segunda-feira, maio 02, 2016

Nojinho de Deus e da família - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 02/05

Os frequentadores de jantares inteligentes não gostam do povo. Mentem quando se dizem preocupados com ele. Essa preocupação só serve para alimentar a vaidade deles ("Como sou bom! Até me sinto mal quando tomo vinho, só de pensar em quem sofre na fila do posto de saúde!"). Outra vantagem de "amar a ideia de povo" é a carteira de "projetos" rentáveis junto ao governo.

Bom, isso nada tem de novo. Qualquer um que olhe a sua volta vê o nojinho que os inteligentes alimentam pelo povo. Ainda que chamem suas empregadas de "Dôdo" ou "Tatá".

Muita gente, nos últimos dias, falou daquilo que para muitos foi um vexame na votação do impeachment na Câmara: "Em nome de Deus, da minha família...".

Mas eu gostaria de aprofundar um pouco o nojinho que aquelas confissões em Deus e na família despertaram nos jantares inteligentes desde o domingão de 17 de abril.

Minha hipótese é simples. Penso que o nojinho aqui vai além do blábláblá sobre a "qualidade de nossos políticos". O nojinho é, na verdade, nojinho de Deus, da religião e da família mesmo.

Poderíamos fazer uma sociologia desse "mundo das letras" no tocante aos afetos, rancores, ressentimentos e solidão que, provavelmente, levaria sua segunda-feira a um astral meio ruim. Por isso, vamos deixar de lado essa sociologia triste.

Seria fácil identificar em muitos ateus rancorosos (mesmo que digam que não) um ódio de Deus que os faz pensar mais Nele do que os crentes o fazem. Quanto mais militante é um ateu, mais problemas ele tem com seu papai ("daddy issues", como se fala em inglês). E o que falar da solidão em meio a livros e aulas, muitas vezes irrelevantes? E a inveja de quem consegue ter uma vida familiar gratificante por anos a fio? Sim, sei que prometi não pegar tão pesado, por isso paro por aqui.

E isso existe mesmo? Existe essa coisa de "vida familiar gratificante"? É possível ser religioso e inteligente? Só alguém sem informação, inculto ou inseguro pode ser religioso, não?

Já voltaremos ao nojinho pela família, mas por agora examinemos o nojinho por Deus e pela religião.

Uma sociologia básica do ateísmo mostra que parece haver alguma relação entre aumento de repertório e dúvidas com relação a fé. Países com alto nível de escolaridade se aproximam do chamado ateísmo orgânico. Ateísmo orgânico é a forma de ateísmo a que se chega sozinho após se informar e refletir sobre deuses e religiões e ver como tanto os deuses quanto as religiões são repetições banais das mesmas crenças ao longo dos séculos. Para não falar de todos os picaretas que roubam centenas de milhares de pessoas ao longo dos séculos com o blábláblá dos "poderes espirituais".

Claro que em épocas do politicamente correto e dos ofendidinhos que empesteiam o mundo com o seu mimimi, todo mundo tem que posar de "doce relativista" e esconder que suspeita que essa "gente simples" que crê em pastores, padres e afins seja gente ignorante que não entende nada da realidade.

Mas a repressão do desprezo por quem acredita nessas bobagens religiosas, tão bem instalada no dia a dia social, explode na hora em que aparece associada a algo "desprezível" como ser contra o PT. É fato que esse desprezo disfarçado de "doce relativismo" está mais presente em gente que tem "fé na luta pela igualdade social". Qualquer pessoa um pouco mais atenta sente o cheiro da condescendência quando essa gente culta é obrigada a conviver com aquela gente estúpida da fé.

E o nojinho da família? Esse é fruto de ideias como "família é o lugar da opressão patriarcal", "família é coisa de gente heteronormativa". Basta alguém dizer que uma mulher é "recatada e do lar" para um exército de chatos e ofendidos saírem de seus buracos e protestarem contra a opressão exercida pelas mulheres "recatadas e do lar" sobre todas as outras que não querem ter recato ou um lar.

O número de pessoas solitárias e sem filhos que ensinam por aí o que é uma família ou como educar um filho nos faria dar risada. Pode-se votar em nome de assassinos "revolucionários", mas em nome da família, jamais.

