sexta-feira, maio 18, 2012

Não ligue para eles - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 18/05

Dilma recomendou aos integrantes da Comissão da Verdade que ignorem as provocações de militares da reserva.

Pessoa na sua terra

Lançado há três semanas em Portugal pela Porto Editora, “Fernando Pessoa — Uma quase autobiografia”, do brasileiro José Paulo Cavalcanti, o advogado que integra a Comissão da Verdade, é um sucesso também na terrinha. Está entre os três livros mais vendidos por lá.

Eduarda troca de lugar

Ricardo Henriques vai deixar a presidência do Instituto Pereira Passos e da UPP Social para assumir, no lugar de Wanda Engel, o Instituto Unibanco, que promove ações sociais. Seu posto na equipe de Paes será de Eduarda La Rocque, atual secretária de Fazenda.

Segue...

Para o lugar de Eduarda na Fazenda deve ir o subsecretário Marco Aurélio Santos Cardoso.

Voz da América

Ainda não está 100% confirmado, mas Hillary Clinton deve vir à Rio+20.

À la Zózimo

E a Dilma, hein? É impressão minha ou parece empenhada na transposição do duelo político entre petistas e tucanos dos ringues do MMA para um palco mais civilizado e respeitoso?

Helena de Troia
O selo Lua de Papel lança em junho “Helena de Troia, memórias da mulher mais desejada do mundo”, de Francesca Petrizzo. A autora italiana conta a história de amor que originou uma das mais famosas batalhas do mundo, a Guerra de Troia.

O BRASIL É governado por uma presidente durona e... chorona. A coluna já perdeu a conta das vezes em que Dilma ficou com voz embargada — como quarta agora, na instalação da Comissão da Verdade. Ela quase foi às lágrimas ainda na posse, em janeiro de 2011, quando disse: “Estendo minha mão para os partidos de oposição e aqueles que não me acompanharam nessa jornada.” Dilma também lacrimejou ao comentar a chacina de 13 crianças numa escola municipal do Rio e no lançamento do programa para pessoas com deficiência. No mais, é como lembra um verso de Cecília Meireles: “O choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e caia.”

Pássaros do Brasil
O escritor americano Jonathan Franzen, uma das estrelas da próxima Flip, vai esticar a viagem a Paraty, em julho, para fazer observação de pássaros no Brasil. O autor de “Liberdade”, lançado pela Companhia das Letras, é um ornitologista apaixonado.

Greve atrapalha Dilma

Dilma cancelou sua ida hoje, às 11h, à inauguração de uma unidade da Universidade Federal de São Paulo, em Diadema, com Fernando Haddad e Lula, porque os funcionários entraram em greve. Segunda, iria a Porto Alegre, mas a viagem caiu, sem explicação oficial. Como se sabe, funcionários da Trensurb, a empresa gaúcha de trens, também cruzaram os braços.

Mundo em crise

No almoço que reuniu Dilma e os ex-presidentes, ela e FH falaram de política externa.

Santo Amaro
Começou a ser pacificada a Favela Santo Amaro, na Glória, no Rio. Conta com o apoio da Força Nacional de Segurança.

CSN condenada

A 10+ Turma do TRT-RJ condenou a CSN a indenizar em R$ 500 mil um funcionário que contraiu benzenismo, doença causada por intoxicação de benzeno, que atinge o sistema nervoso e a medula óssea. A relatora foi a desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo.

Espinosa no rádio

O gaúcho Valdir Espinosa, ex-jogador e ex-técnico de futebol, estreia na Rádio Globo domingo, no Vasco x Grêmio. Entra na vaga de comentarista deixada pelo também gaúcho Luiz Mendes, que morreu aos 87 anos, em 2011.

Banquete de jiboia

Esta jiboia de uns dois metros descansa numa árvore no Jardim Botânico, no Rio, desde segunda-feira. Comeu um filhote de macaco ou de algum pássaro e, agora, digere o banquete quietinha num galho.

Toda forma de amor vale a pena - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/05


SÃO PAULO - Aceito a provocação de meu colega João Pereira Coutinho e, já que Obama não vai fazê-lo, defendo hoje a poligamia e outras variações mais extravagantes do amor.

Tenho uma proposta que resolve de vez toda a novela em torno do casamento gay e questões correlatas: basta o Estado pular fora do ramo das núpcias e reconhecer apenas uniões civis, sejam elas entre homem e mulher, pares do mesmo sexo e as múltiplas possibilidades combinatórias.

O problema de fundo é que o casamento hoje reúne duas funções totalmente distintas: uma contratual, com consequências jurídicas, e outra de reconhecimento social, com implicações para o status das pessoas. Do ponto de vista do Estado, apenas a primeira, que envolve assuntos como sucessão, guarda de filhos e direitos previdenciários, tem relevância, mas é a segunda que responde pela maior parte das desavenças.

A dupla função tem razões históricas. Antigamente, o casamento funcionava como uma espécie de licença para fazer sexo e ter filhos. Só que, com a ampliação dos direitos individuais, que teve início em fins do século 18, essa função social se tornou anacrônica. Ao menos no Ocidente, o sexo consensual entre adultos é um direito inquestionável que independe de licença prévia. Eliminar a ambiguidade, fazendo com que o poder público se atenha aos aspectos jurídicos das uniões e deixando o casamento para instituições de direito privado, resolveria o "imbróglio".

Todos estariam livres para praticá-lo da forma que quisessem. Os católicos, por exemplo, continuariam a oferecê-lo só a pares heterossexuais e em caráter indissolúvel, enquanto a ABGLT poderia criar os rituais que desejasse para contemplar os homossexuais. Quanto aos polígamos, que mantêm um(a) ou mais amantes (o que não é ilegal, frise-se), desde que inventemos uma fórmula jurídica para não onerar demais a Previdência, também eles poderiam finalmente gozar das delícias do casamento.

A primeira vítima - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZIIENSE - 18/05

Em tempos de CPI, muitos personagens acabam abalroados sem precisar sentar-se no banco dos depoentes para aparecer na TV com aquela cara de quem não está confortável na cadeira. O deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), por exemplo, atingiu um de seus objetivos antes de levar o adversário à luz da comissão que investiga as relações do contraventor Carlos Cachoeira. Bastaram as imagens postadas em seu blog para que o PT, em suas conversas mais reservadas, decretasse que o governador do Rio, Sérgio Cabral, se inviabilizou como candidato a vice numa (ainda) hipotética chapa capitaneada pelo ex-presidente Lula em 2014. Afora os óbvios, ele é o primeiro a sair arranhado.

Cabral, enquanto governador, foi apresentado como os heróis em ações policiais cinematográficas nas favelas do Rio. Entre uma viagem e outra a Paris, cuidava da sua imagem nos morros cariocas. Era o rei da segurança pública. Nesse contexto, o zeloso governador chegou a ser citado como o primeiro da fila numa chapa, caso Lula fosse candidato.

É fato que o PT tenta preservar o governador do Rio como aliado. Ontem a CPI terminou a semana com cara de acordão para tirar Marconi Perillo (GO), Agnelo Queiroz (DF) e Cabral do banco de depoentes — mesmo que seja no papel de testemunhas. Mas, nos bastidores, garantem que esse processo deixará o governador em débito com o PT.

A imagem de Cabral confraternizando com Fernando Cavendish, o ex-dono da Delta, e o fato de não demonstrar os gastos de todas as suas viagens tiveram o mesmo efeito que um balde de água raz teria se jogado sobre uma bonita pintura. É verdade que ele ainda tem tempo para se explicar em relação às viagens, e não é crime beber um vinho em Paris com amigos. No caso de um governador de estado, desde que pague por ele e não deixe o empreiteiro bancando a sua conta, está tudo certo.

Só para situar quem não tem acompanhado essa novela, dadas as idas e vindas de humor da presidente da República, Dilma Rousseff, existe uma turma dentro do PT torcendo para que Lula seja candidato. Seus expoentes não vêem a hora de tirar o PMDB da vaga de vice e entregar o lugar de Michel Temer a Eduardo Campos, presidente do PSB e governador de Pernambuco. Essa conversa já é conhecida de quem lê a coluna. A novidade é que agora os petistas já estão cuidando de direcionar a candidatura a vice. E apostam no climão de CPI para jogar no mercado futuro.

Por falar em Dilma…
A própria Dilma terminou candidata por esses lances que vão, aos poucos, deslocando quem está mais à frente na fila de uma candidatura presidencial. Ela só conseguiu ser candidata porque toda a cúpula do PT ruiu na esteira do mensalão e as ondas que o processo trouxe. José Dirceu e Antonio Palocci, por exemplo, viviam uma guerra de bastidores sobre quem seria o sucessor de Lula. Hoje, os dois são aplaudidos apenas nos encontros do próprio partido onde o conceito de “malfeito” varia de militante para militante, como se fosse um elástico.

A aposta do PT que torce pela volta de Lula é a de que Dilma está nessa briga com a classe política e colocou o PMDB em ministérios de periferia justamente para limpar o caminho a um terceiro mandato de Lula. Embora o ex-presidente diga dia e noite que não pretende voltar, ninguém acredita. O problema é que a briga de Dilma com a classe política a fortalece a cada dia. E a CPI, embora ainda relute, vai terminar desaguando em desvendar malfeitos dos políticos, seja de qual partido for. A impressão que se tem é a de que, nesse contexto, Dilma sequer desmanchará o penteado ou terá problemas com a maquiagem. Ela parece ser dura como o velho laquê que nossas avós usavam.

