ESTADÃO - 30/09
Um fenômeno relevante nos 36 anos de existência do PT ajuda a entender os desvios da trajetória político-programática estabelecida na fundação do partido
A decisão unânime da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro dos governos petistas Paulo Bernardo, por corrupção e lavagem de dinheiro, reflete uma realidade que se enquadra no “contexto de corrupção sistêmica dentro da Petrobrás”, de acordo com entendimento do ministro-relator Teori Zavascki. Essa realidade, que o acúmulo de evidências torna irrefutável, na verdade extrapola o âmbito da Petrobrás e se estende a todo o aparato governamental da era lulopetista. Reflete o método político pelo qual Lula e seu PT optaram, na desastrada tentativa de consolidar um projeto de poder populista.
Chamado a prestar contas à Justiça, o casal de militantes petistas – ela senadora, com passagem pela chefia da Casa Civil de Dilma; ele quadro partidário de primeira linha do lulopetismo, ministro do Planejamento (2005 a 2011) e das Comunicações (2011 a 2015) – surge como símbolo da impostura de um partido político que chegou ao poder prometendo impor padrões morais rígidos à gestão da coisa pública e de ser um defensor intransigente das classes menos favorecidas, provedor infalível e generoso de suas necessidades materiais.
Um fenômeno relevante nos 36 anos de existência do PT ajuda a entender os desvios da trajetória político-programática estabelecida na fundação do partido. Numa primeira etapa, intelectuais e líderes religiosos que haviam ajudado a fundar o partido e a consolidar suas primeiras conquistas foram praticamente expulsos de suas fileiras pela ala sindical, mais rude e direta. Em seguida, após se ter transformado em partido eleitoralmente competitivo e depois de ter conquistado o Planalto, o PT passou a sofrer defecções importantes no seu quadro de lideranças, motivadas pela decepção com os novos caminhos que estavam sendo trilhados sob o comando de Lula e José Dirceu. A liderança remanescente acomodou-se sem maiores problemas em conveniente tolerância à adesão de Lula às práticas políticas de seus novos aliados, que no passado condenara com veemência. Essa gente sempre soube que corrupção é crime. Apenas passou a admitir que é impossível governar sem concessões a ela.
Os resultados da “luta em benefício das causas populares” foram a gastança descontrolada dos recursos públicos, a “nova matriz econômica” que resultou na recessão econômica, no estouro da inflação – que afeta principalmente os mais pobres – e nos mais de 12 milhões de desempregados em todo o País.
O casal Gleisi e Paulo Bernardo simboliza quase à perfeição o substrato do lulopetismo, que tem como uma de suas características mais marcantes a hipocrisia. A senadora, que como dirigente da cúpula partidária e ex-chefe da Casa Civil convivia necessariamente com a corrupção generalizada no governo, teve a ousadia de proclamar, no plenário do Senado, que ali ninguém tinha “autoridade moral” para julgar Dilma Rousseff. E, ao saber que se tornara ré no STF, afirmar que, finalmente, poderia contar a seu favor com o “benefício da dúvida” que lhe teria sido negado na fase de investigação da Lava Jato.
O ex-ministro do Planejamento, por sua vez, fez mais. Estava à frente da pasta quando o “governo popular” implantou a cobrança de uma taxa debitada compulsoriamente na conta de todos os aposentados beneficiários de crédito consignado. Um golpe que possibilitou a arrecadação de R$ 100 milhões que teriam sido destinados aos cofres do PT, descontada a milionária comissão que teria sido embolsada. A investigação relativa a esse golpe, por conta do qual Paulo Bernardo passou alguns dias encarcerado em junho último, não é a mesma que agora leva o STF a transformá-lo em réu. Essa é relativa à acusação de que ele teria recebido dinheiro do esquema do petrolão para abastecer a candidatura de sua cara metade ao Senado, em 2010.
Em seu relatório a favor do recebimento da denúncia, o ministro Zavascki destacou que se sentia à vontade para acolher o pedido da PGR porque evidências contidas no processo vão “muito além das declarações prestadas em colaboração premiada”. Poderia ter dito, em outras palavras, que o jeito petista de fazer política é reconhecível à primeira vista.
sexta-feira, setembro 30, 2016
O ex-futuro presidente ideal - NELSON MOTTA
O GLOBO - 30/09
Do início do governo Lula até o mensalão, me tornei um grande admirador de Antonio Palocci, imaginava que ele poderia suceder Lula em 2006, estava disposto não só a votar como a fazer campanha para ele. Em contraste com a grossura e a bravataria de Lula, ele era sóbrio e eficiente, de uma discreta simpatia interiorana, habilíssimo em negociações políticas e na condução da economia, um moderado moderno, inteligente e competente, com prestígio politico, experiência administrativa e credibilidade com o empresariado e com todos os partidos. O presidente ideal, que muita gente, até quem não gostava do PT, sonhava. Uma espécie de síntese dialética de Lula e FHC.
Palocci falava, e pensava, com clareza e precisão desconhecidas por Dilma, apesar da língua presa, que não impediu Lula de ser presidente e Cazuza um popstar. É melhor que língua solta e rabo preso.
Como leitor de romances, fiquei fascinado com o escândalo da “casa dos prazeres” da turma de Ribeirão Preto, regado a garotas bonitas e bons negócios, mas, como eleitor, fiquei arrasado quando Palocci caiu. Não porque estava roubando, fraudando licitações ou arrecadando dinheiro para o partido, pensava-se, caiu por medo da mulher, do que teria que dizer em casa, “pela família”. E perdeu a chance de ser candidato a presidente, com apoio até de parte da oposição.
Para piorar, foi vítima da delação de seu aliado Rogério Buratti, a quem havia recomendado entusiasticamente uma das garotas da casa. Buratti gostou tanto que se apaixonou e rompeu um casamento de 20 anos para se casar com ela. E ficou com ódio eterno de Palocci ...rsrs.
Estava liquidado. Mas não, ele foi decisivo para a eleição de Dilma, ganhou poder e autoridade, e era uma esperança de competência e sensatez na Casa Civil. Poderia ter minimizado os desatinos de Dilma e talvez impedido a grande gastança e a contabilidade criativa. E se credenciado para sucedê-la.
Mas não, preferiu faturar 20 milhões de reais com consultorias duvidosas. Trocou, duas vezes, por dinheiro e por mulheres, a chance de mudar a História do Brasil. E acabou preso. Que história !
O dilema da saúde - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 30/09
SÃO PAULO - Existem situações em que o administrador público sempre perde. O caso clássico é o do bebê doente que precisa de um remédio de alto custo não coberto pelo sistema de saúde. Se o gestor segue as regras e nega o tratamento, será visto como um monstro insensível à dor da família. Se, por outro lado, ele autoriza a compra do fármaco, será censurado por ter agido de forma antirrepublicana, passando por cima dos interesses de um número muito maior de pacientes que não padecem de moléstias midiáticas.
É bem esse o dilema dos ministros do STF que julgam a chamada judicialização da saúde. Serão criticados por qualquer decisão que tomem. Ou estarão privando alguns doentes com nome, rosto e história do direito à saúde, ou estarão agindo de forma fiscalmente irresponsável, o que, ao fim e ao cabo, também resulta em subtrair direitos vitais a um um conjunto anônimo de pacientes.
O fato de não haver como o tomador da decisão ficar bem na foto não significa que não exista uma decisão certa. Por mais difícil que seja fazê-lo, agentes que atuam em nome do Estado precisam despir-se de todas as emoções e preferências e pautar suas escolhas pelo princípio utilitarista do "maior bem para o maior número de pessoas", permanecendo deliberadamente cegos para a identidade dos indivíduos envolvidos.
Na prática, penso que os ministros precisam, sim, limitar a possibilidade de pacientes conseguirem na Justiça acesso a tratamentos não previstos no SUS, que deve permanecer universal, isto é, prestando os atendimentos a todos, sejam eles ricos ou pobres. O que os magistrados poderiam cobrar do Ministério da Saúde é que desenvolva um mecanismo para avaliar rapidamente a incorporação de novos medicamentos e terapias ao SUS, segundo critérios transparentes de custo e benefício. Existe hoje toda uma família de ferramentas estatísticas, como Qaly, Daly e Haly, que ajudam nessas decisões.
SÃO PAULO - Existem situações em que o administrador público sempre perde. O caso clássico é o do bebê doente que precisa de um remédio de alto custo não coberto pelo sistema de saúde. Se o gestor segue as regras e nega o tratamento, será visto como um monstro insensível à dor da família. Se, por outro lado, ele autoriza a compra do fármaco, será censurado por ter agido de forma antirrepublicana, passando por cima dos interesses de um número muito maior de pacientes que não padecem de moléstias midiáticas.
É bem esse o dilema dos ministros do STF que julgam a chamada judicialização da saúde. Serão criticados por qualquer decisão que tomem. Ou estarão privando alguns doentes com nome, rosto e história do direito à saúde, ou estarão agindo de forma fiscalmente irresponsável, o que, ao fim e ao cabo, também resulta em subtrair direitos vitais a um um conjunto anônimo de pacientes.
O fato de não haver como o tomador da decisão ficar bem na foto não significa que não exista uma decisão certa. Por mais difícil que seja fazê-lo, agentes que atuam em nome do Estado precisam despir-se de todas as emoções e preferências e pautar suas escolhas pelo princípio utilitarista do "maior bem para o maior número de pessoas", permanecendo deliberadamente cegos para a identidade dos indivíduos envolvidos.
Na prática, penso que os ministros precisam, sim, limitar a possibilidade de pacientes conseguirem na Justiça acesso a tratamentos não previstos no SUS, que deve permanecer universal, isto é, prestando os atendimentos a todos, sejam eles ricos ou pobres. O que os magistrados poderiam cobrar do Ministério da Saúde é que desenvolva um mecanismo para avaliar rapidamente a incorporação de novos medicamentos e terapias ao SUS, segundo critérios transparentes de custo e benefício. Existe hoje toda uma família de ferramentas estatísticas, como Qaly, Daly e Haly, que ajudam nessas decisões.
Provável alternativa para governo não estourar teto é 'reonerar' Previdência - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 30/09
De onde vai sair o dinheiro para o governo não bater a cabeça no "teto" em 2017? O "teto", como se sabe, é o congelamento das despesas federais a partir do ano que vem. Mesmo que a receita cresça, a despesa estará limitada.
É difícil imaginar alternativa que não seja o fim de boa parte das "desonerações" previdenciárias (redução das contribuições das empresas para o INSS). Na prática, trata-se de um cancelamento de despesa.
É difícil de imaginar alternativa, admite-se também no governo. Tanto que os estudos para as "reonerações" já estão em curso, como adiantou esta Folha na segunda-feira.
As muitas dúvidas e as opções limitadas de ação ficaram mais evidentes com o balanço das contas federais de dois terços do ano, divulgado ontem. Há dois aumentos de despesas praticamente contratados e grandes para o ano que vem: Previdência e reajustes já concedidos para o funcionalismo.
Em um ano, as despesas da Previdência aumentaram cerca de R$ 26 bilhões (em termos reais, descontada a inflação; despesa acumulada nos 12 meses contados até agosto). Seria temerário imaginar crescimento menor no ano que vem.
Em 2017, paga-se parte dos reajustes dos servidores federais. A depender do que sair para o Judiciário, o aumento de despesa fica entre R$ 20 bilhões e R$ 24 bilhões.
O governo, porém, deve contar com uma folga. O limite da despesa deve aumentar no ano que vem. Pela regra do "teto", a despesa pode crescer apenas no ritmo da inflação do ano anterior (em termos reais, pois, não cresce). Mas a inflação de 2017 deve ser menor que a de 2016, o que deve permitir um gasto adicional de 2,6%.
Em dinheiro, isso deve dar um extra de uns R$ 30 bilhões. Não cobre a explosão dos gastos da Previdência e a despesa extra com o funcionalismo, entre uns R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões a mais.
Note-se que se está tratando aqui apenas de despesa, não de deficits. A receita da Previdência pode crescer, com o arrefecimento da recessão. Assim, o deficit pode talvez cair. Mas o problema é a limitação geral da despesa: se a despesa previdenciária cresce, outro gasto precisa ser arrochado.
Onde vai ser o arrocho, nem tão grande assim, dado o tamanho do desastre fiscal brasileiro? Investimento em "obras"? Anda pela casa de parcos R$ 46 bilhões ao ano, sendo um terço disso para o programa Minha Casa, Minha Vida.
Por falar em deficit, o governo de qualquer modo ainda tem uma meta de deficit primário (receita menos despesa, afora gastos com juros), além de em tese ter de cumprir o "teto".
A despesa estaria congelada, mas qual será a receita? Até agosto, estava caindo ao ritmo de 7,2% ao ano; em dinheiro, quase R$ 86 bilhões, três Bolsas Família.
Caso não venha um milagre do crescimento da receita, no mesmo ritmo da alta do PIB estimada para 2017, não haverá alternativa a aumento de imposto.
Nota, memorando: o deficit previdenciário (INSS) está em R$ 133,4 bilhões ao ano. Faz um ano, era de R$ 76,5 bilhões. Em agosto de 2013, de R$ 58,9 bilhões (dados ajustados para a inflação). A explosão atômica além da conta normalmente explosiva normal se deve à recessão. A despesa do INSS leva 41% do gasto federal total.
De onde vai sair o dinheiro para o governo não bater a cabeça no "teto" em 2017? O "teto", como se sabe, é o congelamento das despesas federais a partir do ano que vem. Mesmo que a receita cresça, a despesa estará limitada.
É difícil imaginar alternativa que não seja o fim de boa parte das "desonerações" previdenciárias (redução das contribuições das empresas para o INSS). Na prática, trata-se de um cancelamento de despesa.
É difícil de imaginar alternativa, admite-se também no governo. Tanto que os estudos para as "reonerações" já estão em curso, como adiantou esta Folha na segunda-feira.
As muitas dúvidas e as opções limitadas de ação ficaram mais evidentes com o balanço das contas federais de dois terços do ano, divulgado ontem. Há dois aumentos de despesas praticamente contratados e grandes para o ano que vem: Previdência e reajustes já concedidos para o funcionalismo.
Em um ano, as despesas da Previdência aumentaram cerca de R$ 26 bilhões (em termos reais, descontada a inflação; despesa acumulada nos 12 meses contados até agosto). Seria temerário imaginar crescimento menor no ano que vem.
Em 2017, paga-se parte dos reajustes dos servidores federais. A depender do que sair para o Judiciário, o aumento de despesa fica entre R$ 20 bilhões e R$ 24 bilhões.
O governo, porém, deve contar com uma folga. O limite da despesa deve aumentar no ano que vem. Pela regra do "teto", a despesa pode crescer apenas no ritmo da inflação do ano anterior (em termos reais, pois, não cresce). Mas a inflação de 2017 deve ser menor que a de 2016, o que deve permitir um gasto adicional de 2,6%.
Em dinheiro, isso deve dar um extra de uns R$ 30 bilhões. Não cobre a explosão dos gastos da Previdência e a despesa extra com o funcionalismo, entre uns R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões a mais.
Note-se que se está tratando aqui apenas de despesa, não de deficits. A receita da Previdência pode crescer, com o arrefecimento da recessão. Assim, o deficit pode talvez cair. Mas o problema é a limitação geral da despesa: se a despesa previdenciária cresce, outro gasto precisa ser arrochado.
Onde vai ser o arrocho, nem tão grande assim, dado o tamanho do desastre fiscal brasileiro? Investimento em "obras"? Anda pela casa de parcos R$ 46 bilhões ao ano, sendo um terço disso para o programa Minha Casa, Minha Vida.
Por falar em deficit, o governo de qualquer modo ainda tem uma meta de deficit primário (receita menos despesa, afora gastos com juros), além de em tese ter de cumprir o "teto".
A despesa estaria congelada, mas qual será a receita? Até agosto, estava caindo ao ritmo de 7,2% ao ano; em dinheiro, quase R$ 86 bilhões, três Bolsas Família.
Caso não venha um milagre do crescimento da receita, no mesmo ritmo da alta do PIB estimada para 2017, não haverá alternativa a aumento de imposto.
Nota, memorando: o deficit previdenciário (INSS) está em R$ 133,4 bilhões ao ano. Faz um ano, era de R$ 76,5 bilhões. Em agosto de 2013, de R$ 58,9 bilhões (dados ajustados para a inflação). A explosão atômica além da conta normalmente explosiva normal se deve à recessão. A despesa do INSS leva 41% do gasto federal total.
A decadência que Dilma legou - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 30/09
Os relatórios dos últimos cinco anos sobre a competitividade global preparados pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) mostram de maneira evidente a rápida decadência do Brasil no cenário internacional. São, por isso, um retrato em números da desgraça que, de maneira sistemática e eficaz, a gestão Dilma Rousseff impôs à economia brasileira com suas irresponsáveis políticas fiscais e supostamente desenvolvimentistas. Embora tradicionalmente pouco competitivo em razão de problemas estruturais há muito conhecidos, o Brasil vinha recuperando posições na classificação mundial até o primeiro ano do governo Dilma. Desde então, porém, vem despencando. Perdeu 33 posições entre 2012 e 2016, ano em que ficou em 81.º lugar entre 138 países. É o pior desempenho do País desde 2007, quando a pesquisa foi iniciada.
Ao desastre que a gestão dilmista foi para a economia brasileira e para as finanças públicas somou-se, nos últimos anos, a revelação do imenso esquema de pilhagem de recursos que o governo do PT instalou na Petrobrás e em outras empresas controladas pelo Estado, para financiar o projeto do partido de manter-se indefinidamente no poder. O bilionário desvio de dinheiro beneficiou o principal partido do governo e seus aliados, além de dirigentes partidários, funcionários públicos e empresas que prestaram serviços ao governo federal.
Desse modo, aos problemas tradicionalmente enfrentados pelos investidores para atuar na economia brasileira a gestão lulopetista, sobretudo durante o governo Dilma, acrescentou outros, citados com destaque no relatório de competitividade de 2016 entre os fatores negativos que fizeram cair a classificação do Brasil, como a deterioração da qualidade da administração do setor público. Obviamente, quanto mais corrupto o governo, menos confiança ele inspira nas pessoas que precisam tomar decisões sobre projetos de longo prazo. Assim, no quesito instituições, um dos utilizados na pesquisa do WEF, o Brasil ocupa apenas a 120.ª posição entre os países relacionados.
O fracasso da política econômica do governo Dilma, expresso de maneira óbvia na longa e intensa recessão em que o País continua mergulhado, igualmente afetou, e muito, a classificação brasileira no ranking mundial de competitividade. A retração dos mercados de trabalho (com o desemprego atingindo atualmente mais de 11 milhões de trabalhadores), de bens e serviços e financeiro tornou pior a avaliação do Brasil em vários itens utilizados pelo WEF. Quanto ao ambiente de negócios, um dos principais itens para se avaliar a competitividade de uma economia, o Brasil é apenas o 128.º colocado. Em eficiência do mercado de trabalho, ocupa o 117.º lugar. Esta última classificação é mais um fator a demonstrar a urgência da reforma da legislação trabalhista, para torná-la mais adequada às profundas transformações por que passou e vem passando o mercado de trabalho em todo o mundo.
Problemas antigos, como excesso de burocracia, precariedade da infraestrutura, altos encargos trabalhistas, estrutura tributária complexa e baixa capacidade de inovação, também tiveram alguma influência na péssima classificação do Brasil no ranking de competitividade. Agora, o País é o pior entre os Brics (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul). Na América Latina, o Brasil está à frente apenas da Argentina (104.º colocado) e da Venezuela (130.º).
Se há um lado positivo no relatório de 2016 do WEF é o fato de que os recentes e poderosos fatores que fizeram despencar a classificação do Brasil tendem a perder força com o afastamento definitivo do PT do poder e a posse de Michel Temer na Presidência da República. Eliminou-se de imediato um forte elemento de instabilidade institucional e criou-se a expectativa de que, com a nova gestão, os graves erros do passado recente serão corrigidos e mudanças para melhorar o ambiente para a atividade econômica serão feitas.
