REVISTA ÉPOCA
Se as manifestações de março partirem para o “fora todo mundo”, vão se desmanchar na história como em 2013
Dizem que março será o mês da volta das manifestações, do novo grito das ruas. Aparentemente, serão manifestações em defesa da Lava Jato. Essa é uma causa irretocável. Mas o sismógrafo da opinião pública brasileira – essa entidade exótica – parece registrar também uma tendência ao reaparecimento do “fora todo mundo”. É o famoso saco de gatos cívico, aquele “basta” genérico que o Brasil tanto ama. Nesse caso, por incrível que pareça, as ruas podem não fazer bem à Lava Jato.
Um instituto de pesquisa apurou que, para a maioria dos brasileiros, Eduardo Cunha é um vilão mais nocivo que José Dirceu. Cada vez mais se observa que as pesquisas de opinião ensejam desconfiança – infelizmente, e sem nenhuma teoria conspiratória. Há muitas formas de induzir o resultado – tipo de pergunta, momento da sondagem etc. – e vários institutos andaram levando surra da realidade por causa disso. É natural que Cunha seja mais citado que Dirceu, já que sua saga esteve em cartaz mais recentemente. A pesquisa sublinha a síndrome da memória curta – o que não deixa de ser um fato real.
Em outras palavras: pode não ser o mais honesto você pesquisar com um corintiano na saída do estádio, após uma derrota do Corinthians, o nível de satisfação dele com qualquer coisa no planeta Terra; mas também é verdade que boa parte das manifestações públicas brasileiras tem a profundidade de uma ressaca futebolística.
Os famosos protestos de junho de 2013 continuam sendo descritos por narradores diversos – o que não falta por aqui é narrador – como um divisor de águas na política nacional. É uma espécie de alquimia historiográfica. Basta dizer que aquele mar de gente nas ruas não fez cócegas nos principais responsáveis pela insatisfação geral.
A causa inicial contra o aumento das passagens de ônibus, que depois se ampliou com o slogan “Não é só por 20 centavos”, denotava a perda de poder aquisitivo e a deterioração das condições de vida em geral – primeiros sinais da recessão profunda que se instalou no país. Como se sabe hoje (e já era fácil enxergar na época), a derrocada econômica foi obra exclusiva da quadrilha que governava o Brasil – com direito à façanha de jogar a maior empresa nacional na lona. Você pode deixar o narrador sonhar que ali o PT começou a cair, mas você sabe que é mentira.
Dilma, Mercadante, Rossetto, Ananias e todo aquele estado-maior de picadeiro fizeram a festa: pronunciamentos, coletivas, anúncios de reforma política, promessas de plebiscito e doces reminiscências dos seus tempos de militância de rua, o que os igualava aos manifestantes de 2013. Os delinquentes federais saíram sem nenhum arranhão da Primavera Burra – e ainda contrataram para a campanha eleitoral do ano seguinte os bravos ativistas de mídia e de quebra-quebra que estavam nas ruas por um mundo melhor (para os seus cofrinhos particulares).
O problema deste março de 2017, com Cunha desbancando Dirceu entre os vilões da Lava Jato, é parte da multidão tirar do foco as obras completas do PT (já faz tanto tempo...) e partir para o “fora todo mundo” – inclusive quem está consertando (e bem, segundo todos os indicadores) o desastre.
Vamos ser didáticos: todos os pilantras do PMDB merecem cadeia, e a força-tarefa da Lava Jato jamais deu qualquer sinal de que pretenda aliviar os partidários do presidente, ou mesmo o próprio; mas o gigantesco esquema do petrolão, articulado ao mensalão, que sequestrou o coração do estado brasileiro e permitiu o maior assalto da República, não foi liderado e regido por nenhum desses coadjuvantes. A Lava Jato só terá sido bem-sucedida se condenar e prender a cúpula populista que virou dona do Brasil por 13 anos. Se a opinião pública aceitar qualquer coisa diferente disso, estará desautorizada a reclamar da corrupção.
Se as manifestações de março de 2017 partirem para o “fora todo mundo”, provavelmente vão se desmanchar na história como as de 2013. Se servirem para atrapalhar a equipe econômica de Temer, que é reconhecida tecnicamente no mundo todo e está arrumando a casa, o tiro sairá pela culatra. Os parasitas que estão de boca aberta para herdar, em 2018, a lenda coitada do PT saberão reabrir devidamente todas as boquinhas e bocarras que a Lava Jato conseguiu fechar.
domingo, março 05, 2017
Um vácuo à direita - RODRIGO CONSTANTINO
REVISTA ISTO É
Após décadas de hegemonia esquerdista em nossa política, surge finalmente um momento propício para o avanço da direita. Boa parte da população já percebeu que o modelo socialdemocrata fracassou, que o peso do governo inchado se tornou insuportável, que o paternalismo foi incapaz de proteger o cidadão comum, que a existência de tantas estatais gerou apenas corrupção, e que as teorias esquerdistas que transformam marginais em “vítimas da sociedade” produziram apenas mais violência. Justiça seja feita, a ala mais moderada da esquerda, o PSDB, tem alguns bons resultados. Mas foram justamente obtidos quando o partido, a contragosto, precisou tomar medidas mais liberais, como nas privatizações e nas reformas que impuseram limites aos gastos públicos. Já o lado radical dessa esquerda, representado pelo PT, foi um fiasco completo, flertando com um modelo socialista nos moldes venezuelanos.
E o resultado está aí, como herança maldita para o governo de transição de Temer. O Brasil vive um caos econômico e social, como consequência direta das ideias ultrapassadas da esquerda. E, com as redes sociais, já que boa parte da mídia é cúmplice dessa mentalidade equivocada, os brasileiros puderam compreender melhor o que causou essa situação alarmante, e clamam por mudanças.
Eis aí a chance de a direita, com uma mensagem bem mais liberal na economia e mais dura com a bandidagem, galgar importantes degraus na escalada política. Quem endossar com firmeza essa bandeira vai capturar boa parte do eleitorado, frustrado com o esquerdismo há décadas no comando da nação.
Tirar poder dos burocratas, sindicatos e políticos e devolvê-lo para o trabalhador, reduzindo drasticamente o escopo do governo; resgatar valores morais e a decência, contra essa campanha nefasta dos “progressistas” que subvertem todas as tradições louváveis; enfrentar com punho firme os criminosos que escolhem esse caminho perverso: eis o que milhões desejam. Claro que a extrema-esquerda ainda tem força e se reorganiza para tentar impedir tais mudanças necessárias e desejáveis. O próprio Lula fala em ser candidato, temos Ciro Gomes, Marina Silva, o PSOL, enfim, diversas viúvas do socialismo fazendo de tudo para manter o Brasil preso no passado. Temos, ainda, os tucanos da esquerda mais moderada tentando se equilibrar entre passado e futuro, entre o velho e o novo Brasil.
