sábado, novembro 22, 2008

EDITORIAL

O trágico sistema de cotas

O Estado de S. Paulo - 22/11/2008
 

Desde que se instaurou o debate sobre a adoção de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas brasileiras, este jornal se tem manifestado inequivocamente contrário à iniciativa - e não vê motivos para mudar de opinião pelo fato de a Câmara dos Deputados ter acrescentado ao projeto que estabelece nas faculdades federais uma reserva de vagas para negros e indígenas, oriundos da escola pública, uma subcota para estudantes com renda familiar per capita de 1,5 salário mínimo, qualquer que seja a sua autodeclarada etnia. O trecho incluído na proposta que já havia sido aprovada no Senado, para onde voltará em razão disso, foi claramente um esforço de mitigar o que de outro modo seria um malefício absoluto. Ciente de que não conseguiria impedir o pior - ainda mais numa votação marcada, com deslavado oportunismo, para coincidir com o Dia da Consciência Negra -, a oposição aceitou contribuir para a consumação do inevitável se a maioria concordasse com a emenda apresentada pelo deputado tucano e ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, implantando a chamada cota social. 

Fechado o acordo, passou em votação simbólica a destinação de pelo menos 50% das vagas nas universidades federais a candidatos que tenham feito os três anos do ensino médio em escolas públicas; destas 25% serão preenchidas por critérios raciais (conforme a proporção dos que, em cada Estado, se tenham declarado negros ou indígenas no censo mais recente do IBGE) e 25% por critérios de renda familiar (o que não impede que um candidato se beneficie tanto de uma coisa como de outra). O mesmo princípio valerá para as escolas técnicas - nesse caso, o aluno deverá ter cursado o ensino fundamental na rede pública. Na pressa de aprovar o projeto na quinta-feira, para fazer boa figura perante o movimento negro, os deputados deixaram passar um artigo que deixa dúvidas sobre a necessidade de os cotistas prestarem vestibular; bastaria “a média aritmética das notas ou menções obtidas no ensino médio”. O item decerto cairá no Senado. Evidencia, de todo modo, a sofreguidão da Câmara em se curvar ao politicamente correto.

Assim vai em frente um esquema não apenas equivocado como tentativa de promover a democratização do acesso à educação superior, mas, principalmente, tóxico do ponto de vista das relações sociais entre os brasileiros. Equivocado porque o suposto remédio para a iniqüidade não ataca o foco do mal que a origina: a péssima qualidade do ensino fornecido pela escola pública brasileira, depois de vencida a etapa da universalização do ensino, confirmada pelos resultados do último Enem, por coincidência divulgados ontem. Mantida essa situação, ascenderão à universidade, por meio do perverso mecanismo das cotas, contingentes de todo despreparados para o que ali os espera, dadas as suas deficiências acumuladas ao longo de anos de mau ensino. Se a idéia é promover a população negra, promova-se - mediante a melhora radical da educação pública - a população pobre de que ela é parte. São negros, afinal, mais de 2/3 dos que recebem até 3 salários mínimos. E serão eles os maiores beneficiários da boa escola gratuita, quando e se o Estado conseguir proporcioná-la. 

Além de equivocado, o esquema é tóxico por separar os brasileiros por raças: em nome da reparação de um passado atroz, erige-se a etnia como credencial de acesso a uma hipotética via expressa para o progresso. Isso se chama discriminação racial - às avessas, mas discriminação do mesmo modo. É certo que a busca da igualdade de oportunidades, a pedra de toque das sociedades decentes, pressupõe o nivelamento do terreno da competição. Quando se dá a um estudante a garantia de ascensão por ele pertencer a uma “raça”, aumenta-se o desnível. Quando se lhe dá um estímulo para avançar por ele pertencer à maioria indiferenciada, em desvantagem em relação aos que podem pagar para aprender, está-se aplainando o terreno social. Essa a distinção irredutível entre a solução falsa e fácil das cotas e os programas de ação afirmativa. É o caso do sistema de pontuação acrescida pelo qual os vestibulandos da USP vindos do ensino médio público ganham um bônus de 3% nas suas notas. A compensação é um incentivo ao esforço individual. Premia o mérito e não separa os universitários pela cor da pele ou origem étnica.

DORA KRAMER

Defeito de nascença

O Estado de S. Paulo - 22/11/2008
 

Peca por excesso de otimismo a expectativa de que o “basta” ensaiado pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, tenha o condão por si só de reduzir o número de medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo.

Basta lembrar há quanto tempo o tema do uso abusivo está em discussão sem que se encontre uma saída razoável. 

De um lado - naquele onde residem as maiorias governistas - há absoluta falta de vontade de mudar. De outro existe uma real impossibilidade de se alterar uma conjuntura, cujas variantes não estão sendo levadas em conta. 

É muita singeleza esperar do Palácio do Planalto a “reflexão” reivindicada pelo presidente do Senado a partir do seu louvável gesto de devolver a medida provisória das entidades filantrópicas. Primeiro, porque se trata de uma situação especial.

A MP não se desvia apenas dos preceitos de relevância e urgência exigidos pela Constituição. É, sobretudo, escandalosa no intuito de propiciar às entidades sob suspeita a renovação de seus registros mediante o perdão aos respectivos passivos.

O caráter infrator faz da medida provisória uma presa fácil. O tipo do judas incontestável. Portanto, sua rejeição se dá pelo que tem de exceção até para os padrões de exorbitância vigentes. 

