quarta-feira, outubro 19, 2016

Nunca antes na História deste e de país nenhum - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 19/10

Não dá para perdoar as ignomínias que o PT e aliados praticaram contra o povo brasileiro



A manchete do Estadão de domingo – Dezoito ex-ministros de Lula e Dilma são alvo de investigação por desvios – é a constatação factual do principal pecado do chamado “presidencialismo de coalizão” e da distinção entre a corrupção corriqueira de antes e o saque sistemático e completo de todos os cofres disponíveis da República.

O pacto da “governabilidade”, eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Congresso Nacional, não resulta de uma parceria de programas partidários para uma gestão de qualidade, atendendo a interesses republicanos, mero pretexto retórico. Mas, sim, da divisão de verbas orçamentárias para subvencionar interesses grupais e paroquiais de chefões de legendas, interessados apenas na permanência no poder, nos melhores casos, ou no enriquecimento pessoal, nos mais deletérios deles.

Na embriaguez da popularidade inesperada, o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura, Fernando Collor, confrontou esse paradigma e deu com os burros n’água por não aceitar dividir com os dirigentes partidários o butim dos cofres da “viúva”, chegando a perder a Presidência na metade do mandato. Seu vice e sucessor, Itamar Franco, beneficiário de um acordão multipartidário, saiu de seu mandato-tampão ileso e ilibado, já que impôs a um Gabinete dos que apoiaram o impeachment do titular da chapa a execução de uma gestão austera dos negócios de Estado. Se não o fizesse, não teria deixado para a posteridade a maior revolução social da História, o Plano Real, baseado na responsabilidade fiscal. Esta não resistiria à dilapidação patrimonial da poupança pública, lema que elegeu o ministro da Fazenda que a planejou e realizou, Fernando Henrique Cardoso, para dois mandatos, legitimados por vitórias no primeiro turno. Mas ele perdeu a legitimidade ao forçar a barra da aliança parlamentar formada para gerir a gestão compartilhada na luta, eivada de suspeitas de corrupção, para obter a reeleição.

O desgaste causado pelas dúvidas sobre o segundo mandato ajudou a alçar o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Nele ex-dirigentes sindicais, “padres de passeata”, “freiras de minissaia” (apud Nelson Rodrigues) e ex-guerrilheiros, doutrinados por Marx a desafiar a ganância capitalista, justificando a “apropriação” da “mais-valia”, aproveitaram-se das vantagens do acesso aos cofres da República. A propina dos corruptos de antanho foi, então, substituída pelo método do saque, mais premeditado e planejado do que propriamente organizado, do patrimônio público. Para realizar essa mudança contaram com uma oposição omissa, a prerrogativa de foro e a camaradagem no Supremo Tribunal Federal.

Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado. Se a denúncia do empreiteiro da Engevix José Antunes Sobrinho à Advocacia-Geral da União (AGU) for comprovada, os receptadores de comissões nas gestões estaduais paulistas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin receberão com justiça tratamento penal igual ao dado a réus da Lava Jato. A notícia, publicada pela revista Época, revela o acerto da distinção feita no parágrafo anterior e põe por terra o mantra, exaurido pela esquerda pilhada em flagrante delito de furto, de que há delação premiada seletiva contra seus larápios de estimação. Da mesma forma, se não é aceitável a ladainha usada pelo PT e seus aliados de que as gorjetas dadas aos partidos configuram doações legais consignadas na lei eleitoral, idêntica desculpa amarelada não serve para tucanos de mãos leves pilhados.

Como também as citações de dirigentes do PSDB (o morto Sérgio Guerra e o vivo Aécio Neves) na Lava Jato não podem servir de pretexto para a fanfarra parlamentar, militante ou acadêmica da esquerda “delinquentófila” usá-las como justificativa para a ação deletéria de seus ícones do socialismo, cujos delitos causaram a maior crise da História do País.

Há defensores de pobres e oprimidos que falam e agem como cúmplices dos gatunos. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás e os sindicatos do setor nada disseram contra o desmanche da estatal pelo superfaturamento de contratos em troca de “adjutórios” para petroleiros, políticos e legendas receptadoras de doações.

Nenhum sindicato de bancários cobrou explicações sobre os financiamentos bilionários, investigados na brasileira Lava Jato e na Operação Marquês, portuguesa, para a obra da hidrelétrica de Cambambe, na Angola do ditador comunista José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Aliás, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga, da 4.ª Vara Criminal paulista, processou o ex-presidente da cooperativa dos bancários (Bancoop) João Vaccari Neto por ter usado o patrimônio da entidade para financiar o PT e bancar apartamentos na praia para petistas ilustres, entre eles Lula. E a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não deu um pio em contrário.

Dos 18 ex-ministros de Lula e Dilma citados neste jornal no domingo, dois foram da Fazenda. Um, Guido Mantega, é acusado de ter achacado empresários no gabinete. E Paulo Bernardo responde por ter cobrado propina de servidores do Ministério do Planejamento, sob seu comando, que pediram empréstimos consignados. Algum socialista reclamou?

Que nada! O PT, a defesa de Lula e parte daintelligentsia comparam Sergio Moro, da Lava Jato, ao dominicano Savonarola e dizem que, por ser moralista e intolerante, ele “persegue” o três vezes réu. Só que este também responde por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa, e não por crime político, a outro juiz, Vallisney Oliveira, de Brasília.

