por mulher) e do aumento da expectativa de vida depois de se aposentar, impõe-se estabelecer idade mínima para a aposentadoria.

Isso é o mínimo para começar a resolver o problema das contas da Previdência. Essa regra deve ser tão mais geral quanto possível, excetuando-se apenas os grupos mais fragilizados da sociedade, a exemplo dos trabalhadores rurais, ou as categorias profissionais que realizam tarefas que, por motivos de saúde, justifiquem idades menores para a aposentadoria.

Também a aprovação da reforma trabalhista é fundamental. Acordos podem ser feitos, e não serão “recuos” do governo, mas ajustes necessários. Melhor que se façam por veto presidencial e/ou de edição de medidas provisórias novas para corrigir o que for considerado desnecessário ou injusto do que com emendas no Senado que levem o projeto de lei para o sem-fim das dilações parlamentares.

O povo e a economia têm pressa. A mesma clareza de posição se exige quanto às investigações e aos processos criminais em curso. Nada de arranjos e medidas casuísticas para beneficiar parlamentares e poderosos. Tampouco, por outro lado, se devem aceitar atos arbitrários que permitam a um Poder anular as prerrogativas de outro.

Prisões preventivas, quando necessárias, devem ter seus motivos mais bem explicados à sociedade e maior reflexão cabe sobre até que ponto se justifica a concessão de prêmios eventualmente excessivos a quem delate crimes de corrupção. É de justiça que se precisa, não de vingança nem de benesses.

Quem porventura pretenda resolver a presente crise por meio de um conchavo encontrará na força das instituições, no ativismo da mídia e na indignação do povo barreira às soluções inventadas, por mais engenhosas que sejam. Na era da internet, o cochicho de bastidores perdeu força. Então, que fazer? - pergunta clássica, de difícil resposta.

Primeiro, não desconhecer a gravidade da crise política e as suas causas de fundo. Depois, por mais penoso que seja diante da irritação vigente, não pôr o carro adiante dos bois. De que vale falar de “sucessores”, antecipando-se a decisões que cabem ao Judiciário e ainda não foram tomadas? Propor eleições diretas é tentador, porque traz dividendos políticos, mas inconsequente. Eleições diretas para cumprir um mandato-tampão, para quem? Só para presidente ou também para o Congresso?

Se o TSE julgar improcedente a ação que pede a nulidade das eleições de 2014, uma emenda constitucional para antecipar eleições diretas representaria, nesse caso, sim, um “golpe constitucional”. Se a decisão do TSE tornar vaga a Presidência, manda a Constituição que a eleição do novo presidente seja indireta, feita pelo atual Congresso. Se e quando se colocar a questão de um sucessor, a decisão deverá ter apoio nos partidos, mas também na sociedade, posto que esta não aceita silente o que vem “de cima”.

Não são questões banais. Por isso é preciso dar uma oportunidade de reflexão e, quem sabe, de revigoramento a quem está no governo. O PSDB não apelou “ao muro”, mas à prudência de um tempo maior para que todos, pondo interesses partidários e pessoais em segundo plano, possamos responder com desprendimento: o que é melhor para o Brasil? O tempo urge, porém, pois o País exige respostas. Se houver manobras dilatórias no TSE, o PSDB correrá o risco de coonestar o que o povo não quer e a economia não suporta, ajudando o governo a empurrar a situação com a barriga?

Não desejo nem prevejo que seja esse o curso dos acontecimentos. Disse no início do atual governo que ele atravessaria uma pinguela, como o governo Itamar atravessou, com minha ativa participação. O governo Temer tem feito um esforço, até maior do que se imaginaria possível, para rearranjar uma situação institucional e financeira desoladora, essa, sim, uma “herança maldita”. Apoiei a travessia e espero que a pinguela tenha conserto.

E se não? E se as bases institucionais e morais da pinguela ruírem? Então caberá dizer: até aqui cheguei. Daqui não passo. Torçamos para que não sejamos obrigados a tal. Se o formos, e o tempo corre, assumamos nossas responsabilidades históricas com clareza diante do povo e das instituições.