O governo vai insistir formalmente em seu recurso à Comissão de Constituição e Justiça para assegurar a validade da MP, mas na vida real já cuida de transformar a proposta em projeto de lei, retirando dela o contrabando de autoria e serventia ainda desconhecidas. Pois bem, uma vez retirada a MP, negociada a urgência urgentíssima do projeto, tudo volta ao normal.

Ou melhor, à anormalidade habitual. Esta, sim, merecedora do empenho de todas as forças interessadas no aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral que mantém o eleitorado distante dos eleitos e faz da maioria dos parlamentares seres totalmente dependentes do Estado.

Ora, se o deputado ou senador limita sua relação com o eleitor ao momento do voto e dedica o restante do mandato a assegurar sua sobrevivência por meio de acesso a espaços na administração pública, naturalmente sua prioridade será sempre agradar ao governo.

A forma mais eloqüente de a maioria governista - de qualquer partido - mostrar serviço é justamente garantir que o Executivo possa editar medidas provisórias à vontade sem que o Congresso faça uso de sua prerrogativa de examinar uma por uma em comissão especial de admissibilidade, rejeitando aquelas irrelevantes ou desprovidas de urgência. 

Diante desse quadro, enxuga-se gelo exortando o Parlamento a preservar sua autonomia. Deputados e senadores estão cansados de saber que o problema não está no instituto da medida provisória.

Todos concordam que algum instrumento de urgência o Executivo precisa ter. A questão, não custa repetir, não é o uso, é o abuso.

Se a regra criada na Constituinte tivesse sido seguida, os governos seguintes não teriam abusado mais e mais, um depois do outro. Uma vez estabelecido o padrão e devolvidas as primeiras MPs inconstitucionais, a contenção do ímpeto autocrático do Executivo seria conseqüência natural.

A canoa virou, mas deixaram-na virar. 

Poderiam não ter deixado? Em tese, sim. Na prática, dificilmente, pois para isso seria necessário que a referência dos parlamentares ao longo de seus mandatos fosse o eleitorado. 

Se a maioria deve satisfações ao governo de turno, como falar, sem se perder em fabulações estéreis, em autonomia do Parlamento? A oposição de hoje forma fileiras contra os abusos, mas quando for governo amanhã trocará de lugar com os atuais adversários que passarão a levantar a bandeira da independência. 

A questão das medidas provisórias não é tão simples nem se resolve com um gesto. Depende de uma reforma de verdade que, para início de conversa, dê ao eleitor o poder da escolha sobre o direito de votar pela convicção de que vale a pena. 

Como acabou de acontecer nos Estados Unidos, onde os americanos ficaram horas nas filas de votação motivados pela presença de Barack Obama na disputa, movidos pela vontade de acertar.

Preliminares

Há dois tipos de opinião no PMDB em relação à posição do partido em 2010, a sincera e a estratégica.

Os estratégicos defendem a aliança com Lula até o fim, “custe o que custar”. Mesmo sabendo que, no fim, não custará nada porque o PMDB estará no governo ganhe PT, PSDB ou alguém que porventura apareça no mapa.

Os sinceros dizem que tudo depende de três condições: o desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, o andamento da crise econômica e a candidatura escolhida por Lula.

Argumentam que a aliança ocasional com o presidente acaba com o fim do mandato e não amarra o partido eternamente ao PT. Mas não o obriga a se juntar ao PSDB. Aqueles três pré-requisitos valem para as duas hipóteses de parceria.

PARA...HIHIHIHI

A PAIXAO DE CRISTO ENCENADA NA PARAÍBA

Aconteceu numa cidadezinha lá nos confins da Paraíba.

O DONO DO CIRCO, em passagem pela cidade, sabendo quão religiosa era sua comunidade, resolveu encenar a PAIXAO DE CRISTO na Sexta-Feira Santa. O ELENCO FOI ESCOLHIDO dentre os moradores locais e, no papel pincipal de Jesus Cristo colocaram o cara mais 'gato' da cidade.

OS ENSAIOS iam de vento em popa quando, às vésperas do evento, o dono do circo soube que ' Jesus ' estava de caso com sua mulher.

Furioso, o corno deu-se conta que não podia fazer escândalo, pois iria por a perder todo o trabalho e o investimento que fizera pra montar a peça. Pensou, pensou...

NA VÉSPERA DO ESPETÁCULO, comunicou ao elenco que iria participar ... fazendo o papel do CENTURIÃO !!!

- Mas como? - reclamaram todos - Você não ensaiou!
- Não é preciso ensaiar, porque centurião não fala!
(Mesmo sem gostar, o elenco teve que aceitar; afinal, o cara era o dono do show).

Chegou o grande dia. A cidade em peso compareceu.

No momento mais solene, a platéia chorosa em profundo silêncio... Jesus carregando a cruz... e o 'centurião' começa a dar-lhe chicotadas. De verdade.

-Pô, cara, ta machucando! Reclamou 'Jesus', em voz baixa ..
- É pra dar mais veracidade à cena, devolveu o 'centurião'

E TOME MAIS CHICOTADA... lept, lept, o chicote comendo solto no lombo do infeliz.
Até que 'Jesus', que já reclamara bastante, enfureceu-se de vez, largou a cruz no chão, puxou uma PEIXEIRA e partiu pra cima do 'centurião' :


- 'Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso'! O 'centurião' correndo, 'Jesus' com a peixeira correndo atrás, e a platéia em delírio gritando:

- 'É isso aí! Fura ele, 'Jesus' ! Fura que aqui é Paraíba, não é Jerusalém não' ! ! !

