domingo, abril 26, 2020

Sorte é tudo! - LEANDRO KARNAL

ESTADÃO - 26/04

‘Enquanto estiver com ele, tudo dará certo’, disse a avó ao dar o amuleto de cristal a Sofia


Sofia ganhou da avó um cavalo-marinho de cristal. Peça antiga, austríaca talvez, de beleza delicada. O presente veio com uma frase forte: “Enquanto você estiver com ele, tudo dará certo”. Não sabemos se foi o impacto daquele momento, talvez o caráter crédulo de uma criança de 7 anos ou o afeto pela velha senhora que se transferia para a peça: Sofia nunca mais se separou do mimo. Guardado em estojo de madeira forrado com veludo, o bichinho era retirado em todas as ocasiões de prova. Os professores já sabiam que a pequena só responderia a quaisquer perguntas nas avaliações escolares se tivesse, firme ao seu lado, o cavalo-marinho amado. A profecia da anciã deu certo: Sofia era aluna brilhante e suas notas sempre foram as melhores.

Já adolescente, estava passeando com a família quando receberam a notícia da proximidade da morte de dona Filomena, a doce avó. Foram direto ao hospital e lá encontraram a senhora a minutos do fim. Houve tempo curto para comovida despedida. No velório, inconsolável, Sofia dizia para todos: “Eu não estava com o cavalo-marinho. Se eu tivesse levado, ela não teria morrido”. A avó falecera e a certeza da menina cresceu. Nada de ruim teria acontecido se a pequena figura estivesse junto.

A peça acompanhou a adolescente à Disney e sobreviveu a todas as montanhas-russas. O objeto disciplinou Sofia: ela o guardava no estojo sempre, nunca o perdia e tomava todos os cuidados para manter a integridade física do seu vetor de bons fluidos. O avião trepidava? Ela segurava o pequeno cristal e a turbulência cessava. O restaurante da beira da estrada era duvidoso quanto ao item higiene? A comensal fazia refeição despreocupada, nunca haveria intoxicação se o cristalino cavalo-marinho estivesse por perto. A fama da fé de Sofia cresceu e os fatos eram tão eloquentes que mais de uma amiga solicitou a posse do estojo com a figura que os antigos chamariam de apotropaica, aquele objeto que protege dos malefícios. Podiam pedir; imploravam, até. Duas chegaram a romper a amizade com a dona da peça. Ela preferia o isolamento a ter de emprestar seu precioso talismã.

Após os estudos brilhantes e uma carreira jurídica assegurada, Sofia prestou concurso para a magistratura. Pobres dos outros candidatos: tinham se esforçado como a jovem Sofia fizera, todavia não estavam amparados pela aura luminosa da sorte do cavalo-marinho. Juíza federal aos 26 anos e próxima de se casar: que outro caminho poderia surgir a não ser o da felicidade?

A data marcada foi o final de maio, mês belo e pouco criativo para núpcias. A originalidade estava nas instruções para o vestido da noiva. Costurado dentro de um bolso interno, protegido por camadas de seda francesa para atenuar impactos, estaria o cavalo-marinho de cristal acompanhando a noiva quando entrasse, solene, na nave da igreja. O amuleto a acompanharia no enlace com Leonardo, jovem e promissor colega de toga.

Talvez fosse o zelo da noiva, excessivo e pouco racional. Ela atenazou a pobre costureira com tantos cuidados que soaram arrogantes e impertinentes à trabalhadora. “Cuidado, pegue com jeito, forre com muitos tecidos, é muito importante!” e outras repetidas expressões que deixaram a pobre moça com vontade de enfiar a agulha na jovem juíza. Apesar do semblante submisso, a menina do ateliê decidiu se vingar. Dando arremates finais na peça, colocou uma caveira de feições diabólicas no pequeno espaço reservado ao talismã. Era medonha! Envolvida em muito tecido e com peso similar, ninguém poderia dizer que o alvo vestido trazia figura tão terrível no seu interior, como se fosse um cavalo de Troia recheado com inimigo mortal.

Sofia ficou linda e inocente no vestido. A jovem costureira sorria dizendo que ela seria muito feliz. Naquela tarde, terminando sua vingança épica, a menina arremessou o cavalo-marinho ao Rio Tietê. “Que desse sorte ao rio”, falou do alto de um ônibus que atravessava uma ponte estaiada sobre o fétido curso d’água. O cavalo de cristal afundou com um som súbito. Quase ao mesmo tempo da vendetta, a noiva entrou confiante ao som estrondoso da marcha nupcial carregando, sem saber, o símbolo da morte e de feitiçaria vingativa perversa.

A cerimônia comoveu as pedras. O padre fora de uma rara felicidade na exortação aos noivos a partir do hino ao amor de Paulo na epístola aos Coríntios. Os jovens juízes dançaram até o amanhecer: ele, ela e a caveira assustadora junto ao corpo da noiva rodopiante. A festa foi linda e a lua de mel na Provence marcou o auge da felicidade.

Ao retornar, Sofia havia decidido deixar o que ela supunha ainda ser seu precioso bem no vestido. Ele havia emanado tanta felicidade que ela temia uma dessacralização se o retirasse do nicho. O amuleto repousou na veste nupcial por décadas.

Hoje, doutora Sofia é desembargadora respeitada e autora de livros de Direito com fama internacional. Ao fim de uma existência perfeita e coroada de êxitos, os netos enterraram a desembargadora atendendo ao pedido expresso no testamento. Ela deveria baixar à última morada com o estojo onde, envolto em muitas camadas de seda delicadíssima, repousaria o cavalo-marinho. Os herdeiros retiraram o bolso do vestido e colocaram ao lado da avó. Sob um cabelo ainda belo, envolvida em panos, uma caveira sorria aguardando para dialogar com uma futura colega no caixão. Sorte é tudo! Boa semana e muita proteção para todos e todas!


Você não pode ter sempre o que quer - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA -RS - 26/04

A quarentena surpreendeu a todos. Havíamos recém entrado em março, quando 2020 começaria pra valer, mas em vez de dar início ao cumprimento das resoluções de fim de ano, fomos condenados à prisão domiciliar, mesmo não tendo cometido crime algum. Paciência: ser livre se tornou um delito. Parece injusto, mas chegou a hora de entender que não podemos ter sempre o que queremos.

Gostaríamos muito de rever os amigos e parentes, fazer a viagem planejada, torcer pelo nosso time, ir ao pilates, ao cabeleireiro, tomar uma caipirinha com o crush, comparecer a formaturas e casamentos. Gostaríamos de ver as lojas abertas, o comércio aquecido, os índices da bolsa subindo, o dólar baixando.

Gostaríamos de acreditar que todos os líderes do mundo estão errados e só o nosso presidente está certo. Gostaríamos de ter alguém lúcido e responsável no comando do país. Mas, infelizmente, You Can´t Always Get What You Want. Não por acaso, foi essa a música escolhida pelos Rolling Stones em sua participação no comovente One World/Together at Home, evento transmitido ao vivo em 18 de abril, em que diversos artistas, personalidades e profissionais da saúde uniram-se online, cada um em sua casa, para lembrar que somos todos absolutamente iguais diante de uma ameaça, e que o distanciamento social é a saída, mesmo que não seja o que a gente quer.

Seu desejo é uma ordem? Não mesmo. Frase cancelada, como canceladas foram as peças de teatro, os jogos de futebol, as liquidações, o happy hour depois do expediente - e o próprio expediente. Aposentadoria antes da hora, por tempo indefinido. Qual será o legado, o que aprenderemos desta experiência?

Que consumir por consumir é uma doença também. Que o céu está mais azul, a vegetação mais verde e o ar mais puro: não somos tão imprescindíveis, a natureza agradece nossa reclusão. Que há muitas maneiras de se comemorar um aniversário, mesmo sozinho em casa: vizinhos cantam em janelas próximas, amigos deixam flores na portaria do prédio, organiza-se uma reunião por aplicativo. Emoção genuína, festa inimitável. E pensar que há quem gaste uma fortuna com decoração de ambiente, DJ da moda e champanhe francês para 500 convidados, e ainda assim não consegue se sentir amado.

Já tivemos, poucos anos atrás, uma greve de caminhoneiros que serviu de ensaio do apocalipse. Pois já não é mais ensaio, é apocalipse now. Não desperdicemos a chance de amadurecer, simplificar, mudar de atitude. De valorizar o coletivo em detrimento do individual. De praticar um novo método de convívio: uns pelos outros, sempre, e não só na hora do aperto. De fazer deste imenso país uma nação mais homogênea, em prol de uma existência menos metida a besta.

Razões do fracasso - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 26/04

Não basta desligar o aquecedor da piscina. O importante é escolher bem o ministério


Um dia, se indagado por que o governo de Jair Bolsonaro saiu-lhe pela culatra, eu direi que tudo se deveu à ingratidão que ele cometeu contra um aliado, apaixonado e capacho: o ex-senador, cantor de pagode gospel e pastor evangélico baiano Magno Malta, a quem ele deve de certo modo a vida.

Você se lembra. Bolsonaro foi esfaqueado num comício em Juiz de Fora. Mal arrancada a faca de Bolsonaro, Magno Malta já estava ao seu lado no quarto, resfolegando sobre sua cicatriz e, como se ele estivesse morto, orando sofregamente por sua ressurreição. O fato de Magno Malta ter adentrado o recinto cercado de aspones, um dos quais gravando o ágape para veiculação nacional, não invalida o caráter tocante da cena. Via-se claramente que Magno Malta, pelas ordens que dava a Jesus Cristo em sua prece, tinha grande influência no além. E Ele não o desapontou —Bolsonaro salvou-se e se elegeu. Quem decepcionou Magno Malta foi Bolsonaro, ao negar-lhe o ministério --qualquer um— de que ele se julgava credor.

Foi um erro de Bolsonaro. Magno Malta teria sido um verdadeiro coringa em seu ministério --apto a assumir qualquer pasta. Afinal, não é mais analfabeto do que vários dos atuais titulares. E, sabe-se agora, seria mais leal do que muitos.

Como ministro da Saúde, por exemplo, Magno Malta teria enfrentado a Covid-19 como Bolsonaro gostaria, sem essa história de gente trancada em casa e lojas fechadas —quem morresse, morresse, paciência, é a vida. Sem falar na liberação geral da cloroquina, que Bolsonaro, travestido de garoto-propaganda ou camelô, tentou vender como se fosse óleo de cobra.

E, como ministro da Justiça, Magno Malta teria franqueado a Bolsonaro passar o rodo nas investigações da Polícia Federal que perigam expor as sujeiras de seus filhos. Magno Malta, que nunca deixou de lhe abrir o coração, o teria ajudado até a desligar o aquecedor da piscina.

Ruy Castro - jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

O dia em que fui xingada - LYA LUFT

ZERO HORA - RS -26/04


É normal para quem escreve e publica, sobretudo em revista e jornal, ter experiência com elogios e estímulo, e alguma vez um xingamento.


Há vários anos, publiquei uma coluna em revista sobre cuidados da população com uma baleia encalhada numa praia do Rio, contrastando com a indiferença com relação a um menino que pouco antes tinha morrido numa calçada ali perto. Reclamações choveram, dizendo que eu não gostava de animais. Paciência, porque esses mal-entendidos não adianta explicar.

Naturalmente em criança às vezes eu era xingada por alguma malcriação: botar a língua pra avó (que eu, aliás, adorava), subir de novo na jabuticabeira e não conseguir descer, obrigando o jardineiro a vir com escada e me tirar de lá, chamar a mãe de "chata" quando era hora do banho e eu queria brincar no pátio um pouco mais.