Por falar em CPI…
A comissão parece finalmente ter encontrado um caminho nessa investigação sobre os negócios de Cachoeira. A lavanderia internacional parece ser um achado e tanto. E, sinceramente, conforme eu conversava ontem pela manhã com um amigo ao telefone, é difícil acreditar que essa lavanderia na Coreia do Norte tenha sido ideia do próprio Cachoeira. Alguém apresentou esse esquema a ele. Cabe descobrir quem foi. Hora de chamar a Interpol e a CIA para nos ajudar a desvendar esse mistério.

Quanto aos governadores, bem... Em outras CPIs tentaram-se diversos acordos para salvar A, B ou C. Alguns vingaram, outros não. Esse processo sempre depende do que vem pela frente. No mesmo caso está a matriz da Delta, no Rio de Janeiro, preservada ontem da quebra de sigilo. Se aparecer algo que mereça a convocação dos governadores ,os acordos vão ruir. No Congresso, vale a máxima: é melhor jogar um ao mar do que terminarem todos afogados

A mutação dos ecochatos - TUTTY VASQUES

O ESTADÃO - 18/05

Conferência internacional sobre meio ambiente sempre foi a maior concentração de chatos do planeta, mas, como tudo na natureza, a espécie vem sofrendo mutações de grande impacto na biodiversidade global.

O bicho-grilo, que nos anos 1960 parecia praga, está praticamente extinto no debate ecológico em curso.

Desde que a preocupação do fim do mundo se tornou oficial, um bando de engravatados trata de tornar insuportável a busca pelo sustentável.

O fracasso histórico da Rio+20, por exemplo, vem sendo construído há meses em seus mínimos detalhes pelos organizadores e participantes do evento.

Preço abusivo dos hotéis, falta de objetivos climáticos definidos, previsão de caos aéreo, fragilidade da segurança na cidade-sede, risco de esvaziamento político, agenda frouxa e descompromissada, pessimismo, descaso, abstração, retrocesso ambiental, possibilidade de adiamento... - todos os dias os jornais dão péssimas notícias sobre o encontro.

Pior de tudo, como disse noite dessas uma celebridade importante no ecossistema do Leblon, "não vai rolar nem camarote da Brahma na tal Rio+20"! Assim não dá!

Efeito colateral

Pelos cálculos do pessoal de marketing do Palácio do Planalto, a popularidade de Dilma Rousseff vai subir ainda mais depois que a presidente foi vaiada por prefeitos em Brasília!

Aí tem!

Uma coisa intriga os delegados mais experientes da Polícia Federal: nenhum malfeitor liga para outro 416 vezes em 386 dias só por força do ofício! Deve rolar alguma coisa além do que a gente lê nos jornais entre Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira.

A luta continua

Carolina Dieckmann pode virar uma espécie de Maria da Penha do crime digital. Circula no Congresso proposta de batizar com o nome da atriz o projeto de lei que leva à cadeia quem fizer uso indevido da internet.

Marca registrada

A doação de US$ 7,5 milhões que o governo brasileiro fez dia desses a um fundo de assistência a palestinos civis já é conhecida nos campos de refugiados como Bolsa Faixa de Gaza!

Mulher invisível

E a Marcela Temer, hein? Sumiu, rapaz! A última vez que a primeira-dama do vice-presidente foi vista em público estava, salvo engano, acompanhando o marido no pós-operatório para retirada de vesícula no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, na volta do réveillon na Bahia.

Devia aparecer mais!

Uma ficção: Ele, o corrupto - ALEXANDRE VIDAL PORTO

Folha de S. Paulo - 18/05


Ele se sentou ao meu lado no balcão de um bar de hotel em Brasília. Antes de acabar seu uísque, sempre olhando para frente, iniciou um monólogo, que não sei se dirigia a mim ou a si próprio:

"Antes de ser corrupto, eu era idealista. Queria melhorar o mundo. Na minha primeira eleição, para a presidência do centro acadêmico da faculdade, eu fazia promessas achando que iria cumpri-las.

Agora, 50 anos depois, vejo que me tornei corrupto por necessidade. Necessidade de financiar minhas campanhas eleitorais. Se não precisasse de dinheiro, teria me mantido íntegro. Poderia, quem sabe, ter ajudado a melhorar, se não o mundo todo, pelo menos um pouco do Brasil.

Minha campanha a vereador foi paga com a contribuição de amigos e com recursos próprios. Consegui me eleger, mas tive de vender meu carro e uma casa herdada de minha mãe. A partir dessa eleição, encontrar quem financiasse minhas campanhas se tornou a prioridade de minha carreira política.

Sem o apoio de empresas, nunca teria tido três mandatos de deputado federal. Nem teria me elegido prefeito. Uma campanha bem sucedida à prefeitura de uma capital média não sai por menos de R$ 25 milhões.

Parece brincadeira, mas é isso mesmo. Tem publicidade, tem TV, tem marqueteiro, tem impressos, tem brindes, tem diretório de campanha. Você sabe quantos carros circulando pela cidade são necessários? Quantos litros de combustível? Não tem partido nem candidato que consiga financiar tudo isso sozinho.

No Brasil, campanha eleitoral é coisa para pessoa jurídica.

Eleger candidatos virou negócio. A legislação eleitoral permite que empresas financiem candidatos às eleições. Não tem nada de ilegal nisso. Mas pensem comigo: pela lógica dos empresários, financiar campanha é investimento. Tem de dar lucro. Se não der, é como rasgar dinheiro. Alguém já viu empresário rasgar dinheiro? Eu não.

Tem muita gente no Congresso e no Executivo com campanha financiada majoritariamente por empresas. Aí o sujeito fica comprometido. Têm de usar o mandato público para defender interesses privados. O pessoal esquece que foi eleito para representar o povo, não o lobista.

Por outro lado, se o candidato eleito não tratar bem as empresas, elas não ajudam na campanha seguinte. Sem dinheiro, não tem reeleição. Aí o cara está fora, morreu para a política. Quem é que quer isso? Foi esse o meu drama. O sistema é perverso. Ninguém dá dinheiro de graça. Só pai e mãe. Às vezes.

O pessoal fala em reforma política. Se você perguntar no Congresso, todo mundo vai dizer que é a favor de transparência no financiamento das campanhas. Então me diz por que essa reforma não passa?

Eu digo: porque só quem quer transparência é quem não foi eleito. O pessoal que se elegeu vai querer transparência para quê? Para revelar os acertos que fez com quem financiou a sua campanha?

Alguém vai ter mesmo de fazer a obra. Alguém vai ter de prestar o serviço para o governo. Se houver aparência de legalidade, se a papelada estiver toda certinha, é melhor contratar quem nos ajudou. Fica todo mundo satisfeito. As empresas garantem os contratos. Os políticos garantem a reeleição. Quer melhor?

O povo me elegeu para representá-lo, mas o que eu fiz foi corrupção. Agora, no final da vida, já fora da política, defendo o financiamento público das campanhas com contribuições de pessoas físicas.

Tem quem diga que estouraria o orçamento federal. Para mim, isso é balela. Era só abandonar a mania de grandeza e fazer campanhas mais modestas. Para que showmício?

Outros acham que haveria uma profusão de partidos, todos querendo apresentar candidatos. Eu me pergunto: qual é o problema? Existe algo errado em querer se candidatar?

Não é que tenha virado moralista, mas se, no Brasil, o sistema de financiamento fosse público, como em outros países, acho não teria precisado me corromper. Poderia ter preservado meu idealismo, poderia ter sido um político melhor."

Exauriu a expansão pelo consumo - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 18/05


O grande motor da retomada do crescimento interno após a crise global de 2008 foi a expansão do crédito, puxada pelos bancos públicos, que sustentou o aumento do consumo e transformou recessão em crescimento num curto espaço de tempo. O crédito, que representava 38,4% do Produto Interno Buto (PIB) em agosto de 2008, antes da quebra do Lehmann Brothers, saltou para 49,1% do PIB em dezembro do ano passado.

Nesse período, porém, alguns bancos privados afrouxaram seus critérios de avaliação de risco e chegaram a sofrer um "subprimezinho" nas linhas de financiamento para aquisição de veículos. A inadimplência cresceu bastante, principalmente nesses financiamentos, as famílias estão com parcela relevante da renda comprometida com o pagamento de dívidas e parte do sistema bancário se dedica, agora, a fazer uma "limpeza" nos seus balanços.

Crescer pelo estímulo ao consumo mediante maior oferta de crédito, portanto, parece não ser mais uma receita disponível para o país. O governo está tentando, de certa forma, repetir a dose, ao colocar os bancos públicos na dianteira da expansão do crédito a juros mais módicos e pressionar as instituições privadas a fazer o mesmo. Por esse canal pode-se até conseguir alguma coisa, mas pouca porque o espaço das famílias para o endividamento é restrito.

O desafio continua sendo o de elevar a taxa de investimento tanto público quanto privado. Todo o esforço da área econômica do governo Lula para reagir ao "crash" de 2008 foi insuficiente para encorpar a taxa de investimento como proporção do PIB, mesmo com os volumosos repasses de recursos para o BNDES.

As iniciativas para acelerar os investimentos por meio de concessões de serviços públicos esbarraram em discussões ideológicas e só agora começaram a se concretizar.

O aprofundamento da crise internacional encontra a economia brasileira tentando se reanimar do forte desaquecimento ocorrido no segundo semestre do ano passado. Como tem sido noticiado, os indicadores de produção mostram que a recuperação está lenta e será uma façanha se o PIB este ano crescer muito mais do que os 2,7% do ano passado.

A percepção de que o crescimento em 2012 será modesto já se dissemina no governo e ficou clara nas palavras do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que em entrevista recente comentou: "Ter um piso de 2,7% está é muito bom."