ENVIADA POR PAULILO NETO

UMA GATA NA VARANDA

Ontem eu conheci uma gatinha muito fofinha, seu nome é
 Sarah Lopes

Sarah tem 05 anos estuda no Colégio Galileu Jr.
Ela quer ser uma borboleta para sair voando


Sarah é muito esperta, está sempre de olho aberto, e gosta
 de ir ao parquinho com suas amigas Camila e Bia.

Sarah gosta de desenhar e curte muito rock.
beijos para voce linda!

PAINEL

Dupla dinâmica


Folha de S. Paulo - 22/11/2008
 

Não é apenas José Maranhão (PMDB), herdeiro da cadeira de governador da Paraíba depois da cassação do mandato de Cássio Cunha Lima (PSDB), que já assume enrolado: seu suplente no Senado, Roberto Cavalcanti (PRB), é acusado pelo Ministério Público Federal de corrupção ativa, formação de quadrilha, falsificação de documentos e estelionato.
Empresário do setor de comunicação, Cavalcanti também é sócio de uma indústria de materiais plásticos acusada de envolvimento, com ex-
servidores da Procuradoria da Fazenda Nacional, em esquema de fraudes de certidões -o grupo zerava débitos de empresas com a União e emitia certidões negativas.

Rolo
No caso da empresa de Cavalcanti, a falsa certidão negativa seria usada para obter financiamento da Finep, ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Sua sócia italiana teve prisão decretada. 

Next
Apesar dos anunciados recursos, o PSDB avalia que Cunha Lima não conseguirá voltar ao cargo. A idéia é lançar Cícero Lucena ao governo em 2010, em chapa com Cunha Lima para o Senado. 

Faz-de-conta
Ontem, enquanto o mundo caía, o portal do governo da Paraíba não apenas silenciava sobre a cassação como trazia a seguinte manchete: "Governador Cássio anuncia a antecipação do pagamento de novembro e do 13º salário aos servidores". 

Também quero
A condenação de Cunha Lima animou outros políticos derrotados em 2006 por adversários que agora enfrentam processos na Justiça Eleitoral. A mais empolgada é a senadora petista Fátima Cleide, que dá como certa a cassação de Ivo Cassol (sem partido) em Rondônia. 

Outro lado
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz ser "totalmente contrário" à inclusão de acusados por apropriação indébita entre os casos de parcelamento de dívidas em debate na reforma tributária. "Defendi que isso seja tratado no plenário porque não há posição final do Ministério da Fazenda", afirma o deputado. 

Sem fundo
Além de tentar liberar recursos destinados ao Ministério da Saúde diretamente para a Funasa, a bancada do PMDB quer morder R$ 48 mi da pasta das Cidades, controlada pelo PP. Seriam retirados de ações nas áreas de saneamento e pavimentação para contemplar emendas de deputados, principalmente gaúchos.

No calo 1
O governo brasileiro ficou especialmente contrariado com o fato de o presidente Rafael Correa ter escolhido a Câmara de Comércio Internacional de Paris como foro para arbitrar o pleito de não pagar o empréstimo de US$ 243 milhões concedido ao Equador pelo BNDES.

No calo 2
"Tem que ver se esse foro é pertinente. No contrato assinado pelo governo equatoriano está muito claro que o foro para dirimir questões controversas é o Rio de Janeiro", diz o assessor Marco Aurélio Garcia. 

Elas por elas
Antes da cerimônia de encerramento da conferência sobre biocombustíveis, ontem em São Paulo, Celso Amorim fez graça com José Serra a propósito da derrota do Palmeiras para o Flamengo por 5 a 2. Ao discursar, o governador cumprimentou o Itamaraty pela organização do evento, na pessoa do ministro Celso... Lafer. 

De saída
Foi exonerada ontem a mulher do ministro Fernando Haddad (Educação). Ana Estela, que tinha cargo de confiança no Ministério da Saúde, pretende voltar a dar aulas na USP. Segundo a assessoria da Saúde, não há relação com a súmula antinepotismo do STF. 

Você, por favor
O líder do PR na Câmara, Luciano Castro (RR), indicou o do PTB, Jovair Arantes (GO) para receber a medalha do mérito legislativo de 2008. Jovair, por sua vez, indicou Castro. 

Visita à Folha
Marcio Barbosa, diretor-geral-adjunto da Unesco, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Rosa Webster, assessora de imprensa. 

Tiroteio

"Problemas entre países sempre existem. O que nos pareceu ruim é que tenha sido feito de forma pública, com estardalhaço e sem comunicação prévia." 

De 
MARCO AURÉLIO GARCIA, assessor internacional de Lula, sobre a decisão do presidente do Equador, Rafael Correa, de recorrer a um fórum internacional para não pagar empréstimo do BNDES.

Contraponto

É dos carecas...