Mas eis que outro dia fui xingada em Gramado, minha cidade adotiva, que frequento há décadas, onde criamos um pequeno paraíso particular: saindo do supermercado que frequento, guardei as compras no porta-malas e, quando estava entrando no meu carro, metade do corpo já lá dentro, vi passar na calçadinha em frente um casal de uns 50 anos, de máscara, sacolinhas do súper na mão.

Então ele indica a placa do meu carro pra mulher e diz: "Ó, Porto Alegre". Eu, geralmente gentil, começo a abrir um sorriso, quando ele me aponta a mão e vocifera: "Porto Alegre, né? Volta pra lá, e não vem mais pra cá pra trazer doença!!".

Em geral minha coragem é menor do que meu tamanho, mas fiquei furiosa e respondi: "Eu tenho casa aqui, seu grosso, e devo pagar mais imposto do que tu!!!". A mulher puxou o herói pelo braço e eu entrei no carro, seguimos nossos caminhos.

Primeiro fiquei atônita; depois chateada; chegando em casa, já estava rindo sozinha: ainda bem que o Vicentão não estava junto. Mas me ficou a preocupação: esse vírus não só nos faz adoecer de uma terrível doença que está transformando o mundo - sobre o qual se estende como uma sombra densa e pegajosa -, ele também ataca economia, convívio, projetos e sonhos, e além disso nos faz adoecer psicológica e moralmente.

Virão - estão vindo - ondas de medo e paranoia, desinformação e raiva, bairrismo e xenofobia.

Cidades se temendo, países se odiando, pessoas caluniando e desprezando umas às outras.

Nesse sentido, a pandemia coronada não vai terminar tão cedo: pode estar havendo solidariedade e afetos reencontrados, reinvenção de muita coisa boa, mas talvez ele nos deixe com feias sequelas morais. O xingamento em Gramado me fez pensar nisso - com tristeza.

Clube-empresa pode ganhar força quando pico da pandemia passar - PVC

FOLHA DE SP - 26/04

A grande oportunidade não será chantagear os clubes, mas comprometê-los


O deputado federal Júlio César Ribeiro (PRB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista do Esporte, ouviu do relator do projeto do clube-empresa, Pedro Paulo (DEM-RJ), que a partir da próxima semana haverá um esforço para aprovar a mudança da legislação no Senado.

Não é bem assim.

O texto de Pedro Paulo já foi aprovado na Câmara e, aparentemente, pode haver uma convergência, para que se juntem as melhores coisas dos dois projetos, o de Pedro Paulo e o da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Pedro Paulo não julga plausível apressar o processo agora, enquanto o país tem outras prioridades. “Tudo o que estamos fazendo nas sessões virtuais é diretamente ligado à Covid-19”, diz.

Faz sentido. Mas é preciso lembrar que o futebol só não é mais relevante economicamente porque o Estado jamais prestou atenção a esse setor da economia como deveria.

Com otimismo, Pedro Paulo julga que, quando o pico da do coronavírus passar, quem sabe daqui a um mês, será possível fortalecer as conversas para aprovar a nova legislação do clube-empresa. Há sempre um grande dificultador para isso: os times grandes.

Como você já leu aqui, os dirigentes que dominam a política mesquinha dos conselhos deliberativos não querem nem ouvir falar nisso. Mas aguardam ansiosamente por linhas de crédito, dinheiro capaz de diminuir a aflição.

No início da crise, parecia possível atrelar o acesso ao dinheiro à transformação em empresa, depois da aprovação da nova legislação. Isso não vai acontecer. Nem o deputado Pedro Paulo, nem o senador Rodrigo Pacheco, nem os especialistas Rodrigo Monteiro de Castro e José Francisco Manssur, nenhum desses agentes julga correto fazer a chantagem.

Ou alguns optariam por virar empresa sem estarem preparados. O tiro poderia sair pela culatra.

Então, haverá duas frentes distintas. O plano de socorro ao futebol, assim como às empresas, vai acontecer com estudos da Caixa Econômica Federal. Estuda-se uma maneira de adiantar o pouco dinheiro das loterias e eventualmente dinamizá-las para produzir novas receitas. Outra hipótese é reformar o Profut, o programa de refinanciamento das dívidas fiscais dos clubes.

Tem de ter contrapartida, mas discute-se ampliar prazos e rediscutir cada caso, entre os que entraram no programa e não pagaram, os que ingressaram e cumpriram todo o combinado e os que não aderiram, porque não tinham grandes dívidas fiscais.

O plano do clube-empresa é estrutural, não emergencial. Mas é possível atrelar o programa de emergência ao apoio à aprovação da lei e de um marco regulatório, um conjunto de regras que ajude a conciliar a saúde financeira com as exigências do mercado.

Não a troca de dinheiro por adesão, mas, digamos, pelo não boicote. Não é pedir muito, levando em conta que ninguém terá obrigação de virar empresa. Por outro lado, quem tiver dívidas impagáveis pode preparar sua transformação e ter a chance, por exemplo, de recuperação judicial.

A grande oportunidade não será chantagear os clubes, mas comprometê-los. Não vai existir milagre. Virar empresa não significará ser campeão, mas pode garantir um número maior de clubes saudáveis e melhorar o ambiente do futebol brasileiro.

A boa notícia é que há sinais de convergência para que a nova legislação tenha os melhores aspectos do projeto do deputado Pedro Paulo e também as principais características do projeto da SAF, do senador Rodrigo Pacheco.

PVC
Jornalista e autor de Escola Brasileira de Futebol. Cobriu seis Copas e oito finais de Champions.

Princípios básicos - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 26/04

Se garantirmos a solvência do Estado, poderá haver algum impulso fiscal

Estamos enfrentando uma epidemia. A dívida pública irá se elevar muito. Como pagar? Não há mágica. Teremos que retomar a estratégia de ajuste fiscal.

Outro tema é a necessidade ou não de política fiscal expansionista para estimular o crescimento da economia. A ideia é que um estímulo fiscal associado a um plano de investimento público em infraestrutura é essencial para recuperar o dinamismo da economia.

Esse é um debate que existia antes do desembarque da Covid-19 entre nós.

Nos três anos subsequentes à nossa grande crise, o desempenho da economia brasileira vinha sendo muito ruim. Por três anos –de 2017 até 2019–, crescemos ao ritmo de 1% anual.

Há duas teorias para explicar o desempenho ruim. Diversos analistas mais ortodoxos, entre os quais me incluo, argumentavam que os desequilíbrios produzidos por muitos anos antes da crise explicam o baixo crescimento.

Obras paradas no trecho norte do Rodoanel, em São Paulo - Zanone Fraissat-06.fev.20/Folhapress

Duas eram as fontes dos desequilíbrios. Primeira, o desequilíbrio fiscal estrutural. Isto é, o crescimento do gasto público incluindo transferências, por determinação legal, a taxas sistematicamente superiores às taxas de crescimento da economia.

Segunda, baixíssima taxa de crescimento da produtividade. Além das questões de mais longo prazo de nossa economia –a produtividade tem tido um desempenho ruim há décadas–, o longo ciclo de investimento liderado pelo setor público, entre 2006 e 2014, produziu má alocação generalizada do capital, agravando o problema.

Ambos os desequilíbrios demandavam e demandam reformas estruturais de natureza fiscal e microeconômica: previdenciária, administrativa, tributária, abertura da economia, entre tantas outras.

Assim, o diagnóstico ortodoxo prioriza temas da oferta agregada. Questão: o baixo crescimento entre 2017 e 2019 foi fruto exclusivamente de nossos problemas estruturais?

Penso que não. Apesar de as questões estruturais serem de longe nosso maior problema, é verdade que houve no triênio 2017 a 2019 carência de demanda agregada. Nesse triênio, a inflação esteve sistematicamente aquém da meta. Há uma verdade heterodoxa.

Olhando retrospectivamente, a política monetária poderia ter sido mais frouxa. Não sou engenheiro de obra pronta. Se lá estivesse e com a informação disponível à época, não teria feito melhor.

Voltamos aqui ao início da coluna: faz sentido, dado que sairemos da pandemia com ociosidade ainda maior do que nela entramos, algum ativismo fiscal?

Se aprovarmos reformas que garantam solvência do Estado, condição necessária para que as taxas longas de juros caiam, penso que sairemos da crise com juros de equilíbrio para prazos de até dez anos próximos das taxas de crescimento que observaremos ao longo de alguns anos.

A elevada ociosidade garantirá taxas de crescimento maiores por alguns anos.

A economia brasileira operará por alguns anos em condições próximas ao que chamei de moto perpétuo –que ocorre quando o gasto público se autofinanci–, permitindo alguma flexibilização fiscal.

No entanto tenho certo ceticismo. Como mais de uma vez tem apontado meu amigo Marcos Lisboa, há inúmeras obras paradas, e não por falta de recursos. Em muitos casos, problemas regulatórios e gerenciais do Estado brasileiro impedem que as obras avancem.

De qualquer forma, se na saída da atual epidemia avançarmos na construção da solvência do Estado brasileiro, haverá algum espaço fiscal para elevação do investimento público em infraestrutura.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

Militares e centrão se juntam na UTI por Bolsonaro - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 26/04

O coronavírus e a conversão de Sergio Moro em delator alteraram dramaticamente as prioridades de Jair Bolsonaro. Antes, ele planejava tirar a economia do atoleiro e se reeleger. Agora, se esforça para não cair e passar a impressão de que ainda comanda.

Para alcançar esses dois novos objetivos estratégicos, Bolsonaro promove um encontro constrangedor. Ele junta a castidade presumida dos militares e o gangsterismo político do centrão na UTI em que se encontra o seu governo.

Os militares ficam com Bolsonaro por acreditar que a tarefa que se autoatribuíram de presidir o presidente virou um imperativo patriótico. A frequência com que Bolsonaro fabrica crises revela que os generais do Planalto perdem a guerra.

O centrão encosta seu código de barras no Planalto porque identificou no apodrecimento do governo uma nova oportunidade para reassegurar que as verbas do Tesouro Nacional continuarão saindo pelo ladrão.

Bolsonaro e seus filhos viraram matéria-prima para investigação. O mandato do capitão pode ser questionado num pedido de impeachment (há 24 deles na Câmara) ou num processo criminal a ser julgado no Supremo (há três inquéritos abertos).

O centrão passou a ser vital para Bolsonaro nas duas hipóteses. Recompensados com cargos e verbas, podem ajudar a enterrar pedidos de impeachment ou negar autorização para que o Supremo julgue eventuais denúncias da Procuradoria-Geral da República contra o presidente.

Bolsonaro flerta com os corruptos do centrão há meses. Ironicamente, coube a Sergio Moro, ex-algoz de larápios na Lava Jato, dar o empurrão que pode consolidar o casamento.

Eleito numa campanha em que se enrolou na bandeira da Lava Jato, Bolsonaro já não pode dizer "desta água não beberei". Insinua que vai ferver antes. O diabo é que as demandas do centrão, mesmo que levadas à chaleira, dificilmente sairão do processo purificadas. Os germes sobrevivem às altas temperaturas.