Mas a demanda mesmo é por alguém sem medo de atacar esse modelo obsoleto e abraçar com empolgação o novo, o liberalismo econômico, o conservadorismo nos costumes. O pêndulo extrapolou demais para a esquerda com essa “marcha das minorias oprimidas”. Já cansou. E foi um fracasso. O povo quer mudanças bem mais à direita. Quem vai ser sua voz em 2018?
O Brasil e o futuro do pretérito - PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA - 05/03
Geração de conhecimento, formação de quadros e posicionamento doutrinário deveriam ser tarefas essenciais a qualquer partido que se constitua com o intuito de intervir de modo positivo na vida nacional. Partidos deveriam brandir seus programas. As soluções para os problemas nacionais deveriam emergir de debates travados em torno desses importantes documentos. Caberia a eles oferecer chaves de leitura para, nos diferentes momentos históricos, proporcionar compreensões e intervenções na realidade. Muitos chamam a isso ideologia. No entanto, como o termo, entre nós, foi consumido por meia dúzia de chavões, eu prefiro discriminar o conteúdo atribuindo-lhe, entre outros elementos, uma política, uma economia, uma sociologia, uma interpretação da história, uma ética, uma compreensão sobre a pessoa humana e sobre o sentido da vida.
A grande política, aquela que vai definir, no tempo, os espaços para as ações humanas, precisa disso tanto quanto a abertura de estradas precisa de fotos aéreas e trabalhos de campo. As mais decisivas ações humanas precisam ver ao longe. Precisam de horizonte, e quanto mais afastado, melhor. Esse esforço da mente que se ergue acima dos conchavos, sofismas, mentiras, animosidades e mesquinharias eleitorais confere à política um sentido respeitável, erguendo-a do justificado desprezo que suscita no cidadão comum.
No próximo dia 15 de março, contaremos 32 anos desde a posse do "Tudo pelo social" José Sarney. Foi o último governo peemedebista, antes de Michel Temer, embora o PMDB tenha sido o maior partido de todos os governos desde então. Tal condição lhe assegura, com certo orgulho, o rótulo de "partido da governabilidade", porque ninguém governa sem o PMDB. Em breve saberemos se o PMDB governa com o PMDB. Pergunto: não declarou o ministro Moreira Franco que o partido não é leninista e não fechará questão na reforma da Previdência? A falta de convicções que permite governar com todos fez escola. A todo custo compensa ser governo porque os dividendos são bons. Como consequência, os partidos brasileiros resultam indiscerníveis na vida real; e inservíveis os programas subscritos em seus atos constitutivos. Assim, a par de uma reforma que dê racionalidade ao funcionamento das instituições, impõe-se que os partidos reformem a si mesmos.
É possível que isto nada diga aos ouvidos das lideranças políticas nacionais, mas este país, senhores, precisa decidir o que quer ser. E esta não é uma pequena escolha. Não é o traseiro na cadeira do cargo que muda a realidade, mas o que vai na cabeça de quem detém a caneta. Vamos continuar, mão na frente, mão atrás, iludidos pelas utopias, nesse indecoroso socialismo de pelados, patrocinado pelo Estado? Com raríssimas exceções, os partidos políticos brasileiros ou são socialistas ou não sabem o que são, compreendendo o Estado – logo ele! – como um Eldorado nacional, fonte de inesgotáveis riquezas que se dispõem a gerenciar para um suposto bem comum quase sempre muito privado. E assim vão-se sucessivas gerações sem que deixemos de ser o futuro do pretérito.
O panorama político europeu e norte-americano mostra claramente isso de que falo. Estão em discussão diferentes visões de história, de cultura, de funcionamento da economia, bem como formas e limites da integração. Partidos apresentam nomes que expressam ideias cujo sentido nasce daquelas percepções sobre as quais falei inicialmente. Enquanto isso, aqui no Brasil, por falta de assuntos que requeiram neurônios, discutem-se precisamente aquelas eleições e suas pautas, não como referências, mas como se fossem absurdos. E mergulha-se no noticiário policial.
Geração de conhecimento, formação de quadros e posicionamento doutrinário deveriam ser tarefas essenciais a qualquer partido que se constitua com o intuito de intervir de modo positivo na vida nacional. Partidos deveriam brandir seus programas. As soluções para os problemas nacionais deveriam emergir de debates travados em torno desses importantes documentos. Caberia a eles oferecer chaves de leitura para, nos diferentes momentos históricos, proporcionar compreensões e intervenções na realidade. Muitos chamam a isso ideologia. No entanto, como o termo, entre nós, foi consumido por meia dúzia de chavões, eu prefiro discriminar o conteúdo atribuindo-lhe, entre outros elementos, uma política, uma economia, uma sociologia, uma interpretação da história, uma ética, uma compreensão sobre a pessoa humana e sobre o sentido da vida.
A grande política, aquela que vai definir, no tempo, os espaços para as ações humanas, precisa disso tanto quanto a abertura de estradas precisa de fotos aéreas e trabalhos de campo. As mais decisivas ações humanas precisam ver ao longe. Precisam de horizonte, e quanto mais afastado, melhor. Esse esforço da mente que se ergue acima dos conchavos, sofismas, mentiras, animosidades e mesquinharias eleitorais confere à política um sentido respeitável, erguendo-a do justificado desprezo que suscita no cidadão comum.
No próximo dia 15 de março, contaremos 32 anos desde a posse do "Tudo pelo social" José Sarney. Foi o último governo peemedebista, antes de Michel Temer, embora o PMDB tenha sido o maior partido de todos os governos desde então. Tal condição lhe assegura, com certo orgulho, o rótulo de "partido da governabilidade", porque ninguém governa sem o PMDB. Em breve saberemos se o PMDB governa com o PMDB. Pergunto: não declarou o ministro Moreira Franco que o partido não é leninista e não fechará questão na reforma da Previdência? A falta de convicções que permite governar com todos fez escola. A todo custo compensa ser governo porque os dividendos são bons. Como consequência, os partidos brasileiros resultam indiscerníveis na vida real; e inservíveis os programas subscritos em seus atos constitutivos. Assim, a par de uma reforma que dê racionalidade ao funcionamento das instituições, impõe-se que os partidos reformem a si mesmos.