Nunca antes na História houve nada igual. É hora de aceitar a realidade, processar e punir os responsáveis. E sanar as distorções que desempregaram ou subocuparam 16,4 milhões de brasileiros (16% da força de trabalho). Não dá mais para perdoar ignomínias desse jaez.

*Jornalista, poeta e escritor

Debate sobre teto mostra como muitos opinam sobre tema que não dominam - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 19/10

Não é a primeira vez que reclamo da qualidade do debate econômico. Qualquer um se acha capacitado para opinar acerca de assuntos que não domina, chegando a conclusões definitivas sobre o tópico muito antes de ter sequer examinado o problema. O caso do PEC 241, que propõe um teto de gastos para o governo federal, não é exceção a essa regra universal.

Vejam, por exemplo, a pérola de Vladimir Safatle, aqui na Folha: "o Brasil gasta US$ 3.000 por aluno do ensino básico, enquanto os outros países da OCDE (...) gastam, em média, US$ 8.200", concluindo que a situação piorará nos próximos 20 anos, por conta e obra da PEC 241.

À parte comparar o Brasil (renda per capita ao redor de US$ 15 mil) com países bem mais ricos (renda per capita média na casa de US$ 37 mil), Safatle se "esquece" de mencionar que: (1) o gasto com educação básica (três quartos da despesa pública com educação em geral) é de responsabilidade de Estados e municípios, que não estão sujeitos ao teto (assim como o Fundeb); (2) esse gasto representa 18% da despesa pública total, o que colocaria o Brasil em terceiro lugar entre países da OCDE, bem acima da média; (3) o gasto total com educação no Brasil é de 5,6% do PIB, pouco superior à média da OCDE (5,2% do PIB); (4) apesar disso, os resultados do país são lamentáveis (58º entre 65 países no exame Pisa); e, finalmente, (5) a PEC não limita o gasto com educação, que pode subir mais do que a inflação, desde que outras despesas cresçam menos.

Alguns desses pontos requerem 15 minutos de pesquisa; outros seriam esclarecidos com a mera leitura da PEC 241, que anuncia sua aplicação apenas para o governo federal no artigo 101, enquanto o artigo 104 deixa claro haver piso (mas não teto) de gasto em saúde e educação. Isto dito, para que se dar ao trabalho de ler a proposta e pesquisar se a conclusão está tomada a priori?

Fosse apenas Safatle não haveria por que perder tempo com a questão, mas está longe de ser o caso. Eu poderia apontar incongruências, esquecimentos e falácias (quando não pura e simples desonestidade) perpetrados por vários outros que se manifestaram a respeito cometendo essencialmente o mesmo pecado, qual seja, atirar primeiro e "pesquisar" depois apenas para justificar o disparo.

Não é por outro motivo que tanto o Ipea o Ibre/FGV, dois institutos de respeito, tiveram que vir a público recentemente para desautorizar o posicionamento de alguns pesquisadores.

Já os que se baseiam em dados (não estatísticas escolhidas a dedo) e simulações com base em premissas razoavelmente realistas acerca do desempenho econômico possível acabam chegando a certo consenso que pode ser resumido da seguinte maneira.

Em primeiro lugar o ajuste proposto é extraordinariamente gradual. Caso tudo funcione a contento (e enfatizo o "se"), o gasto federal só retornaria aos níveis (já elevados) de 2014 entre 2019 e 2020, enquanto o endividamento não se estabilizaria até 2022-2024.

Em segundo lugar, é só o começo. Sem a reforma da Previdência o teto se tornará insustentável bem antes da revisão prevista para o décimo ano de sua vigência.

Finalmente, como muito bem exposto por Samuel Pessôa, trata-se de nossa última oportunidade: sem o teto o que nos sobra é ficar na chuva inflacionária que conhecemos como poucos.

O equívoco de proibir a doação eleitoral por empresas - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 19/10

Balanço sobre o financiamento de campanhas nesta eleição revela que, em vez de coibir irregularidades, a regra acabou criando novas zonas de sombra no abastecimento de contas

Contra todas as evidências, o sistema eleitoral em vigor apostou, ao alijar as empresas privadas das fontes de financiamento de campanhas políticas, que tal iniciativa contribuiria para combater a promiscuidade — que passa ao largo dos meios legais de abastecimento de recursos — na relação entre doadores e candidatos/partidos. Confrontada a norma com a realidade no primeiro sufrágio por ela regulamentado, reafirmou-se o que já era sabido: é no mínimo um erro de visão esperar que o alijamento do apoio legal a candidatos e a partidos por pessoas jurídicas acabará com a corrupção e o abuso do poder econômico nas eleições.

Em vez de moralizar as vias que abastecem de dinheiro as campanhas, o que se constata, nos balanços do primeiro turno, é que se ampliaram as zonas de sombra por onde circulam altas somas destinadas a prover, de forma ilegal, contas para fins eleitorais. Os indícios de irregularidades descobertos até agora são assombrosos, tanto pelas somas movimentadas quanto pelos artifícios empregados para burlar a lei.

Com base no cruzamento de informações entre contas de candidatos e bancos de dados de órgãos federais descobriram-se absurdos. Há o registro de funcionários públicos que doaram valores acima dos seus vencimentos, e de CPFs de mortos em listas de financiadores. Mais: contratou-se por R$ 219 mil uma agência de publicidade com apenas dois funcionários para gerir as contas de uma campanha; uma empresa de produções, em que um sócio receberia benefícios do Bolsa Família, prestou serviços no valor de R$ 3,5 milhões. Menos mal que o Tribunal Superior Eleitoral tenha dado ontem por equivocada (um erro de digitação da candidata beneficiada) a informação de que um beneficiário de programa social tivesse doado R$ 75 milhões (na verdade, foram 75 reais). O que não invalida o inegável: houve uma profusão de irregularidades no abastecimento de campanhas desta eleição.