A mentira do golpe II - PAULO GUEDES

O GLOBO - 02/05

A falsa narrativa é, na verdade, o maior de todos os golpes que poderiam ser desferidos contra o regime democrático brasileiro


O ex-presidente FHC comparou em artigo no GLOBO deste domingo os “crimes de responsabilidade” atribuídos agora à presidente Dilma e antes ao ex-presidente Collor em seus julgamentos no Senado. “O crime de responsabilidade de Dilma consiste em ter utilizado os bancos públicos para mascarar a verdadeira situação fiscal da República e ter autorizado gastos sem autorização do Congresso. O crime de responsabilidade de Collor consistiu em receber um automóvel de presente, o que o Senado considerou quebra de decoro. O ministro do Supremo que presidiu o julgamento de Collor no Senado, o jurista Sydney Sanches, disse que desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e fazer gastos sem autorização do Congresso são formas de quebra de decoro. E que Collor foi absolvido da acusação de crime comum (corrupção) porque não ficou provado que da quebra de decoro tivesse decorrido qualquer benefício para quem o presenteara com o carro”, registra FHC.

Collor estaria incapacitado para governar, sendo inocentado do crime de corrupção. Poderia, então, ter recorrido à narrativa do golpe quando afastado da Presidência. Teve milhões de votos, não caiu pelas urnas. Fenômeno das primeiras eleições diretas para a Presidência após a redemocratização, comportou-se com dignidade e respeito às instituições democráticas durante sua queda. Derrotara nas urnas todas as correntes oposicionistas de “esquerda”, novas como a de Lula e velhas como a de Brizola, assim como os representantes do governo de transição, Aureliano Chaves à “direita” e Ulysses Guimarães e Mario Covas à “esquerda”.

A extraordinária popularidade de um jovem presidente anti-establishment, que chamou Sarney de “corrupto, incompetente e safado” e poderia aposentar por obsolescência as demais lideranças políticas, atemorizou a esquerda hegemônica. Ameaçados de extinção pela fulminante ascensão de Collor, uniram-se todos em um golpe contra ele a pretexto de um Fiat Elba? Eram todos golpistas? Os que creem, como eu, na construção de uma Grande Sociedade Aberta preferem outra narrativa. A saída de Collor registrou um importante aperfeiçoamento institucional de uma democracia emergente, com a declaração de independência de nosso Poder Legislativo ante práticas não republicanas do Executivo.

Como seria um governo Temer? - GAUDÊNCIO TORQUATO

Folha de SP -02/05
Como seria um eventual governo Michel Temer? Essa é a pergunta mais ouvida nestes dias de intenso debate sobre o processo de impeachment que tramita no Senado.

A resposta aponta para o conhecido enunciado que imortalizou Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon, expresso em 1753 na Academia Francesa: "o estilo é o homem".

O estilo Michel Temer é recortado por uma linha que se chama prudência, essa virtude que abriga a capacidade de dosar coisas, o bom senso de distinguir conveniências e inconveniências, o que é bom e mau para as pessoas. Por conseguinte, deve ser o lume de uma possível experiência no comando da nação.

Esse traço se faz presente no dia a dia do vice-presidente. Quando presidiu a Câmara dos Deputados (cargo que ocupou por três vezes), tirou da cachola a ideia de desobstruir a pauta travada pelas (mal) afamadas medidas provisórias (MP).

Como se recorda, de acordo com o parágrafo 6º do artigo 62 da Constituição Federal, se a MP não é apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entra em regime de urgência e impede "todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando".

Professor de direito constitucional, esta foi sua interpretação: se as MPs só podem tratar de matérias reservadas à lei ordinária, apenas nas sessões ordinárias a pauta do Congresso fica trancada. Nas demais sessões, os parlamentares podem deliberar. A expressão "todas as demais deliberações legislativas", contida no referido dispositivo constitucional, entendida de forma sistêmica e restritiva, acabou convalidada pelo Supremo Tribunal Federal.