Os relatórios dos últimos cinco anos sobre a competitividade global preparados pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) mostram de maneira evidente a rápida decadência do Brasil no cenário internacional. São, por isso, um retrato em números da desgraça que, de maneira sistemática e eficaz, a gestão Dilma Rousseff impôs à economia brasileira com suas irresponsáveis políticas fiscais e supostamente desenvolvimentistas. Embora tradicionalmente pouco competitivo em razão de problemas estruturais há muito conhecidos, o Brasil vinha recuperando posições na classificação mundial até o primeiro ano do governo Dilma. Desde então, porém, vem despencando. Perdeu 33 posições entre 2012 e 2016, ano em que ficou em 81.º lugar entre 138 países. É o pior desempenho do País desde 2007, quando a pesquisa foi iniciada.
Ao desastre que a gestão dilmista foi para a economia brasileira e para as finanças públicas somou-se, nos últimos anos, a revelação do imenso esquema de pilhagem de recursos que o governo do PT instalou na Petrobrás e em outras empresas controladas pelo Estado, para financiar o projeto do partido de manter-se indefinidamente no poder. O bilionário desvio de dinheiro beneficiou o principal partido do governo e seus aliados, além de dirigentes partidários, funcionários públicos e empresas que prestaram serviços ao governo federal.
Desse modo, aos problemas tradicionalmente enfrentados pelos investidores para atuar na economia brasileira a gestão lulopetista, sobretudo durante o governo Dilma, acrescentou outros, citados com destaque no relatório de competitividade de 2016 entre os fatores negativos que fizeram cair a classificação do Brasil, como a deterioração da qualidade da administração do setor público. Obviamente, quanto mais corrupto o governo, menos confiança ele inspira nas pessoas que precisam tomar decisões sobre projetos de longo prazo. Assim, no quesito instituições, um dos utilizados na pesquisa do WEF, o Brasil ocupa apenas a 120.ª posição entre os países relacionados.
O fracasso da política econômica do governo Dilma, expresso de maneira óbvia na longa e intensa recessão em que o País continua mergulhado, igualmente afetou, e muito, a classificação brasileira no ranking mundial de competitividade. A retração dos mercados de trabalho (com o desemprego atingindo atualmente mais de 11 milhões de trabalhadores), de bens e serviços e financeiro tornou pior a avaliação do Brasil em vários itens utilizados pelo WEF. Quanto ao ambiente de negócios, um dos principais itens para se avaliar a competitividade de uma economia, o Brasil é apenas o 128.º colocado. Em eficiência do mercado de trabalho, ocupa o 117.º lugar. Esta última classificação é mais um fator a demonstrar a urgência da reforma da legislação trabalhista, para torná-la mais adequada às profundas transformações por que passou e vem passando o mercado de trabalho em todo o mundo.
Problemas antigos, como excesso de burocracia, precariedade da infraestrutura, altos encargos trabalhistas, estrutura tributária complexa e baixa capacidade de inovação, também tiveram alguma influência na péssima classificação do Brasil no ranking de competitividade. Agora, o País é o pior entre os Brics (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul). Na América Latina, o Brasil está à frente apenas da Argentina (104.º colocado) e da Venezuela (130.º).
Se há um lado positivo no relatório de 2016 do WEF é o fato de que os recentes e poderosos fatores que fizeram despencar a classificação do Brasil tendem a perder força com o afastamento definitivo do PT do poder e a posse de Michel Temer na Presidência da República. Eliminou-se de imediato um forte elemento de instabilidade institucional e criou-se a expectativa de que, com a nova gestão, os graves erros do passado recente serão corrigidos e mudanças para melhorar o ambiente para a atividade econômica serão feitas.
Terceirizar é avançar - HÉLIO COSTA
O GLOBO - 30/09
É preciso formalizar milhões de relações de trabalho já existentes no país
A tendência mundial de modernização e estímulo à economia faz da especialização no trabalho uma prática necessária e inevitável. No Brasil, mais de 13 milhões de profissionais estão na expectativa da votação do marco regulatório da terceirização no Senado, após 18 anos de discussão. O cenário econômico atual — e seus índices crescentes de desemprego — é imperativo para a aprovação do projeto no Legislativo, porque ele representa vagas de trabalho qualificado e especializado e maior competitividade e segurança jurídica em toda a cadeia produtiva do país.
Uma parte desses funcionários terceirizados trabalha na própria administração pública, mesmo sem regulamentação clara. Em 2013, relatório do Tribunal de Contas da União apontava que 22 mil trabalhadores terceirizados atuavam na esfera federal. Somente no Ministério Público Federal, incluindo o Ministério Público do Trabalho, existem milhares de profissionais terceirizados.
Em muitos setores, o número de empregados terceirizados ultrapassa o de efetivos. Nas companhias do setor de distribuição de energia, por exemplo, o percentual de mão de obra terceirizada passa de 73,5%. O setor de petróleo terceiriza dois terços do seu pessoal, distribuídos na cadeia de produção, refino e distribuição. No Brasil, a Petrobras emprega cerca de 300 mil profissionais de empresas prestadoras de serviços. São vagas que provavelmente serão extintas se a terceirização for proibida no Brasil.
Nas atividades de telesserviços, setor líder na geração de empregos com carteira assinada no Brasil — são 1,5 milhão de empregados formais, diretos e indiretos, sobretudo nas regiões menos favorecidas —, a terceirização também abre portas aos jovens em seu primeiro emprego. Cerca de 40% das vagas no setor de contact center são ocupadas por jovens em seu primeiro emprego, que conciliam a jornada de seis horas diárias com os estudos.
É difícil imaginar o preço que custaria um carro ou um apartamento, por exemplo, sem a terceirização. Em média, 75% do valor dos veículos feitos no Brasil decorrem das participações pontuais de funcionários especializados no processo de montagem. É um modelo mundial, em que as montadoras recorrem a outras fábricas que empregam milhares de trabalhadores para fazer o que elas gastariam muito mais para fazer e que, certamente, teriam impacto no valor final dos produtos.
A terceirização já é uma realidade. É preciso definir os direitos e deveres de empresas e de seus empregados terceirizados e, assim, formalizar milhões de relações de trabalho já existentes no país.
O que temos que decidir de uma vez por todas é como fazê-la, e que seja ainda mais positiva para os cidadãos, empresas e estado. O Brasil pode dar um passo fundamental para um futuro moderno, garantindo direitos aos trabalhadores e segurança jurídica às empresas.
Hélio Costa é presidente do Conselho da Associação Brasileira de Telesserviços
A tendência mundial de modernização e estímulo à economia faz da especialização no trabalho uma prática necessária e inevitável. No Brasil, mais de 13 milhões de profissionais estão na expectativa da votação do marco regulatório da terceirização no Senado, após 18 anos de discussão. O cenário econômico atual — e seus índices crescentes de desemprego — é imperativo para a aprovação do projeto no Legislativo, porque ele representa vagas de trabalho qualificado e especializado e maior competitividade e segurança jurídica em toda a cadeia produtiva do país.
Uma parte desses funcionários terceirizados trabalha na própria administração pública, mesmo sem regulamentação clara. Em 2013, relatório do Tribunal de Contas da União apontava que 22 mil trabalhadores terceirizados atuavam na esfera federal. Somente no Ministério Público Federal, incluindo o Ministério Público do Trabalho, existem milhares de profissionais terceirizados.
Em muitos setores, o número de empregados terceirizados ultrapassa o de efetivos. Nas companhias do setor de distribuição de energia, por exemplo, o percentual de mão de obra terceirizada passa de 73,5%. O setor de petróleo terceiriza dois terços do seu pessoal, distribuídos na cadeia de produção, refino e distribuição. No Brasil, a Petrobras emprega cerca de 300 mil profissionais de empresas prestadoras de serviços. São vagas que provavelmente serão extintas se a terceirização for proibida no Brasil.
Nas atividades de telesserviços, setor líder na geração de empregos com carteira assinada no Brasil — são 1,5 milhão de empregados formais, diretos e indiretos, sobretudo nas regiões menos favorecidas —, a terceirização também abre portas aos jovens em seu primeiro emprego. Cerca de 40% das vagas no setor de contact center são ocupadas por jovens em seu primeiro emprego, que conciliam a jornada de seis horas diárias com os estudos.
É difícil imaginar o preço que custaria um carro ou um apartamento, por exemplo, sem a terceirização. Em média, 75% do valor dos veículos feitos no Brasil decorrem das participações pontuais de funcionários especializados no processo de montagem. É um modelo mundial, em que as montadoras recorrem a outras fábricas que empregam milhares de trabalhadores para fazer o que elas gastariam muito mais para fazer e que, certamente, teriam impacto no valor final dos produtos.
A terceirização já é uma realidade. É preciso definir os direitos e deveres de empresas e de seus empregados terceirizados e, assim, formalizar milhões de relações de trabalho já existentes no país.
O que temos que decidir de uma vez por todas é como fazê-la, e que seja ainda mais positiva para os cidadãos, empresas e estado. O Brasil pode dar um passo fundamental para um futuro moderno, garantindo direitos aos trabalhadores e segurança jurídica às empresas.
Hélio Costa é presidente do Conselho da Associação Brasileira de Telesserviços
Pior do que está não fica - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 30/09
Mesmo com as levas de réus da Lava Jato, as prisões de figurões, a crise econômica e as eleições municipais, que estão bem aí, não se pode passar batido por um debate que não diz respeito (só) ao presente, mas projeta o futuro: a reforma do ensino médio. Essa é uma antiga reivindicação consensual dos educadores e está calcada na flexibilização e atratividade dos currículos escolares. Que, convenhamos, já vêm tarde.
O que importa é manter longe da contaminação partidária uma discussão que parte de duas premissas: o prestígio ao professor e o estímulo ao aluno. Aliás, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi debatido entre 2010 e 2014 por entidades, municípios, Estados e fóruns do PT e foi aprovado pela então presidente Dilma Rousseff, que, inclusive, defendeu a flexibilização na campanha eleitoral, como comprovam vídeos na internet. Logo, a reforma não é do DEM do ministro Mendonça Filho nem do PSDB da secretária executiva Maria Helena Guimarães de Castro, como não era do PT de Dilma. É uma necessidade.
O que diz o PNE, na sua meta 3.1? Defende “currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte...”. Ou seja, evoluir de currículos engessados para uma flexibilidade e diversificação que motivem professores e alunos. Em 2015, eram cerca de 13 milhões de alunos no primeiro ano do ensino médio, 1,75 milhão no segundo e 1,5 milhão no terceiro. Entre os motivos da evasão, o desencanto, a dificuldade. Imagine um jovem saído de um ensino básico precário e obrigado a estudar química e biologia, quando ele quer a área de humanas. É melhor criar condições para esse jovem traçar seu projeto de vida, inclusive no ensino profissionalizante. Ele sai com um diploma que lhe abre as portas para uma carreira e/ou a universidade.
Pelo Ideb, só 11% dos alunos têm desempenho adequado em matemática e só 27% em português, as duas disciplinas obrigatórias em currículos e na vida. “Foi tristíssimo”, diz Maria Helena, explicando que a prioridade original era mexer no ensino básico, mas, diante desse resultado, o MEC decidiu apressar a reforma do ensino médio – e por medida provisória, que também exige debate e consensos, mas tramita mais rápido, sem ficar tão a reboque de teto fiscal, reforma da Previdência...
Como sempre, o governo deu munição aos adversários ao deixar a impressão inicial de querer acabar com artes e educação física, quando se tratava de um detalhe técnico, jurídico, na redação da MP. Curiosidade: um filho de Maria Helena, Aluizio, hoje na área de marketing de um grupo de ensino, foi campeão brasileiro de triatlo e é formado em... Educação Física. Ai dela se ousasse acabar com a disciplina.
Segundo a secretária, o objetivo é “combater a fragmentação e superficialidade que fazem com que os alunos saiam do ensino médio sem saber nada de nada, porque o que a escola oferece é um picadinho, um pot-pourri de conteúdos que não se conectam entre si, não fazem sentido nem despertam o interesse do aluno”. Quem discorda?
O Cenpec, importante na área, é a favor da flexibilização curricular, mas teme que a reforma possa “acirrar as desigualdades escolares”, pois as escolhas dos jovens dependem de “sua condição social, das oportunidades que tiveram ao longo da vida”. É uma advertência válida, mas a secretária rebate: “É impossível aumentar mais a desigualdade que já existe. Não vai aumentar a desigualdade e sim as oportunidades”. O mais importante é acompanhar, compreender, prestigiar o professor e defender o estudante, para avançar. Como diria o “filósofo” Tiririca, “pior do que está não fica”. Que se debata o bom debate!
Mesmo com as levas de réus da Lava Jato, as prisões de figurões, a crise econômica e as eleições municipais, que estão bem aí, não se pode passar batido por um debate que não diz respeito (só) ao presente, mas projeta o futuro: a reforma do ensino médio. Essa é uma antiga reivindicação consensual dos educadores e está calcada na flexibilização e atratividade dos currículos escolares. Que, convenhamos, já vêm tarde.
O que importa é manter longe da contaminação partidária uma discussão que parte de duas premissas: o prestígio ao professor e o estímulo ao aluno. Aliás, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi debatido entre 2010 e 2014 por entidades, municípios, Estados e fóruns do PT e foi aprovado pela então presidente Dilma Rousseff, que, inclusive, defendeu a flexibilização na campanha eleitoral, como comprovam vídeos na internet. Logo, a reforma não é do DEM do ministro Mendonça Filho nem do PSDB da secretária executiva Maria Helena Guimarães de Castro, como não era do PT de Dilma. É uma necessidade.
O que diz o PNE, na sua meta 3.1? Defende “currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte...”. Ou seja, evoluir de currículos engessados para uma flexibilidade e diversificação que motivem professores e alunos. Em 2015, eram cerca de 13 milhões de alunos no primeiro ano do ensino médio, 1,75 milhão no segundo e 1,5 milhão no terceiro. Entre os motivos da evasão, o desencanto, a dificuldade. Imagine um jovem saído de um ensino básico precário e obrigado a estudar química e biologia, quando ele quer a área de humanas. É melhor criar condições para esse jovem traçar seu projeto de vida, inclusive no ensino profissionalizante. Ele sai com um diploma que lhe abre as portas para uma carreira e/ou a universidade.
Pelo Ideb, só 11% dos alunos têm desempenho adequado em matemática e só 27% em português, as duas disciplinas obrigatórias em currículos e na vida. “Foi tristíssimo”, diz Maria Helena, explicando que a prioridade original era mexer no ensino básico, mas, diante desse resultado, o MEC decidiu apressar a reforma do ensino médio – e por medida provisória, que também exige debate e consensos, mas tramita mais rápido, sem ficar tão a reboque de teto fiscal, reforma da Previdência...
Como sempre, o governo deu munição aos adversários ao deixar a impressão inicial de querer acabar com artes e educação física, quando se tratava de um detalhe técnico, jurídico, na redação da MP. Curiosidade: um filho de Maria Helena, Aluizio, hoje na área de marketing de um grupo de ensino, foi campeão brasileiro de triatlo e é formado em... Educação Física. Ai dela se ousasse acabar com a disciplina.
Segundo a secretária, o objetivo é “combater a fragmentação e superficialidade que fazem com que os alunos saiam do ensino médio sem saber nada de nada, porque o que a escola oferece é um picadinho, um pot-pourri de conteúdos que não se conectam entre si, não fazem sentido nem despertam o interesse do aluno”. Quem discorda?
O Cenpec, importante na área, é a favor da flexibilização curricular, mas teme que a reforma possa “acirrar as desigualdades escolares”, pois as escolhas dos jovens dependem de “sua condição social, das oportunidades que tiveram ao longo da vida”. É uma advertência válida, mas a secretária rebate: “É impossível aumentar mais a desigualdade que já existe. Não vai aumentar a desigualdade e sim as oportunidades”. O mais importante é acompanhar, compreender, prestigiar o professor e defender o estudante, para avançar. Como diria o “filósofo” Tiririca, “pior do que está não fica”. Que se debata o bom debate!
Tesouro não aguenta peso de pensões e outros benefícios - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/09
A reforma da Previdência e o teto dos gastos monopolizam as atenções, mas há muito também a ser feito numa regulação sensata de diversos gastos ditos sociais
O foco das discussões sobre o ajuste das contas públicas está muito centrado no teto dos gastos — fundamental para conter a tendência suicida de as despesas crescerem à frente do PIB e da inflação — e na reforma da Previdência, devido aos déficits galopantes, e também por interessar de forma muito direta à população. São mesmo dois pilares na rearrumação estrutural da economia brasileira, mas não esgotam o trabalho a ser feito neste campo dos gastos ditos sociais. Como O GLOBO mostrou ontem, há outras rubricas de despesas sob este amplo e generoso guarda-chuva, em que também o descontrole é gritante e, por isso, não podem deixar de ser revistas.
Uma das causas das despesas crescentes nesse bloco de gastos é o Benefício de Prestação Continuada, incluído na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Em 2014, última estatística disponível, o Tesouro gastou, com este programa, R$ 35 bilhões, mais que o conhecido Bolsa Família.
É uma pensão a que tem direito toda pessoa com mais de 65 anos que se autodeclare de baixa renda. Passa a receber um salário mínimo mensal. Sem ter feito qualquer contribuição para tal, é claro. Em dez anos, de 2004 a 2014, o gasto foi multiplicado por mais de três. E a quantidade de beneficiários passou de dois milhões para quatro milhões. Dobrou.
Outro saco sem fundo é a aposentadoria rural. Qualquer suposto agricultor que for ao INSS com a declaração de algum sindicato rural, atestando que ele de fato labutou no campo, ganha a aposentadoria. Tenha ou não contribuído para ela.
Há ainda as pensões, responsáveis por um gasto de R$ 104 bilhões no ano passado. E não para de crescer, como todas essas despesas ditas sociais. Quando Joaquim Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, ele tentou no Congresso, sem maior êxito, moralizar a concessão dessas pensões.
Havia, como em outros casos, “jabuticabas”, algo genuinamente brasileiro, nesses benefícios. Por exemplo, pensões integrais independentemente da idade da viúva e do número de dependentes. Sabe-se que no Nordeste homens idosos, segurados do INSS, passaram a ser cortejados por mulheres jovens — candidatas a viúvas pensionistas.
Há, portanto, muito espaço para avançar em reformas mais do que sensatas nesses incontáveis programas sociais. Uma das frentes a atacar — sabe o próprio governo — é acabar com a indexação de vários desses benefícios pelo salário mínimo. O ideal seria acabar em todos.
No pano de fundo desta farra cujo desfecho é a atual crise fiscal, está o grande equívoco cometido com a Constituição de 88, sustentada na visão míope de que cabe exclusivamente ao Estado patrocinar programas que erradiquem a pobreza. Esqueceram-se do custo, e de como financiá-lo. Hoje, está claro que ele é insustentável. E que sem que houvesse um ambiente econômico estimulador dos negócios não haveria renda capaz de financiar esse projeto, na verdade, em si, inviável. É certo que a miséria precisa de ações públicas para ser mitigada. Porém, o melhor caminho para debelação da pobreza é pela educação e pelo emprego.
A crise fiscal, portanto, é também fruto da falência da visão social e estatista da Carta de 88, um marco muito positivo no restabelecimento dos direitos políticos, mas desastroso no campo dos benefícios sociais.
O foco das discussões sobre o ajuste das contas públicas está muito centrado no teto dos gastos — fundamental para conter a tendência suicida de as despesas crescerem à frente do PIB e da inflação — e na reforma da Previdência, devido aos déficits galopantes, e também por interessar de forma muito direta à população. São mesmo dois pilares na rearrumação estrutural da economia brasileira, mas não esgotam o trabalho a ser feito neste campo dos gastos ditos sociais. Como O GLOBO mostrou ontem, há outras rubricas de despesas sob este amplo e generoso guarda-chuva, em que também o descontrole é gritante e, por isso, não podem deixar de ser revistas.
Uma das causas das despesas crescentes nesse bloco de gastos é o Benefício de Prestação Continuada, incluído na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Em 2014, última estatística disponível, o Tesouro gastou, com este programa, R$ 35 bilhões, mais que o conhecido Bolsa Família.