É possível que isto nada diga aos ouvidos das lideranças políticas nacionais, mas este país, senhores, precisa decidir o que quer ser. E esta não é uma pequena escolha. Não é o traseiro na cadeira do cargo que muda a realidade, mas o que vai na cabeça de quem detém a caneta. Vamos continuar, mão na frente, mão atrás, iludidos pelas utopias, nesse indecoroso socialismo de pelados, patrocinado pelo Estado? Com raríssimas exceções, os partidos políticos brasileiros ou são socialistas ou não sabem o que são, compreendendo o Estado – logo ele! – como um Eldorado nacional, fonte de inesgotáveis riquezas que se dispõem a gerenciar para um suposto bem comum quase sempre muito privado. E assim vão-se sucessivas gerações sem que deixemos de ser o futuro do pretérito.
O panorama político europeu e norte-americano mostra claramente isso de que falo. Estão em discussão diferentes visões de história, de cultura, de funcionamento da economia, bem como formas e limites da integração. Partidos apresentam nomes que expressam ideias cujo sentido nasce daquelas percepções sobre as quais falei inicialmente. Enquanto isso, aqui no Brasil, por falta de assuntos que requeiram neurônios, discutem-se precisamente aquelas eleições e suas pautas, não como referências, mas como se fossem absurdos. E mergulha-se no noticiário policial.
As prisões da Lava-Jato - SÉRGIO MORO
REVISTA VEJA
As críticas às vezes severas contra as prisões preventivas da operação não encontram fundamento nem na quantidade nem na extensão — e talvez só existam porque, atrás das grades, há presos ilustres
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA e um escudo tanto contra condenações injustas como contra punições prematuras. Contra condenações injustas, a presunção de inocência exige, para uma condenação criminal, prova categórica, acima de qualquer dúvida razoável. Segue-se o velho ditado de que é preferível ter vários culpados soltos a um único inocente condenado. Contra punições prematuras, significa que a prisão, pena moderna por excelência, deve seguir-se ao julgamento, e não precedê-lo. Na última perspectiva, o principio também significa que as prisões antes do julgamento, ainda que não definitivo, as chamadas prisões preventivas, são excepcionais e devem ser longamente justificadas. Tem havido uma série de críticas a supostos abusos na decretação de prisões preventivas na Operação Lava-Jato. Escrevi este artigo para esclarecer alguns aspectos delas.
Existem atualmente sete acusados presos preventivamente na Operação Lava-Jato sem que tenha havido julgamento por sentença na ação penal. O total das prisões preventivas decretadas e bem maior, 79, mas elas foram paulatinamente revogadas ou substituídas por sentenças condenatórias. Apesar das discussões em torno dessa substituição, são diferentes a situação do preso provisório não julgado e a do preso provisório já julgado e condenado. Setenta e nove prisões preventivas, em quase três anos, e um número significativo, mas outros casos de investigações rumorosas, como a Operação Mãos Limpas, na Itália, envolveram um número muito superior de prisões provisórias, cerca de 800 nos três primeiros anos, entre 1992 e 1994, somente em Milão. De forma similar, 79 prisões preventivas em quase três anos é um número muito menor que o de prisões preventivas decretadas em um ano em qualquer vara de inquéritos ou em varas de crime organizado em uma das grandes capitais brasileiras.
Não procede, portanto, a crítica genérica as prisões preventivas decretadas na Operação Lava-Jato, pelo menos considerando-se a quantidade delas.
Também não procede a crítica à longa duração das prisões. Há pessoas presas. e verdade, desde março de 2014, mas nesses casos já houve sentença condenatória e, em alguns deles, até mesmo o julgamento das apelações contra a sentença. Quanto aos presos provisórios ainda sem julgamento, as prisões têm no máximo alguns meses, o que não é algo extraordinário na prática judicial, e não raramente os julgamentos tardam pela própria atuação da defesa, por vezes interessada em atrasar o julgamento para alegar junto a ouvidos sensíveis a demora excessiva da prisão provisória. Outra critica recorrente é que se prende para obter confissões. Entretanto, a maioria dos acusados decidiu colaborar quando estava em liberdade, e há acusados presos que resolveram colaborar e acusados presos que não colaboraram. Os dados não autorizam conclusão quanto à correlação necessária entre prisão e colaboração.
A questão real — e é necessário ser franco sobre isso — não é a quantidade, a duração ou as colaborações decorrentes, mas a qualidade das prisões, mais propriamente a qualidade dos presos provisórios. O problema não são as 79 prisões ou os atualmente sete presos sem julgamento, mas sim que se trata de presos ilustres. Por exemplo, um dirigente de empreiteira, um ex-ministro da Fazenda, um ex-governador e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Mas, nesse caso, as criticas às prisões preventivas refletem, no fundo, o lamentável entendimento de que há pessoas acima da lei e de que ainda vivemos em uma sociedade de castas, distante de nós a igualdade republicana.
Mesmo considerando-se as 79 preventivas e o fato de elas envolverem presos ilustres, é necessário ter presente que a Operação Lava-Jato revelou, segundo casos já julgados, um esquema de corrupção sistêmica, no qual o pagamento de propinas em contratos públicos consistia na regra do jogo. A atividade delitiva durou anos e apresentou caráter repetido e serial, caracterizando, da parte dos envolvidos, natureza profissional. Para interromper o ciclo delitivo, a prisão preventiva foi decretada de modo a proteger a ordem pública, especificamente a sociedade, outros indivíduos e os cofres públicos da prática serial e reiterada desses crimes.
Ocasionalmente, foram invocados outros fundamentos, como a necessidade de prevenir fuga ou a dissipação do produto do crime, ou de proteger a investigação contra a destruição ou a manipulação de provas. Cabe, nessa linha, lembrar que todos os quatro diretores da Petrobras presos preventivamente — e já condenados — mantinham milhões de dólares em contas secretas no exterior, não sendo possível ignorar, nesse caso, o risco de que fugissem ou, pior, de que, foragidos no exterior, ficassem como produto do crime. Apesar das genéricas críticas a supostos excessos nas prisões preventivas, a análise circunstanciada revela que todas estavam bem justificadas.
Para ficar em um exemplo, foi decretada, em junho de 2015, a prisão preventiva de dirigentes de um grande grupo empresarial. Os fundamentos foram diversos, mas a garantia da ordem pública estava entre eles, Posteriormente, tais dirigentes foram condenados criminalmente, embora com recursos pendentes. As criticas contra essas prisões foram severas, tanto pelas partes como por interessados ou desinteressados, que apontaram o suposto exagero da medida diante da prisão de "pessoas conhecidas". Posteriormente, dirigentes desse grupo empresarial resolveram colaborar com a Justiça e admitiram o pagamento sistemático de propinas não só no Brasil, isso por anos, mas também em diversos países no exterior, bem como a participação em ajustes fraudulentos de licitações da Petrobras. Mais do que isso: confirmaram a existência no grupo empresarial de um setor próprio encarregado do pagamento de propina (Departamento de Operações Estruturadas) e que este permaneceu funcionando mesmo durante as investigações da Lava-Jato, tendo sido desmantelado apenas com a prisão preventiva dos dirigentes, em junho de 2015.