São exemplos de casos que ferem o bom senso e evidenciam o quanto a corrupção no financiamento de campanha se alimenta na clandestinidade de caixas dois e artifícios criminosos. Balanço encaminhado pelo Tribunal de Contas da União ao TSE contabiliza como de origem ilegal grande proporção do que foi arrecadado, no primeiro turno, por candidatos e partidos. Isso, numa eleição em que, em equivocada atribuição de responsabilidade (infelizmente subscrita pelo Supremo), se fechou o financiamento às empresas privadas.

É óbvio que essa fonte de recursos não é a mãe de todas as distorções nas eleições, como sustentam partidos e políticos. Num momento em que o país precisa discutir para valer a extensão de uma reforma política inevitável, restabelecer o financiamento de campanhas por empresas não pode ficar em segundo plano. Em vez de marginalizar a pessoa jurídica, estimulando o aperfeiçoamento de práticas deletérias, é preferível legalizar esse tipo de doação, dando-lhe transparência e criando instrumentos efetivos de fiscalização e punição.

A PEC e a Borboleta - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 19/10


Acabo de chegar ao Brasil para a semana de lançamento do meu novo livro Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica da Era Dilma. Acabo de chegar ao Brasil depois de passar uma semana lendo diferentes opiniões sobre a controvertida PEC do Teto, a PEC 241, que prevê a limitação para o crescimento das despesas primárias do governo. Pelo que senti desde que cheguei, parece que o assunto está muito longe de se esgotar.

Tenho visto diversas posições favoráveis e contrárias à PEC. Algumas têm embasamento, outras não. Para refletir sobre a PEC com algum grau de seriedade e sem deixar-se levar pelas paixões, é preciso, primeiramente, avaliar os diferentes diagnósticos. Discussão sobre a PEC sem que se saiba qual o diagnóstico da pessoa que a defende ou ataca é como aceitar de bom grado tratamento invasivo sem que o médico tenha lhe dito qual doença lhe aflige. Vamos, pois, aos diagnósticos.

Há quem seja contra a PEC por ter um diagnóstico muito diferente de quem a ela é favorável. O que mais ouvi e li é o diagnóstico honesto de pessoas que acham que foi a queda da arrecadação que levou à dramática situação fiscal brasileira, queda iniciada nos anos Dilma, com as desonerações atabalhoadas para diferentes setores e aprofundada pela recessão dramática que atravessamos.

Segundo essa linha de raciocínio, o problema não está nos gastos do governo, mas sim em ineficiências de arrecadação, políticas equivocadas e falta de crescimento. Entendo que quem pense assim ache que enfocar a despesa, quando o problema é receita, insista que a PEC ataca o problema errado.

Respeito essa opinião, mas não concordo com ela. E, supondo que esse diagnóstico fosse correto, qual a solução? Esperar o crescimento voltar? Aumentar o gasto por meio do investimento público, a dívida pública por tabela, para forçar o crescimento? Como ficariam as contas públicas, então?

O diagnóstico de quem é favorável ao controle dos gastos – me incluo nesse grupo de economistas – é que o problema principal não é a receita, mas o próprio gasto. Isso, entretanto, não desqualifica os pontos levantados por quem tem o outro diagnóstico: as desonerações foram ruins, a arrecadação realmente caiu. A gestão Dilma, como descrevo em meu livro, contribuiu para esses descalabros, ao promover verdadeira destruição institucional, arrombando a Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime de metas de inflação, e demais pilares de nossa política macroeconômica.

As pedaladas, o descumprimento de metas fiscais, o descaso com o arcabouço que tantos anos levamos para construir, além das ingerências no funcionamento do mercado e a farra do crédito público, desarrumaram a economia brasileira de forma inédita em pouco tempo. Foram cinco anos para irmos de situação relativamente sólida para as entranhas do buraco negro que ainda suga as famílias, as empresas, o governo.

Mas a destrutiva gestão Dilma exacerbou problema antigo. Antes mesmo do desmonte promovido pela Nova Matriz Econômica, já tínhamos grave problema com o crescimento do gasto, que superava em muito o aumento do PIB. Foi possível levar essa situação enquanto o mundo nos favoreceu – as commodities em alta, a China turbinada. Porém, o quadro auspicioso se reverteu justamente no início da gestão Dilma, como mostro em minha Borboleta. É por esses motivos que a PEC do Teto passou a ser tratamento invasivo necessário.

A PEC é a melhor do mundo, tem o melhor desenho do mundo, é isenta de problemas e outras dificuldades? É evidente que não. Qualquer tentativa de consertar o tamanho do estrago brasileiro não teria como ser ideal, perfeita. Isso só existe no mundo de realismo mágico, ou de realismo trágico, como foi o de Dilma Rousseff.

O debate para aprimorar a PEC é saudável e deve continuar. Não deve encerrar-se com a aprovação da emenda, pois como já observou o próprio presidente Michel Temer, é provável que tenha de ser repensada em alguns anos.

Para os contrários à PEC, mas que querem, como todos nós, o resgate do crescimento, deixo a epígrafe de meu livro:

O segredo é não correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim para venham até você. (Mario Quintana).