É uma pensão a que tem direito toda pessoa com mais de 65 anos que se autodeclare de baixa renda. Passa a receber um salário mínimo mensal. Sem ter feito qualquer contribuição para tal, é claro. Em dez anos, de 2004 a 2014, o gasto foi multiplicado por mais de três. E a quantidade de beneficiários passou de dois milhões para quatro milhões. Dobrou.
Outro saco sem fundo é a aposentadoria rural. Qualquer suposto agricultor que for ao INSS com a declaração de algum sindicato rural, atestando que ele de fato labutou no campo, ganha a aposentadoria. Tenha ou não contribuído para ela.
Há ainda as pensões, responsáveis por um gasto de R$ 104 bilhões no ano passado. E não para de crescer, como todas essas despesas ditas sociais. Quando Joaquim Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, ele tentou no Congresso, sem maior êxito, moralizar a concessão dessas pensões.
Havia, como em outros casos, “jabuticabas”, algo genuinamente brasileiro, nesses benefícios. Por exemplo, pensões integrais independentemente da idade da viúva e do número de dependentes. Sabe-se que no Nordeste homens idosos, segurados do INSS, passaram a ser cortejados por mulheres jovens — candidatas a viúvas pensionistas.
Há, portanto, muito espaço para avançar em reformas mais do que sensatas nesses incontáveis programas sociais. Uma das frentes a atacar — sabe o próprio governo — é acabar com a indexação de vários desses benefícios pelo salário mínimo. O ideal seria acabar em todos.
No pano de fundo desta farra cujo desfecho é a atual crise fiscal, está o grande equívoco cometido com a Constituição de 88, sustentada na visão míope de que cabe exclusivamente ao Estado patrocinar programas que erradiquem a pobreza. Esqueceram-se do custo, e de como financiá-lo. Hoje, está claro que ele é insustentável. E que sem que houvesse um ambiente econômico estimulador dos negócios não haveria renda capaz de financiar esse projeto, na verdade, em si, inviável. É certo que a miséria precisa de ações públicas para ser mitigada. Porém, o melhor caminho para debelação da pobreza é pela educação e pelo emprego.
A crise fiscal, portanto, é também fruto da falência da visão social e estatista da Carta de 88, um marco muito positivo no restabelecimento dos direitos políticos, mas desastroso no campo dos benefícios sociais.
Sanear projetos e gestão - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 30/09
Assim como ocorre com a má qualidade do ensino público no Brasil, é consensual o imperativo de eliminar o intolerável atraso do país no saneamento básico. Do consenso à consequência subsiste um largo caminho, entretanto, que o Estado tem enorme dificuldade em transpor.
A radiografia do fracasso vai delineada com clareza no último relatório "De Olho no PAC" (2009-2015), que o Instituto Trata Brasil vem de publicar. Sob a mira do levantamento estavam 340 obras listadas nas duas fase do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC-1 (2007-2010) e PAC-2 (2011-2015).
O destaque conferido ao saneamento básico (redes de água e coleta e tratamento de esgotos) no PAC despertou a expectativa de que os governos federal, estaduais e municipais se dedicariam a zerar o atraso. Segundo o Trata Brasil, ainda temos 35 milhões de pessoas sem acesso à rede de água, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e meros 40% dos dejetos tratados.
A expectativa se ancorava, em grande medida, em vultoso montante de recursos. As 340 obras representam investimento total de R$ 22 bilhões. A maior parte disso viria de financiamentos da Caixa Econômica Federal (55%), cabendo o restante à União (25%) e ao BNDES (20%).
O levantamento revela, porém, que apenas 36% das obras estavam concluídas em 2015. Outros 39% ainda se encontravam em andamento (não raro com atraso). Pior: 11% nem mesmo haviam sido iniciadas e 14% se achavam paralisadas. Recursos ociosos, que naquela altura somavam R$ 5,7 bilhões.
Quase metade (45%) do planejado ainda no PAC-1 se achava paralisado ou em execução. Na região Norte, que exibe os piores índices de saneamento, 38% das obras de água nem sequer estavam em andamento em 2015, mesma situação de 25% daquelas relativas a esgotos.
De qualquer ângulo que se considere, ao desastre sanitário se sobrepõe o administrativo. Em contato com os tomadores dos recursos, os autores do estudo pediram que se indicassem os motivos do atraso, e as falhas de gestão emergem em meio à turbidez geral.
Entre as razões alegadas se destacam demora na liberação de recursos pelo Ministério das Cidades, inadequação de projetos, tropeços no licenciamento ambiental, renegociação e rescisão de contratos.
O de sempre, em resumo. Para tirar o Brasil dessa insalubridade ao estilo do século 19, será preciso depurar a burocracia estagnada e sanear os projetos de engenharia.
Assim como ocorre com a má qualidade do ensino público no Brasil, é consensual o imperativo de eliminar o intolerável atraso do país no saneamento básico. Do consenso à consequência subsiste um largo caminho, entretanto, que o Estado tem enorme dificuldade em transpor.
A radiografia do fracasso vai delineada com clareza no último relatório "De Olho no PAC" (2009-2015), que o Instituto Trata Brasil vem de publicar. Sob a mira do levantamento estavam 340 obras listadas nas duas fase do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC-1 (2007-2010) e PAC-2 (2011-2015).
O destaque conferido ao saneamento básico (redes de água e coleta e tratamento de esgotos) no PAC despertou a expectativa de que os governos federal, estaduais e municipais se dedicariam a zerar o atraso. Segundo o Trata Brasil, ainda temos 35 milhões de pessoas sem acesso à rede de água, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e meros 40% dos dejetos tratados.
A expectativa se ancorava, em grande medida, em vultoso montante de recursos. As 340 obras representam investimento total de R$ 22 bilhões. A maior parte disso viria de financiamentos da Caixa Econômica Federal (55%), cabendo o restante à União (25%) e ao BNDES (20%).
O levantamento revela, porém, que apenas 36% das obras estavam concluídas em 2015. Outros 39% ainda se encontravam em andamento (não raro com atraso). Pior: 11% nem mesmo haviam sido iniciadas e 14% se achavam paralisadas. Recursos ociosos, que naquela altura somavam R$ 5,7 bilhões.
Quase metade (45%) do planejado ainda no PAC-1 se achava paralisado ou em execução. Na região Norte, que exibe os piores índices de saneamento, 38% das obras de água nem sequer estavam em andamento em 2015, mesma situação de 25% daquelas relativas a esgotos.
De qualquer ângulo que se considere, ao desastre sanitário se sobrepõe o administrativo. Em contato com os tomadores dos recursos, os autores do estudo pediram que se indicassem os motivos do atraso, e as falhas de gestão emergem em meio à turbidez geral.
Entre as razões alegadas se destacam demora na liberação de recursos pelo Ministério das Cidades, inadequação de projetos, tropeços no licenciamento ambiental, renegociação e rescisão de contratos.
O de sempre, em resumo. Para tirar o Brasil dessa insalubridade ao estilo do século 19, será preciso depurar a burocracia estagnada e sanear os projetos de engenharia.
Superar o provincianismo - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 30/09
Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década
Na abertura da reunião do Conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o presidente Michel Temer delineou as diretrizes da política que pretende implantar para, em suas palavras, “restaurar a centralidade do comércio e dos investimentos no conjunto das políticas de desenvolvimento do País”. Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década.
O que de mais importante se ouviu do presidente foi a intenção de restabelecer o pragmatismo no comércio exterior, retirando-o do atoleiro ideológico ao qual o lulopetismo o condenou. Em lugar de privilegiar acordos e negócios com países que pouco têm a oferecer ao Brasil além de duvidosas afinidades, o novo modelo obrigará o País a buscar as melhores oportunidades onde quer que elas estejam. O objetivo é fazer do comércio exterior um dos pilares da retomada do crescimento econômico e da geração de empregos. Como disse Temer, “essa é a demanda número um da sociedade brasileira”, e não o atendimento de interesses político-partidários, como se verificou durante os governos lulopetistas.
Embora se esteja apenas no terreno dos simbolismos e das boas intenções, os primeiros gestos do novo governo denotam real intenção de conferir substância aos anunciados objetivos. Em primeiro lugar, o próprio Michel Temer assumiu a presidência da Camex, um modo institucional de demonstrar que o estabelecimento de políticas de comércio exterior será decisão de Estado em seu mais alto nível.
O mesmo se deu com a gestão da Agência de Promoção de Exportações (Apex-Brasil), entregue ao ministro das Relações Exteriores, José Serra, conhecido por defender enfaticamente uma mudança drástica de rumos no comércio exterior e que recentemente se disse guiado “pelo pragmatismo e pela busca de resultados palpáveis”. Conforme o decreto que modificou as funções da Apex, a agência deixará de ser mera fomentadora de “atividades de exportação que favoreçam empresas de pequeno porte e geração de empregos” e passará a enfatizar “ações estratégicas que promovam a inserção competitiva das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor, a atração de investimentos e a geração de empregos”, além de “apoiar as empresas de pequeno porte”. Trata-se de um objetivo muito mais ambicioso, condizente com o tamanho e o potencial da economia brasileira e alinhado com as exigências atuais do comércio internacional.
O caminho, contudo, é muito longo. Tanto Temer como Serra, em discursos recentes, lembraram que o Brasil, hoje, é apenas o 25.º exportador mundial. Não se chega a essa posição por acaso. Foram necessários anos de negligência, políticas erráticas e visão estreita para que o País ficasse tão para trás no comércio global. Temer não deixou de citar essa herança desastrosa: “Precisamos romper o relativo isolamento externo dos últimos anos. Negociamos poucos acordos, insuficientes em número e em impacto efetivo sobre nosso intercâmbio com o resto do mundo”. O presidente prometeu acelerar negociações entre o Mercosul e a União Europeia, “aprofundar conversas com outros parceiros” e recolocar o Mercosul “no caminho da normalidade”.
É um desafio e tanto. Para que o País seja bem-sucedido nessa seara, porém, não bastam medidas comerciais pontuais ou mesmo uma estratégia proativa nas relações exteriores. É preciso reduzir urgentemente o “custo Brasil” – somatório de deficiências estruturais que resulta no encarecimento dos produtos brasileiros no exterior. E isso passa necessariamente pela retomada da estabilidade fiscal e a consequente recuperação da capacidade de investimento, em especial em infraestrutura. Tudo isso torna mais urgentes as medidas de restauração das finanças públicas e da responsabilidade administrativa, sem as quais o Brasil não reunirá condições para sair do patamar internacional medíocre em que o lulopetismo o deixou.
Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década
Na abertura da reunião do Conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o presidente Michel Temer delineou as diretrizes da política que pretende implantar para, em suas palavras, “restaurar a centralidade do comércio e dos investimentos no conjunto das políticas de desenvolvimento do País”. Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década.
O que de mais importante se ouviu do presidente foi a intenção de restabelecer o pragmatismo no comércio exterior, retirando-o do atoleiro ideológico ao qual o lulopetismo o condenou. Em lugar de privilegiar acordos e negócios com países que pouco têm a oferecer ao Brasil além de duvidosas afinidades, o novo modelo obrigará o País a buscar as melhores oportunidades onde quer que elas estejam. O objetivo é fazer do comércio exterior um dos pilares da retomada do crescimento econômico e da geração de empregos. Como disse Temer, “essa é a demanda número um da sociedade brasileira”, e não o atendimento de interesses político-partidários, como se verificou durante os governos lulopetistas.
Embora se esteja apenas no terreno dos simbolismos e das boas intenções, os primeiros gestos do novo governo denotam real intenção de conferir substância aos anunciados objetivos. Em primeiro lugar, o próprio Michel Temer assumiu a presidência da Camex, um modo institucional de demonstrar que o estabelecimento de políticas de comércio exterior será decisão de Estado em seu mais alto nível.
O mesmo se deu com a gestão da Agência de Promoção de Exportações (Apex-Brasil), entregue ao ministro das Relações Exteriores, José Serra, conhecido por defender enfaticamente uma mudança drástica de rumos no comércio exterior e que recentemente se disse guiado “pelo pragmatismo e pela busca de resultados palpáveis”. Conforme o decreto que modificou as funções da Apex, a agência deixará de ser mera fomentadora de “atividades de exportação que favoreçam empresas de pequeno porte e geração de empregos” e passará a enfatizar “ações estratégicas que promovam a inserção competitiva das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor, a atração de investimentos e a geração de empregos”, além de “apoiar as empresas de pequeno porte”. Trata-se de um objetivo muito mais ambicioso, condizente com o tamanho e o potencial da economia brasileira e alinhado com as exigências atuais do comércio internacional.
O caminho, contudo, é muito longo. Tanto Temer como Serra, em discursos recentes, lembraram que o Brasil, hoje, é apenas o 25.º exportador mundial. Não se chega a essa posição por acaso. Foram necessários anos de negligência, políticas erráticas e visão estreita para que o País ficasse tão para trás no comércio global. Temer não deixou de citar essa herança desastrosa: “Precisamos romper o relativo isolamento externo dos últimos anos. Negociamos poucos acordos, insuficientes em número e em impacto efetivo sobre nosso intercâmbio com o resto do mundo”. O presidente prometeu acelerar negociações entre o Mercosul e a União Europeia, “aprofundar conversas com outros parceiros” e recolocar o Mercosul “no caminho da normalidade”.
É um desafio e tanto. Para que o País seja bem-sucedido nessa seara, porém, não bastam medidas comerciais pontuais ou mesmo uma estratégia proativa nas relações exteriores. É preciso reduzir urgentemente o “custo Brasil” – somatório de deficiências estruturais que resulta no encarecimento dos produtos brasileiros no exterior. E isso passa necessariamente pela retomada da estabilidade fiscal e a consequente recuperação da capacidade de investimento, em especial em infraestrutura. Tudo isso torna mais urgentes as medidas de restauração das finanças públicas e da responsabilidade administrativa, sem as quais o Brasil não reunirá condições para sair do patamar internacional medíocre em que o lulopetismo o deixou.
quinta-feira, setembro 29, 2016
Somos os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar - CONTARDO CALLIGARIS
FOLHA DE SP - 29/09
Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém.
Uso o Face apenas para selecionar um "feed" de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.
Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.
Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu –ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal.
Mesmo nos anos 1960 e 1970, meus anos mais militantes, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade.
Naquela época, eu lia "L'Unità", o cotidiano do Partido Comunista e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo –luta de classes, contradições principais e secundárias, estrutura e superestrutura etc.
Ora, junto com "L'Unità" eu sempre lia mais um jornal –o "Corriere della Sera", se eu estivesse em Milão, o "Journal de Genève", em Genebra, e o "Le Monde", em Paris.
Nesses segundos jornais, que eram de centro (mas eu jurava que eram "de direita"), eu verificava os fatos (em plena Guerra Fria, não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas –em geral, social-democratas laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.
Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava neles –embora os chamasse, eventualmente, de "lacaios da burguesia".
Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do "feed" do Face.
O "feed" do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal partidário, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).
A gente se queixa de que os grandes conglomerados da mídia estariam difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nossa própria Coreia do Norte e vivemos nela. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.
De um lado, o leitor do "feed" não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz.
O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu "jornal" as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.
Claro, não há hoje a obediência partidária dos anos 1970, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma –se não cresceu. Sumiu, em suma, a paixão do partido, mas não a do consenso.
Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.
Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o "feed" facilitam) será a polarização e o tribalismo.
Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas da apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.
Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém.
Uso o Face apenas para selecionar um "feed" de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.
Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.
Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu –ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal.
Mesmo nos anos 1960 e 1970, meus anos mais militantes, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade.
Naquela época, eu lia "L'Unità", o cotidiano do Partido Comunista e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo –luta de classes, contradições principais e secundárias, estrutura e superestrutura etc.
Ora, junto com "L'Unità" eu sempre lia mais um jornal –o "Corriere della Sera", se eu estivesse em Milão, o "Journal de Genève", em Genebra, e o "Le Monde", em Paris.
Nesses segundos jornais, que eram de centro (mas eu jurava que eram "de direita"), eu verificava os fatos (em plena Guerra Fria, não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas –em geral, social-democratas laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.
Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava neles –embora os chamasse, eventualmente, de "lacaios da burguesia".
Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do "feed" do Face.
O "feed" do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal partidário, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).
A gente se queixa de que os grandes conglomerados da mídia estariam difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nossa própria Coreia do Norte e vivemos nela. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.
De um lado, o leitor do "feed" não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz.
O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu "jornal" as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.
Claro, não há hoje a obediência partidária dos anos 1970, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma –se não cresceu. Sumiu, em suma, a paixão do partido, mas não a do consenso.
Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.
Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o "feed" facilitam) será a polarização e o tribalismo.
Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas da apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.
Faz um ano que diminui o total de dinheiro emprestado na economia - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 29/09
O naufrágio do crédito fez um ano em agosto. Faz 12 meses, diminui o total de dinheiro emprestado pelos bancos. Houve descidas mais longas, mas não se via uma tão profunda desde os tempos em que Fernando Collor confiscou os dinheiros, 1989-1990.
Apenas por milagres, imprevistos muito felizes, o crédito vai ajudar a economia a colocar a cabeça fora d'água. Não vai ajudar pelo menos até quase meados do ano que vem.
Trata-se de um chute estatístico informado, pois os bancos maiores ainda estão longe de estimar em público o quanto cada um pretende emprestar a mais em 2017.
Para dois bancões privados, as primeiras projeções do aumento total do crédito, o crescimento real (descontada a inflação) é algo em torno de zero.
Parece melhor do que o mergulho nas profundas deste ano, quando o total de dinheiro emprestado deve cair uns 9%. Por enquanto, até agosto, a baixa anual estava quase nisso. Logo, teríamos também chegado a um fundo do poço também no crédito.
As taxas de juros para o cliente final, pessoas físicas e empresas, deram uma paradinha na sua jornada para o espaço neste agosto —estavam em tendência de alta desde dezembro de 2014. Mas pode ter sido apenas por um soluço, difícil dizer. A inadimplência está quase inerte faz mais tempo.
Como em tudo mais, não chega a ser um consolo, dada a ruína à volta.
Em relação ao tamanho da economia, como proporção do valor do PIB, o crédito baixou de 54,53% em dezembro de 2015 para 51,13%. Perda de 3,4 pontos percentuais, uma enormidade; desses, 3 pontos percentuais foram em redução de crédito para pessoas jurídicas.
O estoque de crédito, o total de dinheiro que está emprestado, cai faz 12 meses (na comparação com o mesmo mês do ano anterior, em termos reais). No caso dos empréstimos para a compra de veículos, a baixa vem desde março de 2013, bem antes da recessão, que começaria um ano depois.
Eram os primeiros sinais de que a economia havia sido anabolizada, dopada.
Em agosto, a baixa anual do saldo de crédito para veículos era ainda de mais de 20%, também um aparente "fundo do poço". Desde o início da derrocada, no início de 2013, o total de dinheiro emprestado para financiar veículos caiu cerca R$ 100 bilhões, para os R$ 146 bilhões do mês passado.
A ociosidade nas fábricas de carros, caminhões etc. anda na casa dos 40% ou mais. Um monte de investimento está sem uso, fábricas e trabalhadores, desempregados, capital, parado.
Não dá para comparar com o desastre dos investimentos superfaturados, roubados ou incompetentes feitos, por exemplo, pela Petrobras dos anos de Dilma Rousseff em particular. Foram dezenas de bilhões destinados a instalações e negócios que não renderão nada.
Mas por várias partes da economia a gente vê elefantes brancos, obras pela metade, superinvestimentos em parte induzidos por anabolizantes de crédito estatal ou subsidiado, além de incentivos ao consumo na forma de reduções insustentáveis de impostos.
Foi muita droga de crédito e subsídio na veia.
O naufrágio do crédito fez um ano em agosto. Faz 12 meses, diminui o total de dinheiro emprestado pelos bancos. Houve descidas mais longas, mas não se via uma tão profunda desde os tempos em que Fernando Collor confiscou os dinheiros, 1989-1990.
Apenas por milagres, imprevistos muito felizes, o crédito vai ajudar a economia a colocar a cabeça fora d'água. Não vai ajudar pelo menos até quase meados do ano que vem.