O caso é bem ilustrativo do equívoco das criticas, pois o tempo confirmou ainda mais o acerto da prisão. Foi a prisão preventiva, em junho de 2015, que causou o desmantelamento do departamento de propinas do grupo empresarial, interrompendo a continuidade da prática de sérios crimes de corrupção. Assim não fosse, o departamento da propina ainda estaria em plena atividade. O tempo confirmou que não houve nenhuma violação da presunção de inocência na prisão preventiva de pessoas culpadas e que persistiam na prática profissional de crimes.
Isso não significa que a prisão preventiva pode ser vulgarizada, mas ilustra que, em um quadro de corrupção sistêmica, com prática serial, reiterada e profissional de crimes sérios, é preciso que a Justiça, na forma do direito, aja com a firmeza necessária e que, presentes boas provas, imponha a prisão preventiva para interromper o ciclo delitivo, sem se importar com o poder político ou econômico dos envolvidos.
Se a firmeza que a dimensão dos crimes descobertos reclama não vier do Judiciário, que tem o dever de zelar pelo respeito às leis, não virá de nenhum outro lugar.
Enfim, críticas à atuação do Poder Judiciário são bem-vindas, pois nenhuma atividade pública deve ser imune a elas. Entretanto, as criticas genéricas ás prisões preventivas na Lava-Jato não aparentam ser consistentes com os motivos usualmente invocados pelos seus autores. Admita-se que é possível que, para parte minoritária dos críticos, os motivos reais sejam outros, como a aludida qualidade dos presos ou algum desejo inconfesso de retornar ao status quo de corrupção e impunidade, mas, com esses, nem sequer e viável debater, pois tais argumentos são incompatíveis com os majestosos princípios da liberdade, da igualdade e da moralidade pública consagrados pela Constituição brasileira.
*Sergio Moro é juiz federal da 13a Vara Criminal em Curitiba, responsável pela condução da Lava-Jato
As críticas às vezes severas contra as prisões preventivas da operação não encontram fundamento nem na quantidade nem na extensão — e talvez só existam porque, atrás das grades, há presos ilustres
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA e um escudo tanto contra condenações injustas como contra punições prematuras. Contra condenações injustas, a presunção de inocência exige, para uma condenação criminal, prova categórica, acima de qualquer dúvida razoável. Segue-se o velho ditado de que é preferível ter vários culpados soltos a um único inocente condenado. Contra punições prematuras, significa que a prisão, pena moderna por excelência, deve seguir-se ao julgamento, e não precedê-lo. Na última perspectiva, o principio também significa que as prisões antes do julgamento, ainda que não definitivo, as chamadas prisões preventivas, são excepcionais e devem ser longamente justificadas. Tem havido uma série de críticas a supostos abusos na decretação de prisões preventivas na Operação Lava-Jato. Escrevi este artigo para esclarecer alguns aspectos delas.
Existem atualmente sete acusados presos preventivamente na Operação Lava-Jato sem que tenha havido julgamento por sentença na ação penal. O total das prisões preventivas decretadas e bem maior, 79, mas elas foram paulatinamente revogadas ou substituídas por sentenças condenatórias. Apesar das discussões em torno dessa substituição, são diferentes a situação do preso provisório não julgado e a do preso provisório já julgado e condenado. Setenta e nove prisões preventivas, em quase três anos, e um número significativo, mas outros casos de investigações rumorosas, como a Operação Mãos Limpas, na Itália, envolveram um número muito superior de prisões provisórias, cerca de 800 nos três primeiros anos, entre 1992 e 1994, somente em Milão. De forma similar, 79 prisões preventivas em quase três anos é um número muito menor que o de prisões preventivas decretadas em um ano em qualquer vara de inquéritos ou em varas de crime organizado em uma das grandes capitais brasileiras.
Não procede, portanto, a crítica genérica as prisões preventivas decretadas na Operação Lava-Jato, pelo menos considerando-se a quantidade delas.
Também não procede a crítica à longa duração das prisões. Há pessoas presas. e verdade, desde março de 2014, mas nesses casos já houve sentença condenatória e, em alguns deles, até mesmo o julgamento das apelações contra a sentença. Quanto aos presos provisórios ainda sem julgamento, as prisões têm no máximo alguns meses, o que não é algo extraordinário na prática judicial, e não raramente os julgamentos tardam pela própria atuação da defesa, por vezes interessada em atrasar o julgamento para alegar junto a ouvidos sensíveis a demora excessiva da prisão provisória. Outra critica recorrente é que se prende para obter confissões. Entretanto, a maioria dos acusados decidiu colaborar quando estava em liberdade, e há acusados presos que resolveram colaborar e acusados presos que não colaboraram. Os dados não autorizam conclusão quanto à correlação necessária entre prisão e colaboração.
A questão real — e é necessário ser franco sobre isso — não é a quantidade, a duração ou as colaborações decorrentes, mas a qualidade das prisões, mais propriamente a qualidade dos presos provisórios. O problema não são as 79 prisões ou os atualmente sete presos sem julgamento, mas sim que se trata de presos ilustres. Por exemplo, um dirigente de empreiteira, um ex-ministro da Fazenda, um ex-governador e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Mas, nesse caso, as criticas às prisões preventivas refletem, no fundo, o lamentável entendimento de que há pessoas acima da lei e de que ainda vivemos em uma sociedade de castas, distante de nós a igualdade republicana.
Mesmo considerando-se as 79 preventivas e o fato de elas envolverem presos ilustres, é necessário ter presente que a Operação Lava-Jato revelou, segundo casos já julgados, um esquema de corrupção sistêmica, no qual o pagamento de propinas em contratos públicos consistia na regra do jogo. A atividade delitiva durou anos e apresentou caráter repetido e serial, caracterizando, da parte dos envolvidos, natureza profissional. Para interromper o ciclo delitivo, a prisão preventiva foi decretada de modo a proteger a ordem pública, especificamente a sociedade, outros indivíduos e os cofres públicos da prática serial e reiterada desses crimes.