Outra visão que começa a se modificar é a do ânimo dos investidores internacionais com relação ao Brasil. Com elevada reputação por ter colocado as finanças públicas em ordem, ter um sistema financeiro sólido, um imenso mercado interno e instituições democráticas, dentre outros atrativos, o país passa, no entanto, por uma reavaliação. Mais recentemente, fala-se que o Brasil é um lugar caro, com elevada carga tributária, controle de capitais e onde o ativismo do governo embaralha a percepção de para onde o país pretende realmente ir.

Com a Europa novamente à beira do abismo, a economia americana em marcha lenta e os indicadores do nível de atividade na China em rápida deterioração, o ambiente externo gera enormes desconfianças para fomentar decisões de investimentos. E o ambiente interno não produz conforto para os empresários ampliarem a produção.

Ao mesmo tempo, o quadro global continua a ser desinflacionário, o que reforça o caminho do corte da taxa de juros, a Selic, que em algum momento deverá estimular a produção. Mas há a resistência da inflação doméstica. A desvalorização do real e o possível fortalecimento do dólar decorrente da aversão ao risco no mercado mundial pressionaria a inflação interna. Isso, no entanto, poderia ser parcialmente compensado pela queda nos preços internacionais das commodities.

No balanço do que pode acontecer ressalta-se o fato de que está mais difícil para o Copom reduzir a inflação abaixo do patamar de 5% em que ela se encontra. Essa foi a conclusão de analistas de mercado que tiveram reuniões com o diretor do Banco Central, Carlos Hamilton, nos últimos dias. Para esses interlocutores, ficou a impressão de que o BC já admitiria uma inflação ligeiramente superior ao centro da meta de 4,5% para este ano - algo entre 5% e 5,5%. O presidente do BC, Alexandre Tombini, vez por outra, cita que no regime de metas que vigora desde 1999, apenas em três momentos - 2006, 2007 e 2009 - o IPCA ficou abaixo de 5,5%.

O BC nega que tenha jogado a toalha. Não está acomodado com a inflação acima do centro da meta este ano nem confortável com as expectativas do mercado de inflação de 5,5% para 2013. Portanto, os juros não vão cair, mas não a qualquer custo. E isso ficou claro na semana passada, quando a direção do BC corrigiu de pronto a leitura errada do mercado de que ele teria sinalizado cortes mais ousados da taxa Selic, podendo encerrar o ano com os juros na casa dos 7%. O BC recolocou a expressão "parcimônia" em seus textos.

Se não tem muito espaço no crédito e na expansão do consumo para reativar a economia, o governo conta com o afrouxamento "parcimonioso" das restrições monetárias e, numa hipótese extrema, com uma eventual flexibilização da meta fiscal.

Um novo problema que se apresenta é o da arrecadação de impostos, que está bem abaixo das projeções do Ministério da Fazenda, conforme informou o jornalista Ribamar Oliveira, em coluna publicada no Valor na quarta-feira e foi confirmado pelo governo. Uma alternativa para não ter que cortar gastos, penalizando os investimentos, seria reduzir a meta de superávit primário. E uma forma de reduzir a meta seria descontar da despesa pública parte dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lembram fontes oficiais.

Na reunião do fim deste mês o Copom poderá cortar a taxa básica de juros (Selic) em mais 0,5 ponto percentual, para 8,5% ao ano, o que resultará numa redução de 400 pontos base na taxa de juros em nove meses (desde agosto de 2011). Essa substancial queda no custo do dinheiro vai se refletir na retomada da atividade econômica no segundo semestre, espera o governo.

Dilma e a maldição do Pibinho - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/05


LOGO NO início de seu governo, Dilma Rousseff e seus economistas diziam que a economia brasileira cresceria 5,9% na média dos quatro anos de mandato, entre 2011 e 2014. Em março do ano passado, a presidente afirmava "ter certeza" de que o país cresceria entre 4,5% e 5% em 2011. Cresceu 2,7%. Não deve andar muito mais rápido neste ano.

Para que o país cresça na média a 5,9% ao ano, o crescimento no biênio final do mandato, 2013-14, teria de acelerar para quase 9% ao ano. Trata-se de ritmo chinês, superior, porém, à meta que os próprios chineses se propõem para os próximos cinco anos. Não vai dar certo.

Mais recentemente, a meta anual de crescimento médio caiu para algo em torno de 4,5%. Para cumpri-la, a economia brasileira teria de crescer a 6% no ano da Copa das Confederações (2013) e repetir a dose no ano da Copa do Mundo, 2014, último ano do mandato dilmiano.

Qual o sentido de toda essa aritmética especulativa?

A disparidade entre o otimismo dos primeiros meses de mandato e a realidade ingrata é tanta quanto o alvoroço de Dilma diante do risco de mais Pibinhos. O governo voltou a matutar novas mágicas e milagres a fim de fazer o país sair do marasmo, coisas como reduzir o superavit primário e soltar as amarras da prudência nos bancos estatais.

Dilma e seus economistas imaginavam que o Brasil poderia crescer a um ritmo 50% mais rápido do que o da média dos anos Lula (4,1%), mas agora se angustiam com o pesadelo de repetir a média de Fernando Henrique Cardoso (2,9%).

Ou seja, o governo extrapolou os dados do passado para o futuro e extrapolou o otimismo. Subestimou o péssimo ambiente econômico mundial e subestimou a necessidade de implementar mudanças institucionais de que o país carece para crescer. Superestimou e ainda superestima o efeito que intervenções voluntaristas de curto prazo podem ter sobre a atividade econômica.

Não se trata de dizer que Dilma Rousseff e seus economistas sejam "culpados" pelo crescimento miúdo do primeiro biênio.

Para começo de conversa, o governo teve de tomar medidas para limpar os excessos do último ano de Lula: estímulos econômicos, crescimento e inflação acima do sustentável e do tolerável. O controle da inflação e a contenção do crescimento do gasto federal ajudaram a limitar o PIB do ano passado. Os excessos de consumo e no crédito limitam agora a capacidade de endividamento das famílias.

Em segundo lugar, Dilma governa em dias de tempo muito, muito ruim na economia mundial. A possibilidade, já algo remota, de que o Brasil crescesse 4% neste ano desvaneceu-se na poeira do mais recente tumulto europeu. A crise grega e a volta da crise bancária vão minar a confiança de empresários (o que redunda em menos investimento) e dificultar crédito e negócios internacionais de grandes empresas.

Dilma, pois, herdou problemas ruins. Pode ser, digamos, "inocentada" da acusação de legar dois anos de PIB ruim, de Pibinho. Mas pode ser acusada de se entregar à ansiedade voluntarista, de se arriscar a uma demasia de intervenções de curto prazo na economia e de não se dedicar a "reformas". Com o que pode solapar a capacidade de crescimento no próximo mandato. O seu ou o de outro presidente.

Minha casa - SONIA RACY


O ESTADÃO - 18/05


Finalmente, o governo do Estado passou para frente o prédio que abrigou a sede da Fundação Casa – na Rua Bela Cintra –, desocupado há vários anos. Por R$ 10,25 milhões.

O valor será revertido à construção de duas unidades de atendimento a menores.

Casa 2
Na outra mão, Alckmin comprou prédio de R$ 11,8 milhões, no centro da cidade.

Onde pretende instalar os novos concursados da CPTM e a sede da EMTU.

Em estudo
Esta coluna não ficará surpresa se houver ajuste do preço da gasolina em junho.

Apesar das declarações de Guido Mantega, atestando que isso não vai acontecer.

Penetra?
Paulo Maluf apareceu de surpresa na solenidade de instalação da Comissão da Verdade – anteontem, em Brasília.

Réu em ação civil pública por ocultação de cadáver durante a ditadura – quando era prefeito de SP –, sua presença causou certo desconforto.

Verdadeiro
José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, enviou carta parabenizando Dilma pela Comissão da Verdade. Também endereçada aos ministros Maria do Rosário e Antonio Patriota.

Indigesto
Durante visita ao pelotão de fronteira de Tiriós, nos confins do Pará, o general Carlos Alberto de Sousa Peixoto, comandante militar da região, discursou – pedindo apoio de um avião para realizar melhorias na unidade.

Presente à solenidade, Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, fez… bico.

Indigesto 2
Coincidência ou não, no dia seguinte, Peixoto não foi convidado para o sobrevoo de áreas com risco de alagamento em Manaus – com a comitiva liderada por Celso Amorim.

Do avesso
Além do emagrecimento do próprio bolso, Fernando Cavendish perdeu vários quilos. E a vontade de ter um lar em São Paulo.

O empresário comprou, recentemente, apartamento de R$ 7 milhões no Itaim Bibi.

E, agora, não sabe o que fazer.

New York, NY
Os brasileiros eram tantos, que André Esteves (eleito Homem do Ano pela Câmara Brasil-Estados Unidos) e Pérsio Arida fizeram palestra, ontem, em… português. Com tradução para o inglês.

Onde? No Plaza de NY.

New York 2
O assunto, pela plateia no Plaza, não poderia ser outro: a Grécia.

Que, entre um horror sem fim (ficar dentro do euro) e um fim horroroso (conforme esta coluna publicou no ano passado), está tendendo pelo… segundo. Se houver uma corrida bancária, como parece que haverá, a solvência do país estará em jogo.

Gauche na vida
Adonis já está familiarizado com Carlos Drummond de Andrade– homenageado do ano desta Flip. Por meio de seu célebre Poema de Sete Faces.

O sírio foi presenteado com livro que traz a poesia traduzida em diversos idiomas.