Trata-se de um chute estatístico informado, pois os bancos maiores ainda estão longe de estimar em público o quanto cada um pretende emprestar a mais em 2017.
Para dois bancões privados, as primeiras projeções do aumento total do crédito, o crescimento real (descontada a inflação) é algo em torno de zero.
Parece melhor do que o mergulho nas profundas deste ano, quando o total de dinheiro emprestado deve cair uns 9%. Por enquanto, até agosto, a baixa anual estava quase nisso. Logo, teríamos também chegado a um fundo do poço também no crédito.
As taxas de juros para o cliente final, pessoas físicas e empresas, deram uma paradinha na sua jornada para o espaço neste agosto —estavam em tendência de alta desde dezembro de 2014. Mas pode ter sido apenas por um soluço, difícil dizer. A inadimplência está quase inerte faz mais tempo.
Como em tudo mais, não chega a ser um consolo, dada a ruína à volta.
Em relação ao tamanho da economia, como proporção do valor do PIB, o crédito baixou de 54,53% em dezembro de 2015 para 51,13%. Perda de 3,4 pontos percentuais, uma enormidade; desses, 3 pontos percentuais foram em redução de crédito para pessoas jurídicas.
O estoque de crédito, o total de dinheiro que está emprestado, cai faz 12 meses (na comparação com o mesmo mês do ano anterior, em termos reais). No caso dos empréstimos para a compra de veículos, a baixa vem desde março de 2013, bem antes da recessão, que começaria um ano depois.
Eram os primeiros sinais de que a economia havia sido anabolizada, dopada.
Em agosto, a baixa anual do saldo de crédito para veículos era ainda de mais de 20%, também um aparente "fundo do poço". Desde o início da derrocada, no início de 2013, o total de dinheiro emprestado para financiar veículos caiu cerca R$ 100 bilhões, para os R$ 146 bilhões do mês passado.
A ociosidade nas fábricas de carros, caminhões etc. anda na casa dos 40% ou mais. Um monte de investimento está sem uso, fábricas e trabalhadores, desempregados, capital, parado.
Não dá para comparar com o desastre dos investimentos superfaturados, roubados ou incompetentes feitos, por exemplo, pela Petrobras dos anos de Dilma Rousseff em particular. Foram dezenas de bilhões destinados a instalações e negócios que não renderão nada.
Mas por várias partes da economia a gente vê elefantes brancos, obras pela metade, superinvestimentos em parte induzidos por anabolizantes de crédito estatal ou subsidiado, além de incentivos ao consumo na forma de reduções insustentáveis de impostos.
Foi muita droga de crédito e subsídio na veia.
Reforma do trabalho - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 29/09
Mesmo com o desemprego em 11,6%, a reforma trabalhista saiu da lista de prioridades do governo e já circulam rumores de que pode até ser deixada de lado. Diminuir as distorções que regulam o mercado de trabalho seria uma opção para estimular as contratações neste momento de crise. A principal mudança defendida por especialistas é permitir que trabalhadores e empregadores negociem antes de ir à Justiça.
Os economistas José Márcio Camargo, da PUC-Rio e Opus Gestão de Recursos, e Hélio Zylberstajn, do Departamento de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fipe, têm visão semelhante sobre o principal problema das leis trabalhistas do país: a negociação acontece apenas no final do contrato, quando no meio do litígio uma das partes recorre à Justiça em busca de alguma compensação.
— Antes, a negociação é proibida; depois, pode. O juiz sempre propõe um acordo e, quando consegue, é porque as leis foram flexibilizadas. Isso é uma distorção enorme. A Justiça, na prática, está fazendo as leis, e as empresas ficam sem saber exatamente qual o custo de cada funcionário. Ele poderá ir à Justiça, que irá arbitrar o que quiser — diz José Márcio Camargo.
Zylberstajn defende que a CLT seja mantida, mas que abra-se uma brecha para que empresas e trabalhadores possam negociar por fora da lei. Assim, haveria duas modalidades de relação trabalhista: a negociada e a que ficaria dentro das regras atuais.
— Acho que deveriam criar um artigo zero, para vir antes de tudo, e colocar a negociação na frente. Não adianta tentar modernizar a CLT, porque isso só vai aumentar o número de regras, e o mercado de trabalho é dinâmico. Deve-se deixar ela como está, mas prevalecendo o que for negociado — afirmou o economista.
Camargo dá um exemplo de como a CLT gera distorções. O balneário de Búzios, no estado do Rio, tem um aumento de cerca de 40% de população nos finais de semana, mas parte do comércio fecha as portas a partir de sábado ao meio-dia, porque a hora trabalhada nos finais de semana custa o dobro, segundo as leis. Com isso, os comerciantes perdem, porque deixam de vender; os consumidores ficam sem o serviço quando mais precisam; e os trabalhadores deixam de ganhar com as comissões nas vendas.
— Por que o dono da loja não pode sentar com seu funcionário e estabelecer que ele trabalhará no final de semana e depois irá folgar de segunda a quarta-feira? O setor de serviços não é como o setor industrial, que pode estocar mercadoria. É preciso que as regras sejam flexibilizadas para que o serviço seja prestado no período de maior demanda — afirmou.
Os dois economistas lembram de regras que não fazem sentido e apenas expõem o excesso de regulação: a partir dos 50 anos de idade, o trabalhador não pode dividir o período de férias, mesmo que queira; o pagamento de participação nos lucros e resultados, mecanismo usado para estimular a produtividade, não pode ser pago mensalmente; e o horário de almoço não pode ser reduzido, mesmo que o empregado queira chegar mais cedo em casa para ficar mais tempo com a família.
— Há casos em que a empresa coloca transporte à disposição do trabalhador, para que ele não tenha que se preocupar com trânsito e transporte público. Mas aí vem a Justiça e diz que dentro do ônibus já começa a contar as horas trabalhadas. Se a empresa quer ajudar, é prejudicada. Se não ajuda, o trabalhador chega cansado e tem produtividade menor — afirmou Zylberstajn.
Outra mudança defendida por José Márcio Camargo é sobre terceirização. Ele diz que se as regras brasileiras estivessem em vigor nos Estados Unidos, os americanos não teriam inventado e comercializado o smart phone, porque o aparelho teria um custo absurdamente alto. Hoje, a terceirização só pode acontecer quando não é atividade fim da empresa brasileira, mas a decisão sobre o que ée o que é não é atividade fim acaba sendo arbitrada pela Justiça:
— O aumento do custo de produção é muito grande quando a empresa precisa fazer tudo dentro dela.
A CLT envelheceu, hoje trava o emprego mais do que o protege, e 40% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade. O desemprego permanece altíssimo. Mas o ímpeto de mexer nesse tema espinhoso está arrefecendo no governo Temer.
Mesmo com o desemprego em 11,6%, a reforma trabalhista saiu da lista de prioridades do governo e já circulam rumores de que pode até ser deixada de lado. Diminuir as distorções que regulam o mercado de trabalho seria uma opção para estimular as contratações neste momento de crise. A principal mudança defendida por especialistas é permitir que trabalhadores e empregadores negociem antes de ir à Justiça.
Os economistas José Márcio Camargo, da PUC-Rio e Opus Gestão de Recursos, e Hélio Zylberstajn, do Departamento de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fipe, têm visão semelhante sobre o principal problema das leis trabalhistas do país: a negociação acontece apenas no final do contrato, quando no meio do litígio uma das partes recorre à Justiça em busca de alguma compensação.
— Antes, a negociação é proibida; depois, pode. O juiz sempre propõe um acordo e, quando consegue, é porque as leis foram flexibilizadas. Isso é uma distorção enorme. A Justiça, na prática, está fazendo as leis, e as empresas ficam sem saber exatamente qual o custo de cada funcionário. Ele poderá ir à Justiça, que irá arbitrar o que quiser — diz José Márcio Camargo.
Zylberstajn defende que a CLT seja mantida, mas que abra-se uma brecha para que empresas e trabalhadores possam negociar por fora da lei. Assim, haveria duas modalidades de relação trabalhista: a negociada e a que ficaria dentro das regras atuais.
— Acho que deveriam criar um artigo zero, para vir antes de tudo, e colocar a negociação na frente. Não adianta tentar modernizar a CLT, porque isso só vai aumentar o número de regras, e o mercado de trabalho é dinâmico. Deve-se deixar ela como está, mas prevalecendo o que for negociado — afirmou o economista.
Camargo dá um exemplo de como a CLT gera distorções. O balneário de Búzios, no estado do Rio, tem um aumento de cerca de 40% de população nos finais de semana, mas parte do comércio fecha as portas a partir de sábado ao meio-dia, porque a hora trabalhada nos finais de semana custa o dobro, segundo as leis. Com isso, os comerciantes perdem, porque deixam de vender; os consumidores ficam sem o serviço quando mais precisam; e os trabalhadores deixam de ganhar com as comissões nas vendas.
— Por que o dono da loja não pode sentar com seu funcionário e estabelecer que ele trabalhará no final de semana e depois irá folgar de segunda a quarta-feira? O setor de serviços não é como o setor industrial, que pode estocar mercadoria. É preciso que as regras sejam flexibilizadas para que o serviço seja prestado no período de maior demanda — afirmou.
Os dois economistas lembram de regras que não fazem sentido e apenas expõem o excesso de regulação: a partir dos 50 anos de idade, o trabalhador não pode dividir o período de férias, mesmo que queira; o pagamento de participação nos lucros e resultados, mecanismo usado para estimular a produtividade, não pode ser pago mensalmente; e o horário de almoço não pode ser reduzido, mesmo que o empregado queira chegar mais cedo em casa para ficar mais tempo com a família.
— Há casos em que a empresa coloca transporte à disposição do trabalhador, para que ele não tenha que se preocupar com trânsito e transporte público. Mas aí vem a Justiça e diz que dentro do ônibus já começa a contar as horas trabalhadas. Se a empresa quer ajudar, é prejudicada. Se não ajuda, o trabalhador chega cansado e tem produtividade menor — afirmou Zylberstajn.
Outra mudança defendida por José Márcio Camargo é sobre terceirização. Ele diz que se as regras brasileiras estivessem em vigor nos Estados Unidos, os americanos não teriam inventado e comercializado o smart phone, porque o aparelho teria um custo absurdamente alto. Hoje, a terceirização só pode acontecer quando não é atividade fim da empresa brasileira, mas a decisão sobre o que ée o que é não é atividade fim acaba sendo arbitrada pela Justiça:
— O aumento do custo de produção é muito grande quando a empresa precisa fazer tudo dentro dela.
A CLT envelheceu, hoje trava o emprego mais do que o protege, e 40% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade. O desemprego permanece altíssimo. Mas o ímpeto de mexer nesse tema espinhoso está arrefecendo no governo Temer.
Eficientes na destruição - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 29/09
Brasil do PT criou sistemas ineficientes e corruptos dos principais setores da economia aos mais simples serviços públicos
Quanto tempo, dinheiro, energia e criatividade o pessoal da Odebrecht gastou para montar e manter por tantos anos o tal “Departamento de Operações Estruturadas”? O sistema supervisionava, calculava e executava os pagamentos de comissões — propinas, corrige a Lava-Jato — referentes a grandes obras no Brasil inteiro e em diversos outros países. Considere-se ainda que os pagamentos deviam ser dissimulados, o que trazia o trabalho adicional de esconder a circulação do dinheiro e ocultar os nomes dos destinatários. Coloquem na história os funcionários que criavam os codinomes dos beneficiários — Casa de Doido, Proximus, O Santo, Barba Verde, Lampadinha — e a gente tem de reconhecer: os caras eram eficientes.
Nenhuma economia cresce sem companhias eficientes. Elas extraem mais riqueza do capital e do trabalho e, com isso, reduzem o custo de produção, entregando mercadorias e serviços melhores e mais baratos.
Pois o “Departamento de Operações Estruturadas” foi eficiente na geração de uma enorme ineficiência. Tudo aquilo é parte do custo Brasil — encarece as obras, elimina a competição, afasta empresas de qualidade e simplesmente rouba dinheiro público.
Há aqui dois roubos: um direto, o sobrepreço que se coloca nas obras para fazer o caixa que alimenta as propinas; o outro roubo é indireto e mais espalhado. Está no aumento dos custos de toda a operação econômica.
Na última terça, a Fundação Dom Cabral divulgou a versão 2016 do ranking mundial de competitividade, que produz em associação com o Fórum Econômico Mundial. O Brasil apareceu no 81º lugar, pior posição desde que o estudo é feito, atrás dos principais emergentes, bem atrás dos demais países do Brics.
Mais importante ainda: se o Brasil caiu 33 posições nos últimos seis anos, os demais emergentes importantes ganharam posições com reformas e mais atividade econômica. Prova-se assim, mais uma vez, que a crise brasileira é “coisa nossa”, genuína produção nacional.
Os governos Lula 2 e Dilma foram tão eficientes na geração do desastre quanto a Odebrecht com suas operações estruturadas. Uma política econômica que provoca recessão — por três anos seguidos — com inflação em alta, juros elevadíssimos e dívida nas alturas, tudo ao mesmo tempo, com quebradeira geral das maiores estatais — eis uma proeza que parecia impossível.
Para completar, a eliminação de qualquer critério de mérito na montagem do governo e suas agências arrasou a eficiência da administração pública e, por tabela, da empresa privada que tinha negócios com esse governo.
Em circunstâncias normais, numa economia de mercado, a empresa privada opera tendo como base as leis e as regulações que devem ser neutras e iguais para todos. A Petrobras precisava ter regras públicas para contratação de obras e serviços.
Em vez disso, o que a Lava-Jato nos mostrou? Um labirinto de negociações escondidas, operações dissimuladas, manipulações de lei e regras.
Às vezes, a gente pensa: caramba, não teria sido mais simples fazer a coisa legal? Sabe o aluno que gasta enorme energia e capacidade bolando uma cola eficiente e acaba descobrindo que gastaria menos estudando?
A diferença no setor público é que o estudo não dá dinheiro. A cola dá um dinheirão para partidos, seus políticos, amigos e companheiros.
Nenhum país fica rico sem ganhos de produtividade. O Brasil da era PT perdeu produtividade. Mas, pior que isso, criou sistemas ineficientes e corruptos desde os principais setores da economia — construção civil, indústria de óleo e gás — até os mais simples serviços públicos, como a concessão de bolsa-pescador ou auxílio-doença.
SOBRANDO DINHEIRO
Como o Brasil do pré-sal, a Noruega também descobriu enormes jazidas de petróleo. Também constituiu uma estatal — a Statoil — para extração e produção.
Mas os noruegueses tomaram a decisão de guardar a receita do óleo. Constituíram um fundo soberano, alimentado com os ganhos da Statoil, fundo este que passou a investir sobretudo em ações pelo mundo afora. Esses investimentos deram lucros — e este dinheiro, sim, é gasto pelo governo. E o fundão é reserva para as aposentadorias.
O fundo norueguês é hoje o maior do mundo — tem um capital investido de US$ 880 bilhões.
Já o Brasil gastou antes de fazer o dinheiro.
O pré-sal está atrasado, perdemos o boom dos preços astronômicos do petróleo e a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo. Outro dia mesmo, vendeu um poço para a Statoil, para fazer caixa. E Dilma dizia que estava construindo o futuro. De quem?
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Quanto tempo, dinheiro, energia e criatividade o pessoal da Odebrecht gastou para montar e manter por tantos anos o tal “Departamento de Operações Estruturadas”? O sistema supervisionava, calculava e executava os pagamentos de comissões — propinas, corrige a Lava-Jato — referentes a grandes obras no Brasil inteiro e em diversos outros países. Considere-se ainda que os pagamentos deviam ser dissimulados, o que trazia o trabalho adicional de esconder a circulação do dinheiro e ocultar os nomes dos destinatários. Coloquem na história os funcionários que criavam os codinomes dos beneficiários — Casa de Doido, Proximus, O Santo, Barba Verde, Lampadinha — e a gente tem de reconhecer: os caras eram eficientes.
Nenhuma economia cresce sem companhias eficientes. Elas extraem mais riqueza do capital e do trabalho e, com isso, reduzem o custo de produção, entregando mercadorias e serviços melhores e mais baratos.
Pois o “Departamento de Operações Estruturadas” foi eficiente na geração de uma enorme ineficiência. Tudo aquilo é parte do custo Brasil — encarece as obras, elimina a competição, afasta empresas de qualidade e simplesmente rouba dinheiro público.
Há aqui dois roubos: um direto, o sobrepreço que se coloca nas obras para fazer o caixa que alimenta as propinas; o outro roubo é indireto e mais espalhado. Está no aumento dos custos de toda a operação econômica.
Na última terça, a Fundação Dom Cabral divulgou a versão 2016 do ranking mundial de competitividade, que produz em associação com o Fórum Econômico Mundial. O Brasil apareceu no 81º lugar, pior posição desde que o estudo é feito, atrás dos principais emergentes, bem atrás dos demais países do Brics.
Mais importante ainda: se o Brasil caiu 33 posições nos últimos seis anos, os demais emergentes importantes ganharam posições com reformas e mais atividade econômica. Prova-se assim, mais uma vez, que a crise brasileira é “coisa nossa”, genuína produção nacional.
Os governos Lula 2 e Dilma foram tão eficientes na geração do desastre quanto a Odebrecht com suas operações estruturadas. Uma política econômica que provoca recessão — por três anos seguidos — com inflação em alta, juros elevadíssimos e dívida nas alturas, tudo ao mesmo tempo, com quebradeira geral das maiores estatais — eis uma proeza que parecia impossível.
Para completar, a eliminação de qualquer critério de mérito na montagem do governo e suas agências arrasou a eficiência da administração pública e, por tabela, da empresa privada que tinha negócios com esse governo.
Em circunstâncias normais, numa economia de mercado, a empresa privada opera tendo como base as leis e as regulações que devem ser neutras e iguais para todos. A Petrobras precisava ter regras públicas para contratação de obras e serviços.
Em vez disso, o que a Lava-Jato nos mostrou? Um labirinto de negociações escondidas, operações dissimuladas, manipulações de lei e regras.
Às vezes, a gente pensa: caramba, não teria sido mais simples fazer a coisa legal? Sabe o aluno que gasta enorme energia e capacidade bolando uma cola eficiente e acaba descobrindo que gastaria menos estudando?
A diferença no setor público é que o estudo não dá dinheiro. A cola dá um dinheirão para partidos, seus políticos, amigos e companheiros.
Nenhum país fica rico sem ganhos de produtividade. O Brasil da era PT perdeu produtividade. Mas, pior que isso, criou sistemas ineficientes e corruptos desde os principais setores da economia — construção civil, indústria de óleo e gás — até os mais simples serviços públicos, como a concessão de bolsa-pescador ou auxílio-doença.
SOBRANDO DINHEIRO
Como o Brasil do pré-sal, a Noruega também descobriu enormes jazidas de petróleo. Também constituiu uma estatal — a Statoil — para extração e produção.
Mas os noruegueses tomaram a decisão de guardar a receita do óleo. Constituíram um fundo soberano, alimentado com os ganhos da Statoil, fundo este que passou a investir sobretudo em ações pelo mundo afora. Esses investimentos deram lucros — e este dinheiro, sim, é gasto pelo governo. E o fundão é reserva para as aposentadorias.
O fundo norueguês é hoje o maior do mundo — tem um capital investido de US$ 880 bilhões.
Já o Brasil gastou antes de fazer o dinheiro.
O pré-sal está atrasado, perdemos o boom dos preços astronômicos do petróleo e a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo. Outro dia mesmo, vendeu um poço para a Statoil, para fazer caixa. E Dilma dizia que estava construindo o futuro. De quem?
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Prozac no cafezinho - FÁBIO ALVES
ESTADÃO - 29/09
Para analistas, perda de fôlego da inflação abrirá espaço para queda forte dos juros
Ao se levar em conta as estimativas de inflação, Produto Interno Bruto (PIB) e resultado nominal das contas públicas, os analistas ouvidos pelo Banco Central esperam um céu de brigadeiro para o Brasil nos próximos quatro anos. Alguns chegam a prever um futuro para lá de animador. Com base nas projeções, é possível deduzir que esses analistas do mercado financeiro esperam um comportamento mais que exemplar dos parlamentares brasileiros, embutindo nos números para as principais variáveis macroeconômicas a aprovação praticamente intacta de medidas importantes do ajuste fiscal, como a proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação do ano anterior, e de reformas, como a da Previdência.