Ocasionalmente, foram invocados outros fundamentos, como a necessidade de prevenir fuga ou a dissipação do produto do crime, ou de proteger a investigação contra a destruição ou a manipulação de provas. Cabe, nessa linha, lembrar que todos os quatro diretores da Petrobras presos preventivamente — e já condenados — mantinham milhões de dólares em contas secretas no exterior, não sendo possível ignorar, nesse caso, o risco de que fugissem ou, pior, de que, foragidos no exterior, ficassem como produto do crime. Apesar das genéricas críticas a supostos excessos nas prisões preventivas, a análise circunstanciada revela que todas estavam bem justificadas.
Para ficar em um exemplo, foi decretada, em junho de 2015, a prisão preventiva de dirigentes de um grande grupo empresarial. Os fundamentos foram diversos, mas a garantia da ordem pública estava entre eles, Posteriormente, tais dirigentes foram condenados criminalmente, embora com recursos pendentes. As criticas contra essas prisões foram severas, tanto pelas partes como por interessados ou desinteressados, que apontaram o suposto exagero da medida diante da prisão de "pessoas conhecidas". Posteriormente, dirigentes desse grupo empresarial resolveram colaborar com a Justiça e admitiram o pagamento sistemático de propinas não só no Brasil, isso por anos, mas também em diversos países no exterior, bem como a participação em ajustes fraudulentos de licitações da Petrobras. Mais do que isso: confirmaram a existência no grupo empresarial de um setor próprio encarregado do pagamento de propina (Departamento de Operações Estruturadas) e que este permaneceu funcionando mesmo durante as investigações da Lava-Jato, tendo sido desmantelado apenas com a prisão preventiva dos dirigentes, em junho de 2015.
O caso é bem ilustrativo do equívoco das criticas, pois o tempo confirmou ainda mais o acerto da prisão. Foi a prisão preventiva, em junho de 2015, que causou o desmantelamento do departamento de propinas do grupo empresarial, interrompendo a continuidade da prática de sérios crimes de corrupção. Assim não fosse, o departamento da propina ainda estaria em plena atividade. O tempo confirmou que não houve nenhuma violação da presunção de inocência na prisão preventiva de pessoas culpadas e que persistiam na prática profissional de crimes.
Isso não significa que a prisão preventiva pode ser vulgarizada, mas ilustra que, em um quadro de corrupção sistêmica, com prática serial, reiterada e profissional de crimes sérios, é preciso que a Justiça, na forma do direito, aja com a firmeza necessária e que, presentes boas provas, imponha a prisão preventiva para interromper o ciclo delitivo, sem se importar com o poder político ou econômico dos envolvidos.
Se a firmeza que a dimensão dos crimes descobertos reclama não vier do Judiciário, que tem o dever de zelar pelo respeito às leis, não virá de nenhum outro lugar.
Enfim, críticas à atuação do Poder Judiciário são bem-vindas, pois nenhuma atividade pública deve ser imune a elas. Entretanto, as criticas genéricas ás prisões preventivas na Lava-Jato não aparentam ser consistentes com os motivos usualmente invocados pelos seus autores. Admita-se que é possível que, para parte minoritária dos críticos, os motivos reais sejam outros, como a aludida qualidade dos presos ou algum desejo inconfesso de retornar ao status quo de corrupção e impunidade, mas, com esses, nem sequer e viável debater, pois tais argumentos são incompatíveis com os majestosos princípios da liberdade, da igualdade e da moralidade pública consagrados pela Constituição brasileira.
*Sergio Moro é juiz federal da 13a Vara Criminal em Curitiba, responsável pela condução da Lava-Jato
Vamos acertar a microeconomia? - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 05/03
A economia apresenta importantes sinais de melhora. Existem, porém, obstáculos para a retomada sustentável do crescimento, sobretudo na indústria.
No começo de 2016, a crise fiscal, o forte crescimento da dívida pública, a trajetória dos gastos com Previdência e a agenda ambígua do governo anterior resultaram na maior probabilidade de insolvência do setor público em alguns anos.
A consequência foi o aumento das taxas de inflação, juros e câmbio.
O novo governo tem demonstrado seu compromisso com as reformas. A agenda será longa, afinal foram muitos os equívocos desde 2009, além dos problemas estruturais que postergamos enfrentar, como as regras da Previdência.
A mudança na política econômica reduziu a probabilidade de insolvência. A consequência tem sido a redução da taxa neutra de juros, aquela associada à estabilidade da inflação.
Zeina Latif tem apontado que a taxa neutra pode apresentar uma queda similar à observada no primeiro mandato do governo Lula e pode cair para cerca de 8%. Isso permitiria uma redução acentuada da Selic em simultâneo à queda da taxa de inflação.
A macroeconomia conspira para que o país venha a recuperar ao menos parte da queda de quase 10% da renda per capita nos últimos anos.
Existem, porém, obstáculos a serem superados para que a melhora da macroeconomia resulte na retomada do crescimento nos anos à frente.
Primeiro, a agenda fiscal apenas se inicia. Além da reforma da Previdência, existem outros desafios, como o difícil e grave problema dos Estados.
Segundo, as intervenções setoriais do governo anterior resultaram em empresas pouco competitivas em vários setores. Muitas, talvez, não sobrevivam.
Paradoxalmente, setores que tiveram seus pedidos de incentivo e proteção atendidos pelo antigo governo agora enfrentam severas dificuldades. Deve-se ter cuidado com o que se deseja. Afinal, os pedidos podem ser atendidos.
Terceiro, diversas decisões judiciais têm protegido as empresas em dificuldades em detrimento das garantias previstas nos contratos de crédito. A consequência será o menor, e mais caro, crédito para as demais empresas no futuro.
Por fim, a estrutura tributária, que já não era boa, piorou significativamente. As seguidas alterações nas normas e a sua complexidade crescente geram insegurança sobre as regras do jogo, consomem recursos impensáveis nos demais países e resultam em um contencioso tributário que prejudica a retomada do investimento, sobretudo na indústria.
A melhor trajetória da macroeconomia se beneficiaria de uma agenda microeconômica que reduza distorções, simplifique as regras e garanta maior segurança jurídica.
A economia apresenta importantes sinais de melhora. Existem, porém, obstáculos para a retomada sustentável do crescimento, sobretudo na indústria.
No começo de 2016, a crise fiscal, o forte crescimento da dívida pública, a trajetória dos gastos com Previdência e a agenda ambígua do governo anterior resultaram na maior probabilidade de insolvência do setor público em alguns anos.
A consequência foi o aumento das taxas de inflação, juros e câmbio.
O novo governo tem demonstrado seu compromisso com as reformas. A agenda será longa, afinal foram muitos os equívocos desde 2009, além dos problemas estruturais que postergamos enfrentar, como as regras da Previdência.