Abalos na política e na economia - CELSO MING

ESTADÃO - 26/04

Problemas do transatlântico da economia do Brasil se multiplicam, mas não há firmeza no comandante

Nessa hora, de especial gravidade, não dá para separar política de economia. Do jeito como aconteceram na sexta-feira as demissões do então ministro Sérgio Moro e do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, abrem enorme espectro de incertezas na área política que acabarão por ser descarregadas sobre a área econômica. O impacto sobre o câmbio e sobre o mercado de ações dá uma ideia disso.

A principal questão consiste em saber até que ponto o presidente Bolsonaro, que já vinha sofrendo sério desgaste político, conseguirá apoio mínimo para governar. Ele já se ressentia do isolamento a que vinha sendo submetido, a ponto de renegar a pretendida política nova, uma das principais bandeiras de campanha, para tentar se manter vivo. Depois de condenar o que chamou de métodos antigos, baseados em leilão de cargos, em toma lá dá cá e em arraigado patrimonialismo, que caracterizaram a chamada presidência de coalizão, Bolsonaro entendeu ser necessário atrair para sua órbita o chamado Centrão, constituído de políticos fisiológicos, muitos deles remanescentes do período do petrolão.

Esse ajuntamento apenas eventual de políticos é dotado de notável instinto de sobrevivência. Quase sempre é a primeira leva a pular de um barco que não lhes garante segurança. Foi assim no tempo do presidente Fernando Collor e foi assim, também, no segundo período da presidente Dilma Rousseff. Se as pernas da cadeira do presidente começarem a balançar, não continuarão gastando seu capital para fornecer o mesmo grude que os aglomera e estarão dispostos a mudar de lado.

A rede de apoio político do presidente não se limita às forças disponíveis no Congresso. Estende-se também para um grupo de governadores – cada vez mais diminuto – e para os oficiais militares que hoje circundam o presidente. Estende-se, também, para os segmentos da população que ajudaram a elegê-lo. Boa parte deles parece decepcionada pela atuação do presidente, especialmente depois que demitiu o ex-juiz que se notabilizou pelo mais extenso e mais profundo combate à corrupção do País.

A impressão que ficou da última semana de crise foi de que o presidente não concluiu sua operação de faxina no seu Ministério e de que agora parece determinado a dar um giro de 180 graus na sua administração.

Há outros ministros importantes em fase de fritura. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, foi surpreendido pela preparação de um Plano Marshall tupiniquim denominado Pró-Brasil, que prevê investimentos de R$ 250 bilhões com recursos privados e outros R$ 30 bilhões com recursos públicos. Trata-se de um pacote ainda em fase preliminar, preparado por assessores militares do Palácio do Planalto, que, no entanto, não passou pelo crivo da Economia.

A cabeça da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também parece em processo de cozimento. Ela vem sendo obrigada a defender a China, o principal parceiro comercial do Brasil, dos ataques ideológicos desferidos pela trinca de filhos do presidente e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Também vem sendo pressionada a optar entre a fidelidade a seu partido, o DEM, em conflito com o presidente, e seu cargo no governo.

No caso das escaramuças veladas a Guedes, o que pode ficar em questão é a linha de política econômica neoliberal adotada até aqui (pelo Posto Ipiranga), que poderia ser substituída por orientação de tipo populista ou intervencionista, mais parecida com a adotada na temporada do então ministro Guido Mantega, que deu errado e foi uma das causas do impeachment em 2016.

Independentemente dessas tensões, a ficha técnica da economia do Brasil já passa por enormes turbulências. A situação da contas públicas já era alarmante e ficou mais ainda depois do despejo de recursos e da provável expansão do endividamento, destinados ao apagamento do incêndio produzido pela crise do novo coronavírus.

O setor do petróleo, que até há dois meses era um dos pilares da economia, mostra rachaduras, em consequência da brutal quebra do consumo de derivados e do colapso dos preços. A indústria foi obrigada a paralisar suas máquinas, o comércio cerrou suas portas e o setor de serviços, com certas exceções, ficou estancado pelo confinamento da população. Mais que tudo, o consumidor perdeu emprego e renda e já não detém o mesmo poder de compra.

Ou seja, os problemas por que passam o transatlântico da economia se multiplicam e, no entanto, não se sente firmeza no comandante.

Uma república a seus pés - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 26/04

Presidente admitiu que trabalha para transformar Polícia Federal em milícia particular



Jair Bolsonaro admitiu que trabalha para transformar a Polícia Federal em milícia particular. Sem muito constrangimento, o presidente confessou que mandou delegados investigarem casos de seu interesse e que ameaçou o chefe do órgão de demissão por interesses pessoais.

A crise que culminou na saída de Sergio Moro exibiu de maneira explícita o modo como Bolsonaro enxerga o poder. O presidente se acomodou tanto na cadeira que nem tenta disfarçar a intenção de explorar o governo como uma máquina a serviço de sua família e de aliados.

Bolsonaro decidiu atropelar a independência da Polícia Federal e pagar o preço de um choque com uma das estrelas de seu governo simplesmente para blindar seu grupo político.

Uma conversa divulgada por Moro mostra que o presidente demitiu Maurício Valeixo do órgão para barrar investigações sobre a fábrica montada pelo Planalto para atacar autoridades. No diálogo, Bolsonaro cita a notícia de uma apuração contra deputados amigos e completa: "Mais um motivo para a troca".

Na sexta (24), quando quis se defender da delação de Moro, o presidente reconheceu que tentou interferir ao menos três vezes em investigações da PF e que pediu ao ministro acesso diário a relatórios do órgão. Talvez ele devesse procurar uma agência de detetives particulares.

Bolsonaro confunde comando com subserviência. Na semana passada, soltou um "minhas Forças Armadas" e, depois, questionou se um presidente não pode cobrar informações "da sua Polícia Federal".

Essa é a lógica que rege suas relações com o aparelho público. Bolsonaro é o político que embolsava auxílio-moradia enquanto tinha apartamento próprio em Brasília. Agora, finge austeridade e pede confetes ao anunciar que desligou o aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada.

O presidente quer convencer seus seguidores de que a eleição lhe conferiu poderes para impor suas vontades e submeter estruturas independentes a seus desejos. Bolsonaro quer uma república a seus pés.

O vírus chinês - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 26/04

Doenças mudam, mas o ser humano continua o mesmo


As doenças mudam, mas o ser humano continua o mesmo. Duas de nossas obsessões são equiparar nossos inimigos a agentes infecciosos e batizar agentes infecciosos com o nome de nossos inimigos. Não surpreende, portanto, que representantes da direita nacionalista se apressem em culpar a China pela Covid-19. Numa só tacada, acham o seu bode expiatório, que ainda calha de ser comunista.

A história da sífilis se encaixa nessa tendência de forma tão conspicuamente bem documentada que adquire uma dimensão até cômica. Infectologistas ainda debatem a real origem dessa doença, que adquiriu características epidêmicas na Europa no século 16. Mas não há dúvida de que ela era uma arma de propaganda perfeita contra inimigo ou desafetos.

Os franceses rapidamente a batizaram de "mal de Nápoles", enquanto os italianos a chamaram de "mal francês" ou, no bom latim corrente à época, "morbus gallicus". Cada nação que era afetada pela moléstia a denominava com o objetivo de responsabilizar o outro. "Mal germânico", "mal polonês", "mal espanhol" e "mal cristão" foram alguns dos nomes que o treponema recebeu.

O termo "sífilis", que soa quase poético, foi cunhado justamente num poema, escrito em 1530 por Girolamo Fracastoro, sobre a história do jovem pastor Syphilus, que recebeu uma doença horrível --a sífilis-- como punição por ter insultado Apolo. Fracastoro é um daqueles gênios do Renascimento, que antecipou a teoria do contágio por partículas infecciosas e criou o termo "fômites", usado até hoje em infectologia. Mas Fracastoro também era italiano e, por isso, intitulou seu poema "Syphilis sive morbus gallicus", que se lê "Sífilis ou o mal francês".

Obviamente, essa guerra de palavras nada fez para conter a epidemia, que só foi parcialmente controlada quando a ciência desenvolveu medicamentos eficazes. Entre seus impulsos atávicos e a ciência, fique com a ciência.

Governos acabam, mas sobrevivem - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 26/04

Ainda está em aberto o destino de Bolsonaro, embora seja certo que o país vai acabar mal



Governos acabam, mas sobrevivem. O governo de Michel Temer acabou no “Joesley Day” e se arrastou até o fim do seu mandato. Mesmo o governo Dilma Rousseff 2, acabado em março de 2015 por falta de apoio popular, parlamentar e uma campanha de deposição, caminhou no passo do zumbi por um ano, até o impeachment.

Não é uma regra ou lei. É uma hipótese, uma história aberta, que pode até acabar em desgraça maior, no entanto.

Quanto ao governo de Jair Bolsonaro, nem se pode dizer que acabou, por não ter propriamente começado e porque, dados os últimos acontecimentos, o juízo sobre o seu primeiro fim estava em suspenso na sexta-feira. Assim pode ficar por um tempo.

O destino imediato da crise estava em suspenso porque, para começar, as próprias lideranças do Congresso deixaram como está para ver como é que fica –note-se o silêncio de Rodrigo Maia.

O bloquinho dos mensaleiros e petroleiros, sublegenda do centrão, ainda espera tirar um cascão de um governo que, antes de mais nada, procura se defender do impeachment e precisa arrebanhar uns 150 deputados extras.

Apesar das palavras de “pesar e profunda consternação” pelo passamento de Sergio Moro, os generais que procuravam governar o governo (sic) ainda estão longe de debandar e jogar a toalha. O noivado do governo militar com os mensaleiros continua.

Falta saber ainda como vai ser cozido outro ingrediente da receita habitual do impeachment, o prestígio popular. O efeito da queda de Moro pode ser lento ou talvez não chegue a ser decisivo. E se Bolsonaro mantiver, digamos, mais de 20% de popularidade?

Decerto do outro lado da trincheira há canhões apontados para Bolsonaro.

O morticínio da epidemia vai piorar até o fim da primeira semana de maio, na mais otimista das hipóteses. O aumento do desemprego de milhões, do corte dos salários de outros tantos e das falências não tem data para acabar.

O Supremo decidiu que parte da Polícia Federal permanecerá autônoma, investigando as “fake news” e os comícios da ditadura, inquéritos que ameaçam a filhocracia e o bolsonarismo parlamentar e empresarial.

Outro inquérito já no STF vai apurar as denúncias de Moro, que por sua vez insinua ter bala na agulha, talvez com uma reserva de dossiês, talvez com ações de apoio de seus amigos lavajatistas. Parte da PF pode escancarar o dossiê miliciano da familiocracia.

Nesta semana, o ministro-general Braga Netto parecia ter assumido a governança da terra arrasada. É outra incógnita maior. Os generais vão até o fim na dança do caixão de Bolsonaro? Por ora e sem outros escândalos, parecem dispostos a continuar.

É uma gente dada persistente, tenaz e, desculpem a obviedade, dada à guerra. Além do mais, estão de tal maneira identificados a Jair Bolsonaro que parecem sem alternativa que não seja o combate –não há espaço para a retirada e precisam de uma justificativa forte e honrosa para a rendição (um vexame, escândalo ou crime ainda mais indisfarçável dos Bolsonaro).

Note-se a disposição: não se vexaram de abalar Paulo Guedes e de negociar com o bloquinho mensaleiro.

A elite econômica, colaboracionista ou omissa, na maior parte, em parte também ora depende de socorros e favores do governo; não tem liderança ou articulação política para encontrar uma saída para este desastre que patrocinou, aplaudiu ou sobre o qual se calou. A oposição inexiste. Não há “ruas”.