Economia piora no mês do desgosto e depende mais de juro baixo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 19/10

A lenta despiorada da economia tornou-se quase imperceptível em agosto, mesmo sendo otimista.

Indústria e comércio foram muito mal no mês do desgosto, segundo o apelido do clichê popular e também pelos dados nacionais mais recentes, que acabam de ser divulgados pelo IBGE. Economistas de instituições importantes começam a revisar para baixo o desempenho do PIB no terceiro trimestre deste ano.

Os números ruins chamam ainda mais a atenção para as decisões e os indicadores que podem dar algum mínimo de estímulo e esperança: redução rápida da taxas de juros, programa do governo de concessões de infraestrutura e emprego.

Tudo parou de despiorar? Não. Os horrores no mercado de trabalho têm sido menos horríveis. A média dos rendimentos vem caindo mais devagar. Baixava 4,2% em junho, baixou 1,7% em agosto (descontada a inflação; na comparação anual, segundo os dados da Pnad Contínua). A massa salarial, o total dos rendimentos, também caía menos, até agosto.

Ainda assim, é uma desgraça, um talho enorme na capacidade de consumo das famílias. De resto, esse desfalque na renda não tem sido compensado por melhorias bastantes em quase nenhum outro prato da balança econômica.

O crédito encolhe. As taxas de juros na praça ficaram praticamente na mesma do início do ano até setembro, apesar de uma baixa temporária e minúscula em torno de março e abril. O investimento público "em obras" cai.

Agosto foi particularmente ruim na indústria e comércio de veículos. Diz-se que greves e problemas de abastecimento de peças prejudicaram a produção nas montadoras. A indústria extrativa foi mal. Ainda não está precisamente claro o que se passou. Além do mais, o resultado de um mês pode ser enganoso.

Setembro, no entanto, não foi grande coisa. Os primeiros indícios sugerem estagnação no mês.

Por enquanto, a economia ainda tenta sair do chão puxando os próprios cabelos, praticamente.

Depende-se da parte mais imponderável da confiança de consumidores e empresários (que, em boa parte, respondem a sinais concretos do que será de salários, preços, lucros e juros). Do fim nebuloso do processo de redução de estoques indesejados nas empresas. De que o aumento das exportações em relação a importações não se reduza à míngua.

Adiante, a previsão de alguma retomada da economia ainda se mantém, muito lenta. O desemprego é o grande peso morto.

Como diziam os economistas do Bradesco, quando saiu o mais recente balanço do mercado de trabalho do IBGE, dia 30 de setembro, em tom ainda otimista: "...a elevação dos índices de confiança, juntamente com os sinais de estabilização registrados em alguns setores (em especial, no setor industrial), deve contribuir para que a destruição de empregos seja mais suave daqui para frente".

Ou os economistas do Itaú: "Projetamos que a taxa de desemprego continue em alta à frente até meados do próximo ano, uma vez que a queda recente da atividade econômica ainda não teve seu impacto completo no mercado de trabalho".

Note-se que os economistas dos dois maiores bancos privados do país estão entre os mais otimistas quanto à retomada do crescimento em 2017 e especialmente em 2018.

O fundo do poço - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 19/10


Para nós, herdeiros da quebradeira lulopetista, o fundo do poço é o teto. É a proposta de emenda constitucional que define até onde o governo pode gastar. Pensando bem, é um ato kafkiano, pois
, independentemente de orientação, todo governo que se preza há de ter um limite.

Aceitar um teto é uma ruptura com um sistema no qual o “Estado” tudo podia e cada governo empurrava para o próximo questões cruciais. Se a “República” de 1889 veio para consertar uma sociedade feita de mestiços condenada pela mistura, ela sempre operou imperialmente.

Não é, pois, por acaso que até hoje falar nos limites do “Estado” arrepia certos setores. Um dos argumentos aponta para cortes de investimentos nas chamadas “questões sociais”, como se investir nos direitos fundamentais dos cidadãos não fosse uma formidável questão social, pois é justamente nesta esfera que mais se aplicam critérios gerenciais eficientes e sagrados. Num Brasil de demagogos, estamos todos fartos de Robin Hoods ao contrário, do bando que se elege com os pobres e vira compadre dos ricos.

O teto vai obrigar a decidir não mais quanto, mas como gastar. É inaceitável concordar que Educação e Saúde sofram constrangimentos. Mas será preciso enfrentar de onde tirar os recursos para que desvalidos sejam salvos da predação das nossas motivações ideológicas de classe média branca e bem posta, cujo projeto básico tem sido o de “arrumar” um emprego numa repartição de prestígio dentro da ordem estatal e, com isso, garantir-se para o resto da vida e mesmo depois dela, pois uma aposentadoria especial vai cuidar de seus descendentes.

A discussão dos limites de gastos vai contra todo o simbolismo do poder à brasileira. Os palácios para morar, as secretárias, os aspones, jatinhos, frotas de automóveis, guarda-costas, passaportes diplomáticos, ajudas infindáveis de custo... Uma ética de favores desenhada para enriquecer graças ao aumento dos gastos públicos e às custas do trabalho da sociedade.