A mudança na política econômica reduziu a probabilidade de insolvência. A consequência tem sido a redução da taxa neutra de juros, aquela associada à estabilidade da inflação.
Zeina Latif tem apontado que a taxa neutra pode apresentar uma queda similar à observada no primeiro mandato do governo Lula e pode cair para cerca de 8%. Isso permitiria uma redução acentuada da Selic em simultâneo à queda da taxa de inflação.
A macroeconomia conspira para que o país venha a recuperar ao menos parte da queda de quase 10% da renda per capita nos últimos anos.
Existem, porém, obstáculos a serem superados para que a melhora da macroeconomia resulte na retomada do crescimento nos anos à frente.
Primeiro, a agenda fiscal apenas se inicia. Além da reforma da Previdência, existem outros desafios, como o difícil e grave problema dos Estados.
Segundo, as intervenções setoriais do governo anterior resultaram em empresas pouco competitivas em vários setores. Muitas, talvez, não sobrevivam.
Paradoxalmente, setores que tiveram seus pedidos de incentivo e proteção atendidos pelo antigo governo agora enfrentam severas dificuldades. Deve-se ter cuidado com o que se deseja. Afinal, os pedidos podem ser atendidos.
Terceiro, diversas decisões judiciais têm protegido as empresas em dificuldades em detrimento das garantias previstas nos contratos de crédito. A consequência será o menor, e mais caro, crédito para as demais empresas no futuro.
Por fim, a estrutura tributária, que já não era boa, piorou significativamente. As seguidas alterações nas normas e a sua complexidade crescente geram insegurança sobre as regras do jogo, consomem recursos impensáveis nos demais países e resultam em um contencioso tributário que prejudica a retomada do investimento, sobretudo na indústria.
A melhor trajetória da macroeconomia se beneficiaria de uma agenda microeconômica que reduza distorções, simplifique as regras e garanta maior segurança jurídica.
Qual será o Lula de 2018? - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 05/03
Nelson Barbosa, professor titular da Escola de Economia da FGV de São Paulo, participante da equipe econômica do período do petismo e último ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, escreveu artigo criticando a interpretação de André Lara Resende sobre o tema dos elevados juros reais brasileiros. O texto de Nelson apareceu no caderno de fim de semana do jornal "Valor Econômico" que circulou na sexta-feira de Carnaval, 24 de fevereiro.
Discordando do diagnóstico de André e defendendo que no Brasil o modelo ortodoxo funciona –os juros causam a inflação, e não o inverso–, Nelson escreveu: "As principais ações para reduzir a taxa real de juro são a estabilização do endividamento público, a redução relativa do volume de crédito direcionado e o aumento da produtividade da economia".
Esse diagnóstico claramente ortodoxo, vindo de um economista com um histórico de influência na formulação de política econômica dos governos petistas, deixa-nos com dúvida sobre o que esperar de um possível retorno de Lula à Presidência a partir de 2019.
O diagnóstico de Nelson, por um lado, parece ir na direção contrária de algumas das ações do período petista:
- O repasse de R$ 400 bilhões para o BNDES emprestar a juros muito subsidiados;
- A política de destruição do superavit primário –de um saldo primário recorrente de 3% do PIB em 2008 para um deficit de 1,5% em 2014–, que está na raiz da mencionada elevação do endividamento público;
- As iniciativas que visavam elevar a produtividade da economia brasileira, mas com resultado contrário ao pretendido, como o novo marco regulatório do petróleo, o programa Inovar-Auto, a reconstrução da indústria naval, o elevadíssimo requerimento de conteúdo nacional e a alteração do plano de negócios da Petrobras, entre tantas outras medidas.
Ou seja, o texto de Nelson Barbosa sugere uma visão que, caso adotada por um eventual governo Lula, resgataria um modelo mais próximo da política econômica inicial do ex-presidente, no período em que Antonio Palocci estava no Ministério da Fazenda, do que do desvio heterodoxo posterior.
Por outro lado, a movimentação para a construção da candidatura de Lula acelera-se como nunca. Além do bom posicionamento do ex-presidente nas pesquisas, dos manifestos "volta, Lula" de artistas e do imaginário em torno do retorno de Getúlio Vargas nos braços do povo em 1950, há a demanda de toda uma gente que saiu do governo e precisa se recolocar. A pressão pela volta de Lula é imensa. Ele tentará com certeza.
Diante da real possibilidade de vitória de Lula, o que importa para o analista é saber qual Lula voltará: o Lula pragmático de Antonio Palocci ou o ideológico do período posterior?
Pelo tom dos textos preparatórios ao 6º Congresso do partido, deverá prevalecer versão extremada do PT ideológico. Parece que o PT abandonou de vez a social-democracia e lutará com o PSOL pelo espaço da extrema-esquerda.
Pelo artigo de Nelson, temos uma visão que parece mais próxima do pragmatismo palocciano.
Muitas dúvidas. Se Lula conseguir se candidatar e ganhar em 2018, saberemos em 2019 qual reencarnação ele assumirá.
Nelson Barbosa, professor titular da Escola de Economia da FGV de São Paulo, participante da equipe econômica do período do petismo e último ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, escreveu artigo criticando a interpretação de André Lara Resende sobre o tema dos elevados juros reais brasileiros. O texto de Nelson apareceu no caderno de fim de semana do jornal "Valor Econômico" que circulou na sexta-feira de Carnaval, 24 de fevereiro.
Discordando do diagnóstico de André e defendendo que no Brasil o modelo ortodoxo funciona –os juros causam a inflação, e não o inverso–, Nelson escreveu: "As principais ações para reduzir a taxa real de juro são a estabilização do endividamento público, a redução relativa do volume de crédito direcionado e o aumento da produtividade da economia".
Esse diagnóstico claramente ortodoxo, vindo de um economista com um histórico de influência na formulação de política econômica dos governos petistas, deixa-nos com dúvida sobre o que esperar de um possível retorno de Lula à Presidência a partir de 2019.
O diagnóstico de Nelson, por um lado, parece ir na direção contrária de algumas das ações do período petista:
- O repasse de R$ 400 bilhões para o BNDES emprestar a juros muito subsidiados;
- A política de destruição do superavit primário –de um saldo primário recorrente de 3% do PIB em 2008 para um deficit de 1,5% em 2014–, que está na raiz da mencionada elevação do endividamento público;
- As iniciativas que visavam elevar a produtividade da economia brasileira, mas com resultado contrário ao pretendido, como o novo marco regulatório do petróleo, o programa Inovar-Auto, a reconstrução da indústria naval, o elevadíssimo requerimento de conteúdo nacional e a alteração do plano de negócios da Petrobras, entre tantas outras medidas.