Ao final de entrevista no Ministério do Planejamento,Paulo Bernardo se deparou, ao deixar a sala, com a galeria de retratos de ocupantes da pasta e brincou:
-Onde está minha foto? Que absurdo!
No mesmo espírito, um repórter perguntou se o ministro não sentia inveja por haver ali um retrato de seu antecessor, Guido Mantega, hoje na Fazenda.
-Na verdade, o que eu estou reparando mesmo é o quanto o Guido está jovem nessa foto. Até cabelo ele tem!-, respondeu 
Bernardo, quase tão calvo quanto o colega.

APOSENTADORIA DO INSS

FILMES NA ERA INTERNET

                                                              E o Vírus Levou...
Apertem os Cintos, o Sistema Caiu
Desejo de Formatar 4
O PC de Rosemary
Deletar Nunca, Formatar Jamais
A Primeira Conexão de Jonathan
Duro de Deletar
Querida, Formatei o Winchester...
A Insustentável Leveza do C
Log Para Entrar, Reze Para Sair
Se Meu Windows Funcionasse...
A Mão que Balança o Mouse...
A Vida é Tela...

CRISTOVAM BUARQUE

Inverter a pirâmide

O Globo - 22/11/2008
 

Às vezes, a política precisa descobrir o óbvio: como o fato de que as pirâmides só se sustentam quando a base serve de apoio. No Brasil, acostumamo-nos tanto com as pirâmides invertidas que ainda nos surpreendemos com as crises que ocorrem por causa desse desequilíbrio. 

Nossa economia começou, no século XVI, voltada para o topo da pirâmide social da Europa, vendendo-lhe o açúcar produzido por escravos, que constituíam a base ignorada. Nossa industrialização teve a indústria automobilística como o carro-chefe de uma economia baseada na demanda oriunda das camadas de alta renda. Nos anos 60 e 70, enquanto a base da pirâmide continuava sem acesso aos bens essenciais, a economia exigiu a concentração da renda para criar a demanda necessária para os produtos industriais caros. Essa demanda só foi possível concentrando a renda no topo do conjunto da população. Nossa indústria sempre se voltou para o topo. 

Mesmo assim, embora a concentração tivesse chegado ao recorde mundial e atingido níveis de vergonhosa brutalidade e barbaridade, a demanda continuava menor do que a produção. Para continuar vendendo os produtos caros, a saída foi facilitar o crédito: adiar o pagamento como possibilidade de vender produtos caros às classes médias. Começamos a fazer empréstimos para comprar produtos mais caros do que nosso dinheiro - no bolso ou no banco - permitiria. 

Com o crédito fácil, empurramos ilusoriamente as classes médias para o topo da pirâmide, antes mesmo de atender às necessidades da base da pirâmide social. Em vez de água, esgoto, escola e saúde; palácios, aeroportos e automóveis. Em vez de esperar o aumento da renda e da poupança, optamos pelo endividamento, sacrificando os gastos com o consumo da base para permitir o consumo de luxo. 

O único resultado possível seria a crise financeira, já que para aumentar a venda de produtos caros às famílias de renda média, os bancos emprestam mais do que seu capital e seus depósitos permitem. Para atender à demanda do topo, a base financeira ficou instável. 

Agora, diante do desequilíbrio da pirâmide invertida, o Brasil opta por injetar R$8 bilhões para continuar financiando o topo, a venda de automóveis. Preferimos continuar financiando o transporte privado do topo do que investir no transporte público que atende à base. Mais uma vez, optamos pelo topo, ninguém propõe investir em obras para garantir água, esgoto e habitação para a base, muito menos educação. Qualquer proposta nessa direção provoca a pergunta "de onde virá o dinheiro?" Mas, para o topo, o dinheiro sempre aparece, sem perguntas sobre sua origem, sem considerações sobre a falta que ele fará em outros setores. 

Sem investimentos na base da pirâmide social, o Brasil continuará em desequilíbrio: violência urbana, concentração de renda, saúde degradada, educação sem qualidade. Mesmo a educação é um exemplo do desequilíbrio da pirâmide invertida. O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental. 

Ninguém vê o óbvio: a pirâmide está invertida. A maior prova disso é o abandono da primeira infância. É nela que o Brasil começa, e seu abandono é a maior das ameaças à pirâmide invertida que caracteriza nosso país. Como disse muitas vezes Heloísa Helena, quando senadora, bastaria adotar uma única geração de brasileiros, desde o seu primeiro ano de vida. Essa geração, mais tarde, adotaria o Brasil. Para isso, seriam necessários poucos bilhões por ano. Mas todos perguntam de onde viria esse dinheiro. Porque ele seria usado nas bases das pirâmides etária e social, com crianças e pobres. 

Talvez a crise atual - do derretimento de bancos e geleiras - permita que o Brasil desperte para o óbvio e encontre a saída para um novo crescimento: pela base social e com equilíbrio ecológico. 

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).

ILIMAR FRANCO

Remendo

Panorama Político
O Globo - 22/11/2008
 

Em acordo com a oposição, o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), vai desistir do recurso à CCJ para sustar a devolução da MP da filantropia. Apesar de apoiar o gesto político, a oposição admite que a atitude não tem respaldo legal, e os dois lados estão preocupados em não desmoralizar o Senado. Assim, o processo ficará inconcluso e não se criará jurisprudência sobre o assunto. 