No teto está um ator não convidado. É a consciência do trabalho para todos e para cada um. Num Estado com gastos limitados, será imprescindível saber o que cada um produz e quanto recebe para gerenciar tal ou qual ministério, diretoria, conselho e repartição pública. Será preciso acabar a velha distinção entre trabalho (a ser feito pelos comuns) e emprego, a ser apropriado por nós, de acordo com nossas relações pessoais e jogos partidários. Quem trabalha tem como recompensa míseras aposentadorias; mas já para os funcionários públicos, a aposentadoria é promoção. Limite de gastos implica em competência no cargo estatal Será preciso transformar chefes aparentados ou companheiros em patrões concretos, motivados pelo mercado e compulsivamente competitivos. O emprego não pode mais deixar de implicar em trabalho para o Brasil.

Nada mais brasileiro do que o brasileirismo de ter um Estado politicamente aparelhado, na confirmação da coisa pública como propriedade de um governo eleito. Do mesmo modo que o emprego deve virar trabalho, o governo não pode perder de vista os deveres do Estado e este, os interesses de um Brasil inserido num mundo globalizado.

Um Estado bem gerenciado vai obrigar os ocupantes de cargos públicos a realizar aquilo que mais odiamos: a prestação de contas dos nossos gastos. O teto pode transformar o povo pobre que deveria ser nosso eterno vassalo em patrão.

Mas se existem limites, espera-se que o tão falado “corte da própria carne” venha de cima. O teto é uma vitória indiscutível do governo Temer, mas onde cortar será a prova crítica da sua sinceridade gerencial. Se temos 12 milhões sem emprego, não podemos tergiversar com os velhos nababos instalados no topo do nosso republicanismo.
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Nada mais fácil do que receitar para os outros. O caso americano não me deixa mentir. Donald que não é o Duck, mas o Trump, desafia as fórmulas feitas. A primeira é a do ardil burguês nas democracias liberais, pois ele prova que muita grana não compra tudo, muito menos uma Presidência: um cargo que requer um ator capaz de compreendê-lo para desempenhá-lo. A segunda é que somos todos crianças quando se trata de entender nossas coletividades. Como é que de um país com um sistema educacional invejável sai um Trump? Descobrir como esses Donalds são fabricados é o enigma que leio nos jornais e revistas de lá. O grande “The New York Times” disse que o nosso Congresso é um circo e tem até um palhaço, o Tiririca. E o que temos hoje na America fundada por fugitivos do Mayflower e por levas de imigrantes que atualizaram os ideais liberais e igualitários dos seus “pais fundadores”?

Ora, temos o Trump dos muros, da mente fechada e do machismo à americana. Pior que isso, corremos o risco de ver o país capaz de destruir o mundo com um presidente que pode destruí-lo. Eis o tamanho da inana.

Preparando o terreno - MERVAL PEREIRA

O Globo - 19/10

O ex-presidente Lula vem fazendo nos últimos dias movimentos para desacreditar a Justiça brasileira claramente na tentativa de apresentar-se ao mundo — e nesse caso a internacionalização do debate com a ação no Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) faz parte da estratégia — como um perseguido político.

Ontem, publicou um artigo na “Folha de S. Paulo” denunciando o que seria uma perseguição política dos procuradores de Curitiba e do juiz Sérgio Moro. Ele assume a versão, que já havia sido veiculada pela direção do PT, de que as prisões de Antonio Palocci e outros petistas foram feitas perto das eleições municipais para desmoralizar seu partido.

No mesmo dia, seus advogados entraram com um pedido para que o desembargador João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), considere-se impedido de julgar o pedido de suspeição do juiz Sérgio Moro, pois os dois seriam “amigos íntimos”.

Os advogados de Lula haviam feito o pedido de impedimento diretamente ao juiz Sérgio Moro, a quem consideram sem isenção para julgar o expresidente. Moro, naturalmente, não aceitou o pleito, e agora eles recorrem ao TRF-4, tentando também desmoralizar o desembargador Gebran Neto, que se recusou a esclarecer se mantém relação de amizade com Moro, e marcou o julgamento para hoje.

Antes mesmo disso, a defesa de Lula entrou com recursos contra essa decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). A estratégia da defesa de Lula está cada vez mais clara. Seus advogados pretendem politizar os processos criminais contra o ex-presidente, como se ele fosse um perseguido político prestes a ser condenado por uma Justiça aparelhada para impedi-lo de disputar a eleição presidencial de 2018.

Seus seguidores, com base em uma notícia falsa de um blog cujo titular, Eduardo Guimarães, candidatou-se a vereador e recebeu pouco mais de 1.300 votos, ficando em 801º lugar na eleição em São Paulo, foram mobilizados na segunda-feira para uma vigília em frente à casa de Lula para resistir a uma provável prisão que poderia ocorrer naquele dia.

Nada aconteceu, nem mesmo a tal vigília, já que pouquíssimas pessoas dispuseram-se a ir até lá. Atribui-se a Lula a seguinte frase: “Se me prenderem, viro mártir. Se me prenderem, viro herói. Se me deixarem solto, viro presidente da República”. Ele parece, no entanto, não estar disposto a virar herói, já que denuncia sua prisão como iminente quase todos os últimos dias, querendo na verdade tornar-se um mártir.

Para constranger a Justiça brasileira, ele trata de desqualificar, através de pronunciamentos políticos ou de seus advogados, o juiz Sérgio Moro, como se ele fosse o único a aceitar denúncias contra ele. Além de Curitiba, onde responde pelo caso do tríplex de Guarujá, Lula é réu em mais dois processos, os dois em Brasília.