Na frente
Alexandre Padilha está em Genebra, onde participa de assembleia da ONU, hoje. Na bagagem, proposta para enfrentamento de doenças crônicas não transmissíveis.

Jesus Luz comandará o som na festa que acontece depois do MMA. Amanhã, no Espaço das Américas.

Lang Lang, pianista, faz show de 15 minutos em festa promovida pela Montblanc.Amanhã, na Granja Julieta.

A Editora 34 comemora seus 20 anos. Terça, no MAM.

Paulete Berger abre mostra. Amanhã, na Hebraica.

Christian Boltanski ministra workshop. Hoje, no Espaço Conceito da Citroën.

Luiza Eluf lança livro. Terça-feira, na Casa das Rosas.

Dilma emocionada durante a posse da Comissão da Verdade ganhou destaque na… Fundação José Saramago. O evento foi relatado com texto e circunstância no site da instituição portuguesa.

O mar não está para peixe - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 18/05

BRASÍLIA - As Bolsas estão no oitavo dia consecutivo de queda, revertendo a alta de mais de 20% no ano até março e atingindo índice negativo preocupante.
O dólar passou dos R$ 2, testando os limites de calibragem do câmbio e provocando questionamentos dentro e fora do governo.
O lucro da Petrobras no primeiro trimestre, de R$ 9,2 bilhões, é igual a 16% a menos que no mesmo período do ano passado. Como bem destacou o jornal "O Globo", a principal empresa brasileira "já perdeu um BB este ano".
A indústria, aliás, sente o golpe da conjuntura, com desaceleração e óbvio impacto negativo nas perspectivas de crescimento do país neste ano, que já não eram lá essas coisas.
E o índice de empregos, motivo de orgulho e tema de discursos de Dilma no exterior, inclusive na ONU, começa a dar sinais de recuo. O de São Paulo, "locomotiva do Brasil", é o menor desde 2006, ou seja, o pior da série histórica do IBGE.
Talvez como consequência, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) detecta uma redução no otimismo das famílias brasileiras, de 69 pontos em janeiro para 67 em abril, o índice menos animador (ou animado) do ano, com tendência de queda.
Por que estou listando tudo isso? Para você tirar suas próprias conclusões. Sim, o Brasil vai bem e tem fundamentos sólidos, mas não pode dar uma de alegre nem ignorar eventuais efeitos políticos. A inédita vaia que Dilma levou da marcha dos prefeitos foi por uma questão pontual (a distribuição dos royalties do petróleo), mas veio, no mínimo, numa hora ruim.
A crise na Europa está feia e tende a piorar, a China é uma interrogação e a reeleição de Obama nos EUA não está garantida. O Brasil, arrogante e dando lições, parecia passar ileso por todo esse ambiente de crise ou de insegurança. Pode ter se precipitado.
O mar não está para peixe.

Sonhos de um guerreiro - NELSON MOTTA

O GLOBO - 18/05

O policiamento se esforça para conter a multidão que cerca o Supremo Tribunal Federal gritando “Dirceu guerreiro/ do povo brasileiro”. A condenação de José Dirceu como chefe da quadrilha do mensalão está dividindo os votos dos ministros do STF e um clamor por justiça se alastra pelo país como um rastilho de pólvora. Frotas de ônibus começam a chegar à Praça dos Três Poderes trazendo legiões de caras- pintadas da UNE que se juntam a milhares de sem-terra que marcham sobre Brasília vindos do Planalto Central. Mais de 300 prefeitos, deputados e senadores se unem aos trabalhadores de várias categorias mobilizados pela CUT e à militância do PT, com suas bandeiras vermelhas e sua garra, exigindo justiça para Dirceu.

Desprevenida para a maior mobilização popular na cidade desde as Diretas Já, a tropa da PM chega tarde, quando a massa compacta já é impenetrável, mas pacífica, e só lhe resta protegê-la de eventuais provocadores da direita. O coro épico da multidão na Praça dos Três Poderes estremece toda a Esplanada. “Dirceu guerreiro/ do povo brasileiro.”

Cada vez mais convencida da inocência de Dirceu, a militância digital trabalha dia e noite, seguindo os comandos dos blogueiros progressistas, denunciando a farsa e divulgando ameaças de revolta popular e de greve geral, apoiadas por lideranças sindicais e pelos movimentos sociais, pressionando o Supremo e a opinião pública. Em São Paulo, uma multidão apedreja os escritórios da revista “Veja” gritando vivas a Dirceu e à democratização da mídia. Batalhões policiais designados para reprimi- los aderem aos manifestantes, baixando as armas e recebendo flores dos militantes.

Em um vídeo divulgado nos sites progressistas, Dirceu conclama a população a boicotar por três minutos o “Jornal Nacional”, em protesto contra a conspiração golpista da direita. A medição instantânea do Ibope registra a queda de mais de 50% na audiência da TV Globo. No Supremo Tribunal Federal, na última hora, o ministro Dias Toffoli muda o seu voto e absolve Dirceu, a multidão explode em júbilo na praça, e o guerreiro acorda assustado numa cela da Papuda.

Toquei a sumaúma, árvore de 500 anos - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO


O Estado de S.Paulo - 18/05


Ao acordar cedo, porque madrugo, ia para a varanda do camarote. As manhãs eram cinza, carregadas de nuvens e eu pensava: não pode chover hoje. Depois, vinha o sol. E que sol! Olhava para a frente e dava com a margem distante, uma fina linha. Olhava para a direita e para a esquerda e tudo o que via eram as águas escuras do Rio Negro correndo mansamente.

As aulas de geografia estavam distantes, tinha me esquecido de que Manaus fica no Rio Negro e que este se dirige ao encontro do Rio Solimões para formar o Amazonas. Ansioso por ver essa união, mas não adiantava, o jeito era esperar, veríamos o encontro das águas somente no último dia. Pela minha cabeça passavam imagens, eu visualizava Marcio Souza e Milton Hatoum brincando por aqui na infância. De que brincavam? O que significa ter crescido nesta paisagem avassaladora? Como imaginar que estes lagos imensos, na "seca", desaparecem e restam extensões de areia? Tudo é mistério para minha cabeça paulista.

Apesar de estar em plena cheia, com o nível das águas muito alto e ter cidades inundadas, populações em estado de calamidade, o rio flui tranquilo, sem atropelos. Ou assim se comportou apenas nestes 300 quilômetros em que navegamos para lá e para cá? Nesta semana em que participei do Navegar É Preciso, uma criação da Livraria da Vila, invenção do Samuel Seibel, me dei conta de como somos ignorantes em relação ao Amazonas. Tão ignorantes quanto esses que redigiram e aprovaram o novo Código Florestal, que a presidente deveria vetar, num gesto de sabedoria e amor à pátria. Aliás, os que redigiram e aprovaram não são ignorantes, são espertos, manobradores e safados em relação ao Brasil.

Quando me perguntam o que devo à literatura, respondo: o conhecimento do País. São meus livros e escritos que me têm conduzido incessantemente da embocadura do Parnaíba no Piauí, a Rio Branco no Acre, a Passo Fundo, RS, Joinville, SC, Votuporanga ou Igarapava, SP, e assim por diante. Por toda parte, a nossa realidade multifacetada. Salipis, Flipiris, Flips, Jornadas Literárias, Bienais, feiras. No entanto, Navegar É Preciso é um evento diferenciado. A cada dia, enquanto o barco desce ou sobe o rio, escritores se revezam em conversas, depoimentos, debates, perguntas e respostas diante de centenas de pessoas.

Como ninguém sai do barco, o convívio prossegue durante o dia, no restaurante, nos almoços e jantares preparados por chefs, ou no deck superior no fim da tarde, com um lanche leve e aperitivos, ou à noite (e foram noites de luar), quando bebidas geladas amenizavam os lamentos do corpo diante daquele calor úmido.

No Iberostar Grand Amazon, um minitransatlântico de quatro andares, éramos Walter Hugo Mãe, Edney Silvestre, Nilton Bonder, Clarice Niskier, e eu, nos revezando. Ou seja, entrevistei Walter Hugo, e ele entrevistou Edney. Edney me entrevistou e Clarice entrevistou Nilton Bonder. Duas vezes Clarice nos seduziu. Quando fez uma leitura dramática de Eu Matei Sherazade e quando representou A Alma Imoral, de Bonder, que nos obriga a pensar e repensar sobre vida, alma, tudo. No fim da semana, um pocket show dos Barbatuques que nos cativou. Música sem instrumentos, apenas com as mãos, o corpo, a boca.

Todos puderam falar de sua obra, personagens, vida, memórias, manias, alucinações, fantasias, ao mesmo tempo que o público perguntava, questionava. Em dois dias de viagem, todos já tínhamos a sensação de que éramos um grupo de amigos e parentes de longa data. A literatura nos torna amigos e parentes com quem convivemos ao longo da vida.

Em todas as refeições, peixe. Costelas de tambaqui, e pirarucu, tucunaré, matrichan, grelhados, assados, fritos, em caldeiradas, com sucos de cupuaçu, graviola, manga ou dezenas de outros. Na última noite, quando a melancolia da partida se entremostrava, lagosta a termidor e vinho branco espanhol. Mas havia carnes, saladas, massas, o que se pensasse. E pimentinhas das boas.