Na pesquisa semanal Focus, divulgada pelo BC, a mediana das estimativas dos analistas para o índice oficial de preços ao consumidor, o IPCA, para 2017 é de 5,07%, enquanto que para 2018, 2019 e 2020, a projeção é de 4,5%, ou o centro da meta de inflação. No Relatório Trimestral de Inflação (RTI), publicado na terça-feira, o BC prevê no cenário de referência (levando-se em conta um dólar a R$ 3,30 e uma taxa Selic a 14,25%) que a inflação em 2017 será de 4,4% e apenas 3,8% em 2018. Para os analistas, a perda de fôlego da inflação abrirá espaço para uma queda forte dos juros: a Selic deverá encerrar 2017 a 11%.
Os economistas do banco Itaú estão entre os mais otimistas. Eles projetam um crescimento do PIB de 2% em 2017 e de 4% em 2018. Para o Itaú, a inflação deve subir 4,8% em 2017, levando o BC a cortar os juros básicos para 10% no fim do ano que vem. Há ainda os mais confiantes no ciclo de corte de juros: o banco BNP Paribas espera uma taxa Selic de 9,25% ao fim de 2017. Será que tamanho otimismo é justificável?
Não faz tanto tempo que a dinâmica da dívida bruta brasileira gerava alarme entre analistas e investidores, especialmente no auge do pessimismo no governo Dilma Rousseff, levando a projeções mais altas de inflação e menor espaço para queda dos juros básicos. Muitos chegaram a dizer que, se nada fosse feito para uma redução estrutural dos gastos públicos, o Brasil caminhava para se tornar a Grécia, que ainda sofre as consequências de uma situação de insolvência fiscal. O que mudou efetivamente para essa mudança de visão sobre o horizonte macroeconômico brasileiro? O que foi aprovado desde que Michel Temer assumiu a presidência para endossar, de fato, as projeções de inflação e juros em queda e de crescimento mais acelerado da economia?
Os analistas ouvidos na pesquisa Focus esperam uma queda do déficit nominal de 9% do PIB em 2017 para 6% do PIB em 2020. Boa parte disso é em razão da expectativa de redução da Selic pelo BC, uma vez que o déficit nominal reflete as despesas com juros da dívida e também o resultado primário, ou seja, o que o governo consegue poupar antes de pagar juros. O banco Safra, por exemplo, estima que a dívida bruta brasileira saltará de 73,8% do PIB em 2016 para 79,7% do PIB em 2017. Em 2013, estava em 51,7%. Já o banco Société Générale, num cenário base de crescimento econômico moderado e de inflação e juros baixos, estima que a dívida bruta atingirá 104% do PIB em 2024. Mas os analistas do banco francês alertam: se o governo brasileiro fracassar em controlar a situação fiscal no médio prazo, esse porcentual baterá em 152% do PIB em 2030.
Com essa trajetória da dívida bruta, é possível prever que a inflação caminhará para 4,5% de forma sustentável nos próximos quatro anos e que haverá espaço para um corte agressivo da Selic até o fim de 2017? Todavia, apenas se o Congresso aprovar a PEC dos gastos com um prazo de vigência de 20 anos e, além disso, uma reforma da Previdência mais ampla (idade mínima de 65 anos, unificação dos sistemas público e privado e desvinculação dos benefícios do salário mínimo), o otimismo hoje faz sentido. Mas em 2012, quando as projeções para 2016 entraram na pesquisa Focus, os analistas chegaram a prever crescimento acima de 4% do PIB e inflação de 4,5% para este ano – mais longe do que se caminha a realidade impossível!
Para analistas, perda de fôlego da inflação abrirá espaço para queda forte dos juros
Ao se levar em conta as estimativas de inflação, Produto Interno Bruto (PIB) e resultado nominal das contas públicas, os analistas ouvidos pelo Banco Central esperam um céu de brigadeiro para o Brasil nos próximos quatro anos. Alguns chegam a prever um futuro para lá de animador. Com base nas projeções, é possível deduzir que esses analistas do mercado financeiro esperam um comportamento mais que exemplar dos parlamentares brasileiros, embutindo nos números para as principais variáveis macroeconômicas a aprovação praticamente intacta de medidas importantes do ajuste fiscal, como a proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação do ano anterior, e de reformas, como a da Previdência.
Na pesquisa semanal Focus, divulgada pelo BC, a mediana das estimativas dos analistas para o índice oficial de preços ao consumidor, o IPCA, para 2017 é de 5,07%, enquanto que para 2018, 2019 e 2020, a projeção é de 4,5%, ou o centro da meta de inflação. No Relatório Trimestral de Inflação (RTI), publicado na terça-feira, o BC prevê no cenário de referência (levando-se em conta um dólar a R$ 3,30 e uma taxa Selic a 14,25%) que a inflação em 2017 será de 4,4% e apenas 3,8% em 2018. Para os analistas, a perda de fôlego da inflação abrirá espaço para uma queda forte dos juros: a Selic deverá encerrar 2017 a 11%.
Os economistas do banco Itaú estão entre os mais otimistas. Eles projetam um crescimento do PIB de 2% em 2017 e de 4% em 2018. Para o Itaú, a inflação deve subir 4,8% em 2017, levando o BC a cortar os juros básicos para 10% no fim do ano que vem. Há ainda os mais confiantes no ciclo de corte de juros: o banco BNP Paribas espera uma taxa Selic de 9,25% ao fim de 2017. Será que tamanho otimismo é justificável?
Não faz tanto tempo que a dinâmica da dívida bruta brasileira gerava alarme entre analistas e investidores, especialmente no auge do pessimismo no governo Dilma Rousseff, levando a projeções mais altas de inflação e menor espaço para queda dos juros básicos. Muitos chegaram a dizer que, se nada fosse feito para uma redução estrutural dos gastos públicos, o Brasil caminhava para se tornar a Grécia, que ainda sofre as consequências de uma situação de insolvência fiscal. O que mudou efetivamente para essa mudança de visão sobre o horizonte macroeconômico brasileiro? O que foi aprovado desde que Michel Temer assumiu a presidência para endossar, de fato, as projeções de inflação e juros em queda e de crescimento mais acelerado da economia?
Os analistas ouvidos na pesquisa Focus esperam uma queda do déficit nominal de 9% do PIB em 2017 para 6% do PIB em 2020. Boa parte disso é em razão da expectativa de redução da Selic pelo BC, uma vez que o déficit nominal reflete as despesas com juros da dívida e também o resultado primário, ou seja, o que o governo consegue poupar antes de pagar juros. O banco Safra, por exemplo, estima que a dívida bruta brasileira saltará de 73,8% do PIB em 2016 para 79,7% do PIB em 2017. Em 2013, estava em 51,7%. Já o banco Société Générale, num cenário base de crescimento econômico moderado e de inflação e juros baixos, estima que a dívida bruta atingirá 104% do PIB em 2024. Mas os analistas do banco francês alertam: se o governo brasileiro fracassar em controlar a situação fiscal no médio prazo, esse porcentual baterá em 152% do PIB em 2030.
Com essa trajetória da dívida bruta, é possível prever que a inflação caminhará para 4,5% de forma sustentável nos próximos quatro anos e que haverá espaço para um corte agressivo da Selic até o fim de 2017? Todavia, apenas se o Congresso aprovar a PEC dos gastos com um prazo de vigência de 20 anos e, além disso, uma reforma da Previdência mais ampla (idade mínima de 65 anos, unificação dos sistemas público e privado e desvinculação dos benefícios do salário mínimo), o otimismo hoje faz sentido. Mas em 2012, quando as projeções para 2016 entraram na pesquisa Focus, os analistas chegaram a prever crescimento acima de 4% do PIB e inflação de 4,5% para este ano – mais longe do que se caminha a realidade impossível!
Economia criativa e o futuro do (nosso) trabalho - ANA CARLA FONSECA
ESTADÃO - 29/09
Reinventar a educação, apoiar o empreendedorismo e estimular novos pensamentos passou a ser uma atividade vital nesse novo mundo
Foi graças a ela que a roda foi inventada, obras de arte sublimes foram concebidas e descobertas científicas revolucionárias vieram à luz. Ingrediente básico da inovação, a imprescindível criatividade move a humanidade desde tempos imemoriais.
Mas foi a partir de meados da década de 1990 que ela se firmou (ou voltou a se firmar) como o ativo mais diferencial da economia. Sua grande aliada nesse processo foram as tecnologias digitais.
Basta relembrar o que era o mundo há 20 ou 30 anos - sem wifi, redes sociais, aplicativos ou internet das coisas - para perceber o abalo sísmico que as tecnologias digitais provocaram nas relações sociais, na globalização, na competitividade e, por decorrência, na valorização da criatividade.
Afinal, em um mundo cada vez mais interconectado, as informações e a tecnologia circulam com velocidade inaudita em escala planetária e os produtos e serviços passam a ser cada vez mais semelhantes.
Se tudo é tão parecido, o antídoto a concorrer por preços baixos é gerar diferencial agregando valor - e, para isso, só com criatividade. É essa a base da economia criativa, termo que entrou na moda mas é na verdade um novo paradigma econômico.
O primeiro país que entendeu seu potencial como estratégia de desenvolvimento, ainda nos idos de 1997, foi o Reino Unido. Um primeiro exercício de mapeamento indicou que havia um conjunto de setores - da moda ao software, do editorial ao design - que cresciam mais rapidamente do que os demais, eram mais atraentes a jovens e tinham maior valor agregado. Batizados de “indústrias criativas”, são setores cuja matéria-prima é a criatividade. Códigos e livros há muitos, mas a cada vez que se escreve uma linha de um deles, há algo de único nesse novo formato de criação.
Uma das grandes belezas das indústrias criativas é a capacidade de dinamizar setores tradicionais da economia, como em um salutar efeito dominó.
É o caso do impacto potencial de novas propostas da moda no setor têxtil, da arquitetura na construção civil, do design em virtualmente toda a economia. É isso que constitui a economia criativa - atividades econômicas que geram produtos e serviços com diferencial. Mas se antes era vista como uma oportunidade, a economia criativa agora é uma necessidade.
A vasta maioria dos estudos voltados ao futuro do trabalho - assinados pelo Fórum Econômico Mundial e pela Economist Intelligence Unit, para nos atermos a alguns - constatam o que a prática já indica. Em um futuro cada vez mais próximo, a automação industrial poupará somente os trabalhos criativos (ou seja, não repetitivos) e os de inteligência social (baseados nas relações humanas). Os demais - inclusive os cargos executivos - deverão ser substituídos pela inteligência artificial. Constatam mais: hoje, muito se investe em tecnologia e menos em pessoas - mas quem criará as futuras tecnologias?
Diante desse quadro, reinventar a educação, investir em empreendedorismo, estimular a diversidade de pensamento, facilitar o ambiente de negócios e dar vazão a novos modelos de economia, como a compartilhada - passou a ser vital. Cidades, empresas e fundos passaram a investir em startups, aceleradoras, incubadoras, em escala inédita. A cidade de Paris, por exemplo, inaugurará em janeiro a Estação F, acolhendo mil startups.
As cidades mais avançadas nesse pensamento perceberam que, hoje em dia, não basta investir em parques tecnológicos padronizados com mesas de pebolim e espaços de cowork, ou abrigar essa efervescência criativa em uma bolha urbana.
Cidades que adotaram a economia criativa como estratégia vêm reconhecendo a importância de investir em um locus urbano que nutra, estimule e atice essa efervescência criativa, não apenas para somar novos ingredientes às receitas que cada trabalhador criativo pode inventar, mas também porque é nesses locais que quem respira e transpira criatividade quer estar.
Basta pensar em Barcelona, Londres, Berlim, Nova York - todas elas cidades sinestésicas, onde propostas arrojadas encontram oxigênio e nas quais a possibilidade de se encantar e inspirar no trabalho e fora dele é dada como certa. Porque a fronteira entre a vida e o trabalho é cada vez mais fluida e não há como ser criativo vivendo apenas em um ambiente apático.
Incorporar a economia criativa como base de desenvolvimento é fundamental para que saiamos da recessão em um patamar mais elevado, seja qual for a esfera de governo. Mas é no âmbito das cidades que estão as maiores chances de reinvenção, valendo-se da preciosa simbiose entre economia criativa e cidade criativa. É nisso que nossos futuros gestores municipais devem atentar - e nós, ao votarmos neles.
*ANA CARLA FONSECA É CO-COORDENADORA DO PEC/FGV DE ECONOMIA CRIATIVA E CIDADES E PROFESSORA DO MBA DE BENS CULTURAIS. TAMBÉM DIRETORA DA GARIMPO DE SOLUÇÕES
Reinventar a educação, apoiar o empreendedorismo e estimular novos pensamentos passou a ser uma atividade vital nesse novo mundo
Foi graças a ela que a roda foi inventada, obras de arte sublimes foram concebidas e descobertas científicas revolucionárias vieram à luz. Ingrediente básico da inovação, a imprescindível criatividade move a humanidade desde tempos imemoriais.
Mas foi a partir de meados da década de 1990 que ela se firmou (ou voltou a se firmar) como o ativo mais diferencial da economia. Sua grande aliada nesse processo foram as tecnologias digitais.
Basta relembrar o que era o mundo há 20 ou 30 anos - sem wifi, redes sociais, aplicativos ou internet das coisas - para perceber o abalo sísmico que as tecnologias digitais provocaram nas relações sociais, na globalização, na competitividade e, por decorrência, na valorização da criatividade.
Afinal, em um mundo cada vez mais interconectado, as informações e a tecnologia circulam com velocidade inaudita em escala planetária e os produtos e serviços passam a ser cada vez mais semelhantes.
Se tudo é tão parecido, o antídoto a concorrer por preços baixos é gerar diferencial agregando valor - e, para isso, só com criatividade. É essa a base da economia criativa, termo que entrou na moda mas é na verdade um novo paradigma econômico.
O primeiro país que entendeu seu potencial como estratégia de desenvolvimento, ainda nos idos de 1997, foi o Reino Unido. Um primeiro exercício de mapeamento indicou que havia um conjunto de setores - da moda ao software, do editorial ao design - que cresciam mais rapidamente do que os demais, eram mais atraentes a jovens e tinham maior valor agregado. Batizados de “indústrias criativas”, são setores cuja matéria-prima é a criatividade. Códigos e livros há muitos, mas a cada vez que se escreve uma linha de um deles, há algo de único nesse novo formato de criação.
Uma das grandes belezas das indústrias criativas é a capacidade de dinamizar setores tradicionais da economia, como em um salutar efeito dominó.
É o caso do impacto potencial de novas propostas da moda no setor têxtil, da arquitetura na construção civil, do design em virtualmente toda a economia. É isso que constitui a economia criativa - atividades econômicas que geram produtos e serviços com diferencial. Mas se antes era vista como uma oportunidade, a economia criativa agora é uma necessidade.
A vasta maioria dos estudos voltados ao futuro do trabalho - assinados pelo Fórum Econômico Mundial e pela Economist Intelligence Unit, para nos atermos a alguns - constatam o que a prática já indica. Em um futuro cada vez mais próximo, a automação industrial poupará somente os trabalhos criativos (ou seja, não repetitivos) e os de inteligência social (baseados nas relações humanas). Os demais - inclusive os cargos executivos - deverão ser substituídos pela inteligência artificial. Constatam mais: hoje, muito se investe em tecnologia e menos em pessoas - mas quem criará as futuras tecnologias?
Diante desse quadro, reinventar a educação, investir em empreendedorismo, estimular a diversidade de pensamento, facilitar o ambiente de negócios e dar vazão a novos modelos de economia, como a compartilhada - passou a ser vital. Cidades, empresas e fundos passaram a investir em startups, aceleradoras, incubadoras, em escala inédita. A cidade de Paris, por exemplo, inaugurará em janeiro a Estação F, acolhendo mil startups.
As cidades mais avançadas nesse pensamento perceberam que, hoje em dia, não basta investir em parques tecnológicos padronizados com mesas de pebolim e espaços de cowork, ou abrigar essa efervescência criativa em uma bolha urbana.
Cidades que adotaram a economia criativa como estratégia vêm reconhecendo a importância de investir em um locus urbano que nutra, estimule e atice essa efervescência criativa, não apenas para somar novos ingredientes às receitas que cada trabalhador criativo pode inventar, mas também porque é nesses locais que quem respira e transpira criatividade quer estar.
Basta pensar em Barcelona, Londres, Berlim, Nova York - todas elas cidades sinestésicas, onde propostas arrojadas encontram oxigênio e nas quais a possibilidade de se encantar e inspirar no trabalho e fora dele é dada como certa. Porque a fronteira entre a vida e o trabalho é cada vez mais fluida e não há como ser criativo vivendo apenas em um ambiente apático.
Incorporar a economia criativa como base de desenvolvimento é fundamental para que saiamos da recessão em um patamar mais elevado, seja qual for a esfera de governo. Mas é no âmbito das cidades que estão as maiores chances de reinvenção, valendo-se da preciosa simbiose entre economia criativa e cidade criativa. É nisso que nossos futuros gestores municipais devem atentar - e nós, ao votarmos neles.
*ANA CARLA FONSECA É CO-COORDENADORA DO PEC/FGV DE ECONOMIA CRIATIVA E CIDADES E PROFESSORA DO MBA DE BENS CULTURAIS. TAMBÉM DIRETORA DA GARIMPO DE SOLUÇÕES
Juventude transviada e o custo do atraso - RUBENS PENHA CYSNE
O GLOBO - 29/09
Brasil corre o risco de retroceder 25 anos, transformando-se denovo num país com inflação demasiadamente alta
Há no momento uma grande necessidade de comunicação entre profissionais da área de ciências sociais e a população em geral, sobre as medidas discutidas de ajuste fiscal. A comunicação é dificultada pelo fato de se tratarem de medidas impopulares. Um caminho possível é deixar claro que são medidas amargas de fato, mas inequivocamente mais amargas se tomadas amanhã, ao invés de hoje. O mote da argumentação pode ser o custo do atraso no ajuste.
O risco que se corre não é de uma fila de aposentados ou funcionários públicos federais sem receber seus proventos em dia. Isto pode ocorrer com um estado, como no Rio. Mas é difícil de imaginar quando há recurso implícito à emissão monetária.
Mesmo no caso limite no qual o endividamento público adicional se torna impossível por falta de credores adicionais, a história de vários países mostra que as forças políticas acabam por levar o Banco Central a emitir moeda para pagamento das contas públicas federais.
O Brasil não corre assim, como se tem dito, o risco de se transformar em um grande Estado falido. Mas sim o risco de retroceder 25 anos, transformando-se de novo em um país com uma inflação demasiadamente alta.
Como no filme “Juventude transviada”, de 1955, a situação de hoje guarda correlação com aquela dos dois carros que correm lado a lado em direção a um precipício. Neste conhecido jogo, quem salta por último e mais perto do precipício ganha a disputa. O problema é que mostrar-se mais corajoso do que o colega ao volante do outro carro implica altíssimo risco.
De um lado, tem-se o carro da política fiscal, reagindo às forças políticas com o pé no fundo do acelerador das despesas. Do outro lado, o carro da política monetária, este com o pé no fundo de outro acelerador, o dos juros. Reagindo à política fiscal expansionista e tentando controlar a inflação. À frente de ambos, o precipício do desemprego, já beirando 13 milhões de trabalhadores. E a ameaça de uma situação ainda pior, que pode rapidamente fugir ao controle.
Se o carro da política fiscal parar primeiro, o motorista da política monetária pode frear o seu carro logo adiante, evitando o desastre que ocorre no filme. Baixa os juros. Por outro lado, se o carro da política fiscal seguir firme em frente, sem dar ao carro da monetária a sensação de que vai parar, o motorista da monetária não tem opção senão se jogar do carro antes do precipício, a exemplo do que faz James Dean no filme.