Ou seja, o texto de Nelson Barbosa sugere uma visão que, caso adotada por um eventual governo Lula, resgataria um modelo mais próximo da política econômica inicial do ex-presidente, no período em que Antonio Palocci estava no Ministério da Fazenda, do que do desvio heterodoxo posterior.
Por outro lado, a movimentação para a construção da candidatura de Lula acelera-se como nunca. Além do bom posicionamento do ex-presidente nas pesquisas, dos manifestos "volta, Lula" de artistas e do imaginário em torno do retorno de Getúlio Vargas nos braços do povo em 1950, há a demanda de toda uma gente que saiu do governo e precisa se recolocar. A pressão pela volta de Lula é imensa. Ele tentará com certeza.
Diante da real possibilidade de vitória de Lula, o que importa para o analista é saber qual Lula voltará: o Lula pragmático de Antonio Palocci ou o ideológico do período posterior?
Pelo tom dos textos preparatórios ao 6º Congresso do partido, deverá prevalecer versão extremada do PT ideológico. Parece que o PT abandonou de vez a social-democracia e lutará com o PSOL pelo espaço da extrema-esquerda.
Pelo artigo de Nelson, temos uma visão que parece mais próxima do pragmatismo palocciano.
Muitas dúvidas. Se Lula conseguir se candidatar e ganhar em 2018, saberemos em 2019 qual reencarnação ele assumirá.
Jogo de gente grande - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Globo - 05/03
As mudanças culturais e tecnológicas decorrem mais das questões de poder do que das econômicas; é preciso ter capacidade de defesa e visão estratégica
No carnaval passeei com casais amigos por Florença e vizinhanças. Há mais de meio século, eu, minha mulher Ruth, Bento e Lucia Prado e Arthur Giannotti passeáramos pela mesma região com a fascinação da primeira vez e a energia da juventude. Lá, de onde escrevo este artigo, passamos o 31 de dezembro de 1961.ALVIM
Desta vez, com o mesmo deslumbramento, revi o que pude das cidades toscanas. Em 1961 vivíamos o clima da Guerra Fria — russos e americanos se enfrentavam por procuração, como na “crise dos mísseis” em Cuba — e as marcas da guerra quente estavam presentes na Europa bombardeada. Agora, nem mesmo a eventual tensão belicosa que os dias de Trump deixam entrever assusta o Ocidente. A memória se esfuma: passa-se por um ou outro cemitério americano em solo italiano e só os mais velhos, imagino, ainda se lembram do que foi a luta dos Aliados contra o Eixo totalitário. Em poucos brasileiros ressoam os nomes de Monte Cassino e Monte Castello, marcos do heroísmo dos soldados brasileiros.
É bom, entretanto, não esquecer. Desfrutando o gênio de Masaccio ou o colorido e a perspectiva dos afrescos de Ghirlandaio, a poucos passos um do outro na Santa Maria Novella, é bom darmo-nos conta de que o que o passado construiu pode romper-se e não só na arte. Vale a pena recordar que a História é mãe e madrasta ao mesmo tempo. Os sinais do futuro podem não ser do nosso agrado, mas com eles teremos de nos haver.
O pós-guerra, a despeito das diferenças entre comunistas e capitalistas, resultou na criação das Nações Unidas e na corresponsabilização dos vencedores da guerra pela ordem global e pela paz mundial. O arcabouço político que precedeu a globalização econômica está se modificando, e a continuidade do que pareceria imutável no espírito ocidental depois de tanta violência e morte, o internacionalismo, não pode mais ser tomado como algo definitivo. Será que os eleitores do Brexit ou os rebelados do Rust Belt, que atribuem suas perdas à globalização e aos imigrantes, acaso se deram conta de que estão destruindo o que as gerações passadas fizeram com tanto esforço? Provavelmente não e pouco importa.
O que é certo é que o “equilíbrio de poder” que americanos, chineses, russos e europeus construíram depois da guerra de 1939-45 está abalado. E não pela “desglobalização” ou pelas crises da economia — que sempre pesam — mas pela visão do mundo e do poder que os governantes da geração atual parecem acalentar. Os Estados Unidos com Trump se retraem dos compromissos internacionais: o “America first” de Trump visa mais o fortalecimento da economia doméstica do que o predomínio mundial. Os chineses se expandem na economia e se fortalecem regionalmente, mas sem empenho em construir o mundo à sua semelhança, como tinham os americanos. A Rússia se contenta em intervir de onde era excluída, de “sua” área imperial e das zonas onde historicamente os otomanos deram as cartas. E por aí vão refazendo caminhos os antigos donos do mundo, deixando a Europa escabreada.
Diante disso, o que cabe aos que ainda não têm voz decisiva no capítulo global, como nós brasileiros, é dar-nos conta de nossos interesses e ver estrategicamente, sem alinhamentos automáticos nem mesmo ideológicos (pois disso não se trata como na luta contra o Totalitarismo ou o Comunismo), para que lado vai o mundo e como melhor nos situamos nele.
Este “pragmatismo responsável” não deve se eximir de tomar partido, entretanto, na defesa dos direitos humanos e da democracia quando for o caso. Não deve tão pouco deixar de avaliar friamente os interesses econômicos de nosso povo. Se até Larry Summers, ex-ministro da Fazenda dos Estados Unidos e pilar do pensamento liberal de mercado, para compensar as angústias da globalização, apresentou um texto ao Berggruen Institute falando de “nacionalismo responsável”, por que não deveríamos repensar nossas chances, interesses e responsabilidades quando uma nova ordem mundial começa a esboçar-se?
O Itamaraty, sob a batuta de José Serra, reviu posições e revigorou alguns de nossos antigos propósitos. Dentre estes, o fortalecimento da cláusula democrática no Mercosul e a consequente cobrança de novos rumos na Venezuela. Precisamos intensificar os liames com os vizinhos da América do Sul no lado do Pacífico e, principalmente, dar maior força a nossa ligação com a Argentina. Da mesma forma, necessitamos de sólida reaproximação com o México, flechado por Trump; devemos ampliar nossas convergências, não só econômicas mas políticas, com aquele país. O muro proposto separa não apenas o México: separa os latino-americanos e os americanos adversos à insensatez de Trump.
Começamos a vislumbrar que as mudanças no tabuleiro internacional não vão na direção de um novo Hegemon, mas abrem espaço para alianças regionais que podem transcender o hemisfério. Neste, por escolha dos Estados Unidos, estão distantes os tempos da Alca. Quem sabe um acordo com o Mercosul se torne viável, com os alemães à frente e os ingleses correndo à parte, mas também interessados em, ao se distanciarem de Bruxelas, não perderem espaços no mundo. China e Índia, que crescem 7% ao ano, precisarão cada vez mais de comida e minérios de que dispomos.