Nos intervalos as lanchas, chamadas voadoras, nos conduziram pelos lagos e igapós (riachos que conduzem aos igarapés, que conduzem aos paranás, aos furos, aos igapós, a terminologia fluvial tem de ser aprendida) da região das Três Bocas, ou por Trincheira, ou a Praia do Tupe, ou em Nova Airão, onde vimos os botos cor-de-rosa vindo comer na mão de meninas. Somente ali compreendemos o mito do boto, sua intocabilidade, quase divindade. Vimos pássaros e animais de todos os tipos, uma fauna que vive no alto das árvores, vimos os olhos dos jacarés à noite. Antes de atingir a sumaúma, uma árvore de cinco séculos, imponente como uma catedral. Toquei o tronco e nesse momento meu avô José Maria me veio à mente, ele teria chorado, era marceneiro. Ficamos esmagados - mas não de maneira desagradável, por paradoxal que seja - diante de uma árvore desta, majestosa. Como se pode passar a motosserra numa majestade assim sem sentir nada?

Certa tarde, Samuel nosso guia, parou junto a uma vegetação fechada no Rio Ariaú, próximo ao hotel do mesmo hotel que fica encravado dentro da selva. Silenciado o motor, uma folha se abriu e surgiu a cabeça de um macaquinho amarelado. Saltou para dentro da lancha. Em minutos, tínhamos macacos-cheiro (ou macacos Jupira) por toda parte, em nossas cabeças, ombros, colos. Foi lindo ver macaquinhas que recém-pariram com filhotes minúsculos agarrados às costas, enquanto saltavam e guinchavam. O guia lhes deu bananas. Somente os guias podem fazer isso. Somos proibidos de alimentar qualquer animal ou pássaro. Assim como ao andar pelas trilhas não podemos colocar as mãos nos troncos (e se houver uma taturana? Uma aranha?), agarrar cipós que pendem ao nosso lado, arrancar galhos ou folhas.

Em Nova Airão, na Fundação Almerinda Malaquias, uma ONG que faz as vezes de Senac, ensinando ofícios e artesanato às crianças, sem auxílio governamental (ali nem dá voto, nem há chance de desviar dinheiro, a instituição tem endereço e trabalho), dezenas de crianças mexem com todo tipo de material e preparam-se para o futuro. A Velha Airão foi tomada e destruída pelas formigas, seus habitantes tiveram de se mudar. Na Fundação, os galpões cheiravam a serragem, tocos de madeira por toda parte, serras de fita, instrumentos de marceneiro, plainas, arcos de pua. Súbito me vi na infância, na oficina de marcenaria de meu avô, José Maria. O passado vem nos buscar onde quer que a gente esteja.

Modelo esgotado - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 18/05


O economista Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, apresentou no Fórum Nacional, tradicionalmente organizado pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, um interessante trabalho sobre as limitações do atual modelo econômico brasileiro, a despeito dos avanços registrados nas duas últimas décadas: uma combinação de estabilidade macroeconômica e redução da desigualdade e da pobreza, acompanhada de uma expansão do consumo nas camadas tradicionalmente mais afastadas do mercado.
Frischtak registra a incorporação de cerca de 60 milhões de pessoas na classe média, que passou a ser majoritária no país, mas adverte que "este modelo está se exaurindo", em consequência de uma combinação de baixa produtividade da economia, "que, em parte, reflete o fato de que o mercado de trabalho vem absorvendo os menos educados e experientes", com níveis insuficientes de investimento em infraestrutura e em capital humano, e limitações pelo lado da demanda, "inclusive por força da fragilidade financeira da classe C e D".
A capacidade de crescimento e o desempenho da economia vêm sendo corroídos, afirma o economista em seu trabalho. Para ele, "há uma dissonância crescente entre o consumo de bens individuais e a produção e consumo de bens coletivos", como infraestrutura física e social, inclusive a geração e disseminação do conhecimento.
O economista Claudio Frischtak vê o país caminhando "no fio da navalha" e considera "imprescindível" uma transição para um modelo de social-democracia voltado aos investimentos da produção de bens coletivos, para aumentar a produtividade e melhorar o nível de bem-estar da população, "mais além de uma economia de transferências".
A expansão sustentada do consumo a um ritmo muito superior ao crescimento da própria economia foi possível, diz o estudo, por uma combinação "de forte dinamismo do mercado de trabalho diferencialmente voltado para a base da pirâmide, e transferências previdenciárias e de assistência social da ordem de 15% do PIB, além de um rápido crescimento do crédito".
Mas o dinamismo do mercado doméstico não está assegurado para os próximos anos, porque, Frischtak mostra no estudo, a "nova classe média" depende da renda de trabalho e de transferências para fazer face aos compromissos de um endividamento crescente, não tendo tipicamente ativos para se desfazer e saldar dívidas.
"Na desaceleração da economia, os índices de inadimplência rapidamente se elevam, e a espiral virtuosa se transmuta em viciosa."
De fato, a inadimplência do consumidor cresceu 4,8% em abril deste ano, em comparação a março, registrando a maior alta para esse mês desde 2002, de acordo com pesquisa divulgada esta semana pela Serasa Experian.
Em comparação a abril do ano passado, a inadimplência aumentou 23,7%, alta puxada pelas dívidas não bancárias de cartões de crédito, financeiras, lojas em geral e prestadoras de serviços.
É enganosa a percepção de que o crédito brasileiro, que está em cerca de 50% do PIB, tem ainda margem para crescer porque em países como os Estados Unidos ou Inglaterra ele passa de 100%.
A dívida americana, sem crédito imobiliário, beira os 16% do PIB, enquanto no Brasil já passa de 30%.
O trabalho de Claudio Frischtak mostra que a produção de bens coletivos terá uma dupla função: pelo lado da oferta, impulsionar a produtividade e a competitividade da economia; pelo lado da demanda, progressivamente deslocar o consumo de bens individuais à medida que se esgota a capacidade das novas camadas de expandir de forma acelerada o consumo.
O investimento na produção de bens coletivos irá necessitar, porém, de ações em duas frentes distintas, ambas relacionadas a uma Agenda de Reforma do Estado, aponta o estudo.
Primeiro, uma realocação dos gastos do setor público, com a gradativa redução (em termos relativos) das transferências previdenciárias e sociais, e a proteção dos programas mais bem focalizados, a exemplo do Bolsa Família. "Não há como criar espaço fiscal aumentando os tributos", adverte Frischtak.
Nesse contexto, ele defende que é "imprescindível a mudança de políticas e regras - a exemplo de o salário mínimo deixar de ser o indexador das despesas previdenciárias".
Numa segunda frente, "é crítico reforçar a capacidade do Estado de planejamento, regulação, fiscalização, monitoramento e execução de serviços, de modo que os recursos poupados sejam direcionados com eficácia para expandir os investimentos em bens coletivos - infraestrutura física e social - e melhorar a capacidade organizacional da prestação pública de serviços de qualidade".
A Agenda de Reforma é a base do Mapa da Produtividade, "um conjunto articulado de ações tendo por foco o capital humano; como eixo, a educação; e como resultado a disseminação e absorção de conhecimento em todos os níveis".
O economista Claudio Frischtak afirma que "não há como sustentar a melhoria do bem-estar da população com uma escola pública de má qualidade, incompatível com as demandas de uma economia competitiva".
O país continuará a progredir a passos lentos no que é mais essencial a menos que a educação passe a ser prioridade total para o governo. Embora reconheça que o país realizou progressos no âmbito científico, e mais modestos no plano da inovação, Frischtak diz que há necessidade de se definirem projetos transformadores, capazes de mobilizar recursos - instituições, empresas, indivíduos - e gerar inovações em torno de temas centrais para a nova economia.
"Uma economia mais produtiva e uma sociedade mais igual, alicerçadas numa revolução educacional e em investimentos na infraestrutura física, serão a base da melhoria do bem-estar da população".

Antissocial - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 18/05


RIO DE JANEIRO - No mínimo, três ou quatro por dia. São os convites eletrônicos que recebo para me tornar "amigo" de fulano ou para "fazer parte de sua rede profissional". São convites amáveis, endereçados a mim pelo primeiro nome. Mas, apesar do tratamento personalizado, têm um ar de mensagem disparada a 100 ou 200 pessoas ao mesmo tempo.
Sempre que recebo esses convites, embatuco. Não tenho Facebook, nem sei como funciona, e as únicas redes profissionais a que pertenço são as empresas a que presto serviços como escritor ou jornalista. Não sei, por exemplo, qual é a "rede profissional" de um querido amigo que, aos 70 anos, nunca teve uma carteira de trabalho assinada, nem acordou como assalariado um único dia em sua vida -e ele me convidou a me juntar à sua "rede".
Como não sei para que servem essas redes, também não sei o que responder e, pior, temo que tais mensagens sejam pegadinhas marotas contendo vírus. Assim, ou as apago ou deixo que morram de velhice na lista de mensagens. O problema é que, com isso, posso estar passando por esnobe ou antissocial para quem se deu ao trabalho de me convidar a ser seu "amigo" ou juntar-me à sua "rede".
O ridículo é que os que me convidam a tornar-me "amigo" deles já são meus amigos. Têm meu telefone, sabem onde moro, já saímos juntos para pândegas, discutimos futebol, fomos até sócios no passado e, se calhar, um tomou a namorada do outro e vice-versa. Então, por que tal formalismo engessado?
Acredito que os programadores dessas maravilhas eletrônicas tenham pouca prática de vida real. Por serem muito jovens e já terem nascido com um mouse na mão, talvez não saibam que as relações humanas podem se formar a partir de um encontro casual, um aperto de mão, um brilho no olhar.

O Rio não merece o Copacabana Palace - BARBARA GANCIA


FOLHA DE SP - 18/05

Quem foi que apontou uma arma na fuça de Carlos Lacerda em pleno bar do Copa?