Bolsonaro, ele mesmo, não tem limite. O jogo da morte continua.

Respostas a uma tempestade perfeita - ARMÍNIO FRAGA

Folha de S. Paulo - 26/04

A sinalização de que existe solução viável para a crise ajuda a reverter o pessimismo



Há décadas tenho me dedicado ao estudo das crises econômicas. Nesse período convivi com o tema atuando aqui e no exterior como economista, professor e gestor de investimentos. Tive inclusive a ocasião de trabalhar duas vezes no Banco Central, ambas abundantes em crises.

A atual é a mais desafiadora que já vi. No nosso caso, trata-se de uma verdadeira tempestade perfeita. Isto porque temos que lidar ao mesmo tempo com três graves crises: sanitária, econômica e política.

As três vêm sendo objeto de intensa cobertura e debate. Por isso, vou apenas resumir o quadro, para a seguir focar no que fazer a respeito (em tese, pelo menos).

A pandemia vem exigindo relevante isolamento social, em parte por determinação oficial, em parte por medo da doença. Seus impactos já se mostram dramáticos e heterogêneos. Sofrem como sempre mais (e muito) os mais pobres, assim como as empresas que lidam diretamente com clientes, sobretudo as pequenas e médias.

O desemprego, que já vinha alto, vai aumentar muito. O crescimento, que já era anêmico, vai virar queda substancial no PIB. Esse quadro de doença e desemprego é motivo de ansiedade geral. Infelizmente, falta ainda uma estratégia clara e de âmbito nacional para se lidar com a pandemia.

Na economia, medidas vêm sendo tomadas na direção de amortecer a perda de renda de milhões de pessoas e a falta de crédito para as PMEs mais atingidas. Com o (necessário) aumento dos gastos ligados à crise e com a queda na arrecadação decorrente da recessão, as necessidades de financiamento do Estado vão crescer muito.

Os mercados terão que absorver muita dívida. Paira no ar o medo de que gastos temporários se tornem permanentes, hoje uma ameaça concreta, como uma bactéria oportunista.

Essa dupla incerteza sanitária e econômica é paralisante, e ameaça se transformar em uma perigosa espiral recessiva. A ficha precisa cair quanto a esse grave risco.

Como se não bastasse o massacre social e econômico que está encomendado, o quadro político vem se complicando com repetidos sinais de desprezo pela democracia e pela ciência emitidos pelo Executivo federal, acompanhados por desentendimentos entre os Poderes e relevantes trocas de comando nos altos escalões do governo federal.

Como consequência da tempestade perfeita, a Bolsa vem caindo e o dólar e os juros de longo prazo vêm subindo.

O que fazer então? Crises econômicas em geral se resolvem quando se vislumbra um caminho de saída viável, em direção a objetivos bem definidos e plausíveis. Esse caminho tem que ser construído. Nos piores momentos de uma crise, tudo parece impossível.

Mas a sinalização de que existe uma solução viável em geral ajuda a reverter as expectativas mais pessimistas. Na medida em que as expectativas comecem a ser confirmadas por ações concretas, a crise tende a amainar, e a economia a se recuperar. O que podemos plausivelmente esperar do nosso caso?

Na saúde, busca-se o fim da pandemia com o menor custo possível em termos de vidas e sofrimento. As experiências internacionais recomendam que um grau elevado de isolamento social seja mantido até que as curvas de contaminação e óbitos claramente se invertam. Estamos longe desse ponto.

Para minimizar o dano, urge reforçar as equipes médicas e seus equipamentos, assim como massificar o uso de máscaras, de testes e de rastreamento de casos. Apesar de contarmos com a ampla rede do SUS, do ponto de vista das ferramentas necessárias estamos bem atrasados.

Muito provavelmente a pandemia só será debelada quando vacina e/ou cura chegarem. Esse horizonte longo complica deveras o encaminhamento das soluções.


Portanto, parece certo que o elevado estresse social também durará bastante tempo e exigirá a continuidade das políticas assistenciais, provavelmente adentrando 2021. Digno de menção aqui o extraordinário esforço da sociedade através do terceiro setor.

As demandas sobre o Estado já são enormes e tendem a crescer. Nesse contexto, ideias exóticas como moratórias de pagamentos e empréstimos compulsórios vêm sendo cogitadas. Ora, as cadeias de pagamento em uma economia moderna são extensas e complexas. Há que se tomar cuidado aqui. Propostas mal desenhadas podem acrescentar uma crise financeira às já existentes nas áreas sanitária e econômica.

O enfrentamento de um desafio destas dimensões requer necessariamente que o Executivo federal assuma seu papel institucional de liderança e coordenação, algo que não vem ocorrendo. Não basta o importante esforço de governadores e prefeitos.

Urge um bom diálogo com o Congresso, para adequar as pautas às urgências do momento. É necessário também definir prioridades para os gastos correntes, limitando-os às necessidades temporárias da crise.

E, por fim, o Executivo precisa deixar claro que, uma vez superada a crise sanitária, a busca do equilíbrio fiscal estrutural será retomada. Estes são desafios enormes para qualquer governo, que dirá para um em crise política.

Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos, é presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

Suicídio - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 26/04

Com mortes e caos econômico e social, Bolsonaro só vê ele, filhos e Adélio


Uma imagem vale mais do que mil palavras, e a do superministro Paulo Guedes no pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na sexta-feira, diz tudo. O único de máscara, em mangas e sem sapatos, o segundo pilar do governo parecia seguir, só de meias, os passos do já ex-ministro Sérgio Moro. Ou seja, está se lixando para o cargo e para Bolsonaro. Fim de festa.

Com o governo esfarelando, um militar de alta patente define o clima: “Muita tristeza”. Junto com o governo, esfarelam-se os sonhos de por ordem na bagunça, combater com Moro a corrupção e o crime organizado, recuperar com Guedes a economia, os empregos e a esperança. Seria impossível com um tenente rechaçado, depois um parlamentar inútil. Mas só agora eles admitem. Talvez, tarde demais para descolar as Forças Armadas do desastre. Triste mesmo.

Jair Bolsonaro é incansável em seus movimentos suicidas, envolto em sombras, combatendo inimigos por toda parte, fazendo só o que lhe dá na cabeça. Ou o que os filhos lhe põem na cabeça. Por que a obsessão em demitir o delegado Maurício Valeixo da Polícia Federal? Em nomear um pau-mandado na PF do Rio, sua base? E abrir crise na PF e derrubar Moro, o maior troféu do governo, dias depois de Mandetta e em meio ao caos?

Moro resumiu numa única palavra, ao pedir “a razão” de tudo isso. A resposta está na psicologia, egolatria, medo, culpa e na proteção dos filhos 01, 02 e 03 de investigações sobre rachadinhas, fake news, gabinete do ódio e organização e financiamento de atos golpistas. Ante pandemia, mais de 4 mil mortos, o desespero de empresários, empregados e Ministério da Economia, Bolsonaro só pensou nele e nos filhos.

Completamente perdido na pandemia, com escavadeiras abrindo covas a mil por hora, economia implodindo, governo esfarelando, miséria disparando e violência ameaçando, Bolsonaro foi acusado, nada mais, nada menos, por Sérgio Moro, e nada mais, nada menos, de exigir acesso aos relatórios de inteligência e às investigações sigilosas da PF. Essas sobre os filhos e amigos e aquelas contra inimigos. Um arsenal político que ditadores adoram.

Mas, depois de saracotear por aí contra o isolamento, tudo o que o presidente ofereceu à Nação no seu pronunciamento foi um personagem bonzinho e simples, que economiza com piscina, menu e gabinete. Até da triste história familiar da mulher ele falou. Há quem tenha achado comovente. Certamente não é o caso de Judiciário, Legislativo e parte do próprio Executivo. Nem de OAB, ABI, mundo empresarial e financeiro e grandes democracias.

O pronunciamento foi sobre ele, ele e ele. Por que demitir Valeixo? Porque, depois de milhares de horas de investigações, a PF não concluiu o que “ele” queria: que a facada foi um complô, quem sabe da China comunista? E Valeixo não atropelou as leis e o MP-RJ nas investigações sobre Marielle, o condomínio da Barra da Tijuca e as namoradas do filho 04 - que, aliás, traçou metade das vizinhas, típica questão de Estado. Valeixo tinha de fazer isso? Sim, “ele” queria. “Eu sou a Constituição.”

O novo ministro da Justiça chega no fim da festa, sem PF, Coaf e a aura de Moro. O delegado Alexandre Ramagem, que deve migrar da Abin para a PF, vai precisar comer muito feijão para ficar parrudo como Valeixo e convencer a corporação de que não é um Fernando Segóvia, o indicado político que resistiu só 99 dias no cargo no governo Temer. E... que vai seguir o manual.

A Bolsonaro e Moro resta uma acareação jurídica, política e midiática. Bolsonaro não entende nada dessa seara, como de tantas e tantas outras, mas Moro estará em seu habitat. Se um afunda, o outro emerge na política, o que pode dar em tudo ou nada, mas passa a ser o grande pesadelo de um ser conturbado e sob risco real de impeachment.

Bola com o Supremo - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 26/04

Como no mensalão, Judiciário assume o protagonismo da crise política


Sairá do Supremo Tribunal Federal o caminho para que Jair Bolsonaro enfrente o terceiro processo de impeachment de um presidente eleito em 28 anos. A bola, mais do que nunca nos últimos anos, está com os 11 ministros da principal corte do País. E olha que desde o mensalão o protagonismo do STF tem sido grande. Mas a conjuntura leva a que, desta vez, algumas coisas sejam diferentes.

O primeiro componente inédito é a vigência, há um ano, de um inquérito sigiloso, sem prazo e com abrangência grande e escopo para investigar fake news contra ministros do próprio tribunal. É ele, como escrevi na quarta-feira, que dará o fio da meada para que se trace uma cadeia de comando na rede de destruição de reputações que grassa nas mídias sociais e alimenta o bolsonarismo.

Graças a ele Bolsonaro perdeu as estribeiras em plena crise do novo coronavírus e decidiu demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, assumindo inclusive o risco de perder Sérgio Moro e ganhar seu mais competitivo rival em 2022. O desespero com o inquérito foi maior que o medo de perder Moro.

Pouco ou nada vai adiantar Bolsonaro ter alguém “seu” no comando da PF para tentar esvaziar o inquérito-bomba: as provas coletadas até aqui estão em poder do ministro Alexandre de Moraes, seu relator, e ele também já se precaveu e também assegurou que os policiais e delegados designados para comandar a investigação não sejam trocados.

O segundo ineditismo do papel do Supremo nessa crise é que são muitas, e de diferentes magistrados, as decisões que tolheram os arreganhos autoritários de Bolsonaro nos últimos meses. O presidente viu caírem desde as tentativas de ditar a estratégia de combate à pandemia do novo coronavírus até as investidas para reduzir acesso da sociedade a informações públicas.

Não é obra do acaso. Que integrantes de blocos até ontem conflitantes dentro do STF passem a atuar de forma coesa na contenção do presidente é um divisor de águas político e pode ser determinante para que as investigações em curso – duas delas com Alexandre de Moraes e uma com Celso de Mello – deem ao Congresso, ali do outro lado da Praça dos Três Poderes, o caminho jurídico do impeachment.

E aqui entra o terceiro fator inédito, a saideira do decano. Celso de Mello deixa o Supremo em novembro, depois de 31 anos. Dono de posições que foram paradigmáticas para a Corte em julgamentos como o do mensalão, desde o ano passado ele tem pontuado com ênfase os riscos à democracia representados por ações e palavras de Bolsonaro.