No fim de julho, o juiz federal Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara do Distrito Federal, aceitou denúncia contra Lula e o transformou em réu por um esquema com o senador cassado Delcídio do Amaral para evitar que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró fizesse um acordo de delação premiada com a Lava-Jato.

O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, em Brasília, aceitou outra denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra Lula, Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho da primeira mulher do ex-presidente, o empreiteiro Marcelo Odebrecht e mais oito pessoas. Lula é acusado de organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.

Portanto, seria preciso acreditar que uma ampla conspiração da Justiça brasileira foi montada apenas para perseguir Lula. Há quem acredite, no entanto, que toda essa estratégia de vitimizá-lo pode desaguar num pedido de asilo político do ex-presidente e de sua família.

Dinheiro move ‘reforma’ - DORA KRAMER

ESTADÃO - 19/10

Suas Excelências devem ir devagar com o andor que a paciência do eleitor é de barro

Após anos de proposital letargia, eis que o Poder Legislativo resolve se mexer para fazer a reforma política. Ou melhor, o que ali se chama de reforma política. Pensam deputados e senadores (exceções de praxe, óbvio) no aperfeiçoamento de suas relações com o eleitorado quando põem o tema em pauta?

A julgar pelas propostas em andamento, tomaram-se em brios quando o “sistema” esvaziou-lhes os caixas de campanhas. E, sendo o assunto dinheiro, sabem o prezado leitor e a cara leitora como é: não se perde tempo nem se medem esforços. A ideia agora é criar um atalho para permitir a volta das doações de pessoas jurídicas.

O invólucro da pílula é dourado. Seria um fundo para abrigar recursos provenientes de doações de empresas e de pessoas físicas – claro, com um teto para cada um dos tipos, a fim de dar à coisa um ar de austeridade – a ser administrado pela Justiça Eleitoral. Aqui, de novo, um adereço disciplinar.

Outra proposta já em adiantado estado de adesão é a cláusula de desempenho mediante a qual só teriam direito ao dinheiro do fundo partidário e acesso ao horário eleitoral as legendas que obtivessem determinado porcentual de votos em um número específico de Estados. Reduziria substancialmente a quantidade de legendas. Providência necessária. Ocorre que a intenção aí é que essa redução propicie o aumento da parcela dos recursos do fundo partidário às agremiações restantes no cenário.

Aliás, pelo menos até agora não ficou claro nessa discussão se o fundo eleitoral substituiria o partidário ou se os dois se somariam. O que surgiu foi a ideia de se extinguir o horário eleitoral de rádio e televisão para direcionar aos partidos os recursos equivalentes à renúncia fiscal dada às emissoras em troca do espaço.

Chega a ser inacreditável, mas não surpreendente, a prioridade dada à garantia de fontes permanentes e confortáveis de financiamento diante de tão urgentes e necessárias mudanças num cenário que cai aos pedaços. Ainda mais que falamos de uma atividade cuja essência deveria ser a representação das várias linhas de pensamento existentes na sociedade e, daí, então, decorrer a captação de recursos. Mas isso dá trabalho, requer esforço de convencimento, identificação popular e, sobretudo, a elevação do conteúdo no exercício da função política.

Chama atenção a ligeireza com que se propõe atribuir mais essa tarefa (a de administrar o fundo eleitoral) à Justiça. A mesma que, conforme estamos a cada dia sendo mais informados, foi feita de lavanderia de dinheiro por diversos partidos mediante o registro no Tribunal Superior Eleitoral de propinas como doações de natureza legal.

Completa a atmosfera de desfaçatez o fato de boa parte dos participantes dessa corrida atrás do ouro não dispor de crédito no quesito administração de dinheiro. Notadamente o público, como é o caso dos recursos do fundo partidário. De quando em vez descobre-se que as verbas destinadas à sustentação das legendas foram usadas para fins nada ortodoxos.

Não precisamos ir longe. Só nos primeiros dois dias desta semana foram divulgados episódios envolvendo PT e PMDB. Este utilizando recursos para pagar despesas do governador de Rondônia com advogados, além de contratar funcionários, parentes e clientes privados de dirigentes do partido como prestadores de serviço. Aquele destinando milhões a empresa investigada pela Polícia Federal e financiando viagens de petistas ao exterior.

Dada a frouxidão da lei que regula o uso dos recursos do fundo partidário, nenhum desses atos é criminoso, mas considerando seu caráter público seria de se esperar uma certa decência na destinação. Não foram os casos.

Antes de criar mais dutos de dinheiro conviria a suas excelências andarem devagar com o andor que a paciência do eleitor é de barro.

Roberto Campos e a armadilha da renda média - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 19/10

O último dia 9 marcou os 15 anos da morte de um grande pensador brasileiro, o embaixador Roberto Campos. Para quem quiser saber se o Brasil está avançando —na riqueza dos cidadãos e das ideias— vale a pena não apenas revisitar sua grande produção ensaística mas também os vídeos de suas deliciosas entrevistas.

As idas de Roberto Campos ao programa "Roda Viva" são particularmente importantes. A natureza dos debates registrados nos anos 1990 dá a incômoda impressão de que o tempo não passou. Quaisquer das ideias do grande liberal caberiam no debate do Brasil de hoje. Se isso oferece a dimensão de como a visão de mundo de Roberto Campos estendia-se ao futuro, mostra também como o Brasil ainda se prende aos debates privatização/estatização, liberalização/protecionismo.