HOSPEDEI-ME NO Copacabana Palace na semana passada, o primeiro grande hotel que conheci, aos quatro anos de idade. De lá para cá, o Copa permanece sendo para mim um oásis onde tu­do dá certo. Tão certo, que até o ser­viço de quarto consegue acertar o meu sexo, apesar de minha voz de Gengis Khan, atendendo aos meus chamados sempre com a mesma frase: "Pois, não senhora?"

Para quem já passou pela "benet­tonização" do mundo, vendo surgir uma loja padronizada em cada es­quina do planeta, de Durban a Tiananmen Square, depois observou a mesma uniformização que ocorreu no vestir acontecer no mercado do luxo, na forma da "louisvuittoniza­ção", nada mais natural do que ob­servar agora a estandardização da hotelaria. Não que o fenômeno seja novo, nada disso.

A essa experiência, em que o clás­sico foi desprezado em favor do pós-moderno ou do moderninho, eu chamo de "philippestrackiza­ção" e, pessoalmente, para mim, ela significa a morte.

Certa vez, hospedei-me em um hotel do arquiteto Philippe Starck em Nova York. Não consegui en­contrar lugar para apoiar a mala, não dava para ler na cama, ajeitar o nécessaire no banheiro, enfim, era tudo tão minimalista que tive von­tade de mandar o sr. Starck usar um daqueles espremedores de limão que ele produz para fins um tanto mais rústicos.

Mas voltemos ao Rio. Nesta sema­na mais um prédio desabou ao lado de onde estão a Petrobras e o hotel Glória, que está sendo renovando pelo novo salvador da pátria, Eike Batista. Vá você tentar dizer alguma coisa a seu respeito a um carioca em uma cultura acostumada a re­verenciar qualquer barão que faça uma benfeitoria na cidade. Lembra do Aniz Abrãao, Castor de Andrade e do Nem? Pois então. Bastou fazer que ganha aplauso, ninguém nem sequer pergunta quem é.

E dá-lhe bandana na cabeça no Le Bristol de Paris e às favas com a tra­dição. Quem quer saber se Orson Welles ou Frank Lloyd Wright an­daram pelo Rio ou se Santos Du­mont e Ava Gardner curaram a res­saca no bar do Copa?

Em Santa Tereza, o hotel em que a Amy se hospedou sofreu arrastão? Não importa, é lá que o pessoal que frita a cabeça em Ibiza quer ficar.

O Rio de Janeiro é um visto de ci­ma (esplendoroso) e outro (por ve­zes aterrorizante) visto da calça­da. Os turistas que hoje atrai são to­dos duas estrelas. De três estrelas para cima, ninguém quer ir descan­sar em lugar com praias infectadas.

Endinheirado, mesmo, só vem para cá a turma dos bacanas, o pes­soal in, que sabe circular e conhece aquele cara que conhece o outro, que vai na casa do Caetano e joga bola na casa do Chico. É a "wallpa­perização" do sistema. Para eles existe o hotel Fasano, muito baca­na, aliás, mas que atende a um cir­cuito fechado.

Neste ano o naufrágio do Titanic comemora cem anos. Ele nos fasci­na até hoje por ter simbolizado, além de um tapa na presunção de domínio sobre a tecnologia, tam­bém o fim da era da "noblesse obli­ge". John Jacob Astor IV, o homem mais rico do mundo à época, recu­sou-se a subir nos botes salva-vidas para ceder seu lugar. Morreu de ca­saca ouvindo a orquestra e beben­do champanhe. Não estou dizendo que o Copacabana Palace repre­sente esse tipo de espírito em con­traste com a esbórnia da turma de lenço na cabeça.

Mas o Rio de hoje faz tudo para não merecer o Copa e seu valor his­tórico e cultural. Quem ainda se lembra quem foi que apontou uma arma na fuça de Carlos Lacerda em pleno bar do Copa?

Sem acordo na CPI - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 18/05

Apesar das suspeitas de um acordo entre o PT e o PSDB, os tucanos negam participação em qualquer esquema para blindar a Delta e seu ex-dono Fernando Cavendish. Eles dizem que toparam votar apenas a quebra dos sigilos da Delta Centro-Oeste porque o relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), comprometeu-se a votar requerimento, na próxima reunião, quebrando os sigilos da Delta nacional e de Cavendish. "Estão viajando na maionese", garante Fernando Francischini (PSDB-PR).

Presidente Dilma quer olhos nos olhos
A iniciativa está sendo anunciada na Esplanada dos Ministérios como sendo o "Big Brother da Dilma". A presidente resolveu aposentar o chamado "telefone vermelho", linha especial pela qual um presidente fala com seus ministros, e substituir pela realização de videoconferências.

Todos os ministros foram orientados a instalar em seus gabinetes equipamentos, ligados ao gabinete presidencial no Planalto, para garantir que o novo sistema de comunicação entre em funcionamento ainda neste ano. O Planejamento fez consulta aos ministérios para saber se eles têm o equipamento necessário. Se muitos não tiverem, o governo fará uma licitação para adquiri-lo.

"Após 31 anos de silêncio, o coronel da reserva Wilson Machado, enfim, terá que explicar, à Comissão (da Verdade), o atentado do Riocentro” — Wadih Damous, presidente da OAB do Rio de Janeiro

GLAMOUR VERDE. A embaixadora do Brasil no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a modelo Gisele Bündchen, será a grande atração dia 4 de junho, no Rio, da Green Nation Fest (na Quinta da Boa Vista) e da entrega do prêmio da ONU Campeões da Terra, destinado aos que se destacam no mundo na defesa do meio ambiente.
O diretor-executivo do Pnuma, Achim Steiner, vai participar desses eventos ao lado da ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente).

À flor da pele
Integrantes da CPI estão irritados com o tom do presidente, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). Reclamam que ele atropela os discursos.
Ontem, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) protestou: "O senhor não é dono da CPI".

Postura
Defensora de vários vetos ao texto do Código Florestal, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) está sendo submetida à tática do espancamento. A presidente Dilma em todas as reuniões questiona duramente suas posições.

Brics ganham musculatura
A Arábia Saudita realiza intensa ação diplomática para ser integrada aos Brics - bloco formado por Brasil, China, Rússia e África do Sul. Além dos contatos com o Itamaraty, o rei Abdullah enviou carta procurando fazer do vice-presidente Michel Temer um aliado. No final do mês, depois de ir à Turquia, participar da reunião da ONU
Aliança de Civilizações, Temer vai atender ao convite e se reunir com o rei na capital Riad.

Linha de conduta
Há quem duvide que os ministros do STF ficarão imunes às pressões da opinião pública. Mas eles próprios consideram que o mensalão será um dos julgamentos mais técnicos do STF, pois esta é sua tradição em matéria criminal.

Mensalão
Os ministros do STF estão prevendo o início do julgamento do mensalão para depois do recesso, em agosto. O revisor do processo (são 60 mil páginas), ministro Ricardo Lewandowski, quer concluir sua parte até o final de junho.

PROTESTO. Hoje à noite, no Sindicato dos Metroviários, seis tendências petistas e 15 sindicatos (incluindo médicos, professores e engenheiros) fazem ato contra o apoio do PT à reeleição do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB).

NOVA IGUAÇU. O PSDB local decidiu apoiar a reeleição da prefeita Scheila Gama (PDT).

CORREÇÃO: Ao contrário do que publicamos, o ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) participou da reunião de quarta-feira sobre os vetos ao Código Florestal. O equívoco ocorreu devido a informação errada da assessoria de imprensa da própria pasta.

A filha do tempo - MARIA CRISTINA FERNANDES


Valor Econômico - 18/05


Na foto de Ruy Baron (Valor, 17/05), os presidentes da República, sentados para a cerimônia que instalou a Comissão da Verdade, aparecem perfilados quase de costas. É um naco de cada um que permite identificá-los - a cabeleira repartida de lado de Collor, o aro do óculos de Fernando Henrique, o cabelo ainda ralo de Lula e o menos grisalho deles em Sarney.

Daquela fileira de ternos escuros recostados em suas cadeiras, sobressai-se a presidente Dilma Rousseff. Esmeradamente penteada, a presidente não está recostada como os demais. Se a cerimônia não estivesse no início, se poderia julgar que preparava-se para levantar. De queixo erguido e expressão fechada, olha para a frente. Parece prestes a tomar uma atitude. E tomou.

Em 21 minutos de um discurso interrompido uma única vez pela voz embargada, virou o nunca na história desse país ao avesso.

Avocou a contribuição de cada um dos ex-presidentes ali presentes para que a iniciativa vingasse. De Sarney, que conduziu a transição, de Collor, que abriu os arquivos do Dops, de Fernando Henrique, que sancionou a lei em que o Estado reconheceu, pela primeira vez, a responsabilidade dos mortos sob sua custódia, e de Lula, que encaminhou ao Congresso a lei que criou aquela comissão.

Num auditório que a aplaudiu várias vezes durante o discurso, apenas os comandantes militares se mantiveram inertes, mesmo quando a presidente lhes dirigiu o convite - "independentemente do papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o regime autoritário" - para que se levantasse o véu de ignorância sobre a história.

O esforço de Dilma em caracterizar a comissão como ato de Estado e não como fruto do governo de uma torturada não evitará a contestação da legitimidade de seus trabalhos.

A divisão que já se instalou entre seus integrantes se a apuração deve focar nas violações aos direitos humanos cometidos por agentes do Estado ou se deve se estender à guerrilha já é um reflexo dessa contestação.

O texto da lei, que na interpretação de alguns juristas deixou a questão em aberto, foi negociado no governo Lula pelo então ministro da Defesa, Nelson Jobim, com os militares.

O ministro foi uma das primeiras heranças de Lula a cair no governo Dilma. A expectativa, alimentada por setores das Forças Armadas a partir do texto acordado, de que militares pudessem vir a compor a comissão, foi frustrada por Dilma.