É dele a relatoria de um mandado de segurança questionando a demora da Câmara em analisar pedidos de impeachment e, desde sexta-feira, também está com ele o novo inquérito para apurar as denúncias de Sérgio Moro.

Candidato à sua cadeira em novembro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tentou dar uma no cravo e outra na ferradura ao colocar Moro na situação de co-investigado. Acabará por fazer do ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato, ao lado do decano, peça fundamental de abrir a picada para o embasamento jurídico do processo de impeachment.

Não é por acaso o silêncio de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Os dois sabem que o enredo, agora, se desenrola no Judiciário. É de lá que sairá o roteiro para que a Câmara, e depois o Senado ajam. Até lá, há fatores políticos a alinhar. O principal é a definição de se o Centrão vai embarcar no governo ou fazer o que fez no impeachment de Dilma: leiloar seu preço com os dois lados até a undécima hora.

Os prazos são exíguos: Mello pendura a toga em novembro, e Maia deixa a cadeira em fevereiro do ano que vem. Por isso, e porque há um vírus a combater e uma economia em frangalhos para tentar recuperar, o ritmo será intenso.

Estadistas, populistas e a pandemia - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 26/04

Temos na Presidência um populista obcecado pelo objetivo de reeleger-se


No início do ano, foi publicada uma excelente biografia de Frank Ramsey, um cientista ligado à Universidade de Cambridge, que em sua curta vida de apenas 27 anos deixou contribuições marcantes nos campos da filosofia, da matemática e da teoria econômica. Na economia, uma de suas contribuições foi uma modelagem matemática que permitiu responder à pergunta: “Quanto a sociedade deve poupar para favorecer as próximas gerações?”. Quanto mais deixarmos de consumir no presente, mais investiremos elevando o produto, o consumo e o bem-estar das populações no futuro. Para responder qual é a distribuição ótima entre as gerações, os economistas contemporâneos incluem uma taxa de desconto para trazer a valor presente o consumo das gerações futuras. Taxas de desconto mais elevadas favorecem um consumo maior da geração presente, e planejadores que dão um peso elevado ao bem-estar das gerações futuras preferem taxas de desconto mais baixas. Ramsey tinha um profundo senso ético e grande apreço pelo bem-estar das próximas gerações, o que o levou a utilizar uma taxa de desconto nula, dando peso igual a todas as gerações.

Em um horizonte bem mais curto do que o de uma geração, a pandemia impõe aos governos uma escolha semelhante. A adoção do afastamento social poupa vidas à custa de uma recessão no presente, cujos efeitos são parcialmente atenuados por medidas que impeçam a quebra de empresas e compensem a queda de renda dos menos favorecidos, em troca de um crescimento mais vigoroso adiante. No outro extremo, o afastamento social é abolido na esperança de evitar uma recessão no presente, porém à custa de um enorme número de mortes e de menor crescimento futuro. Se o governante responsável pela decisão tiver respeito pelo futuro do país, decidirá como se tivesse uma taxa de desconto baixa ou mesmo nula, respeitando as recomendações dos cientistas e optando por um isolamento social mais rígido. Mas se o objetivo for manter sua popularidade elevada no curto prazo para favorecer sua reeleição, atirará às urtigas o futuro do país usando uma taxa de desconto muito alta.

Sempre acreditei que os estadistas têm taxas de desconto bem menores do que populistas, e minha convicção cresceu ainda mais ao ouvir o discurso de Boris Johnson quando deixou o hospital curado do coronavírus. Tendo inicialmente manifestado dúvidas com relação à eficácia do afastamento social e sido criticado fortemente por esse erro, não hesitou em curvar-se humildemente às evidências dos cientistas do Imperial College of London, voltando atrás em sua posição e decretando a continuidade do afastamento social em todo o território inglês. Como um excelente biógrafo de Churchill, não pode ser surpresa que tenha feito o discurso típico de um estadista, conclamando o povo à união na guerra contra o vírus. Boris Johnson viu a cara da morte e reduziu sua taxa de desconto para um nível muito mais baixo do que a de populistas de direita, dos quais Trump é um exemplo que é imitado por Bolsonaro.

Em um momento difícil como este, é natural que no Brasil haja divergências. Empresários que construíram suas empresas com o duro trabalho de décadas temem perdê-las ou a duras penas ter de reconstruí-las. Pessoas humildes em cujas casas pobres vivem inúmeros familiares perderam sua renda, passando a viver de transferências do governo. Nos dois casos, a tentação é atribuir a culpa ao distanciamento social e, quando cai o número de mortes, ambos lutam para que este acabe, sem se dar conta que a queda do número de mortes é a consequência do afastamento ocorrido anteriormente. A experiência do Japão e de Cingapura mostraram que é um erro abandonar precocemente a quarentena. Caberia ao governo explicar à sociedade a inevitabilidade da quarentena, trabalhando em um protocolo de saída que evite um aumento do contágio, e não se acovardando em tomar as medidas compensatórias que reduzam o custo durante o período de isolamento.

Mas não temos na Presidência um estadista, e sim um populista que, obcecado pelo objetivo de reeleger-se, tem uma taxa de desconto muito elevada, desprezando as consequências de seus atos sobre o futuro do País. Em vez de seguir o exemplo de Boris Johnson, reconhecendo humildemente seus erros e buscando unir os cidadãos, a intolerância e o radicalismo de Bolsonaro o levam a agredir todos os que divergem de suas ideias. Em vez de unir o País, ele o divide, com consequências muito negativas para o presente e para o futuro.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

Economia: 45 dias de Corona - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 26/04

Com um mês e meio do início oficial da pandemia, o estrago é imenso e, pior, não está completo


Com um mês e meio do início oficial da pandemia (a declaração da Organização Mundial da Saúde é de 11 de março), o estrago sobre a economia é imenso e, pior, não está completo.

As primeiras projeções para o crescimento do PIB em 2020 começaram a aparecer, o aspecto é péssimo, mesmo considerando as dosagens elevadas de pudor e genuína contrição nesses primeiros esforços. Estamos falando de quedas superiores a 5% para 2020, mas, na hipótese, otimista e irreal, que, no segundo semestre de 2020, voltaremos à “normalidade pré-Corona”, o que nem mesmo a Militância Bolsonarista da Terceira Idade de Taubaté acredita que vá acontecer.

Na verdade, se os números do segundo semestre forem afetados por alguma restrição espontânea de mobilidade e consumo, o que é bem provável, a conta para o PIB em 2020 vai ficar mais próxima de uma queda de dois dígitos. A mesma dinâmica se observa para o resto do mundo, para o qual a projeção do FMI é de 3% de queda, mas na improvável hipótese de uma recuperação forte no segundo semestre.

Terrível.

Além de terrível, pode-se certamente acrescentar “inesperado” e talvez um “imerecido”. Mas, não vale discutir, nem tem muita importância mesmo, pois é o que temos para hoje e o que vale, para a política, é o que os advogados designam como “responsabilidade objetiva”, ou, na linguagem do Conselheiro Acácio, a responsabilidade é do responsável independente de culpa ou merecimento. Vai para a conta da liderança.

De acordo com um velho teorema que aprendi em Brasília, e de aplicação global, é muito difícil a liderança política se aguentar (na próxima eleição) com a economia naufragando desse jeito, independente de culpa e dolo. Isso é mais ou menos como dizer que nenhum tripulante graduado do Titanic tem muita chance de ser popular junto aos passageiros e seus familiares. Fica ainda mais difícil quando houver gente morrendo sem conseguir entrar nas UTIs, sobretudo na periferia da Belíndia. Por ora, vamos lembrar, a “curva” brasileira reflete a evolução na nossa população belga, daqui para frente, no entanto, vai ser como na Índia.

Claro que, um ou outro líder pode destoar: Boris Johnson, por exemplo, ao ficar doente, experimentou o equivalente à facada de Bolsonaro durante a eleição, vai sair da crise melhor que a média, assim como Jair Bolsonaro, por conta da “gripezinha”, entre outras malcriações e maus exemplos, vai sair pior, muito pior.

Sendo assim, e considerando que o fenômeno é global, o prognóstico é ruim para os políticos no poder, de modo que, provavelmente, vamos ter o encerramento desses populismos de quinta categoria ocorrendo em vários países, incluindo este aqui onde estamos. A ver.

Há algo de perverso, todavia, nessas más notícias do PIB saindo justamente no ápice do debate sobre a transição do confinamento geral para algo diferente, cujos protocolos estão ainda em discussão. A sofreguidão com as consequências políticas de um PIB muito ruim pode enviesar a decisão para uma abertura muito grande ou muito rápida, o que pode custar vidas e levar à volta de medidas mais restritivas no segundo semestre do ano, arruinando de vez o PIB de 2020. Tudo isso não obstante, o presidente, nesse mês e meio da pandemia, deu duas demonstrações de desapreço à Autonomia dos Órgãos de Estado que lidam com a Saúde e com a Polícia, e que resultaram nas demissões dos ministros Mandetta e Moro.

É natural que o mercado financeiro volte a flertar um terceiro pavor que seria o desapreço à Autonomia dos Órgãos de Estado que lidam com a economia e a possível substituição do ministro Paulo Guedes por “alguém mais afinado”, e “que possa interagir” com o presidente. Essa possibilidade precisaria ser afastada o mais rápido possível: o presidente teve 40 minutos em cadeia nacional para fazê-lo, mas, quando não falou de Sergio Moro, tratou de aquecimento da piscina.

Por tudo isso, o ministro Guedes precisa ficar maior, e a turma do gabinete do ódio precisa ficar menor. Não existe outra receita para baixar a temperatura dessa crise.

Persio Arida aponta os erros na economia - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 26/04

Ao fim da pandemia, o país terá um mar de desempregados e as dores da maior recessão da nossa história. Como enfrentar? Os dois caminhos que se colocam, o de Paulo Guedes e o dos militares, esboçado nos últimos dias, estão errados na opinião do economista Persio Arida. O dos militares, por ser uma velha proposta que nunca deu certo. O de Paulo Guedes, porque se baseia na premissa equivocada. “O erro é essa ideia de que basta conter o gasto público para o investimento privado crescer e o país se desenvolver.” Um governo frágil politicamente tenderá a escolher o caminho que parece mais fácil e familiar, o do Estado propulsor do desenvolvimento, como mostrado no Plano Braga Netto. “Bolsonaro volta às origens, sempre foi estatizante.”

– Esse é o caminho errado. O que tem que ser feito? Tem problema de desemprego, sim, precisa de mais crescimento, sim. Mas deve-se fazer via gasto público? Aí é a reencarnação da Dilma, desenvolvimentista. Não é surpreendente porque os militares sempre acreditaram no Estado como promotor do desenvolvimento, igualzinho a esquerda. Esse programa simplesmente expressa a visão estatizante de Bolsonaro. Para mim é surpresa zero. Acho que aconteceria mais cedo ou mais tarde, e foi mais cedo por causa do coronavírus – diz Persio.

Na visão do economista, do outro lado há também equívocos.