Muito barulho por nada 

A despeito do gesto político do presidente do Senado, a Medida Provisória 446, da filantropia, continua em vigor, podendo inclusive trancar a pauta de votações. E já há decisão anterior de que o presidente do Senado não pode devolver uma MP sem respaldo do plenário. No dia 7 de abril de 2005, citando resolução do Congresso, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), respondeu assim a uma questão de ordem: "Verifica-se que nem o presidente do Senado, nem o da Câmara, nem o do Congresso têm competência para devolver medida provisória. Essa competência é somente do plenário das duas Casas". 

Estamos com uma crise institucional grave para resolver. E qualquer saída que se encontrar abrirá um precedente" - Ideli Salvatti (SC), líder do PT no Senado 

O líder do PMDB, Valdir Raupp (RO), protocolou ontem, na Mesa Diretora do Senado, a indicação do senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO) para o Tribunal de Contas da União. Ele é acusado pelo Ministério Público Federal de receber propina em troca de emendas ao Orçamento destinadas a obras em 1998. Também já foi protocolado o nome do ex-senador José Jorge (DEM), indicado por DEM, PSDB, PDT e PSOL. 

Primeiro assalto 

A Procuradoria Geral do Pará perdeu a primeira batalha para tentar reaver as terras em mãos de Daniel Dantas. O juiz Líbio Moura decidiu que a Vara Agrária de Redenção não é competente e remeteu os autos ao Tribunal de Justiça. 

Despedida 

Para apresentar relatório de sua gestão na presidência da Aneel, Jerson Kelman vai depor na Comissão de Infra-estrutura do Senado no dia 10 de dezembro. Seu mandato termina em 13 de janeiro e não será renovado pelo governo Lula. 

Paraguaio esnoba Nelson Jobim 

O Ministro da Defesa do Paraguai, Luiz Barreiro, não atendeu ontem às ligações do ministro Nelson Jobim. Este pretendia negar que o Exército brasileiro invadiu 30 metros do território paraguaio durante exercício militar na fronteira. O jeito foi Jobim entregar uma carta ao embaixador do Paraguai, Luis Gonzáles Arias, com a versão dos militares brasileiros. O Exército, em sua intranet, divulga fotos sustentando sua versão. 

Tem petróleo no pré-sal africano 

O diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, apresentou ao presidente Lula, quinta-feira, estudos realizados na costa africana. A empresa identificou que há um potencial importante de exploração de petróleo no pré-sal do outro lado do Atlântico. O presidente ficou entusiasmado. A Petrobras guarda esse trabalho a sete chaves. Procurado para dar detalhes sobre o trabalho realizado pela estatal brasileira, Estrella mandou dizer: "Nada a declarar". 

O PRESIDENTE da CPI do Grampo, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), informa: "Os dados enviados à CPI pelas telefônicas referem-se a interceptações legais". 

IRRITADO com o levantamento divulgado pelo corregedor do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, Itagiba promete: "Nós vamos desmoralizar os dados do CNJ". 

A PROPÓSITO de afirmação do governador José Arruda, o ministro do Esporte, Orlando Silva, diz: "Não pedi qualquer convite ao GDF e o governador Arruda sabe o real motivo de minha não ida ao jogo".

ANCELMO DE GOIS

Meia-volta, volver

O Globo - 22/11/2008
 

Passou despercebido. O novo projeto de cotas nas universidades federais aprovado na Câmara não inclui instituições militares, como IME e ITA. 

O texto só trata de universidades "vinculadas ao MEC". 

Tucano lulista 

Embora seja tucano, Cássio Cunha Lima, o governador cassado da Paraíba, é muito ligado a Lula. Em 2003, no Palácio Alvorada, numa roda de amigos, o presidente brincou: 

- O Cássio não sai daqui. Na declaração de renda, ele vai ser meu dependente. 

A falta de médico 

Dados da Global Health Workforce Alliance mostram que, em 57 países, há "carência crítica" de profissionais de saúde. O Brasil escapou por pouco. 

São nações onde há menos de um médico ou enfermeiro por mil habitantes. 

Por aqui... 

O Brasil é desigual também no mapa dos médicos. Nossa média é de 1,15 profissional para cada mil pessoas. 

Mas no Acre há menos (0,8) de um médico por mil almas. Entre os gaúchos, são 4,6. 

Aliás... 

O Rio Grande do Sul tem mais médicos que França e Itália, que têm média de três a quatro profissionais por mil habitantes. 

Finalmente... 

O mapa dos médicos será apresentado hoje pelo ministro Temporão, em Ouro Preto.

EDITORIAL O GLOBO

Anistia bem-vinda

O Globo - 22/11/2008
 

A crise mundial, com a conseqüente necessidade de divisas, recoloca em debate no Congresso mais uma anistia para a repatriação de capitais. O tema é recorrente, pois o Brasil, pela longa história de instabilidade econômica e política - problemas que a cada dia, felizmente, ficam mais no passado -, tem residentes, pessoas físicas e jurídicas, que, em algum momento, preferiram transferir recursos para algum recanto tranqüilo e seguro no exterior. 

O ano de 2002, quando a perspectiva de vitória do PT e Lula assustou os mercados, foi um desses períodos em que uma parte da poupança interna migrou. Lula, porém, teve o bom senso de conter as hostes radicais do PT e cercanias, respeitou contratos e manteve o Banco Central em tácita autonomia. 