Das palavras de Roberto Campos, depreende-se também que ele não conseguiu realizar um sonho —o de ver, ao final da vida, um Brasil liberto de ideias insularizantes. E tornar-se, assim, um país de elevada renda per capita. Para isso, Campos sabia do imperativo de conjugar liberdade, instituições e estratégia.

A necessidade de se postar a liberdade a serviço de um projeto estratégico, convida, de fato, ao repensar de um conceito que continua bastante atual: a chamada "armadilha da renda média". Trata-se do "ponto de inflexão" na trajetória de desenvolvimento dos países, tal como formulou Arthur Lewis, vencedor do Prêmio Nobel em Economia, em 1979.

Ferramenta utilizada para analisar a estagnação da economia brasileira a partir dos anos 1980, a noção de "armadilha" hoje vem sendo empregada para examinar o futuro das economias de renda média da Ásia que experimentaram elevado crescimento do final da década de 1970 até hoje. Mais do que tudo, examinar hoje a "armadilha" traz à tona os verdadeiros elementos que permitem crescimento elevado —e sustentado— ao longo do tempo.

Os pressupostos dessa maneira de analisar o problema são os seguintes: é mais fácil —e rápido— para uma nação deixar um nível de renda baixa para o de renda média do que sair da renda média e ingressar no clube de países de renda elevada. O percurso da renda baixa à média se faz por "imitação" (adaptação criativa); o da média à alta por "inovação" (destruição criativa). Países de crescimento rápido são aqueles cuja economia expande-se a níveis superiores a 3,5% ao ano em ciclos de no mínimo 7 anos.

No limite, países de renda média têm dificuldade de competir com nações de renda mais baixa em produtos de menor valor agregado. Sofrem também com a competição dos mais ricos em bens e serviços mais sofisticados. Em suma, a "armadilha" implica que aqueles nela enredados padecem das limitações do crescimento elevado e rápido, sem, no entanto, haver atingido o grau de especialização da produção e a qualidade de vida das nações mais desenvolvidas.

O Brasil tem como romper as amarras da armadilha da renda média? Não é fácil, pois, como bem aponta o professor Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia-Berkeley, a desaceleração do crescimento é sinônimo de desaceleração da produtividade total dos fatores (PTF). Este é um parâmetro esclarecedor. Reforça a noção de que os períodos de elevado crescimento da economia brasileira associam-se (1) à vigorosa demanda global por commodities em que o Brasil apresenta vantagens comparativas ou (2) a períodos de proteção do mercado via substituição de importações, forte papel do Estado na composição da demanda e consumo interno voraz.

O primeiro parâmetro nos atrela à expansão da infraestrutura e a uma aquecida demanda por bens agrícolas de países como a China ou a Índia. O segundo aposta numa veloz —e duradoura— construção de capacidades locais, de modo a compensar pela ineficiência e pelos altos custos dos estágios iniciais das políticas de favorecimento de conteúdo local. Além, é claro, de instigar crescentemente a disposição a consumir do cidadão brasileiro. Este segundo parâmetro foi aposta recente das administrações Lula-Dilma, com desastrosas consequências.

Que bom seria utilizar nossas credenciais agrícolas e minerais como base para incrementar os vetores (educação, ciência, tecnologia, inovação) que, de fato, empurram para cima a produtividade total dos fatores. São eles que permitem a um país escapar da armadilha da renda média. Para esse fim, o Estado tem de estar liberado de tarefas pseudorregulatórias para realmente dedicar-se ao fortalecimento dos elementos-chave do desenvolvimento.

Na entrevista ao "Roda Viva" em maio de 1997, Roberto Campos dizia "venho defendendo, há muitos anos, ideias liberais, abertura econômica, internacionalização da economia, o Brasil está marchando nesse sentido. Está longe de ser um país liberal, não somos vítimas do liberalismo, nem sequer somos ameaçados pelo neoliberalismo".

Campos não previu a ascensão do Estado-capitalismo no Brasil de 2003 a 2016. Esta é uma das razões pelas quais seu sonho de um Brasil próspero continua irrealizado.


No varejo, o resumo da crise - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 19/10

Com 12 milhões de desempregados e mais de 4 milhões de trabalhadores com jornada reduzida, nada mais natural que o prolongado recuo dos indicadores de consumo, confirmado mais uma vez pelos números do comércio varejista. Desocupação, subemprego e inflação desgastaram severamente a renda familiar, nos últimos anos, e afastaram os consumidores das compras. Em agosto, o volume de vendas do varejo restrito foi 0,6% menor que o de julho e 5,5% inferior ao de um ano antes. De janeiro a agosto, o total vendido ficou 6,6% abaixo do contabilizado em igual período de 2015. Em 12 meses, a queda bateu em 6,7%, segundo o último relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grande corte na maior parte dos gastos foi necessário para as pessoas continuarem pelo menos comendo e comprando remédios e produtos de higiene.

Por isso, em 12 meses as vendas de super e hipermercados diminuíram 3%, muito menos que as de outros segmentos do comércio, e as de medicamentos, de produtos ortopédicos e de artigos de perfumaria, apenas 0,2%. Como os preços dos alimentos estiveram entre os mais inflados no período, muitas famílias precisaram recompor suas listas de compras, eliminando os itens mais caros.

Além da erosão da renda familiar, pelo menos três outros fatores induziram as famílias a agir com muita cautela nas decisões de compras. Em primeiro lugar, quem ainda estava empregado tinha razões para temer o desemprego. Em segundo, o endividamento havia causado muito estrago e era preciso muito cuidado para evitar problemas. Em terceiro, o crédito ficou escasso e muito caro e mesmo as pessoas dispostas a tomar algum empréstimo foram desestimuladas.