– Do outro lado, é a ideia do crowding out, de que quando retrai o PIB do governo aumenta o PIB privado, ou seja, basta conter o governo que a iniciativa privada floresce e, como a iniciativa privada é mais produtiva que o gasto do governo, o PIB cresce. Isso é uma agenda simplória, errada macroeconomicamente. Para crescer você precisa de uma outra agenda, que é a abertura de bens comerciais e serviços, privatizações, reforma do Estado e reforma tributária. São essas quatro coisas que fazem o país crescer rápido. Curiosamente o governo não tocou em nenhuma delas. Nunca enviou uma reforma tributária, nem a administrativa, para o Congresso. Não fez abertura alguma, assinou um acordo com a União Europeia que já nasceu velho e não será ratificado porque Bolsonaro atacou o Macron, então esquece – diz Persio.

O governo fez a reforma da Previdência, com tamanho menor do que tem sido dito, e o ganho previsto para este ano será pulverizado pela queda da receita previdenciária. Já a privatização ocorreu de forma indireta:

– Na privatização não aconteceu nada. Quando uma estatal vende uma subsidiária, o dinheiro flui para a estatal e ela vai gastar depois em outra coisa. O que realmente importa é quando o governo vende a estatal, não a subsidiária, como foi na privatização Fernando Henrique. A privatização Bolsonaro, além de ridícula em termos de tamanho, não adianta nada para o déficit público, é irrelevante. Nada disso iria ter impacto no crescimento. O ano passado decepcionou e este ano iria decepcionar de novo.

Agora é o momento da pandemia em que toda essa discussão ficou para depois. O ponto dele é que se voltar à mesma agenda o resultado será decepcionante:

– Você lembra que houve um momento em que ele previa crescer 4%, no começo do ano passado? Veio um e pouco. Não adianta. É a visão errada do problema. Não basta conter o gasto do governo, é preciso fazer outra agenda, que eles nunca tocaram.

A pesquisa divulgada ontem pela XP, feita no calor da queda do ex-ministro Sergio Moro, mostrou forte deterioração das expectativas em relação ao resto do mandato. A visão de que o futuro seria ótimo ou bom era 34% e caiu para 18%. A expectativa negativa (ruim e péssimo) saltou de 37% para 49%. Qual a chance de Bolsonaro, com queda de popularidade e da confiança em seu governo, saindo de uma economia em escombros, apoiar a retomada do projeto de Guedes no qual ele nunca acreditou? Tanto assim que a reforma administrativa entregue pelo ministro ficou mofando na mesa presidencial, até vir a pandemia e ela ser engavetada. O ministro da Economia aceita piamente a versão que Bolsonaro apresenta dos fatos políticos e engoliu reveses com o argumento de que o presidente é que recebeu os votos. Paulo Guedes aceitou limites aos seus planos, mas até que ponto está disposto a ir? A grande dúvida é se aceitará projeto tão estrangeiro ao seu quanto o que se vislumbrou no powerpoint da Casa Civil.

Afago feito ao centrão começa a surtir efeito - LAURO JARDIM

O Globo - 26/04

Paulo Guedes tem sido curto e grosso quando dá a assessores diretos sua opinião sobre botar recursos do Tesouro para financiar obras de infraestrutura, como prevê o recém-anunciado programa PróBrasil, apelidado no Planalto de “Plano Marshall brasileiro”: “Querem sair do buraco cavando mais fundo”. Guedes aponta o ex-subordinado e atual ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, como o culpado de o plano (ou o esboço dele, que é o que se tem até agora) ter vindo à luz. Para o Posto Ipiranga, o que moveu Marinho foi uma “vontade eleitoreira de gastar”. “Os olhos dele brilham quando fala em obras”, tem repetido Guedes a integrantes de sua equipe. Embora o Planalto não confirme, Guedes diz a quem quiser ouvir que Marinho é o artífice do plano que usará investimento público para tentar reanimar a economia combalida pela Covid-19. O ministro do Desenvolvimento Regional teria convencido o ministro Tarcísio Freitas, que levou a ideia a Jair Bolsonaro.

GOVERNO

Um dia após o outro
Pesquisas telefônicas de um grande instituto, feitas antes do discurso num ato golpista e sobretudo antes da explosiva demissão de Sergio Moro, mostravam que a aprovação de Jair Bolsonaro estava em leve viés de subida.

Nova política
Preocupado em mudar o modo de se fazer política no Brasil, Jair Bolsonaro prometeu o FNDE a Arthur Lira, líder do PP, figura de relevo do centrão, e réu em dois processos da Lava-Jato no STF. O FNDE, que até dezembro tinha na presidência um indicado de Rodrigo Maia, gere o maior orçamento do MEC —cerca de R$ 50 bilhões anuais.

Sem cupido
As piscadelas de Jair Bolsonaro para o centrão começaram a surtir efeito. Ciro Nogueira prometeu a Rodrigo Maia que o PP não iria traí-lo nem deixá-lo isolado, mas avisou que o partido manterá contato direto com o Palácio do Planalto —em outras palavras, não precisa mais do presidente da Câmara para negociar com quem manda.

Tiro n’água
Hamilton Mourão, embora tenha evitado as críticas públicas, considerou mais uma trapalhada a decisão de Jair Bolsonaro de comparecer às manifestações que pediam o fechamento do Congresso, no domingo passado.

Lugar na história
Mourão anda repetindo reservadamente a avaliação de Delfim Netto sobre a Casa Civil de Jair Bolsonaro: “A pior da História da República”. Assim como Delfim, Mourão evita citar o nome de Onyx Lorenzoni, mas é a ele que se refere e não ao recém-chegado Braga Netto.

CÂMARA

Pé e mão
Rodrigo Maia anda tão cuidadoso com a Covid-19 que, para entrar na casa onde mora o presidente da Câmara, em Brasília, o convidado precisa cobrir os sapatos com um revestimento descartável e lavar as mãos com álcool em gel.

O preferido
Rodrigo Maia não fala do tema publicamente, mas líderes do centrão dão como certo que o seu candidato à própria sucessão na presidência da Câmara, em fevereiro de 2021, é Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB). Isso, claro, se não aparecer uma reeleição no meio do caminho.

SENADO

Dois tracinhos
Davi Alcolumbre leva à loucura alguns aliados e líderes partidários do Senado. Vira e mexe, passa semanas sem responder as mensagens enviadas por eles.

SAÚDE

Baixas no front
A Rede D’Or, o maior grupo hospitalar do Brasil, já contabiliza três mil funcionários afastados de suas funções desde março por causa da Covid-19.

BRASIL

Ao ataque
Se Jair Bolsonaro atender aos apelos de Hamilton Mourão e assinar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) voltada à fiscalização na Amazônia, as operações in loco começarão a ser feitas periodicamente já a partir de maio. Foram identificadas sete áreas prioritárias, onde a escalada do desmatamento é mais preocupante. Ficam no Pará, Amazonas, Rondônia e no norte de Mato Grosso.

Fumaça do passado
Henrique Mandetta, agora ex-ministro, deixou para trás uma série de vícios que faziam parte de sua rotina — um dos mais importantes, o cigarro. Mandetta parou de fumar no mesmo período em que surgiu o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, perto do carnaval.

PARTIDOS

Líder da oposição?
Constatação: quase seis meses depois de ter sido libertado, Lula está cada vez menor politicamente, mesmo diante de um governo federal que tem se esfarinhado diante dos brasileiros.

LAVA-JATO

Segunda etapa
A assinatura da delação de Eike Batista (que ainda precisa ser homologada pelo STF) não pôs fim à agonia de seu filho Thor e de sua mulher, Flavia. A situação de ambos, que tiveram bens bloqueados pela Justiça, será definida mais para frente. Durante a negociação com a PGR, foi estabelecido prazo de 180 dias para se decidir de que forma eles serão abarcados pelo acordo e se sofrerão alguma punição.

ECONOMIA O ‘PG’
Que Posto Ipiranga que nada. Em privado e em reuniões ministeriais, Jair Bolsonaro só chama Paulo Guedes de PG.

Quem diria
Milagres dos tempos de Covid: Paulo Guedes tem conversado com José Serra. E tem elogiado o tucano.

GENTE

Às compras
Nelson Piquet acaba de comprar um terreno de 5 mil metros quadrados no condomínio Portobello, em Mangaratiba (RJ), para erguer uma casa de praia. Pagou R$ 2 milhões.

LUXO

Agora não dá
A inauguração do primeiro restaurante Fasano no exterior, prevista para acontecer em julho, na Park Avenue, em Nova York, dançou. O motivo é, obviamente, a Covid-19. Ficou para 2021.

CULTURA

Às calendas
Mais uma atração da série “não rolou”. Bolsonaro disse numa live que pretendia extinguir a Ancine. Pouco antes afirmara que mudaria a sede da agência do Rio para Brasília. Não fez nem uma coisa nem outra. E hoje parece mais interessado em salvar a própria pele do que qualquer outra coisa.


Reações descabidas podem agravar a crise - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 26/04

O país precisa sair desta turbulência de pé, e não de joelhos


A ausência de uma agenda clara por parte do Executivo para enfrentar a pandemia e seus desdobramentos tem resultado em um descontrole que pode inviabilizar a recuperação da economia.

Caberia ao governo federal definir as prioridades da política pública, analisar os impactos esperados das propostas e alertar sobre as restrições existentes.

Na sua ausência, Legislativo e Judiciário, casas de iguais, ficam submetidos às pressões dos diversos grupos para resolver, por maioria, problemas específicos, ignorando seus efeitos sobre o restante da sociedade.

Liminares são concedidas para o não pagamento de obrigações, pondo em risco a solvência de muitos fornecedores. Multiplicam-se programas de auxílio sem saber da sua prioridade.

A crise é grave. Certamente a política pública deve assegurar os recursos necessários à saúde e aos desassistidos pela perda de renda.

Muitas medidas recentes, no entanto, têm ido muito além do auxílio temporário nesta crise. Programas são criados em duplicidade, como a concessão de crédito para pequenas empresas. Benefícios permanentes são aprovados, como a ampliação do acesso ao BPC.

Com o governo distante do debate, falta quem possa arbitrar conflitos e garantir a consistência das medidas, por vezes com lesivos efeitos colaterais.

Um exemplo, entre muitos, é a proposta de tributar em até 10% o lucro dos últimos 12 meses das empresas com mais de R$ 1 bilhão de patrimônio.

Esquecem que empresas estão perdendo boa parte do seu caixa e que muitas correm risco de falência? Como irão pagar o tributo? Vender ativos em meio à crise? E como ficarão seus empregados e fornecedores?

O populismo vai coletar pouco, mas pode causar grande dano. Os dados de 2018 indicam um potencial de arrecadação de R$ 37 bilhões, menos de 10% do que o governo já está a gastar nesta crise.
Será que vale a pena pôr em risco a solvência de grandes empresas que empregam muita gente e viabilizam cadeias produtivas?

Outros elegem os bancos como vilões e propõem medidas sem avaliar as condições de contorno. Não sabem que as linhas externas de financiamento escassearam, que o custo do capital aumentou e que deve ocorrer uma expansão generalizada das perdas de crédito?

Parecem ignorar que bancos emprestam os recursos dos depositantes, que podem ser perdidos em caso de descontrole.

Em meio à crise, que ganha novos contornos, as lideranças do Congresso e do Supremo deveriam suprir, dentro do possível, o vazio do Executivo. Deve-se garantir a consistência e a coordenação das medidas, além de avaliar seus efeitos colaterais.

O país precisa sair desta turbulência de pé, e não de joelhos.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

A democracia na era pós-pandêmica - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 26/04

Pela primeira vez teremos uma ótima chance de liquidar o patrimonialismo


No século 19, a democracia liberal apenas engatinhava, mas sua morte já era dada como iminente. Um caso de mortalidade infantil.