Todos os sete integrantes nomeados para a comissão combateram a ditadura. A divisão entre aqueles que querem uma comissão restrita à apuração da violência estatal e os que aceitam ampliá-la para todas as violações aos direitos humanos, não importa de que lado tenham partido, não obedece ao viés partidário. Os dois ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso que integram a comissão já emitiram opiniões divergentes sobre o tema.

Os guerrilheiros já foram punidos com tortura, morte e desaparecimento enquanto as vítimas dos quartéis, em número muito mais reduzido, estão enterradas com honras militares. A onda pela apuração dos atos da guerrilha crescerá à medida que aumentar a pressão pela revisão da Lei da Anistia.

É inevitável que essa pressão cresça, ainda que a comissão da verdade não possa ser considerada derrotada se a lei não sair do lugar. São incipientes mas têm diretrizes e organização nacional os movimentos de jovens que surgem em busca da reparação. Não são parentes de mortos e desaparecidos, nem militantes de partidos de esquerda. Militantes do Levante Popular da Juventude, conta Cristiane Agostine, do Valor, já picharam a portaria do prédio do militar que Dilma já reconheceu como seu torturador, mas também protestam contra a violência policial que mata jovens negros da periferia, lutam por cota nas universidades e por moradia popular.

Por que se multiplicariam agora se passaram os últimos 30 anos sem poder de mobilização? Um militante pela causa da Comissão da Verdade tem uma hipótese. Diz que enquanto os partidos de esquerda alimentaram a utopia da reparação, essa insatisfação foi ali escoada. Depois que os partidos de esquerda, o PT à frente, submeteram suas utopias à agenda eleitoral, os movimentos acabaram ganhando vida própria.

A Comissão da Verdade não tem a revisão da Lei da Anistia em seu escopo. Mas em muitos dos países em que foi instalada o conhecimento dos fatos como os fatos foram acabou propiciando a mobilização social pelo esclarecimento do que o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), integrante da Comissão da Verdade paulista, chama de três quem: quem foi atingido, quem os atingiu e quem será responsabilizado.

Luciano Siqueira (PCdoB-PE), outro deputado estadual envolvido com a comissão da verdade de seu Estado, é um entusiasta da iniciativa que da revisão da Lei da Anistia. Situa-a no panteão dos pactos pelos quais se move o país: independência declarada pelo imperador, abolição assinada por uma princesa, República proclamada por um general monarquista, e Nova República inaugurada pelo líder do partido da ditadura.

A Lei da Anistia sempre foi sustentada sob o argumento de que o golpe militar contou com apoio popular e de parte da classe política e produziu um número menor de vítimas do que suas congêneres latino-americanas.

Se na vizinhança contam-se os mortos aos milhares, talvez não seja a quantidade de zeros que determina a brandura de um assassinato. Mais difícil de quantificar é o alcance da impunidade, numa história marcada pelos consensos apaziguadores - desde as torturas que sobrevivem nos porões das delegacias, até os grandes malfeitos de uma República em que todos parecem estar do mesmo lado e a verdade que pune nunca está em lugar algum.

Dilma encerrou o discurso citando Galileu Galilei: "A verdade é filha do tempo, não da autoridade". Além de instalar a comissão, a presidente, na mesma cerimônia, sancionou a Lei de Acesso à Informação, a partir da qual, além do controle da administração pública, os dados relativos à violação de direitos humanos nunca mais poderão ser considerados secretos. São ambas, disse em discurso, fruto de um longo processo de construção da democracia. Que contribuam, a partir de agora, para abreviar a justiça.

A seca não é carinhosa - ROBERTO FREIRE


BRASIL ECONÔMICO  - 18/05


É fácil transferir dinheiro ou lançar projetos que não saem do papel. Difícil é construir uma política de geração de emprego e renda 


Emulando os governos militares do "milagre econômico" com sua Transamazônica , o governo Lula/Dilma utilizou as obras da ferrovia Transnordestina e o faraônico projeto de transposição de águas do rio São Francisco como cenários no recente processo eleitoral para fotos e filmagens que emolduraram a campanha da "mãe do PAC". Com essas obras, propagavam que os problemas recorrentes há séculos finalmente seriam superados.

Agora, o Nordeste, mais uma vez, enfrenta uma seca - com seu séquito de sede, fome e miséria - mesmo depois de quase uma década de administração petista, período no qual espalhava aos quatro ventos o anúncio de obras que iriam redimir a condição do Nordeste como uma região atrasada.

Mas realidade é outra, seja por falta de capacidade gerencial, seja por deficiência de projeto ou de execução, como o trecho destinado à famigerada empresa Delta, com rachaduras em vastas extensões do leito artificial que o tornam imprestável para o fim desejado necessitando ser refeito antes de seu uso, essas obras não estão prontas.

Enquanto a seca impera em vastas regiões do sertão nordestino, nossa presidente, amparada pela extraordinária máquina de propaganda que herdou do governo Lula, vem a público anunciar mais um novo "projeto de combate à pobreza". Inaugurar promessas é uma especialidade do governo petista. A presidente Dilma Rousseff inova com o programa Brasil Carinhoso ao reinaugurar promessas já feitas. Faz um grande evento publicitário para relançar um programa fracassado, o Pró-Infância, lançado em 2007, na gestão do presidente Lula, agora com outro nome, aliado ao aumento do Bolsa Família.

Em um ano e cinco meses de governo, a presidente não entregou nenhuma das 6 mil creches prometidas na campanha de 2010. Agora, promete somente 1.500 unidades. É um verdadeiro escárnio com a população, ainda mais ao sabermos do Ministério da Educação, que no país não passam de 400 creches do governo federal em pleno funcionamento e todas foram construídas antes do governo do PT.

As creches são fundamentais para garantir que a primeira infância seja cercada dos cuidados necessários ao desenvolvimento das crianças, possibilitando às mães apoio para poderem trabalhar, gerar renda e ter autonomia. Creche é dignidade para as mães e segurança para as crianças.

É fácil transferir dinheiro ou lançar projetos que não saem do papel. Difícil é construir uma política de geração de emprego e renda, qualificar as pessoas ao mercado de trabalho para permitir que elas garantam seu sustento sem a tutela do Estado. Difícil é entregar as obras prometidas que trariam maior dinamismo econômico à região.

A presidente precisa parar de gastar dinheiro com publicidade e começar cumprir o que prometeu. A população começa a dar sinais de cansaço com tanto discurso e pouca ação. O das bolsas que se aliviam o presente não oferece perspectivas de um futuro diverso e melhor. Que o diga a atual, e ainda infelizmente recorrente, seca. Como dizia Luiz Gonzaga, em um clássico de nossa música popular, "mas dotô uma esmola/ a um home que é são/ ou lhe mata de vergonha/ ou vicia o cidadão".

A lição da memória - DORA KRAMER


O Estado de S.Paulo - 18/05


Foi bonita a festa da instalação da Comissão da Verdade e sobre isso, noves fora quem deve e teme, há consenso. Cerimônia sóbria e cheia de simbolismos, a começar pela presença de ex-presidentes da República que tiveram significados específicos e papéis diferentes na História do Brasil.

Até quem fez mais feio ao seu tempo estava lá como que a representar a capacidade de um País de enfrentar processo inédito de impeachment presidencial sem abalar os alicerces da ainda verde democracia recém-conquistada.

Não faltou o reconhecimento póstumo a Tancredo Neves e Itamar Franco, ficando de fora qualquer citação aos comandantes em chefe do período autoritário. Espera-se que os militares não vejam nisso uma provocação: o ato celebrava a democracia que não cuida de homenagens a ditadores.

Sim, senhores, a palavra é essa. O regime era de exceção, de supressão de liberdades e garantias constitucionais, entre elas o da escolha pelo voto. Portanto, tiranos seus governantes.

Dizer as coisas com clareza denota a existência de sentimentos revanchistas? Depende da interpretação referida no grau de ameaça percebido pelo espectador engajado no processo.

Há reclamação por parte de militares que temem ser expostos à execração pública justamente no momento em que o sentimento predominante na nova geração das Forças Armadas é o de que o poder político pertence à sociedade civil.

Há argumentação por parte das vítimas do Estado de que não faz sentido considerar o critério dos "dois lados" no trabalho da Comissão da Verdade.

Ora, não tendo lei caráter persecutório, tratando-se apenas e tão somente do levantamento de informações, estamos diante de uma discussão vã por óbvia a necessidade de se resgatar a história completa. Sob todos os prismas.

Não havendo punições, não há problema algum nas revelações. Pertençam elas a que "lado" pertencerem, desde que se dê aos brasileiros já nascidos na democracia a noção do valor da liberdade e do perigo contido no despertar de soluções autoritárias.

Por qualquer motivo, referentes a qualquer setor.

Conceito de ética. O governo do Rio de Janeiro já mostrou o quanto é hesitante no que tange a normas de condutas para seus integrantes. Primeiro o governador Sérgio Cabral Filho precisou ser flagrado em óbvio desvio - viagens de helicóptero e festas a expensas de empresários fornecedores ou dependentes de decisões de governo - para criar um conjunto de regras de comportamento, revisto em decorrência do enredo guardanapos na cabeça no carnaval parisiense recentemente exibido.

O alcance da comissão de ética deixa de fora o governador e o vice. Até aí, soa meio esquisito - a inclusão teria um efeito simbólico exemplar -, mas segue o critério da comissão federal que também não tem poder sobre a Presidência da República.

Inaceitável, mas não dizer burlesca, é a decisão de manter em sigilo as sindicâncias até a conclusão dos trabalhos no intuito de "preservar" os investigados.