Passados seis anos de governo, não há mais aquele tipo de risco, ponto favorável ao aceno para a repatriação de parte desses recursos. Outro incentivo, este para os donos do dinheiro, é que, depois de setembro de 2001, quando o terrorismo islâmico mostrou-se por inteiro, estreitou-se o controle mundial sobre o fluxo dessas divisas. Também internamente, a Receita, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Coaf tornaram-se mais eficientes na busca do dinheiro não-declarado. A relação custo-benefício, a depender do caso, talvez não compense manter contas em paraísos fiscais, cada vez mais devassados por um adestrado exército de rastreamento e escuta eletrônicos. 

O projeto de lei protocolado no início da semana pelo deputado Delcídio Amaral (PT-MS) é, assim, oportuno. Ele estabelece, no caso de pessoas físicas, uma alíquota de 8% de Imposto de Renda para a internalização e legalização dos recursos, ou 4%, caso sejam investidos em fundos de infra-estrutura. Para as jurídicas, 10% de IR e 8% de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Pode valer a pena. Claro, filtros eficientes têm de existir para evitar o aproveitamento da anistia por capitais oriundos da criminalidade -, toda ela, da corrupção a qualquer tipo de tráfico. Há as mais diversas estimativas de quanto uma anistia poderia recambiar - de US$30 bilhões a US$200 bilhões. Mas é certo que se trata de uma medida que não pode ser repetida. A última concedida pelo Brasil foi no governo Castelo Branco. Faz sentido, também por este aspecto, que uma nova seja discutida agora. E, de preferência, que o país consiga dar segurança jurídica, institucional, que consiga reduzir a carga tributária e manter estável a economia, para que nunca mais seja preciso discutir perdão de impostos para o brasileiro investir em seu país.

LAURO JARDIM

Panorama
Radar

Lauro Jardim
ljardim@abril.com.br

 

• GOVERNO

Lula e Dirceu
José Dirceu foi chamado a Brasília por Lula na semana passada. Dirceu circulou em vários lugares, mas foi mesmo à capital por causa do número 1. O que se conversou, não se sabe.

Martelo batido
Lula já decidiu: Nelson Hubner vai comandar a Aneel a partir de janeiro.

Balão se esvaziando
Está murchando a candidatura de Gilberto Carvalho à presidência do PT. Lula prefere que o chefe de gabinete da Presidência continue onde está.

 

 BAHIA

Tudo bem?
Na semana passada, Geddel Vieira Lima publicou um artigo na imprensa baiana ameaçando entregar os cargos que o PMDB possui no governo Jaques Wagner em razão de críticas que setores do PT têm feito à aliança. No mesmo dia, Wagner ligou para Geddel botando panos quentes. Disse que estava "tudo bem" com a aliança. Geddel respondeu: "Então, está tudo bem". Tradução da conversa: as coisas na Bahia não estão nada bem.

 

 ELEIÇÕES 2010

Garibaldi e o PMDB do Serra
A boa relação do presidente do Senado, Garibaldi Alves, com a oposição não se restringe às críticas às medidas provisórias – que culminaram com a devolução de uma delas na semana passada. Garibaldi negocia com José Agripino Maia (DEM) a formação de uma aliança em 2010 no Rio Grande do Norte. 
A dobradinha PMDB-DEM teria os dois como candidatos ao Senado e a senadora democrata Rosalba Ciarlini como candidata ao governo. A chapa, naturalmente, estenderia a aliança ao candidato tucano à Presidência. Não seria novidade: em 2002, Garibaldi disputou o Senado apoiando José Serra para presidente.

 

Mordida do Leão fere Felipão

Ricardo Stuckert/PR
Visita de trabalho
Felipão e Lula: o assunto principal da reunião não foi 
o futebol inglês

Na véspera da goleada que o Brasil aplicou no time de Portugal, Felipão, ex-técnico das duas seleções, esteve com Lula. Entregou-lhe uma camisa do Chelsea autografada, posaram juntos para fotos e falaram brevemente sobre futebol. Até aí, beleza. Mas o que, afinal, Felipão foi fazer no Planalto? Ele pediu uma audiência com o presidente da República só para trocar idéias sobre futebol? 
A resposta é "não". A Receita Federal pegou Felipão, com uma taxação que ele considera exagerada. Uma multa grande lhe foi aplicada, segundo disse Lula a assessores. O treinador foi se explicar e pedir que a mordida seja reavaliada.

 

 BRASIL

Alan Marques/Folha Imagem
Celebridade
Protógenes: um delegado
nos braços do PSOL


Polícia ou política?

Sabe quem vai virar comendador? Protógenes Queiroz. O delegado-celebridade receberá em dezembro uma das medalhas do Mérito Legislativo concedidas pela Câmara dos Deputados. Cada líder partidário tem o direito de indicar um laureado. Luciana Genro, do PSOL, cravou o nome de Protógenes. 
O delegado, aliás, é mais um motivo para as eternas discordâncias na família Genro: enquanto o pai, Tarso, virou um tenaz crítico do futuro comendador, a filha Luciana o defende com unhas, dentes e medalhas.

 

 ECONOMIA

Em nome da autonomia
Em conversas privadas com alguns parlamentares na semana passada, Henrique Meirelles falou da importância de o Congresso tirar da gaveta e votar um dos projetos que concedem mandatos fixos ao presidente e à diretoria do Banco Central. Não será fácil. Além de setores expressivos do PT, a bancada serrista do PSDB é contra.