Isto significa que o motorista da monetária perdeu o jogo. Daí para a frente, seu carro segue desgovernado emitindo moeda para pagar a todos os credores do governo. É o cenário ao qual os cinéfilos de plantão dão o nome de “dominância do carro fiscal”. A inflação se eleva rápida e fortemente e passa a equilibrar as contas públicas taxando majoritariamente os mais pobres.
James Dean à parte, qual o custo do atraso? Tendo-se como ponto de partida uma dívida do governo geral da ordem de 68,5% do PIB ao final de junho de 2016, um cenário possível, se continuarmos postergando o ajuste fiscal, indica algo em torno de R$ 23 bilhões adicionais apenas de pagamento de juros um ano depois. Somem-se a este montante as oportunidades e os investimentos continuamente perdidos em função da incerteza. Bem como a perda da arrecadação fiscal daí decorrente.
Ou seja, ajustar as contas custa cada vez mais caro. O custo do atraso transforma o país, dia a dia, em paraíso para o rentista e inferno para o trabalhador.
Rubens Penha Cysne é professor da FGV/EPGE
Há no momento uma grande necessidade de comunicação entre profissionais da área de ciências sociais e a população em geral, sobre as medidas discutidas de ajuste fiscal. A comunicação é dificultada pelo fato de se tratarem de medidas impopulares. Um caminho possível é deixar claro que são medidas amargas de fato, mas inequivocamente mais amargas se tomadas amanhã, ao invés de hoje. O mote da argumentação pode ser o custo do atraso no ajuste.
O risco que se corre não é de uma fila de aposentados ou funcionários públicos federais sem receber seus proventos em dia. Isto pode ocorrer com um estado, como no Rio. Mas é difícil de imaginar quando há recurso implícito à emissão monetária.
Mesmo no caso limite no qual o endividamento público adicional se torna impossível por falta de credores adicionais, a história de vários países mostra que as forças políticas acabam por levar o Banco Central a emitir moeda para pagamento das contas públicas federais.
O Brasil não corre assim, como se tem dito, o risco de se transformar em um grande Estado falido. Mas sim o risco de retroceder 25 anos, transformando-se de novo em um país com uma inflação demasiadamente alta.
Como no filme “Juventude transviada”, de 1955, a situação de hoje guarda correlação com aquela dos dois carros que correm lado a lado em direção a um precipício. Neste conhecido jogo, quem salta por último e mais perto do precipício ganha a disputa. O problema é que mostrar-se mais corajoso do que o colega ao volante do outro carro implica altíssimo risco.
De um lado, tem-se o carro da política fiscal, reagindo às forças políticas com o pé no fundo do acelerador das despesas. Do outro lado, o carro da política monetária, este com o pé no fundo de outro acelerador, o dos juros. Reagindo à política fiscal expansionista e tentando controlar a inflação. À frente de ambos, o precipício do desemprego, já beirando 13 milhões de trabalhadores. E a ameaça de uma situação ainda pior, que pode rapidamente fugir ao controle.
Se o carro da política fiscal parar primeiro, o motorista da política monetária pode frear o seu carro logo adiante, evitando o desastre que ocorre no filme. Baixa os juros. Por outro lado, se o carro da política fiscal seguir firme em frente, sem dar ao carro da monetária a sensação de que vai parar, o motorista da monetária não tem opção senão se jogar do carro antes do precipício, a exemplo do que faz James Dean no filme.
Isto significa que o motorista da monetária perdeu o jogo. Daí para a frente, seu carro segue desgovernado emitindo moeda para pagar a todos os credores do governo. É o cenário ao qual os cinéfilos de plantão dão o nome de “dominância do carro fiscal”. A inflação se eleva rápida e fortemente e passa a equilibrar as contas públicas taxando majoritariamente os mais pobres.
James Dean à parte, qual o custo do atraso? Tendo-se como ponto de partida uma dívida do governo geral da ordem de 68,5% do PIB ao final de junho de 2016, um cenário possível, se continuarmos postergando o ajuste fiscal, indica algo em torno de R$ 23 bilhões adicionais apenas de pagamento de juros um ano depois. Somem-se a este montante as oportunidades e os investimentos continuamente perdidos em função da incerteza. Bem como a perda da arrecadação fiscal daí decorrente.
Ou seja, ajustar as contas custa cada vez mais caro. O custo do atraso transforma o país, dia a dia, em paraíso para o rentista e inferno para o trabalhador.
Rubens Penha Cysne é professor da FGV/EPGE
Perdedores e vencedores - MERVAL PEREIRA
O Globo - 29/09
Se tudo acontecer como as pesquisas eleitorais indicam, as eleições municipais já têm um perdedor indiscutível, o PT, um vencedor provável, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e um derrotado indireto, o governo Temer, que inventou Marta ex-Suplicy como candidata alternativa em São Paulo.
Sua queda se deve mais às cinzas petistas do que à nova realidade peemedebista, embora seja mais fácil para ela atribuí-la à “herança maldita” de Temer, com suas reformas impopulares anunciadas em meio a uma algaravia de desinformações.
Na verdade, poucos a identificam com o governo Temer, mas os antigos 30% de eleitorado petista estão hoje divididos entre o PSOL de Erundina e a candidata do PMDB, que não conseguiu atrair a classe média para ampliar seu eleitorado.
O prefeito Fernando Haddad dificilmente conseguirá se recuperar da crise de sua própria gestão e de seu partido, perdendo eleitores na periferia para seus dois adversários mais bem colocados, João Doria e Celso Russomano.
O problema de Marta parece ser mais de inadaptação à sua nova posição no mercado eleitoral, uma questão de identidade. Já João Doria conseguiu encontrar o caminho do meio numa eleição que sempre foi polarizada na cidade de São Paulo entre direita e esquerda, ou o que sobrou delas, e tirou votos até do PT na periferia. E não teve competidores num eleitorado de classe média que é antipetista, papel que Marta tentou assumir ao dizer que nunca foi de esquerda. O governador Geraldo Alckmin emergirá dessa eleição fortalecido dentro do PSDB, mesmo que o candidato tucano de Belo Horizonte, João Leite, confirme o favoritismo.
Alckmin inventou Doria, e Aécio Neves sairá vencedor com Leite, mas não a ponto de ser atribuída a ele a vitória. O que Aécio fez em Belo Horizonte é o que melhor sabe fazer: costurar alianças políticas. Após a eleição, os dois duelarão dentro de suas características, e terão também que se livrar de acusações que os perseguem, Aécio na Operação Lava-Jato, Alckmin com as denúncias de corrupção em obras de governos tucanos em São Paulo.
De qualquer forma, tudo indica que o PSDB sairá fortalecido das eleições municipais, enquanto o PT sofrerá uma dura derrota. Só deve eleger um prefeito de capital, o de Rio Branco, e perderá a grande maioria dos prefeitos das cidades com mais de 200 mil habitantes. Deixará de ser o terceiro partido em prefeituras do país, com mais de 600, para começar praticamente do início.
PMDB e PSDB, que já eram os dois maiores partidos em termos de prefeituras, ganharão em número e em qualidade, especialmente os tucanos em São Paulo. No Rio de Janeiro, na reta final da eleição, a carta da religião está sendo jogada com toda a força contra a ascensão do bispo Crivella.
De um lado a Igreja Católica entrou na disputa para evitar ser usada por Crivella que, no afã de se blindar das críticas à Igreja Universal, anda distribuindo santinhos com uma foto sua e de dom Orani. De outro, os adversários que lutam entre si para chegar ao segundo turno tentam convencer o eleitorado de que a Igreja Universal está usando seus púlpitos como palanque. A internet está coalhada de vídeos de pastores da Universal pedindo aos fiéis que votem em Crivella.
A disputa pelo voto útil, tanto na esquerda quanto na centro-direita, terá um palco excelente no debate de hoje à noite na TV Globo, que se transformou no ponto crucial dessa campanha eleitoral para ver quem vai com Crivella para o segundo turno.
Na verdade, a divisão pode ser feita em três grupos: a turma do Prefeito Eduardo Paes, que apoia Pedro Paulo, a turma da esquerda, dividida entre Freixo e Jandira e lateralmente Molon, e a turma dissidente da Prefeitura, que luta contra os dois outros grupos, formada por Índio da Costa, Osorio, e mais remotamente, Bolsonaro.
É uma eleição fundamental para o PMDB, que não quer perder a prefeitura da segunda maior cidade do país para se manter em condições de disputar a presidência da República em 2018. O prefeito Eduardo Paes é um coringa importante nesse jogo eleitoral, e tenta recuperar um prestígio político que se desgastou devido à crise financeira que atingiu o estado do Rio, também governado pelo PMDB, e a erros pessoais que deveriam ter sido evitados, a começar pela escolha de um candidato pesado pelas controvérsias.
Pode ser que a máquina política e a ainda bem avaliada gestão na prefeitura levem Pedro Paulo ao segundo turno, mas a tarefa parece mais difícil do que imaginavam.
Se tudo acontecer como as pesquisas eleitorais indicam, as eleições municipais já têm um perdedor indiscutível, o PT, um vencedor provável, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e um derrotado indireto, o governo Temer, que inventou Marta ex-Suplicy como candidata alternativa em São Paulo.
Sua queda se deve mais às cinzas petistas do que à nova realidade peemedebista, embora seja mais fácil para ela atribuí-la à “herança maldita” de Temer, com suas reformas impopulares anunciadas em meio a uma algaravia de desinformações.
Na verdade, poucos a identificam com o governo Temer, mas os antigos 30% de eleitorado petista estão hoje divididos entre o PSOL de Erundina e a candidata do PMDB, que não conseguiu atrair a classe média para ampliar seu eleitorado.
O prefeito Fernando Haddad dificilmente conseguirá se recuperar da crise de sua própria gestão e de seu partido, perdendo eleitores na periferia para seus dois adversários mais bem colocados, João Doria e Celso Russomano.
O problema de Marta parece ser mais de inadaptação à sua nova posição no mercado eleitoral, uma questão de identidade. Já João Doria conseguiu encontrar o caminho do meio numa eleição que sempre foi polarizada na cidade de São Paulo entre direita e esquerda, ou o que sobrou delas, e tirou votos até do PT na periferia. E não teve competidores num eleitorado de classe média que é antipetista, papel que Marta tentou assumir ao dizer que nunca foi de esquerda. O governador Geraldo Alckmin emergirá dessa eleição fortalecido dentro do PSDB, mesmo que o candidato tucano de Belo Horizonte, João Leite, confirme o favoritismo.
Alckmin inventou Doria, e Aécio Neves sairá vencedor com Leite, mas não a ponto de ser atribuída a ele a vitória. O que Aécio fez em Belo Horizonte é o que melhor sabe fazer: costurar alianças políticas. Após a eleição, os dois duelarão dentro de suas características, e terão também que se livrar de acusações que os perseguem, Aécio na Operação Lava-Jato, Alckmin com as denúncias de corrupção em obras de governos tucanos em São Paulo.
De qualquer forma, tudo indica que o PSDB sairá fortalecido das eleições municipais, enquanto o PT sofrerá uma dura derrota. Só deve eleger um prefeito de capital, o de Rio Branco, e perderá a grande maioria dos prefeitos das cidades com mais de 200 mil habitantes. Deixará de ser o terceiro partido em prefeituras do país, com mais de 600, para começar praticamente do início.
PMDB e PSDB, que já eram os dois maiores partidos em termos de prefeituras, ganharão em número e em qualidade, especialmente os tucanos em São Paulo. No Rio de Janeiro, na reta final da eleição, a carta da religião está sendo jogada com toda a força contra a ascensão do bispo Crivella.
De um lado a Igreja Católica entrou na disputa para evitar ser usada por Crivella que, no afã de se blindar das críticas à Igreja Universal, anda distribuindo santinhos com uma foto sua e de dom Orani. De outro, os adversários que lutam entre si para chegar ao segundo turno tentam convencer o eleitorado de que a Igreja Universal está usando seus púlpitos como palanque. A internet está coalhada de vídeos de pastores da Universal pedindo aos fiéis que votem em Crivella.
A disputa pelo voto útil, tanto na esquerda quanto na centro-direita, terá um palco excelente no debate de hoje à noite na TV Globo, que se transformou no ponto crucial dessa campanha eleitoral para ver quem vai com Crivella para o segundo turno.
Na verdade, a divisão pode ser feita em três grupos: a turma do Prefeito Eduardo Paes, que apoia Pedro Paulo, a turma da esquerda, dividida entre Freixo e Jandira e lateralmente Molon, e a turma dissidente da Prefeitura, que luta contra os dois outros grupos, formada por Índio da Costa, Osorio, e mais remotamente, Bolsonaro.
É uma eleição fundamental para o PMDB, que não quer perder a prefeitura da segunda maior cidade do país para se manter em condições de disputar a presidência da República em 2018. O prefeito Eduardo Paes é um coringa importante nesse jogo eleitoral, e tenta recuperar um prestígio político que se desgastou devido à crise financeira que atingiu o estado do Rio, também governado pelo PMDB, e a erros pessoais que deveriam ter sido evitados, a começar pela escolha de um candidato pesado pelas controvérsias.
Pode ser que a máquina política e a ainda bem avaliada gestão na prefeitura levem Pedro Paulo ao segundo turno, mas a tarefa parece mais difícil do que imaginavam.
Dilemas da idade mínima - CIDA DAMASCO
ESTADÃO - 29/09
Reforma estica tempo de trabalho da população, mas pode esbarrar no mercado
O PSDB cedeu e agora a reforma da Previdência só sai dos gabinetes do Planalto para o Congresso depois das eleições. Exatamente como queria parte substancial do PMDB. A justificativa é que a proposta de mudanças está praticamente fechada, mas ainda precisa de ajustes. O governo sabe, porém, que, mesmo escapando do calor da campanha eleitoral, a batalha está apenas começando. Pressão das ruas e da oposição, divisão entre os próprios aliados, primeiros ruídos da sucessão presidencial em 2018, tudo isso deve conspirar para que a batalha seja longa e difícil.
Pelas informações disponíveis, o centro da proposta é a fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, combinada com uma contribuição mínima de 25 anos. Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 seriam enquadrados nas novas regras. Trabalhadores mais velhos teriam um regime especial de transição. Agora surge a novidade da incorporação de um gatilho, para alterar a idade mínima com base em mudanças na expectativa de vida da população, o que significaria, num prazo mais longo, a possibilidade de um piso superior aos 65 anos.
O argumento para esse corte em 65 anos é justamente o aumento da expectativa de vida do brasileiro, que está em 75,2 anos – e, por tabela, o aumento do tempo produtivo dos trabalhadores. Com essa mudança na Previdência, o Brasil estaria se alinhando às regras adotadas em outros países. Entre os chamados países ricos, a idade mínima é, em geral, de 65 anos. Na maior parte da América do Sul, é um pouco mais baixa, mas atinge 65 na Argentina e Chile.
O governo tem insistido que as chamadas aposentadorias precoces, além de representarem uma distorção, criam um sobrepeso nas contas públicas, tornando o ajuste fiscal quase uma tarefa de “enxugar gelo”. Pouco se tem falado, contudo, sobre o impacto potencial dessas mudanças no mercado de trabalho. As empresas estão preparadas e – principalmente – estão interessadas nessa mão de obra da “terceira idade”?
Com base nas estatísticas do IBGE, é possível acompanhar como se movimenta essa faixa da população no mercado de trabalho. Do primeiro trimestre de 2012 para o segundo trimestre de 2016, a faixa de quem tem 60 anos ou mais passou de 15,9% para 17,9% do total de pessoas em idade de trabalhar (acima de 14 anos). No universo dos ocupados, a proporção da turma de 60 anos ou mais saiu de 6,3% para 7,1% no mesmo período. E, segundo especialistas, essa evolução pode se intensificar, com o envelhecimento da população.
Na verdade, grande parcela dos aposentados empenha-se para continuar na ativa. E por um motivo simples. O valor do benefício recebido é baixo e o salário na velha (ou nova) ocupação funciona como complemento de renda. Nas faixas de menor remuneração, essa situação é ainda mais presente, já que a entrada no mercado de trabalho costuma ocorrer mais cedo e a aposentadoria também vem mais cedo. Vale manter o trabalho registrado em carteira ou até algum tipo de ocupação informal, para fugir da continuidade do desconto em folha do INSS. Os cálculos são de que um quarto a um terço dos aposentados continue a exercer algum tipo de atividade remunerada.
Mas nem sempre essa disposição – ou essa necessidade – do trabalhador é atendida pelo mercado. Principalmente no topo da pirâmide dos empregos. Aí ocorre exatamente o inverso. Exigência de atualização tecnológica constante, aliada à necessidade de enxugamento dos salários reais e do passivo trabalhista, principalmente em tempos de crise, leva a uma aceleração na chamada “troca de gerações” dentro das empresas. Regras formais e informais de grandes companhias costumam patrocinar essa aceleração.
Pelo menos num período de transição, tudo indica que haverá um certo descompasso entre oferta e demanda de mão de obra. Se a reforma da Previdência vingar, a tendência é de pressão na oferta de trabalhadores com mais idade. A demanda, no entanto, talvez não siga na mesma direção.
Reforma estica tempo de trabalho da população, mas pode esbarrar no mercado
O PSDB cedeu e agora a reforma da Previdência só sai dos gabinetes do Planalto para o Congresso depois das eleições. Exatamente como queria parte substancial do PMDB. A justificativa é que a proposta de mudanças está praticamente fechada, mas ainda precisa de ajustes. O governo sabe, porém, que, mesmo escapando do calor da campanha eleitoral, a batalha está apenas começando. Pressão das ruas e da oposição, divisão entre os próprios aliados, primeiros ruídos da sucessão presidencial em 2018, tudo isso deve conspirar para que a batalha seja longa e difícil.
Pelas informações disponíveis, o centro da proposta é a fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, combinada com uma contribuição mínima de 25 anos. Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 seriam enquadrados nas novas regras. Trabalhadores mais velhos teriam um regime especial de transição. Agora surge a novidade da incorporação de um gatilho, para alterar a idade mínima com base em mudanças na expectativa de vida da população, o que significaria, num prazo mais longo, a possibilidade de um piso superior aos 65 anos.
O argumento para esse corte em 65 anos é justamente o aumento da expectativa de vida do brasileiro, que está em 75,2 anos – e, por tabela, o aumento do tempo produtivo dos trabalhadores. Com essa mudança na Previdência, o Brasil estaria se alinhando às regras adotadas em outros países. Entre os chamados países ricos, a idade mínima é, em geral, de 65 anos. Na maior parte da América do Sul, é um pouco mais baixa, mas atinge 65 na Argentina e Chile.
O governo tem insistido que as chamadas aposentadorias precoces, além de representarem uma distorção, criam um sobrepeso nas contas públicas, tornando o ajuste fiscal quase uma tarefa de “enxugar gelo”. Pouco se tem falado, contudo, sobre o impacto potencial dessas mudanças no mercado de trabalho. As empresas estão preparadas e – principalmente – estão interessadas nessa mão de obra da “terceira idade”?
Com base nas estatísticas do IBGE, é possível acompanhar como se movimenta essa faixa da população no mercado de trabalho. Do primeiro trimestre de 2012 para o segundo trimestre de 2016, a faixa de quem tem 60 anos ou mais passou de 15,9% para 17,9% do total de pessoas em idade de trabalhar (acima de 14 anos). No universo dos ocupados, a proporção da turma de 60 anos ou mais saiu de 6,3% para 7,1% no mesmo período. E, segundo especialistas, essa evolução pode se intensificar, com o envelhecimento da população.
Na verdade, grande parcela dos aposentados empenha-se para continuar na ativa. E por um motivo simples. O valor do benefício recebido é baixo e o salário na velha (ou nova) ocupação funciona como complemento de renda. Nas faixas de menor remuneração, essa situação é ainda mais presente, já que a entrada no mercado de trabalho costuma ocorrer mais cedo e a aposentadoria também vem mais cedo. Vale manter o trabalho registrado em carteira ou até algum tipo de ocupação informal, para fugir da continuidade do desconto em folha do INSS. Os cálculos são de que um quarto a um terço dos aposentados continue a exercer algum tipo de atividade remunerada.