Para dizer o menos, é uma contradição em relação aos termos de um código de conduta pública. Para dizer o certo, é uma agressão ao artigo 37 de Constituição: "A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Espeto de pau. A quase totalidade dos Estados não usou um dia sequer dos seis meses de prazo entre a sanção e a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação para montar estruturas de atendimento ao público dentro dos novos parâmetros exigidos.

Não é mero atraso nem acaso: é descaso mesmo. E fica parecendo falta de confiança na ineficácia prática da lei. Ou seja, os próprios agentes públicos apostam que ela não "pega".

Arquivo confidencial - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 18/05


O escândalo que envolve o setor de aprovação de empreendimentos imobiliários da administração de Gilberto Kassab paralisou a Câmara paulistana. Desde que a Folha revelou a evolução patrimonial de Hussain Aref Saab, que adquiriu 106 imóveis no período em que esteve na prefeitura, a base governista esvazia sistematicamente as sessões de comissões e o plenário a fim de evitar o bombardeio da oposição e a convocação de assessores do governo para depor.

Emissários de Aref fizeram chegar à gestão indicativos de que ele estaria se sentindo abandonado e disposto a trazer à tona passivo de sete anos no posto.

Deixa comigo Embora José Serra procure se desvincular da escolha de Aref, decreto assinado por ele em 1º de janeiro de 2005 avocava para o prefeito a nomeação e exoneração de todos os titulares de cargos em comissão na administração direta e nas autarquias e fundações.

Veja bem Em defesa do pré-candidato, tucanos afirmam que, em casos excepcionais, secretários poderiam se responsabilizar pelas contratações. O titular da Habitação era Orlando de Almeida Filho, da cota de Kassab.

Espelho meu Com visual repaginado após intervenção do cabeleireiro Celso Kamura, a perda de 8 kg e o novo guarda-roupa, o pré-candidato petista à prefeitura ganhou de adversários o apelido de "Fernando Vaidade".

Pensão completa Depois de tomar café da manhã com Haddad, dirigentes do PC do B se encontraram ontem, na hora do almoço, com Gabriel Chalita. A cúpula do PMDB ficou animada com a possibilidade de aliança em São Paulo e outras cidades.

Oremos Faixa exibida ontem no evento em que o DEM anunciou apoio a Serra: " Democratas Católicos pela Vida esperam que o próximo governo da capital respeite a inviolabilidade da vida humana desde a fecundação".

Sinais 1 O PT dá como certa a atuação do ministro Dias Toffoli no julgamento do mensalão. "Ele acabou de votar na questão de ordem apresentada pelo Joaquim Barbosa", diz um petista.

Sinais 2 Réus do mensalão lembram que Ricardo Lewandowski, revisor do processo, foi o único a rejeitar o crime de formação de quadrilha contra o ex-ministro José Dirceu quando o STF acatou a denúncia, em 2007.

Abafa Integrantes da CPI atribuem à pressão de parlamentares ligados à Delta o fato de o ex-presidente da construtora Fernando Cavendish ter sido poupado. Ele estaria mandando recados de que pode falar nos bastidores.

Non grata O duro discurso do ex-ministro Nelson Jobim em evento do PMDB ontem, acusando o partido de "se curvar" ao PT, constrangeu a cúpula. "Esse ex-ministério fez mal ao Jobim'', ironizou um peemedebista.

Visitas à Folha Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava com Haroldo de Macedo Ribeiro, Antonio Augusto Martins César e Felipe Bandeira de Mello, assessores, Affonso de Alencastro Massot e Antonio de Moraes Mesplé, respectivamente chefe e vice-chefe do escritório do Itamaraty em SP, e Tovar da Silva Nunes, chefe da assessoria de imprensa.

Sergio Barroso, secretário extraordinário para a Copa em Minas Gerais, visitou ontem a Folha. Estava com Juliana Alvim, assessora de comunicação.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Fernando Haddad parece estar muito desorientado: o verdadeiro apagão que vem ocorrendo em São Paulo é o da sua candidatura, que não decola."

DO SECRETÁRIO PAULISTA DE HABITAÇÃO, SILVIO TORRES, sobre a expressão "apagão dos transportes", adotada pelo pré-candidato do PT à prefeitura para atacar os governos do PSDB no início de sua campanha.

contraponto

Tudo em família

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Domingos Dutra (PT-MA), participava de audiência pública sobre o trabalho escravo na semana passada quando destacou aos presentes sua condição de único parlamentar de origem quilombola presente e, para surpresa de todos, com 28 irmãos por parte de pai.

Diante da revelação, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), brincou com o colega:

-Então está explicado, Dutra, porque o senhor consegue sempre votações tão expressivas no Maranhão!

Uma saída difícil - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 18/05


Se a Grécia sair do euro, o primeiro afetado será o próprio poupador grego. Ele perderá parte do valor dos seus ativos financeiros, porque a taxa de conversão do euro para a dracma embutirá uma desvalorização. Um calote total na dívida afetaria os bancos que recentemente deram um desconto nos títulos, além do FMI e do Banco Central Europeu. Sem reservas, o país teria dificuldades até de importar.

Não há cenário bom para a Grécia, mas há um pior que os outros. A saída desordenada certamente agravaria mais a situação econômica do país. O início da corrida bancária é o primeiro sinal de que os investidores gregos podem estar se perguntado a que taxa seus euros depositados hoje serão transformados em dracma.

O drama não é apenas grego. Os bancos perderiam ainda mais do que já perderam com a renegociação da dívida. A Europa como um todo perderia porque se quebraria o dogma de que a união monetária é irreversível.

O primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, admitiu que poderá enfrentar dificuldades de rolagem da dívida se o país não cortar o déficit público. O continente permanece suspenso no ar. O fato de a Grécia não ter conseguido formar um novo governo deixa a crise em compasso de espera. Novas eleições só daqui a um mês. A corrida bancária não é grande para o total de ativos - cerca de 700 milhões foram sacados dos bancos gregos na segunda-feira - mas impressiona o movimento. Poderá se agravar se a perspectiva de sair do euro ficar mais forte.

Voltamos ao estágio de risco de calote grego, que parecia encerrado quando houve a negociação do acordo que distribuiu perdas para os bancos e compromissos de austeridade para a Grécia. Em troca, ela receberia ajuda da Europa. Não receber ajuda significa não conseguir rolar as dívidas do país que vencem este ano. Por sua vez, a ameaça de deixar a Zona do Euro, segundo a economista Monica de Bole, da Galanto Consultoria, representa um calote ainda maior, desordenado, com potencial de chegar a 365 bilhões, quase 2 vezes o PIB da Grécia.

- Voltar à dracma é dar dois calotes. O primeiro seria nos títulos públicos gregos, da dívida externa, que já foram renegociados e passaram a ter prazos de vencimentos mais longos. Isso, na prática, se perde. Outro, ainda maior, seria sobre o BCE, o FMI, e todos os bancos da Europa, principalmente os da Alemanha, que emprestaram dinheiro a bancos gregos ou fizeram intermediação financeira com eles - explicou Monica.

Ficar no euro tem sido doloroso. O PIB grego recuou 6,1% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2011. O desemprego está acima de 20%, e entre jovens passa de 50%. Motivos não faltam para o descontentamento e isso se refletiu nas urnas. O problema é que a opção de saída da Grécia da Zona do Euro pode ser ainda mais dolorosa.

A desvalorização embutida na volta à velha moeda pode provocar inflação, mesmo com o PIB em queda. O país entraria num período de recessão com inflação. A dívida externa grega continuaria em euros, mas o país teria uma moeda que passaria a flutuar. Se 1 euro passasse a valer 2 dracmas, isso dobraria a dívida em termos nominais. A desvalorização poderia aumentar a competitividade, mas o país não é grande exportador. Ao contrário da Argentina, que deu a volta por cima com suas commodities e um bom momento da economia mundial.

- Essa é uma grande diferença entre o caso grego e o argentino, em 2001. A Argentina deu o calote e desvalorizou a moeda. Logo em seguida, foi beneficiada por um longo período de crescimento da economia mundial que ajudou muito na recuperação. Os gregos, ao contrário, têm um cenário de crise na Europa e baixo crescimento do mundo - disse Monica de Bolle.

O que embaralhou mais ainda a Grécia foi o resultado da eleição. O parlamento se fragmentou com forças políticas que vão da esquerda radical, o segundo colocado, ao partido nazista. As pesquisas continuam informando que os gregos preferem permanecer com o euro. Os líderes europeus querem usar o resultado dessas pesquisa para dizer aos gregos que a permanência no bloco depende exclusivamente deles. As eleições de junho devem se transformar numa espécie de referendo: cumprir o que foi acordado e permanecer no bloco; rasgar o acordo, sair da Zona do Euro e deixar de receber a ajuda. A propósito: George Papandreau caiu quando propôs um plebiscito.

A crise na Europa tem custado caro às empresas do bloco. Desde março de 2009, segundo levantamento da consultoria inglesa Capital Economics, as bolsas americanas subiram 68%, a da Inglaterra se valorizou 48%, enquanto as da Zona do Euro tiveram ganho de apenas 12%. Os bancos europeus são os que mais sofrem porque estão constantemente sendo ameaçados de calote. A bolsa alemã ganha 37%; a da França, 17%; enquanto a dos países em crise estão em queda: Grécia, -68%; Espanha, -14%; e Itália, -8%. A confusão externa tem afetado também o Brasil. O Ibovespa mudou totalmente de direção: de uma alta de 20% até março fechou ontem em queda de 4,8% no ano.