 

 CIDADES

Nem tão caro assim
Sai nos próximos dias um estudo inédito sobre o preço do aluguel dos imóveis comerciais das principais cidades de 48 países. Realizado pela consultoria Cushman & Wakefield, o levantamento mostra que o Brasil não está tão caro assim: no ranking geral, o país ocupa o 32º lugar. A pesquisa avaliou nove endereços brasileiros, entre shopping centers e ruas, e constatou que o Shopping Iguatemi (SP) tem o metro quadrado mais caro do Brasil. Entre as ruas, a medalha de ouro para locação ficou com a Visconde de Pirajá, em Ipanema, que pela pesquisa está à frente da paulistana Oscar Freire.

Quinze vezes mais
Tanto a rua carioca como a paulistana ficam a léguas de distância em termos de valor das primeiras colocadas. A número 1 do mundo é a Quinta Avenida, em Nova York, cujo metro quadrado para locação em alguns trechos é de 27 000 dólares por ano – mais de quinze vezes o valor dos aluguéis cobrados na Visconde Pirajá.

 

 TELEVISÃO

Ganhando terreno
A Record acaba de comprar mais 81 000 metros quadrados de área para o RecNov, o Projac da emissora. Agora, serão 280 000 metros quadrados de estúdios e cidades cenográficas. Hoje, a área para a produção de teledramaturgia da Record é seis vezes maior do que quando foi criada, em 2005.

 

 MÚSICA

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Celebridade
Protógenes: um delegado
nos braços do PSOL


Alguns detalhes novos

Para um artista supersticioso ao grau máximo e avesso a qualquer novidade, Roberto Carlos até que deu um passo adiante: no CD e DVD que lança em dezembro, ele dividirá a capa de um disco pela primeira vez numa carreira prestes a completar cinqüenta anos. A Música de Tom Jobim tem como base os shows que ele e Caetano Veloso fizeram neste ano cantando bossa nova. Outra novidade: Roberto não canta uma só canção sua no disco. A tiragem inicial de 300.000 cópias sai por um acordo também inédito entre as gravadoras Sony (de Roberto) e Universal (de Caetano). À Sony coube o direito de distribuir o CD e o DVD aqui e no exterior.

 

O IDIOTA

DIOGO MAINARDI

Penso, mas existo?

"Se Descartes ordena, estou pronto a me sacrificar.
Ele determinou meus investimentos na bolsa de
valores por meio do livro Os Axiomas de Zurique, 
de um certo Max Gunther"

Di

Descartes pode me arruinar. Ele mesmo, René Descartes, o pensador francês do século XVII, do Discurso do Método. Na última semana, ele se materializou em meu escritório, com aquele seu aspecto de lateral-direito do Boca Juniors, e ordenou que eu aplicasse imediatamente todas as minhas economias na bolsa de valores. O que fiz? Fechei os olhos e obedeci.

Eu já tinha pensado em fazer o mesmo em meados de outubro, quando Warren Buffett, num artigo para o New York Times, anunciou que aplicaria todo o seu dinheiro no mercado acionário dos Estados Unidos. Ele ditou uma regra simples para orientar os investimentos na bolsa de valores: "Tenha medo quando os outros estão gananciosos, e seja ganancioso quando os outros estão com medo". Do dia em que o artigo de Warren Buffett foi publicado até este momento, o Dow Jones já despencou mais de 15%. Em vez de contrariar o senso comum, obedecendo à regra de Warren Buffett, tive medo quando os outros tiveram medo e me dei tremendamente bem.

Mas Warren Buffett é Warren Buffett e Descartes é Descartes. Em latim, o truísmo soaria melhor. Se Descartes ordena, estou pronto a me sacrificar. Ele determinou meus investimentos na bolsa de valores por meio do livro Os Axiomas de Zurique, de um certo Max Gunther. Retificando: ele determinou meus investimentos na bolsa de valores por meio de um trecho do press release de Os Axiomas de Zurique, porque nem precisei ler o livro. O trecho dizia que, para especular com sucesso na bolsa de valores, é preciso fazer como Descartes, duvidando sempre das verdades estabelecidas. Dito de outra maneira: se todos estão fugindo da bolsa de valores, pode ser uma boa oportunidade para entrar nela. O que eu fiz? Entrei.

"Penso, logo existo." Em latim, soa melhor: "Cogito, ergo sum". SegundoOs Axiomas de Zurique, o principal enunciado de Descartes sugere que o investidor pense por conta própria. Eu fiz o oposto: deixei que Descartes pensasse por mim. Assim como as ações da Aracruz, a metafísica cartesiana atingiu um novo mínimo. A única certeza que eu tenho é: "Descartes pensa por mim, logo Descartes existe". A rigor, nem isso. Eu só posso afirmar sem titubear o seguinte: "O vulgarizador de Descartes me meteu nessa baita enrascada da bolsa de valores, logo o vulgarizador de Descartes existe". De fato, seguindo o método de Descartes, nada impede que eu seja apenas um produto da mente de Max Gunther, o autor de Os Axiomas de Zurique. Nesse caso, quem arcará com o prejuízo não serei eu, e sim ele. Quem terá de mendigar nas ruas não serão meus filhos, e sim os dele. Por isso, para mim não importa se os aloprados do governo brasileiro decidiram aumentar o salário dos servidores em mais de 40 bilhões de reais. Com toda a probabilidade, eu nem existo.