Mas nem sempre essa disposição – ou essa necessidade – do trabalhador é atendida pelo mercado. Principalmente no topo da pirâmide dos empregos. Aí ocorre exatamente o inverso. Exigência de atualização tecnológica constante, aliada à necessidade de enxugamento dos salários reais e do passivo trabalhista, principalmente em tempos de crise, leva a uma aceleração na chamada “troca de gerações” dentro das empresas. Regras formais e informais de grandes companhias costumam patrocinar essa aceleração.
Pelo menos num período de transição, tudo indica que haverá um certo descompasso entre oferta e demanda de mão de obra. Se a reforma da Previdência vingar, a tendência é de pressão na oferta de trabalhadores com mais idade. A demanda, no entanto, talvez não siga na mesma direção.
O único trunfo de Trump é Hillary - RODRIGO CONSTANTINO
GAZETA DO POVO - PR - 29/09
Hillary Clinton não é a “moderada” que a mídia pinta, mas uma radical inspirada no ainda mais radical Saul Alinsky
Os Estados Unidos nunca tiveram dois candidatos tão fracos disputando a vaga ao cargo mais poderoso do planeta. Isso já era visível, mas ficou ainda mais durante o primeiro debate ocorrido esta semana entre os dois. É verdade que debates são shows para indecisos, e tudo que importa é a “linguagem corporal”, a aparência de “presidenciável”. Mas mesmo assim foi assustador.
Não há substância alguma, proposta razoável, aprofundamento de ideias. Se Trump se limita a repetir slogans como “fazer a América grande novamente”, Hillary não fica atrás: posa de defensora dos pobres e das “minorias oprimidas” contra os ricos da elite branca, sendo ela uma multimilionária loira de olhos azuis que navega pelo poder há décadas. É sensacionalismo de um lado, demagogia do outro.
Se Trump achou um bode expiatório para os problemas americanos – a globalização – e apresenta sua milagrosa receita – o mercantilismo ultrapassado –, Hillary também tem o inimigo certo – as elites ricas – e puxa da cartola receita igualmente fantástica – taxar mais os ricos para sua “justiça social”. É protecionismo nacionalista de um lado, marxismo tosco do outro. Narcisista bufão num canto, mentirosa contumaz no outro.
Os conservadores tradicionais estão tendo muita dificuldade em apoiar Trump. Não é só seu estilo que incomoda: são também suas ideias. Para quem já teve Reagan como presidente e Mitt Romney como candidato, é um pouco desesperador ter de ir com Trump. Ele faz de tudo para se colar na imagem de Reagan, mas, em que pese alguma semelhança – ambos eram ridicularizados pela mídia e pelos intelectuais –, as diferenças são gritantes. Reagan tinha valores mais sólidos, uma história de luta por esses valores, tinha sido governador, e era um ardente defensor do livre comércio. Trump é um outsider, o que tem sido uma vantagem hoje em dia, com a população saturada do establishment em Washington, mas lhe falta o mínimo de experiência e conhecimento acerca do funcionamento da máquina estatal. E seu discurso geopolítico é isolacionista, o que poderia levar a uma guerra comercial.
Não obstante, muita gente séria tem declarado apoio ao candidato republicano. Por quê? Apesar do receio que Trump desperta nessas pessoas, não é tão difícil entender o motivo. E ele se chama Hillary Clinton. Nenhum liberal clássico ou conservador de boa estirpe se empolga para valer com Trump. Mas a questão é simples: a alternativa é ainda pior. Hillary representa o que há de mais podre na política americana.
Pela imprensa brasileira o leitor nunca ficaria sabendo daquilo que muitos americanos, com acesso a canais como a Fox News e vários jornais, sites e estações de rádio conservadores sabem: Hillary não é a “moderada” que a mídia pinta, mas uma radical inspirada no ainda mais radical Saul Alinsky, alguém que parece disposta a tudo pelo poder, que tem sede de controle e ambição desmedida.
Seus esquemas na Fundação Clinton demonstram uma perigosa simbiose entre poder e grandes empresários, algo que os latino-americanos conhecem bem. Sua retórica “progressista”, ainda pior que a de Obama, representa uma mudança fundamental em relação aos valores tradicionais que fizeram da América o que ela é hoje. Sua visão de mundo não tem absolutamente nada a ver com aquela que permitiu o progresso americano.
É por isso que um pensador sério como Thomas Sowell declara apoio a Trump, a quem ele detesta. Se o magnata “representa riscos múltiplos e potencialmente fatais”, a democrata é “a certeza da desgraça”. Concordo. Trump ao menos é um empreendedor de sucesso, enquanto Hillary representa os sanguessugas populistas no poder. Que venha o bufão. Talvez seu único trunfo seja mesmo Hillary Clinton. Dá calafrio só de pensar...
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
Hillary Clinton não é a “moderada” que a mídia pinta, mas uma radical inspirada no ainda mais radical Saul Alinsky
Os Estados Unidos nunca tiveram dois candidatos tão fracos disputando a vaga ao cargo mais poderoso do planeta. Isso já era visível, mas ficou ainda mais durante o primeiro debate ocorrido esta semana entre os dois. É verdade que debates são shows para indecisos, e tudo que importa é a “linguagem corporal”, a aparência de “presidenciável”. Mas mesmo assim foi assustador.
Não há substância alguma, proposta razoável, aprofundamento de ideias. Se Trump se limita a repetir slogans como “fazer a América grande novamente”, Hillary não fica atrás: posa de defensora dos pobres e das “minorias oprimidas” contra os ricos da elite branca, sendo ela uma multimilionária loira de olhos azuis que navega pelo poder há décadas. É sensacionalismo de um lado, demagogia do outro.
Se Trump achou um bode expiatório para os problemas americanos – a globalização – e apresenta sua milagrosa receita – o mercantilismo ultrapassado –, Hillary também tem o inimigo certo – as elites ricas – e puxa da cartola receita igualmente fantástica – taxar mais os ricos para sua “justiça social”. É protecionismo nacionalista de um lado, marxismo tosco do outro. Narcisista bufão num canto, mentirosa contumaz no outro.
Os conservadores tradicionais estão tendo muita dificuldade em apoiar Trump. Não é só seu estilo que incomoda: são também suas ideias. Para quem já teve Reagan como presidente e Mitt Romney como candidato, é um pouco desesperador ter de ir com Trump. Ele faz de tudo para se colar na imagem de Reagan, mas, em que pese alguma semelhança – ambos eram ridicularizados pela mídia e pelos intelectuais –, as diferenças são gritantes. Reagan tinha valores mais sólidos, uma história de luta por esses valores, tinha sido governador, e era um ardente defensor do livre comércio. Trump é um outsider, o que tem sido uma vantagem hoje em dia, com a população saturada do establishment em Washington, mas lhe falta o mínimo de experiência e conhecimento acerca do funcionamento da máquina estatal. E seu discurso geopolítico é isolacionista, o que poderia levar a uma guerra comercial.
Não obstante, muita gente séria tem declarado apoio ao candidato republicano. Por quê? Apesar do receio que Trump desperta nessas pessoas, não é tão difícil entender o motivo. E ele se chama Hillary Clinton. Nenhum liberal clássico ou conservador de boa estirpe se empolga para valer com Trump. Mas a questão é simples: a alternativa é ainda pior. Hillary representa o que há de mais podre na política americana.
Pela imprensa brasileira o leitor nunca ficaria sabendo daquilo que muitos americanos, com acesso a canais como a Fox News e vários jornais, sites e estações de rádio conservadores sabem: Hillary não é a “moderada” que a mídia pinta, mas uma radical inspirada no ainda mais radical Saul Alinsky, alguém que parece disposta a tudo pelo poder, que tem sede de controle e ambição desmedida.
Seus esquemas na Fundação Clinton demonstram uma perigosa simbiose entre poder e grandes empresários, algo que os latino-americanos conhecem bem. Sua retórica “progressista”, ainda pior que a de Obama, representa uma mudança fundamental em relação aos valores tradicionais que fizeram da América o que ela é hoje. Sua visão de mundo não tem absolutamente nada a ver com aquela que permitiu o progresso americano.
É por isso que um pensador sério como Thomas Sowell declara apoio a Trump, a quem ele detesta. Se o magnata “representa riscos múltiplos e potencialmente fatais”, a democrata é “a certeza da desgraça”. Concordo. Trump ao menos é um empreendedor de sucesso, enquanto Hillary representa os sanguessugas populistas no poder. Que venha o bufão. Talvez seu único trunfo seja mesmo Hillary Clinton. Dá calafrio só de pensar...
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
O labirinto do fauno - JULIANA LOSS DE ANDRADE
O GLOBO - 29/09
As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas
No filme de Guillermo del Toro “O labirinto do fauno” — aclamado pela crítica e pelo público há dez anos, uma narrativa alegórica permeada pela ambiguidade entre realidade e ficção —, a personagem central Ophelia vive um mundo paralelo, onde um fauno lhe mostra o verdadeiro sentimento e o significado da vida, fazendo-a caminhar entre dois mundos: o real e o de fantasia. As metáforas conduzem a uma maravilhosa reflexão sobre as consequências do fascismo e a pequenez do indivíduo face ao sistema. Dentre tantos simbolismos, sobressai a tensão entre as “regras do jogo” e a Justiça, e a importância desta na sociedade moderna.
“Quem nunca encarou um processo na Justiça que tenha demorado mais de dez anos para sua conclusão?” Foi com essa questão que, recentemente, o ministro da Justiça fez quase a totalidade de presentes no auditório do STJ levantar as mãos no I Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo. Realizado em parceria pelo STJ e FGV Mediação, o evento discutiu com especial atenção a figura do ombudsman, modelo de resolução extrajudicial de conflitos, exitoso no setor bancário em países como Alemanha, Suíça e Reino Unido.
O seminário em torno deste modelo de solução de reclamações contra os bancos permitiu debate plural e realista sobre como é possível implementar uma forma rápida, imparcial e simples de resolver conflitos. Especialistas se reuniram para oferecer respostas concretas e também elaborar as primeiras linhas de uma minuta de autorregulação do setor. Essa implementação aos consumidores pode ter um impacto importante em países cujo segmento financeiro tem grande relevância, a exemplo do Brasil, onde 7,6% do PIB derivam deste setor, como remarcou o professor Peter Sester, incumbido da exposição do sistema germânico no seminário.
O debate sobre formas adequadas de solução de conflitos é bastante atual e já havia causado impacto semanas antes com o grande sucesso da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, organizada também pelo STJ. Nesta ocasião, foram aprovados 85 enunciados sobre temas que vão desde a confirmação do acesso à Justiça como ordem jurídica justa — como exemplo a possibilidade de mediação dentro dos postos de atendimento do INSS — até formatos técnicos sofisticados e setoriais, como os chamados Comitês de Resolução de Disputas, frequentemente utilizados com êxito para resolver atritos durante a execução de contratos e obras de infraestrutura.
Os resultados dos dois encontros foram muito além do lugar-comum, frequentemente limitado à abordagem dos conhecidos gargalos do sistema de Justiça. A novidade é que do problema está se passando às soluções. Ao invés de julgar somente causas e culpados, forças que frequentemente se enxergam como adversárias assumiram seu papel na construção conjunta de soluções. A responsabilidade quanto aos problemas é compartilhada e não resulta de análise simplista.
A junção de tão diferentes forças e atores não implica obviamente consenso fácil. As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas. Assim como na obra de Del Toro, em que Ophelia tem longa trajetória no labirinto até reviver no plano fabuloso, mudanças culturais não acontecem do dia para a noite. O sistema de Justiça tem um grande caminho a percorrer, com desapego ao processo judicial e à dinâmica estatal rígida. Por tais razões, iniciativas como as vivenciadas em Brasília e lideradas pelo próprio Judiciário vão na direção certa, tanto no que diz respeito à discussão em torno dos problemas existentes e conscientização de atores-chave quanto na elaboração de propostas práticas que acrescentem ao arcabouço jurídico ferramentas para aperfeiçoamento de nosso sistema.
Juliana Loss de Andrade é advogada
No filme de Guillermo del Toro “O labirinto do fauno” — aclamado pela crítica e pelo público há dez anos, uma narrativa alegórica permeada pela ambiguidade entre realidade e ficção —, a personagem central Ophelia vive um mundo paralelo, onde um fauno lhe mostra o verdadeiro sentimento e o significado da vida, fazendo-a caminhar entre dois mundos: o real e o de fantasia. As metáforas conduzem a uma maravilhosa reflexão sobre as consequências do fascismo e a pequenez do indivíduo face ao sistema. Dentre tantos simbolismos, sobressai a tensão entre as “regras do jogo” e a Justiça, e a importância desta na sociedade moderna.
“Quem nunca encarou um processo na Justiça que tenha demorado mais de dez anos para sua conclusão?” Foi com essa questão que, recentemente, o ministro da Justiça fez quase a totalidade de presentes no auditório do STJ levantar as mãos no I Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo. Realizado em parceria pelo STJ e FGV Mediação, o evento discutiu com especial atenção a figura do ombudsman, modelo de resolução extrajudicial de conflitos, exitoso no setor bancário em países como Alemanha, Suíça e Reino Unido.
O seminário em torno deste modelo de solução de reclamações contra os bancos permitiu debate plural e realista sobre como é possível implementar uma forma rápida, imparcial e simples de resolver conflitos. Especialistas se reuniram para oferecer respostas concretas e também elaborar as primeiras linhas de uma minuta de autorregulação do setor. Essa implementação aos consumidores pode ter um impacto importante em países cujo segmento financeiro tem grande relevância, a exemplo do Brasil, onde 7,6% do PIB derivam deste setor, como remarcou o professor Peter Sester, incumbido da exposição do sistema germânico no seminário.
O debate sobre formas adequadas de solução de conflitos é bastante atual e já havia causado impacto semanas antes com o grande sucesso da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, organizada também pelo STJ. Nesta ocasião, foram aprovados 85 enunciados sobre temas que vão desde a confirmação do acesso à Justiça como ordem jurídica justa — como exemplo a possibilidade de mediação dentro dos postos de atendimento do INSS — até formatos técnicos sofisticados e setoriais, como os chamados Comitês de Resolução de Disputas, frequentemente utilizados com êxito para resolver atritos durante a execução de contratos e obras de infraestrutura.
Os resultados dos dois encontros foram muito além do lugar-comum, frequentemente limitado à abordagem dos conhecidos gargalos do sistema de Justiça. A novidade é que do problema está se passando às soluções. Ao invés de julgar somente causas e culpados, forças que frequentemente se enxergam como adversárias assumiram seu papel na construção conjunta de soluções. A responsabilidade quanto aos problemas é compartilhada e não resulta de análise simplista.
A junção de tão diferentes forças e atores não implica obviamente consenso fácil. As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas. Assim como na obra de Del Toro, em que Ophelia tem longa trajetória no labirinto até reviver no plano fabuloso, mudanças culturais não acontecem do dia para a noite. O sistema de Justiça tem um grande caminho a percorrer, com desapego ao processo judicial e à dinâmica estatal rígida. Por tais razões, iniciativas como as vivenciadas em Brasília e lideradas pelo próprio Judiciário vão na direção certa, tanto no que diz respeito à discussão em torno dos problemas existentes e conscientização de atores-chave quanto na elaboração de propostas práticas que acrescentem ao arcabouço jurídico ferramentas para aperfeiçoamento de nosso sistema.
Juliana Loss de Andrade é advogada
Sucesso do prefeito depende da burocracia - FERNANDO ABRUCIO
FOLHA DE SP - 29/09
Escolher um bom candidato a prefeito é o primeiro passo, mas não é suficiente para se ter um bom governo municipal. Os eleitos em 2016 terão de contar com outros elementos para seu sucesso, e um dos mais relevantes é o da qualidade da burocracia de sua cidade. Mesmo aqueles que defendem uma concepção de Estado menor dependerão de funcionários públicos qualificados para levar adiante os seus planos. Isso pode parecer óbvio, caro leitor, porém este tema tem sido solenemente ignorado ao longo da campanha e dos debates.
Desde os estudos clássicos de Max Weber e Woodrow Wilson sabe-se que a burocracia é uma peça-chave nos governos contemporâneos. Os políticos tomam as principais decisões sobre a agenda pública, dada a legitimidade democrática que têm. A formulação e a implementação das políticas, entretanto, passam fortemente pela capacidade técnica e gerencial dos burocratas de carreira e dos principais assessores.
No Brasil, a história da qualificação da administração pública é bastante truncada e ambígua. Nos primeiros cem anos do país vigorava, quase integralmente, o loteamento do Estado pelo patrimonialismo. A primeira grande mudança ocorreu na década de 1930, com a criação do Dasp, que procurou introduzir o princípio da meritocracia, basicamente para os setores estatais voltados ao desenvolvimento econômico. Em todo o restante ainda prevalecia a distribuição de cargos em nome do clientelismo e fisiologismo.
A mudança feita pelo Dasp foi, na verdade, lenta e incompleta. O buraco maior da administração pública estava nos Estados e, principalmente, municípios, onde, na imensa maioria dos casos, o patrimonialismo era a marca. A Constituição de 1988 começou a mudar essa situação, ao ampliar o uso do concurso público e tornar necessárias, a todos os níveis de governos, outras medidas de profissionalização da administração pública. De lá para cá, a situação administrativa dos municípios melhorou, tornando-os um elemento central do welfare state brasileiro.
Mas a realidade da maioria das municipalidades ainda é preocupante. A maior fragilidade da burocracia está, geralmente, nos pequenos municípios das regiões mais pobres. Contudo, as cidades em áreas metropolitanas enfrentam problemas bem mais complexos e normalmente têm uma estrutura administrativa que está bem aquém do necessário.
O desafio hoje é ampliar três processos de modernização das administrações públicas locais que já foram iniciados no país. O primeiro é o da expansão da profissionalização da burocracia, fortalecendo tanto as carreiras estratégicas no campo da gestão, como as áreas responsáveis pela implementação das políticas sociais, valorizando professores, médicos e outros burocratas que atendem ao público. Cabe ressaltar que seria interessante também criar processos transparentes de seleção meritocrática do alto escalão dos governos locais.
Um segundo foco de mudança deve ser o aprofundamento dos instrumentos de democratização dos municípios. Isso passa pelo fortalecimento das arenas de participação e pela maior transparência dos dados e atos governamentais –o chamado Governo Aberto. E como corolário da melhoria da burocracia local, é fundamental utilizar ferramentas da gestão por resultados, como metas, indicadores, formas de contratualização e outras ações administrativas que tornem os governos mais eficientes e efetivos.
Se o candidato a prefeito não estiver falando dessa agenda de modernização da burocracia, desconfie que ele não poderá cumprir as promessas de campanha.
Escolher um bom candidato a prefeito é o primeiro passo, mas não é suficiente para se ter um bom governo municipal. Os eleitos em 2016 terão de contar com outros elementos para seu sucesso, e um dos mais relevantes é o da qualidade da burocracia de sua cidade. Mesmo aqueles que defendem uma concepção de Estado menor dependerão de funcionários públicos qualificados para levar adiante os seus planos. Isso pode parecer óbvio, caro leitor, porém este tema tem sido solenemente ignorado ao longo da campanha e dos debates.
Desde os estudos clássicos de Max Weber e Woodrow Wilson sabe-se que a burocracia é uma peça-chave nos governos contemporâneos. Os políticos tomam as principais decisões sobre a agenda pública, dada a legitimidade democrática que têm. A formulação e a implementação das políticas, entretanto, passam fortemente pela capacidade técnica e gerencial dos burocratas de carreira e dos principais assessores.
No Brasil, a história da qualificação da administração pública é bastante truncada e ambígua. Nos primeiros cem anos do país vigorava, quase integralmente, o loteamento do Estado pelo patrimonialismo. A primeira grande mudança ocorreu na década de 1930, com a criação do Dasp, que procurou introduzir o princípio da meritocracia, basicamente para os setores estatais voltados ao desenvolvimento econômico. Em todo o restante ainda prevalecia a distribuição de cargos em nome do clientelismo e fisiologismo.