Nunca é demais lembrar que a democracia liberal (ou representativa) só começa a se configurar no século 19. Cento e cinquenta anos atrás, com a parcial exceção do Reino Unido e dos Estados Unidos, o mundo se dividia em países desabridamente autoritários e em embriões de democracia. Estes últimos existiam em sociedades oligárquicas, nas quais o jogo político se limitava a pequenos grupos de elite – proprietários e “notáveis” –, a uma minúscula parcela da população habilitada a votar e a uma vasta maioria analfabeta, empregada em atividades rurais e completamente excluída da vida pública. Tomando a nuvem por Juno, os críticos do liberalismo julgavam estar vendo um cemitério, quando, na verdade, se tratava do início de uma construção cheia de opções e possibilidades.

Nas primeiras décadas do século 20, na esteira da Revolução Russa e da ascensão do fascismo, passou-se a entender que a causa mortis da democracia seria sua congênita debilidade. Anêmica, ela não teria como resistir à maré montante dos embates entre capital e trabalho. A 2.ª Guerra Mundial liquidou o fascismo como forma de organização política, mas fortaleceu o comunismo soviético, dando ensejo a um terceiro prognóstico para o fim da democracia. A radicalização ideológica entre direita e esquerda, engendrada internamente em cada país e turbinada de fora para dentro pela guerra fria entre Estados Unidos e URSS, seria a nova causa mortis. Esse prognóstico tinha mais substância, basta lembrar as tragédias a que sucumbimos, Brasil, Argentina e Chile, aqui mesmo, no Cone Sul latino-americano. Fato é, no entanto, que a democracia representativa, bem ou mal, ressuscitou. Atualmente, os piores casos de antiliberalismo político devem-se muito mais à propensão tirânica de certos líderes – Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela; Viktor Orbán, na Hungria; Recep Erdogan, na Turquia – do que a causas supostamente universais.

No presente momento, com o mundo engolfado na monstruosa pandemia de covid-19, ninguém se surpreenderá com o reaparecimento dessa antiga discussão. Agora, já mais que centenária, é plausível considerar que a democracia liberal integra um grupo de altíssimo risco. Não poucos autores já quebram a cabeça em busca de um título, esfalfando-se para não recair no consagrado Crônica de uma Morte Anunciada. O mais invocado é uma reversão da interdependência mundial, cada país se ensimesmando, cuidando mais de seus problemas internos e alterando o papel do Estado na economia. Em recente entrevista ao Washington Post, Henry Kissinger insistiu na perda de hegemonia dos Estados Unidos, vale dizer, na redução do poder relativo de seu país em relação às outras grandes potências – em relação à China, notadamente –, uma vez que isso significaria a debilitação do ideário liberal perante o regime ferreamente totalitário de Xi Jinping.

Parece-me fora de dúvida que o mundo pós-pandêmico passará por grandes transformações, mas não necessariamente desafios que ponham em xeque a própria sobrevivência da ordem liberal-democrática. Os autores que cogitam de uma forte presença do Estado e certa ressurreição do nacionalismo precisam se lembrar de que nenhuma democracia e nenhum sistema político jamais se configurou como um embate entre massas “equipotentes”, iguais em peso e massa, como bolas numa mesa de bilhar. Entre o tosco clientelismo da política local (quem nomeia a professora rural, o agente dos correios, etc.) e o topo, no qual grandes organizações públicas e privadas fixam prioridades e executam as medidas necessárias à acumulação de capital, a distância é imensa. No Brasil, por exemplo, minha intuição é de que tal estrutura permanecerá, mas pela primeira vez teremos uma ótima chance de liquidar o patrimonialismo (o sistema dos “amigos do rei”) e alterar decisivamente a estrutura do investimento público. Em vez de desperdiçar recursos de maneira criminosa – na construção de estádios, por exemplo –, haveremos de entender que nossas prioridades “acumulativas” terão que ver com ciência e tecnologia, biotecnologia, saneamento básico, ampliação dos serviços de saúde e, naturalmente, educação básica. Chance, também, de levarmos a sério o imperativo da reforma política. No quadro dessa reorientação, a transparência e as divergências próprias da democracia serão uma grande alavanca, e não um obstáculo, como cinicamente afirmam os pregoeiros do autoritarismo.

Muitas vezes o barato sai caro. Atentando apenas para os ínfimos custos de produção chineses, o mundo deixou a cargo daquele país praticamente toda a produção de insumos médicos. Se os governantes dos países democráticos tiverem alguma coisa entre as duas orelhas, tratarão de alterar o quanto antes esse modelo.

SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E AUTOR DO LIVRO ‘LIBERAIS E ANTILIBERAIS’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)

Bolsonaro sonha com o fim do mundo - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 26/04

Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante


Os eleitores de Jair Bolsonaro viveram o suficiente para ver o ex-juiz Sergio Moro lembrando que durante a Operação Lava-Jato a presidente Dilma Rousseff não procurou intervir nas investigações que corroíam seu governo. Isso na mesma fala em que denunciou a interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal e o uso essencialmente fraudulento de sua assinatura eletrônica na exoneração “a pedido” do delegado Maurício Valeixo. A pedido de quem?

Formalmente, Moro pediu demissão. No mundo real, ele foi expulso do governo por Jair Bolsonaro. O ministro procurou negociar a substituição de Valeixo, mas esse caminho foi bloqueado no escurinho de Brasília. Sua saída agrava uma crise que Bolsonaro deliberadamente estimula.

Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante. Demitiu o ministro da Saúde, foi para o portão do QG para estimular golpistas, apadrinhou uma mirabolância econômica que transforma o ministro Paulo Guedes em adereço de passista. Se tudo isso fosse pouco, avançou na jugular de Sergio Moro.

O repórter Gerson Camarotti sintetizou a conduta de Bolsonaro: ele entrou no “modo desespero”. Isso existe. Bernard Madoff era visto como um mago da finança americana e havia presidido a bolsa de tecnologia de Nova York. Em 2001, seu fundo de investimentos, um negócio de US$ 65 bilhões, rendia 10% ao ano, alegrando granfinos, inclusive alguns brasileiros. Era tudo mentira e sua explosão, questão de tempo. Ele passou a torcer para que o mundo acabasse. Assim ninguém saberia que ele era um vigarista. No dia 11 de setembro de 2001 ele viu o atentado da torres gêmeas e aliviou-se: “Ali poderia estar a saída”.

Não estava. Ele foi apanhado anos depois e está na cadeia, cumprindo uma pena de 150 anos de prisão. Um de seus filhos matou-se e todos os seus bens foram a leilão, inclusive os chinelos.

Num país assolado pela pandemia e por uma recessão econômica, assombrado e dispersivo, Jair Bolsonaro sonha com o fim do mundo.


O pandemônio presidencial


Paulo Guedes, o poderoso Posto Ipiranga, disse que seu projeto foi atingido por um “meteoro”. Tinha razão, mas depois do meteoro da Covid-19 veio o Pró-Brasil, uma fantasia de R$ 30 bilhões de investimentos que criaria um milhão de empregos e duraria dez anos. Guedes honrou o evento com sua ausência.

Para um ex-aluno da Universidade de Chicago, Guedes vive um pesadelo ao ouvir gente dizendo que o Pró-Brasil é um “Plano Marshall”. Quem acha isso confunde guindaste com girafa. O chefe da Casa Civil condenou o paralelo, mas infelizmente não conseguiu detalhar o plano.

Noutra analogia, o programa seria comparável ao “New Deal” americano dos anos 30 do século passado. Para isso, seria necessário colocar no mesmo pódio Jair Bolsonaro (que extinguiu o Ministério do Trabalho) e o presidente Franklin Roosevelt, que redesenhou as relações trabalhistas americanas. Quem quiser brincar de “New Deal” em Pindorama, deve saber que o presidente americano criou uma Previdência Social que ampara todos os cidadãos. Aqui há 40 milhões de invisíveis.

O Pró-Brasil é também uma vaga prestidigitação econômica. Os doutores falaram em investimentos do setor privado no mesmo dia em que o secretário de Desestatização revelou que não cumprirá sua meta de privatizações. O setor privado nacional está asfixiado e o internacional precisa ser convencido a investir num país governado por um negacionista que flerta com a quebra da ordem constitucional.

Atingido por uma crise que não provocou, Paulo Guedes está agora num governo que pretende desfilar o Pró-Brasil em ritmo de samba, enquanto ele continuará a dançar sua valsa na comissão de frente.

O Pró-Brasil é um neto torto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975. Quando perguntaram ao então ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen o que ele achava do PND, publicado num livrinho de capa azul, ele foi breve: “Não leio ficção”.

Ninguém se incomodou porque sabia-se que era verdade.


Receita de ruína


Governos que não tiveram um ou mais generais no Planalto estrelando espetáculos foram estáveis e, às vezes, bem-sucedidos. A saber: os governos de Lula, Fernando Henrique, José Sarney e Emílio Médici. Todos tiveram chefes militares no comando do Exército.

Dois governos desastrosos tiveram generais buliçosos no palácio. A saber: as presidências de João Figueiredo e Costa e Silva.

Isso, deixando-se de lado o governo de João Goulart, com o poderoso “dispositivo militar”do general Assis Brasil.



Digital

Pode ter sido coincidência, mas a técnica de manifestação em frente a um quartel tem a digital do capitão Jair Bolsonaro.

Em 1992 ele era deputado e foi para o portão da Academia Militar das Agulhas Negras no dia da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes. Pretendia distribuir panfletos aos convidados.

A bagunça foi contornada quando o comando mandou o major Luiz Eduardo Ramos negociar com Bolsonaro para que ele se distanciasse do portão.

Ramos, que hoje é ministro do capitão, rememorou o episódio para a repórter Maria Cristina Fernandes:

“Estava em uniforme de gala, mas subi na moto e fui encontrá-lo. ‘P... Jair, aqui não dá’. (...) Jair, me ajuda, eu recebi uma ordem. (...) Aí consegui que ele continuasse a distribuir os panfletos, só que em outro lugar que não ficava no caminho das autoridades. Todo mundo feliz e não deu mais problema.”

Não deu problema, naquele dia.


Eremildo, o idiota


Eremildo é um idiota e acredita que se Bolsonaro entregar ao centrão as arcas da Funasa e do FNDE, a parlamentares da estirpe do notório Valdemar Costa Neto, eles honrarão seus compromissos.

O cretino empolgou-se com o grito de guerra do presidente na porta do QG do Exército: “Acabou a época da patifaria”. O que ele não entende é por que ainda não se sabe quem fez o edital de agosto passado do FNDE pretendendo comprar 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para a rede pública de ensino a um custo de R$ 3 bilhões.

A Advocacia-Geral da União mostrou que o certame parecia viciado e que os 250 alunos de uma escola de Minas Gerais ganhariam 30 mil laptops. Outros 355 colégios receberiam mais de um equipamento para cada estudante. A licitação foi suspensa em setembro e cancelada em outubro.

Os mecanismos de controle da Viúva funcionaram, mas a patifaria persiste, porque até hoje não se revelou quem (e por quê?) botou o jabuti na forquilha.

Eleição


A eleição municipal de outubro poderá ser adiada para novembro ou dezembro.

Uma coisa é certa, ela acontecerá neste ano.

Os interessados na prorrogação dos mandatos dos prefeitos devem tirar o cavalo da chuva.