As más condições de crédito são especialmente visíveis no grande recuo das vendas de veículos e componentes e materiais de construção. As do segmento de veículos e partes diminuíram 17,7% em 12 meses. Em agosto, ainda foram 13,1% menores que as de um ano antes. As de materiais de construção foram 7% inferiores às de agosto do ano passado e encolheram 12,2% em 12 meses.

No caso dos automóveis e motos, a crise tem refletido tanto a redução dos estímulos fiscais quanto a piora das condições de crédito. No comércio de materiais de construção, o recuo das vendas decorre tanto do empobrecimento e da insegurança dos consumidores quanto da paralisia dos programas ligados à construção e à reforma de moradias.

Somando-se os números desses dois segmentos – veículos e materiais de obras – com os do varejo restrito, chega-se ao quadro mais completo, o do varejo ampliado. Os números mais abrangentes do comércio varejista apontam em agosto um volume de vendas 2% menor que o de julho e 7,7% inferior ao de um ano antes. Em 12 meses o recuo acumulado foi de 10,2%. Principalmente no varejo restrito há uma enorme diferença entre a evolução do volume vendido (–6,7% em 12 meses) e a da receita nominal (+4,1%). De modo geral, essa distância é explicável pela inflação acumulada no período.

Apesar de alguns sinais positivos e do menor pessimismo indicado por empresários e consumidores, dificilmente o balanço econômico do terceiro trimestre será positivo. Pelos números parciais até agora conhecidos, parece bem mais seguro apostar em mais uma retração do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo os últimos dados do IBGE, a produção industrial diminuiu 3,8% de julho para agosto. No ano, o indicador ficou 8,2% abaixo do registrado nos meses correspondentes de 2015. Em 12 meses, a queda foi de 9,3%.

O desempenho da indústria no comércio exterior tem sido pouco melhor – ou menos mau – do que em 2015. Mas o poder de competição do setor continua limitado, depois de muitos anos de baixo investimento. Do lado interno, a reativação do consumo será dificultada pelo desemprego ainda alto. Sobram razões para o governo, com apoio da base, apressar os ajustes e avançar com a máxima rapidez nas concessões de infraestrutura. Investimentos nessa área podem ser o primeiro impulso vigoroso para a reativação econômica.

É grave também a situação da Previdência nos estados - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/10
Se a reforma no INSS é crucial, também não podem ser esquecidos os sistemas de seguridade pública no resto da Federação, em que existem sérios problemas

Com 20 milhões de aposentados e pensionistas, é natural que a desestabilização financeira do INSS esteja no radar de toda a população, mesmo porque terá de haver uma reforma urgente em suas normas para evitar a quebra do sistema. Já em estados e grandes municípios que tenham sistema próprio de seguridade, a falência é um fato do cotidiano.

Não apenas no Rio de Janeiro, aposentados e pensionistas do serviço público não têm recebido o benefício integral e em dia. Repete-se o que aconteceu há algum tempo na Grécia, quebrada por um projeto insano do governo de sair da zona do euro como um simples ato de vontade política. No Brasil, as ruínas vieram pela via da irresponsabilidade fiscal.

Com o agravante definitivo de que, enquanto as receitas caem devido à recessão, as despesas sobem, atreladas a mecanismos de indexação pela inflação ou salário mínimo. O estouro era previsão segura. No caso específico da Previdência, a situação de estados e municípios é pior que a da União, porque eles não têm a saída de financiar gastos por meio de endividamento. Não podem mais lançar títulos.

Há uma romaria de governadores a Brasília em busca de socorro. Difícil esperar que ocorra uma abertura de cofres, de resto também vazios. Mas no plano político, existe margem de manobra.

O economista Raul Velloso, de extensa quilometragem no estudo de questões fiscais, e que assessora governadores nesta crise, acha que é preciso mexer logo na previdência pública. Sem esquecer estados e municípios.

Senão, a PEC 241, do teto dos gastos, será letra morta. É indiscutível que isso acontecerá se a reforma do INSS não for aprovada. Mas esquecem, pelo menos até agora, da previdência pública dos entes federativo.

Reportagem do GLOBO de domingo revelou que, no ano passado, esses sistemas regionais acumularam um déficit de R$ 64,2 bilhões e, em 2020, ele será de R$ 101,1 bilhões, mais 57,4%.

É clara a necessidade de as previdências estaduais ou municipais também serem reformadas, para atender ao novo perfil demográfico da população. Uma tarefa que passa, necessariamente, também pelo fim de privilégios.

Este é um campo de batalha em que governadores e eventuais prefeitos não se sentem fortes o suficiente para enfrentar categorias de servidores bem organizadas e com representação em Casas legislativas. Pedem ajuda ao governo federal.

Seria possível, por exemplo, por projeto de lei simples, o Congresso elevar a contribuição dos servidores, uma das reivindicações levadas ao Planalto. Outra é acabar com aposentadorias especiais — PMs, bombeiros etc. — responsáveis por 66% das despesas previdenciárias apenas no Rio de Janeiro. Não será uma empreitada fácil, mas nada transitará de forma tranquila nas mudanças necessárias a recolocar o país na via do crescimento, pois há muitos interesses fortes que terão de ser contrariados nas reformas.