O rearranjo atual da ordem global não tem força para estancar o que as mudanças culturais e tecnológicas tornaram irreversível: as consequências do aumento da produtividade e a integração produtiva. As mudanças em curso decorrem mais das questões de poder do que das econômicas. Isso não nos leva a descuidar de nossa base produtiva, mas induz-nos a não descuidar dos meios disponíveis de poder, que incluem capacidade de defesa e visão estratégica. É o que esperamos do governo ao nomear um novo ministro para as Relações Exteriores: que não se esqueça de que entraremos em um jogo “de gente grande”.
As mudanças culturais e tecnológicas decorrem mais das questões de poder do que das econômicas; é preciso ter capacidade de defesa e visão estratégica
No carnaval passeei com casais amigos por Florença e vizinhanças. Há mais de meio século, eu, minha mulher Ruth, Bento e Lucia Prado e Arthur Giannotti passeáramos pela mesma região com a fascinação da primeira vez e a energia da juventude. Lá, de onde escrevo este artigo, passamos o 31 de dezembro de 1961.ALVIM
Desta vez, com o mesmo deslumbramento, revi o que pude das cidades toscanas. Em 1961 vivíamos o clima da Guerra Fria — russos e americanos se enfrentavam por procuração, como na “crise dos mísseis” em Cuba — e as marcas da guerra quente estavam presentes na Europa bombardeada. Agora, nem mesmo a eventual tensão belicosa que os dias de Trump deixam entrever assusta o Ocidente. A memória se esfuma: passa-se por um ou outro cemitério americano em solo italiano e só os mais velhos, imagino, ainda se lembram do que foi a luta dos Aliados contra o Eixo totalitário. Em poucos brasileiros ressoam os nomes de Monte Cassino e Monte Castello, marcos do heroísmo dos soldados brasileiros.
É bom, entretanto, não esquecer. Desfrutando o gênio de Masaccio ou o colorido e a perspectiva dos afrescos de Ghirlandaio, a poucos passos um do outro na Santa Maria Novella, é bom darmo-nos conta de que o que o passado construiu pode romper-se e não só na arte. Vale a pena recordar que a História é mãe e madrasta ao mesmo tempo. Os sinais do futuro podem não ser do nosso agrado, mas com eles teremos de nos haver.
O pós-guerra, a despeito das diferenças entre comunistas e capitalistas, resultou na criação das Nações Unidas e na corresponsabilização dos vencedores da guerra pela ordem global e pela paz mundial. O arcabouço político que precedeu a globalização econômica está se modificando, e a continuidade do que pareceria imutável no espírito ocidental depois de tanta violência e morte, o internacionalismo, não pode mais ser tomado como algo definitivo. Será que os eleitores do Brexit ou os rebelados do Rust Belt, que atribuem suas perdas à globalização e aos imigrantes, acaso se deram conta de que estão destruindo o que as gerações passadas fizeram com tanto esforço? Provavelmente não e pouco importa.
O que é certo é que o “equilíbrio de poder” que americanos, chineses, russos e europeus construíram depois da guerra de 1939-45 está abalado. E não pela “desglobalização” ou pelas crises da economia — que sempre pesam — mas pela visão do mundo e do poder que os governantes da geração atual parecem acalentar. Os Estados Unidos com Trump se retraem dos compromissos internacionais: o “America first” de Trump visa mais o fortalecimento da economia doméstica do que o predomínio mundial. Os chineses se expandem na economia e se fortalecem regionalmente, mas sem empenho em construir o mundo à sua semelhança, como tinham os americanos. A Rússia se contenta em intervir de onde era excluída, de “sua” área imperial e das zonas onde historicamente os otomanos deram as cartas. E por aí vão refazendo caminhos os antigos donos do mundo, deixando a Europa escabreada.
Diante disso, o que cabe aos que ainda não têm voz decisiva no capítulo global, como nós brasileiros, é dar-nos conta de nossos interesses e ver estrategicamente, sem alinhamentos automáticos nem mesmo ideológicos (pois disso não se trata como na luta contra o Totalitarismo ou o Comunismo), para que lado vai o mundo e como melhor nos situamos nele.
Este “pragmatismo responsável” não deve se eximir de tomar partido, entretanto, na defesa dos direitos humanos e da democracia quando for o caso. Não deve tão pouco deixar de avaliar friamente os interesses econômicos de nosso povo. Se até Larry Summers, ex-ministro da Fazenda dos Estados Unidos e pilar do pensamento liberal de mercado, para compensar as angústias da globalização, apresentou um texto ao Berggruen Institute falando de “nacionalismo responsável”, por que não deveríamos repensar nossas chances, interesses e responsabilidades quando uma nova ordem mundial começa a esboçar-se?
O Itamaraty, sob a batuta de José Serra, reviu posições e revigorou alguns de nossos antigos propósitos. Dentre estes, o fortalecimento da cláusula democrática no Mercosul e a consequente cobrança de novos rumos na Venezuela. Precisamos intensificar os liames com os vizinhos da América do Sul no lado do Pacífico e, principalmente, dar maior força a nossa ligação com a Argentina. Da mesma forma, necessitamos de sólida reaproximação com o México, flechado por Trump; devemos ampliar nossas convergências, não só econômicas mas políticas, com aquele país. O muro proposto separa não apenas o México: separa os latino-americanos e os americanos adversos à insensatez de Trump.
Começamos a vislumbrar que as mudanças no tabuleiro internacional não vão na direção de um novo Hegemon, mas abrem espaço para alianças regionais que podem transcender o hemisfério. Neste, por escolha dos Estados Unidos, estão distantes os tempos da Alca. Quem sabe um acordo com o Mercosul se torne viável, com os alemães à frente e os ingleses correndo à parte, mas também interessados em, ao se distanciarem de Bruxelas, não perderem espaços no mundo. China e Índia, que crescem 7% ao ano, precisarão cada vez mais de comida e minérios de que dispomos.
O rearranjo atual da ordem global não tem força para estancar o que as mudanças culturais e tecnológicas tornaram irreversível: as consequências do aumento da produtividade e a integração produtiva. As mudanças em curso decorrem mais das questões de poder do que das econômicas. Isso não nos leva a descuidar de nossa base produtiva, mas induz-nos a não descuidar dos meios disponíveis de poder, que incluem capacidade de defesa e visão estratégica. É o que esperamos do governo ao nomear um novo ministro para as Relações Exteriores: que não se esqueça de que entraremos em um jogo “de gente grande”.
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