Campanha eleitoral sobre cadáveres - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 26/04

Agenda presidencial dá prioridade à reeleição sobre a segurança e a vida das pessoas


Foi uma quinta-feira tenebrosa. Mais 407 mortes, um recorde sinistro, foram comunicadas oficialmente. Em Manaus, ambulâncias corriam de hospital em hospital com doentes em busca de uma vaga. Em São Paulo, a Prefeitura liberou enterros à noite e anunciou a abertura emergencial de 13 mil sepulturas. Num site jornalístico, um médico descrevia a experiência de ser a última pessoa vista por um moribundo, sem a presença de familiares. Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o presidente cuidava das prioridades mais altas da República Bolsonariana, incluída a exoneração do chefe da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo. Naquela altura, outra ação de grande importância na agenda palaciana havia aparecido no Diário Oficial. Os brasileiros poderão, graças a um decreto redentor, comprar até 550 unidades de munição por mês. Portaria anterior, anulada pelo mesmo ato, fixava o limite de 600 unidades por ano.

A demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro, consumou-se na sexta-feira. Ele havia resistido à exoneração do diretor-geral da Polícia Federal. Havia tentado até negociar a nomeação de um substituto, segundo afirmou, para evitar um desentendimento maior num momento de pandemia. Não deu certo. Não se sabe se ele usou a palavra pandemia na conversa com o presidente. De toda forma, é difícil dizer se isso faria alguma diferença. A segurança e a vida dos brasileiros, como já sabia qualquer pessoa razoavelmente informada, estão fora das prioridades presidenciais.

Segurança, vida e bem-estar sempre estiveram longe do primeiro plano desde o começo do mandato. Há um ano, o desemprego superava 12% e os desempregados eram mais de 12,5 milhões. Mas no alto da agenda estavam as armas de fogo, apresentadas como itens fundamentais para a tranquilidade e o futuro dos brasileiros.

Revólveres, pistolas e fuzis continuam tratados como questões de alta importância, enquanto governos estaduais e municipais correm atrás de respiradores, improvisam hospitais de campanha e - apesar desse empenho - têm de providenciar câmaras frigoríficas para abrigar vítimas da pandemia. Armas, no entanto, nem são agora a mais alta prioridade presidencial. O assim chamado chefe de governo - governante seria uma palavra muito estranha - vem cuidando principalmente de seus interesses políticos pessoais e da proteção dos valores familiares, aqui entendidos como os de sua família.

Cuidar da reeleição tem sido a atividade mais notória do presidente. Essa prioridade é evidente desde o ano passado, mas o jogo tem-se tornado mais intenso. Essa preocupação se torna quase chocante quando o tratamento da pandemia é subordinado às eleições de 2022.

Candidatos potenciais, como os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, são tratados como rivais e até como inimigos. A redução do isolamento e a rápida liberação das atividades econômicas, bandeiras do presidente e de seus aliados, escancaram o interesse eleitoral. São orientações contrárias àquelas seguidas em vários Estados, incluído São Paulo, e envolvem uma aposta em ganhos de popularidade.

A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde foi parte desse jogo. Além de seguir, no essencial, as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), aceitas também pelo governo paulista, o ministro havia se tornado muito mais popular que o presidente. Não foi, no entanto, apenas um caso de ciúme. Um ministro disposto a dar prioridade à vida, atendendo mais à ciência do que aos interesses de seu chefe, podia ser um estorvo.

A demissão de Mandetta, a exoneração de Maurício Valeixo e a saída de Moro são fatos estreitamente articulados. Desde o ano passado o presidente procura controlar, ou enfraquecer, os principais organismos de investigação.

Seu interesse podia estar vinculado, inicialmente, à proteção de um filho suspeito de irregularidades na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A prática da rachadinha havia sido evidenciada por declarações de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj. O assunto continua quente. Mas os problemas ficaram mais complicados com as investigações sobre fake news e sobre a organização da passeata golpista realizada em Brasília no dia 19, um domingo.

Por que o deputado Eduardo Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a prorrogação da CPI das Fake News? Além disso, quem ignora a atuação do gabinete do ódio? Mas há outros motivos de preocupação para o presidente. Seu nome, em princípio, está fora da investigação sobre a passeata golpista, mas sua presença é inegável e o inquérito pode produzir efeitos secundários.

Percebido o erro, o presidente declarou amor às instituições e tentou maquiar os fatos. O objetivo da manifestação, disse ele a um grupo, foi a defesa da volta ao trabalho. Mesmo com a pandemia? A pandemia, admitiu, ainda ameaça as pessoas. “Lamentamos as mortes”, disse. E acrescentou: “Enfim, é a vida, né? Tem gente que vai morrer”. Em outra ocasião ele havia dito em sua língua peculiar: “Haverão mortes (...) Paciência”. Bolsonaro é isso mesmo.

JORNALISTA

Bolsonaro cria instabilidades e eleva custo da crise - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/04

Choque com Moro e abalo de Guedes mostram presidente enredado na própria inépcia para conduzir a nação na pandemia


Jair Bolsonaro está aumentando o custo da crise para a sociedade em meio a uma pandemia histórica. O presidente escolheu se transformar num vetor de instabilidade e converteu o governo numa usina de crises. O resultado é óbvio: quanto maior o nível de conflito, mais alto tende a ser o preço a ser pago por 211,4 milhões de brasileiros para emergir do caos econômico e social provocado pelo vírus.

Nas últimas semanas ele se empenhou em tumultuar as perspectivas de uma governança ainda que precariamente estável ao abrir confrontos com governadores estaduais, demitir um ministro, Luiz Henrique Mandetta (Saúde), e agir claramente para desidratar outros dois, Sergio Moro (Justiça e Segurança) e Paulo Guedes (Economia).

O choque com Moro e o abalo de Guedes se enquadram na moldura de um presidente aparentemente enredado na própria inépcia para conduzir uma nação sob grave crise, que avança para completar uma década em recessão, neste ano em nível sem precedentes, e nos últimos dez dias registrou aumento de 150% no número de mortes na pandemia.

Sem plano coerente e consistente para o país, Bolsonaro circunscreve suas ações à receita que aplicou com êxito na campanha eleitoral de 2018, a da aposta na multiplicação de conflitos em todas as direções.

É legítima sua aspiração à reeleição em 2022, assim como a busca por amparo parlamentar a todo custo. O problema está na sua incapacidade sucessivamente demonstrada de distinguir os limites entre Estado e governo, assim como entre o papel de um presidente e o de candidato potencial em futuras eleições.

A exposição da discórdia com o ministro da Justiça obedece a um padrão visto recentemente no caso do ministro da Saúde e reproduzido, mais uma vez, na promoção de um plano de resgate econômico para “trinta anos” — incoerente, para se dizer o mínimo —, ao qual se opõe abertamente o Ministério da Economia.

No caso do desentendimento com Moro há o agravante do motivo. Bolsonaro tenta há tempos substituir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, pessoa de confiança do ex-juiz. Assim como parece não arquivar a ideia de tirar a Segurança Pública do ministro da Justiça, para deixá-lo sem a PF. O interesse do presidente pela Polícia Federal cresce à medida que surgem ou avançam investigações no entorno do clã Bolsonaro. Agora, é o inquérito recém-aberto no Supremo, para investigar os subterrâneos das manifestações antidemocráticas, como as de domingo, de que Bolsonaro participou. Não se trata de uma preocupação republicana.

Hoje, a partir dos sinais emitidos pelo Palácio do Planalto, a única certeza possível é a de que o presidente da República não sabe o que fazer diante dessa inédita crise e, por isso mesmo, usa o recurso de fazer política do confronto, multiplicando conflitos em proporção e velocidades só comparáveis à disseminação do novo coronavírus.

Meses decisivos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 26/04

Os três inquéritos do STF têm a possibilidade de montar um quadro bastante claro da atuação dos Bolsonaro na política brasileira

Nos últimos cinco meses deste ano fatídico, entre julho e novembro, viveremos tempos decisivos na política brasileira, com definições fundamentais envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, desde a realização das eleições municipais até os inquéritos envolvendo o presidente Bolsonaro e seu entorno.

O ministro Celso de Melo, decano do STF, se aposenta em novembro com uma última missão delicada institucionalmente, a relatoria do inquérito sobre as acusações do ex-ministro Sérgio Moro ao presidente Bolsonaro, que ele deve aceitar na segunda-feira.

Em julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), hoje presidido pelo ministro do Supremo Luis Roberto Barroso, tem que decidir sobre a realização das eleições municipais em outubro, pois a data limite para a realização das convenções é dia 5 de agosto e a propaganda eleitoral começaria no dia 15.

Em setembro, o ministro Dias Toffoli será sucedido na presidência do STF pelo ministro Luis Fux, e os dois gostariam de ser o presidente quando os inquéritos sobre fake news e organização de manifestações antidemocráticas, relatados pelo ministro Alexandre de Moraes, chegarem ao final. Toffoli abriu o inquérito das fake news há um ano, sob criticas generalizadas, e quer mostrar que tinha motivos para tal.

Nesses meses, portanto, estaremos decidindo o futuro imediato da política brasileira. Os inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes são os que incomodam o presidente Bolsonaro, de acordo com as mensagens reveladas pelo ex-ministro Sérgio Moro.

Alexandre de Moraes tomou uma atitude nesta semana que já havia sido adotada pelo ministro Luis Roberto Barroso em inquérito contra o então presidente Michel Temer: determinou que a equipe da Polícia Federal que já trabalha com ele seja mantida nas investigações, mesmo com a troca do diretor-geral da Polícia Federal.

As investigações já estão bastante avançadas, o que garantirá que o segundo inquérito também ganhará agilidade e poderá fazer uso de informações que não diziam respeito ao Supremo, escopo restrito do primeiro inquérito.

O chamado “gabinete do ódio”, instalado no Palácio do Planalto sob a orientação do vereador Carlos Bolsonaro e inspiração do guru Olavo de Carvalho, está sendo identificado como a origem das fake news e, ao que tudo indica, tem ligações estreitas com a organização das manifestações que pedem a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

O novo inquérito, que caiu pelo sorteio eletrônico para o ministro Celso de Melo relatar, é outro fator relevante nessa crise politica, e investigará as supostas tentativas do presidente Bolsonaro de obter informações da Polícia Federal com o objetivo de interferir nas investigações.

A ilação imediata, que terá que ser apurada, é que o presidente pretende, ao nomear o diretor-geral da PF, controlar os inquéritos que envolvem seus filhos. Os três são investigados sobre a disseminação de fake news, funcionários fantasmas e rachadinhas do salário de funcionários.

Mas Bolsonaro se preocupa com deputados bolsonaristas investigados pelo inquérito relatado por Alexandre de Moraes, e no final os três inquéritos do STF têm a possibilidade de montar um quadro bastante claro da atuação dos Bolsonaro na politica brasileira.

A eleição municipal deste ano é outra peça importante deste enorme quebra-cabeças que esta sendo montado. O ministro Luis Roberto Barroso está consultando epidemiologistas para tentar ter uma ideia se em julho já haverá condições de autorizar as convenções partidárias devido à crise da Covid-19.

Ele trabalha com a ideia de não adiar as eleições, mas se for necessário, apenas por um ou dois meses, para que não seja necessário prorrogar mandatos. Barroso, apesar da “avassaladora” crise que reúne em uma só crises na saúde pública, na politica e na economia, continua otimista, pois vê as instituições brasileiras sustentando a democracia, em especial o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e as Forças Armadas, vacinadas contra o vírus do golpismo.