Aferindo a vida do homem público Michel Temer pela régua de Max Weber, é razoável concluir que ele se guia pela "ética da responsabilidade", no entendimento de que os atos devem ser analisados por suas consequências, positivas e negativas.

Seria essa a bússola para direcionar a matriz econômica, a cobertura social, a coalizão política que deve compor, as pressões e contrapressões que cairão sobre sua mesa, esteja ele na condição de presidente provisório ou com mandato até o último dia de 2018.

Ao popular ditado "é impossível assoviar e chupar cana ao mesmo tempo", aduz-se a hipótese de que o estilo Temer agrega condições de arrumar uma saída para a equação: atender demandas partidárias advindas de mais de 20 siglas; compor um ministério de perfis de qualidade; oferecer respostas imediatas aos anseios sociais; fazer refluir assustadores índices, 10 milhões de desempregados, PIB negativo de 3,8% neste ano e outras taxas do descalabro.

Não haverá tempo para experimentação. Assumindo o posto de presidente, terá de se valer dos primeiros 45 minutos do jogo para fazer gols. O clamor maior virá das margens. Como recompor o bolso vazio de milhões de brasileiros, cujos ganhos se transformaram em perdas nos últimos anos?

Uma pedrinha no tabuleiro do xadrez sugere a resposta. Chama-se confiança. Sob um novo governo, o resgate da credibilidade perdida é uma provável hipótese. Empreendedores nacionais e internacionais, desejosos de voltar a investir, encontrariam segurança para religar a máquina econômica.

O novo governante seria instado a manejar os cinco motores da vida produtiva, a começar pelo pacto federativo, ao qual se atrela a engrenagem da redistribuição de deveres/recursos entre União, Estados e municípios.

O arranque deslancharia a reforma tributária/fiscal, avançaria no caminho da reforma previdenciária, desfaria o nó legislativo do trabalho e trilharia na vereda da reforma política. Sob essa teia, 2018 abriria horizontes mais claros.

Por último, a índole pacífica deste paulista de Tietê é bem vista neste tormentoso momento. Tensões se multiplicam. O ódio entre alas se intensifica. Temer domina a química da lã entre vidros. Capaz de administrar fricções. Mais ouve que fala.

Sinal animador em tempos de Torre de Babel.

Solo estéril - VINICÍUS MOTA

Folha de SP - 02/05
Durante a agonia de um governo arruinado, o Brasil começou a melhorar. A substituição da equipe do calote, de Zélia Cardoso, pela do diplomata Marcílio Marques, em maio de 1991, iniciou período de 15 anos de prevalência da sobriedade na política econômica.

Sob Marcílio atuavam Pedro Malan, Armínio Fraga, Francisco Gros e Gustavo Loyola, que se tornariam protagonistas a partir da segunda metade daquela década. Collor cravejado deixou-se influenciar pelo espírito da História, levado quer pelo acaso, quer por tirocínio.

Dilma Rousseff não teve fortuna nem virtude nem presciência. Sai de cena tendo semeado coisa nenhuma para o futuro.

A fertilidade do solo é tão baixa que se avizinha troca profunda de quadros, a abranger altos escalões de formulação e decisão, na Fazenda, no Banco Central, no Planejamento, na Petrobras e no BNDES. Nem sequer a passagem de FHC para Lula registrou movimentação de pessoal estratégico nesse volume.

O desafio dos entrantes e de seus sucessores é soberbo e se confunde com a missão de renegociar os termos do pacto civil. As turmas dos anos 1990 em diante beneficiaram-se da ampla margem para elevar a dívida pública e os tributos, o que permitiu expansão contínua, absoluta e como fatia do PIB, dos gastos sociais.

Esse fator se esgotou, ainda que se imponha uma alta urgente de impostos. Dos ganhos de eficiência dos atores, privados e estatais, é que surgirão os recursos para a consecução do núcleo dos ideais de bem-estar inscritos na Constituição, partilhado pela maioria dos partidos.

O populismo dos últimos dez anos estimulou a confusão entre esses princípios constitucionais, de um lado, e a figura de um Estado paternalista a distribuir privilégios, do outro. Caberá à nova geração de autoridades e à nova maioria legislativa a espinhosa tarefa de desfazer o equívoco.