J.R. GUZZO

Depois do sal

"O pré-sal teve os seus quinze minutos de fama;
já estamos de volta ao pós-sal, onde a vida é mais 
simples e as realidades contam mais que os desejos"


Uma das vantagens da queda no preço do petróleo é que foi parando, pouco a pouco, a conversa do pré-sal. Com o barril na casa dos 50 dólares, e sem dar sinais de que volte logo aos 150, onde estava até outro dia, ficou difícil encontrar muita gente interessada em debater o que será feito com esse petróleo enterrado a 7 000 metros de profundidade, no fundo do Oceano Atlântico. Quem estaria realmente disposto a brigar, hoje, por algo que só pode existir na prática, como mercadoria, num futuro que de repente se tornou muito mais remoto e incerto? Já não seria simples nem rápido, com o preço do barril na faixa dos 150 dólares, trazer à tona a riqueza toda que está ali, diante da charada técnica para chegar a ela e da montanha de dinheiro indispensável para pagar a conta da operação. Hoje, com o preço do petróleo reduzido a um terço, o prazo para transformar num produto real o que por enquanto só aparece nas telas de computador dos geólogos fica ainda mais distante – o valor do óleo obtido não vai compensar as somas a ser gastas com a exploração dos novos campos. É preciso, simplesmente, esperar mais um tempo. Quanto mais? Ninguém sabe dizer. O petróleo continua onde estava, claro, mas quem está no governo ou pretende chegar lá no curto prazo já viu que não vai tirar proveito disso – não o proveito que imaginava, nem no momento que queria. Resultado: a conversa perdeu a graça.

O pré-sal teve os seus quinze minutos de fama; já estamos de volta ao pós-sal, onde a vida é mais simples e as realidades contam mais que os desejos. A Petrobras, discretamente, anunciou há pouco que a fase exploratória do pré-sal na Bacia de Santos está encerrada; vai se concentrar, agora, em extrair petróleo de poços onde o retorno é mais rápido e garantido. Fica encerrada, também, a fase do palavrório. Até algum tempo atrás, muito pouca gente fora da Petrobras, ou até dentro dela, tinha ouvido falar em "pré-sal"; de uma hora para outra, todo mundo passou a dar aulas sobre o assunto, sobretudo quando se tratava de definir quem ficaria com as glórias da descoberta e os dividendos da sua exploração. O Brasil iria entrar na Opep. Os "projetos sociais" do governo passariam a ter todos os recursos de que precisam. As empresas internacionais que trabalham na área teriam de aceitar novas condições de contrato. A Petrobras, mesmo sendo estatal, não deveria ficar com essa nova mina de ouro; tem muitos sócios privados e, pior que isso, estrangeiros. Só uma "estatal pura", dizia-se, seria aceitável. Estados e prefeituras já calculavam as cotas que iriam exigir sobre o petróleo a ser extraído. A ministra Dilma Rousseff, que já era "mãe do PAC", foi promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a "madrinha do pré-sal". O próprio Lula, a certa altura da festa, chegou a dizer que era "um iluminado".

O presidente pode ser um homem iluminado, mas isso não faz o petróleo sair do lugar onde está, nem altera o preço do barril. É em cima de realidades, geológicas, de mercado e de investimento, que esse jogo vai ser jogado. Enquanto ele não se define, fica parada, felizmente, a discussão sobre quem iria receber os benefícios do pré-sal – ela não prometia nada de bom. O que mais se ouviu foi a indignação do governo com o fato de que acionistas privados da Petrobras iriam receber parte dos resultados. A empresa não deu uma única ação a eles, mesmo porque a lei não prevê que faça doações; vendeu, e encaixou o dinheiro recebido. Que culpa teriam, agora, se os ativos da Petrobras aumentam? Os cidadãos brasileiros ouvem dizer há mais de cinqüenta anos que a companhia pertence ao povo. Os que, além de ouvir, botaram a mão no bolso e compraram ações fizeram isso porque foi o único jeito de ganharem alguma coisa, realmente, com um patrimônio que é seu; se contassem com o governo para receber a parte a que fariam jus, na condição de donos da Petrobras, estariam esperando até hoje.

O governo tem nome, endereço e CPF de todos os brasileiros – nos registros do INSS, do FGTS, da Justiça Eleitoral e por aí afora. Sabe perfeitamente, portanto, quem são, e se nunca deu a ninguém um tostão dos lucros da Petrobras é porque não quis. Acha que o dinheiro tem de ir todo para o seu caixa, de onde, então, é distribuído para o povo na forma de serviços públicos cuja qualidade é tão conhecida. O presidente, no auge da euforia, disse que não era "possível" que os ganhos do petróleo ficassem "sempre com os mesmos". É exatamente onde continuariam, pela visão do seu governo, se tivesse havido algum ganho com o pré-sal.


SÁBADO NOS JORNAIS

Globo: Brasil muda tom com Equador e chama embaixador de volta

 

Folha: Brasil chama embaixador no Equador

 

Estadão: Brasil reage à ameaça de calote do Equador

 

JB: 70 mil alunos na linha de tiro

 

Correio: Dólar a R$ 2,46 é o mais alto em três anos

 

Valor: Empresas hesitam entre poupar e fazer aquisições

 

Gazeta Mercantil: BB compra Nossa Caixa em negócio de R$ 7,6 bilhões

 

Estado de Minas: Governo erra feio em programa para os sem-luz