A mudança feita pelo Dasp foi, na verdade, lenta e incompleta. O buraco maior da administração pública estava nos Estados e, principalmente, municípios, onde, na imensa maioria dos casos, o patrimonialismo era a marca. A Constituição de 1988 começou a mudar essa situação, ao ampliar o uso do concurso público e tornar necessárias, a todos os níveis de governos, outras medidas de profissionalização da administração pública. De lá para cá, a situação administrativa dos municípios melhorou, tornando-os um elemento central do welfare state brasileiro.
Mas a realidade da maioria das municipalidades ainda é preocupante. A maior fragilidade da burocracia está, geralmente, nos pequenos municípios das regiões mais pobres. Contudo, as cidades em áreas metropolitanas enfrentam problemas bem mais complexos e normalmente têm uma estrutura administrativa que está bem aquém do necessário.
O desafio hoje é ampliar três processos de modernização das administrações públicas locais que já foram iniciados no país. O primeiro é o da expansão da profissionalização da burocracia, fortalecendo tanto as carreiras estratégicas no campo da gestão, como as áreas responsáveis pela implementação das políticas sociais, valorizando professores, médicos e outros burocratas que atendem ao público. Cabe ressaltar que seria interessante também criar processos transparentes de seleção meritocrática do alto escalão dos governos locais.
Um segundo foco de mudança deve ser o aprofundamento dos instrumentos de democratização dos municípios. Isso passa pelo fortalecimento das arenas de participação e pela maior transparência dos dados e atos governamentais –o chamado Governo Aberto. E como corolário da melhoria da burocracia local, é fundamental utilizar ferramentas da gestão por resultados, como metas, indicadores, formas de contratualização e outras ações administrativas que tornem os governos mais eficientes e efetivos.
Se o candidato a prefeito não estiver falando dessa agenda de modernização da burocracia, desconfie que ele não poderá cumprir as promessas de campanha.
A Lava Jato chegando lá - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 29/09
Tudo leva a crer, diante da devastadora evidência de um conjunto probatório meticulosamente trabalhado pela polícia e pelo Ministério Público, que o Judiciário continuará condenando os larápios do dinheiro público
Como se estivesse sendo seguido o método da escalada hierárquica no processo de investigação e apresentação de denúncias da Operação Lava Jato e congêneres, nos últimos dias o chefão Lula da Silva tornou-se réu, pela segunda vez, e dois ex-ministros da Fazenda dos governos petistas, Guido Mantega e Antonio Palocci, tiveram prisão temporária decretada. Figuras de menor expressão política, camaradas espertos, operadores obedientes e empresários inescrupulosos, todos beneficiários do maior esquema de corrupção no governo federal de que se tem notícia no País, já estão atrás das grades. Aperta-se o cerco agora em torno dos responsáveis maiores por esse esquema que, conforme se torna cada dia mais evidente, tinha como objetivo principal financiar o projeto lulopetista de perpetuação no poder. Tudo leva a crer, diante da devastadora evidência de um conjunto probatório meticulosamente trabalhado pela polícia e pelo Ministério Público, que o Judiciário continuará condenando os larápios do dinheiro público, até esgotar o primeiro escalão dessa hierarquia de delinquentes.
O mais recente desses eventos, a prisão temporária do ex-ministro Antonio Palocci, provocou mais uma vez reações que colocam a nu as incoerências e contradições do lulopetismo e dos “progressistas” a ele atrelados, quando se trata do combate à corrupção. Como a Lava Jato se tornou símbolo da resistência à bandidagem dos maus políticos, ninguém ousa a ela se opor abertamente. Mas a cada figurão do PT que cai em suas malhas, imediatamente surgem os protestos contra o que seria uma atuação “seletiva” dos investigadores, movidos pela intenção de atingir “apenas um lado”, preservando os “outros”.
A Operação Lava Jato foi criada para investigar a prática de corrupção no governo, a partir do escândalo do petrolão, que acabou se revelando o desdobramento do mensalão, esquema que inaugurou a opção pragmática de Lula e sua tigrada de comprar apoio parlamentar para viabilizar seu projeto de poder. Nunca é demais repetir, o PT não inventou a corrupção, mas promoveu-a à condição de método de ação política. A Lava Jato, portanto, é um fenômeno da era lulopetista, e surgiu a partir do momento em que, confiantes na impunidade, PT et catervaorganizaram quadrilhas para o assalto generalizado aos cofres públicos.
Assim, o PT é o “lado” que montou o propinoduto da Petrobrás e, sabe-se hoje, de praticamente todas as grandes estatais, dos fundos de pensão e até mesmo de órgãos da administração direta como o Ministério do Planejamento, onde se chegou a tungar aposentados dependentes do crédito consignado. É inevitável, portanto, que os petistas e seus associados surjam como os principais alvos do combate à corrupção. Principais, mas não únicos, porque o “outro lado” também aparece, com a frequência proporcional a seu poder para corromper e a disposição para ser corrompido, em investigações policiais.
Mas há um certo embaralhamento da questão do “nós” e “eles” que os petistas e agregados não explicam. Se é verdade que a Lava Jato é obra dos inimigos do PT, por que os petistas acusam o atual governo “golpista”, “usurpador” e “ilegítimo” de conspirar contra a operação?
A reação que manifestam mais uma vez os petistas, agora à prisão de Antonio Palocci, é perfeitamente compreensível diante do devastador efeito de mais essa ação da Lava Jato sobre a já desmoralizada imagem do PT. Palocci é um político articulado e competente que prestou relevantes serviços a seu partido, como a famosa Carta aos Brasileiros, que abriu caminho para a eleição de Lula em 2002, e teve uma atuação eficaz à frente do Ministério da Fazenda, sob Lula, e da Casa Civil, sob Dilma. Mas as abundantes evidências do tráfico de influência por ele praticado com a Odebrecht e depois com os clientes de seus serviços de consultoria revelam que seu calcanhar de aquiles é a irresistível cobiça pelo vil metal. Essa fraqueza, que não pega bem quando assola homens públicos, tem produzido efeitos devastadores quando dela trata a Lava Jato. Seja um lado ou seja outro, os delinquentes estão indo para a cadeia, purgar seus crimes.
Tudo leva a crer, diante da devastadora evidência de um conjunto probatório meticulosamente trabalhado pela polícia e pelo Ministério Público, que o Judiciário continuará condenando os larápios do dinheiro público
Como se estivesse sendo seguido o método da escalada hierárquica no processo de investigação e apresentação de denúncias da Operação Lava Jato e congêneres, nos últimos dias o chefão Lula da Silva tornou-se réu, pela segunda vez, e dois ex-ministros da Fazenda dos governos petistas, Guido Mantega e Antonio Palocci, tiveram prisão temporária decretada. Figuras de menor expressão política, camaradas espertos, operadores obedientes e empresários inescrupulosos, todos beneficiários do maior esquema de corrupção no governo federal de que se tem notícia no País, já estão atrás das grades. Aperta-se o cerco agora em torno dos responsáveis maiores por esse esquema que, conforme se torna cada dia mais evidente, tinha como objetivo principal financiar o projeto lulopetista de perpetuação no poder. Tudo leva a crer, diante da devastadora evidência de um conjunto probatório meticulosamente trabalhado pela polícia e pelo Ministério Público, que o Judiciário continuará condenando os larápios do dinheiro público, até esgotar o primeiro escalão dessa hierarquia de delinquentes.
O mais recente desses eventos, a prisão temporária do ex-ministro Antonio Palocci, provocou mais uma vez reações que colocam a nu as incoerências e contradições do lulopetismo e dos “progressistas” a ele atrelados, quando se trata do combate à corrupção. Como a Lava Jato se tornou símbolo da resistência à bandidagem dos maus políticos, ninguém ousa a ela se opor abertamente. Mas a cada figurão do PT que cai em suas malhas, imediatamente surgem os protestos contra o que seria uma atuação “seletiva” dos investigadores, movidos pela intenção de atingir “apenas um lado”, preservando os “outros”.
A Operação Lava Jato foi criada para investigar a prática de corrupção no governo, a partir do escândalo do petrolão, que acabou se revelando o desdobramento do mensalão, esquema que inaugurou a opção pragmática de Lula e sua tigrada de comprar apoio parlamentar para viabilizar seu projeto de poder. Nunca é demais repetir, o PT não inventou a corrupção, mas promoveu-a à condição de método de ação política. A Lava Jato, portanto, é um fenômeno da era lulopetista, e surgiu a partir do momento em que, confiantes na impunidade, PT et catervaorganizaram quadrilhas para o assalto generalizado aos cofres públicos.
Assim, o PT é o “lado” que montou o propinoduto da Petrobrás e, sabe-se hoje, de praticamente todas as grandes estatais, dos fundos de pensão e até mesmo de órgãos da administração direta como o Ministério do Planejamento, onde se chegou a tungar aposentados dependentes do crédito consignado. É inevitável, portanto, que os petistas e seus associados surjam como os principais alvos do combate à corrupção. Principais, mas não únicos, porque o “outro lado” também aparece, com a frequência proporcional a seu poder para corromper e a disposição para ser corrompido, em investigações policiais.
Mas há um certo embaralhamento da questão do “nós” e “eles” que os petistas e agregados não explicam. Se é verdade que a Lava Jato é obra dos inimigos do PT, por que os petistas acusam o atual governo “golpista”, “usurpador” e “ilegítimo” de conspirar contra a operação?
A reação que manifestam mais uma vez os petistas, agora à prisão de Antonio Palocci, é perfeitamente compreensível diante do devastador efeito de mais essa ação da Lava Jato sobre a já desmoralizada imagem do PT. Palocci é um político articulado e competente que prestou relevantes serviços a seu partido, como a famosa Carta aos Brasileiros, que abriu caminho para a eleição de Lula em 2002, e teve uma atuação eficaz à frente do Ministério da Fazenda, sob Lula, e da Casa Civil, sob Dilma. Mas as abundantes evidências do tráfico de influência por ele praticado com a Odebrecht e depois com os clientes de seus serviços de consultoria revelam que seu calcanhar de aquiles é a irresistível cobiça pelo vil metal. Essa fraqueza, que não pega bem quando assola homens públicos, tem produzido efeitos devastadores quando dela trata a Lava Jato. Seja um lado ou seja outro, os delinquentes estão indo para a cadeia, purgar seus crimes.
O déficit da Previdência é muito real - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - 29/09
Não é possível cair no artifício contábil de quem chama de “farsa” o déficit da Previdência
Os países nórdicos foram o exemplo mais bem acabado do Estado de Bem-Estar Social que, posteriormente, faliu pela incapacidade de os governos proverem proteção social irrestrita aos seus cidadãos, um mundo ideal que começou a desmoronar quando essas nações perceberam que tinham pouco controle sobre um componente crucial: a demografia.
No ocaso desse paraíso terrestre, o Brasil imaginou poder recriá-lo, estabelecendo, na reforma constitucional de 1998, um pacote de benesses sob o título Seguridade Social, que agrupou três programas distintos – assistência à saúde, assistência social e Previdência Social. Os dois primeiros programas, assistenciais (como diz o próprio nome), são universais, sem necessidade de contribuições e financiados por impostos.
Diferentemente deles, a Previdência Social é o único que é um seguro, portanto com características diferentes: é contributivo, só tem direito quem recolhe contribuições e, de acordo com princípios técnicos mundiais, deve ter equilíbrio financeiro e atuarial, conforme descrito no artigo 201 da Constituição. Ou seja, recebe de aposentadoria exatamente o que recolheu de contribuições. Uma conta de resultado zero. Dogma fundamental copiado da previdência privada.
Argumenta-se já há muito tempo que a Previdência Social é deficitária. Nos últimos 20 anos, houve períodos de crescimento econômico e de recessão, como agora. Houve períodos de pleno emprego, como há dois anos atrás, e de alto desemprego, como atualmente. Ora, um problema que se repete em diferentes e opostos cenários não é um problema conjuntural, mas estrutural – e de uma magnitude que não pode ser desconsiderada: em 2014 o déficit foi de R$ 55 bilhões, subindo para R$ 85 bilhões em 2015 e estimado em R$ 146 bilhões neste ano. Só para comparar, todo o orçamento da educação em 2015 foi de R$ 103 bilhões; o da saúde, de R$ 102 bilhões.
E não há esperança de que o quadro previdenciário mude, pois não há como lutar contra a demografia. Se na década de 60 tínhamos uma média de seis filhos por brasileira, hoje ela é de só 1,7. Não existirão mais brasileirinhos em número suficiente para adentrar o mercado de trabalho e recolher ao INSS para financiar aposentadorias de idosos em número crescente e que vivem cada vez mais. Na outra ponta, a das despesas, só nos últimos 13 anos a expectativa de vida ao nascer aumentou cinco anos. A expectativa de sobrevida na idade da aposentadoria, aos 60 anos, segundo o IBGE, é chegar aos 86 anos.
As brasileiras não voltarão mais a ter tantos filhos, a tecnologia não vai deixar de avançar e a Previdência Social jamais será superavitária com o atual desenho.
Mesmo assim, centrais sindicais, outras entidades e especialistas relutam em analisar isoladamente o orçamento da Previdência Social e preferem afirmar que a Seguridade Social – abrangendo os três programas – é superavitária. Ora, o financiamento dessa conta macro da Seguridade Social inclui vários tributos (no passado, foi bancada também pela CPMF) e loterias, além das contribuições sociais exclusivas para o INSS. Seu resultado contábil pode até ser superavitário, mas não há dúvida de que a Previdência Social, que dela faz parte, é estruturalmente deficitária há 20 anos.
Não houvesse o déficit de R$ 146 bilhões só este ano, seria possível mais que dobrar o orçamento do SUS. Muito mais que contrariar dispositivo constitucional, o déficit da Previdência Social suprime recursos fundamentais da camada mais pobre da sociedade brasileira, que precisa de assistência social e assistência à saúde gratuita.
Não é possível cair no artifício contábil de quem chama de “farsa” o déficit da Previdência. Confundir para impedir mudanças inevitáveis é também condenar a Previdência à insolvência e os trabalhadores, à impossibilidade de um dia poderem parar de trabalhar.
Não é possível cair no artifício contábil de quem chama de “farsa” o déficit da Previdência
Os países nórdicos foram o exemplo mais bem acabado do Estado de Bem-Estar Social que, posteriormente, faliu pela incapacidade de os governos proverem proteção social irrestrita aos seus cidadãos, um mundo ideal que começou a desmoronar quando essas nações perceberam que tinham pouco controle sobre um componente crucial: a demografia.
No ocaso desse paraíso terrestre, o Brasil imaginou poder recriá-lo, estabelecendo, na reforma constitucional de 1998, um pacote de benesses sob o título Seguridade Social, que agrupou três programas distintos – assistência à saúde, assistência social e Previdência Social. Os dois primeiros programas, assistenciais (como diz o próprio nome), são universais, sem necessidade de contribuições e financiados por impostos.
Diferentemente deles, a Previdência Social é o único que é um seguro, portanto com características diferentes: é contributivo, só tem direito quem recolhe contribuições e, de acordo com princípios técnicos mundiais, deve ter equilíbrio financeiro e atuarial, conforme descrito no artigo 201 da Constituição. Ou seja, recebe de aposentadoria exatamente o que recolheu de contribuições. Uma conta de resultado zero. Dogma fundamental copiado da previdência privada.
Argumenta-se já há muito tempo que a Previdência Social é deficitária. Nos últimos 20 anos, houve períodos de crescimento econômico e de recessão, como agora. Houve períodos de pleno emprego, como há dois anos atrás, e de alto desemprego, como atualmente. Ora, um problema que se repete em diferentes e opostos cenários não é um problema conjuntural, mas estrutural – e de uma magnitude que não pode ser desconsiderada: em 2014 o déficit foi de R$ 55 bilhões, subindo para R$ 85 bilhões em 2015 e estimado em R$ 146 bilhões neste ano. Só para comparar, todo o orçamento da educação em 2015 foi de R$ 103 bilhões; o da saúde, de R$ 102 bilhões.
E não há esperança de que o quadro previdenciário mude, pois não há como lutar contra a demografia. Se na década de 60 tínhamos uma média de seis filhos por brasileira, hoje ela é de só 1,7. Não existirão mais brasileirinhos em número suficiente para adentrar o mercado de trabalho e recolher ao INSS para financiar aposentadorias de idosos em número crescente e que vivem cada vez mais. Na outra ponta, a das despesas, só nos últimos 13 anos a expectativa de vida ao nascer aumentou cinco anos. A expectativa de sobrevida na idade da aposentadoria, aos 60 anos, segundo o IBGE, é chegar aos 86 anos.
As brasileiras não voltarão mais a ter tantos filhos, a tecnologia não vai deixar de avançar e a Previdência Social jamais será superavitária com o atual desenho.
Mesmo assim, centrais sindicais, outras entidades e especialistas relutam em analisar isoladamente o orçamento da Previdência Social e preferem afirmar que a Seguridade Social – abrangendo os três programas – é superavitária. Ora, o financiamento dessa conta macro da Seguridade Social inclui vários tributos (no passado, foi bancada também pela CPMF) e loterias, além das contribuições sociais exclusivas para o INSS. Seu resultado contábil pode até ser superavitário, mas não há dúvida de que a Previdência Social, que dela faz parte, é estruturalmente deficitária há 20 anos.
Não houvesse o déficit de R$ 146 bilhões só este ano, seria possível mais que dobrar o orçamento do SUS. Muito mais que contrariar dispositivo constitucional, o déficit da Previdência Social suprime recursos fundamentais da camada mais pobre da sociedade brasileira, que precisa de assistência social e assistência à saúde gratuita.
Não é possível cair no artifício contábil de quem chama de “farsa” o déficit da Previdência. Confundir para impedir mudanças inevitáveis é também condenar a Previdência à insolvência e os trabalhadores, à impossibilidade de um dia poderem parar de trabalhar.
Potencial desperdiçado - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/09
Após a desastrosa política econômica de Dilma Rousseff (PT), não espanta a degradação da posição brasileira na classificação global de competitividade. Na edição 2016/17, o país caiu para 81º lugar, num conjunto de 138 nações.
Trata-se do pior resultado desde o início do estudo no modelo atual, em 2007. Em relação a 2012, quando o Brasil atingiu a melhor marca (48ª), foi uma queda de 33 andares.
Elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, o trabalho define competitividade como um conjunto de instituições e políticas públicas que determinam o nível de produtividade de uma economia.
São 114 indicadores reunidos em 12 grupos temáticos, que por sua vez se juntam em três categorias essenciais: requisitos básicos para a competitividade, grau de eficiência e, por fim, inovação.
Sobretudo na primeira —que avalia qualidade das instituições, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde e educação básica—, o país aparece muito mal.
É notável a piora do Brasil nos últimos anos, a começar pelo ambiente geral da economia. O país ficou com a 126ª posição da lista por esse critério. O descontrole da inflação e das contas públicas, afinal, fez colapsar a confiança e, com ela, o investimento.
A instabilidade é mortal para os negócios, pois inviabiliza qualquer planejamento de longo prazo, deteriora as condições de crédito e leva ao aumento dos juros.
A péssima colocação se repete em vários outros itens —128º lugar em eficiência dos mercados, 120º nas instituições, 99º em educação primária e saúde, 72º em infraestrutura. Tudo fica ainda mais detestável quando se observa o potencial desperdiçado: o Brasil é o 8º colocado em tamanho de mercado.
Pode-se considerar, naturalmente, que a posição deste ano marque o ponto mínimo. A melhoria substancial da competitividade, todavia, dependerá de amplas reformas que alterem a relação do governo com o setor privado e diminuam o custo de fazer negócios.
Não se produzirá nada duradouro com paliativos, como os subsídios dos últimos anos. Sedimentar instituições demanda visão de Estado e horizonte de longo prazo.
Será necessário agir em diversas frentes. Melhorar regras para destravar investimentos em infraestrutura, simplificar o regime tributário e conter a propensão a contenciosos trabalhistas são alguns exemplos do desafio que se apresenta ao país.
Após a desastrosa política econômica de Dilma Rousseff (PT), não espanta a degradação da posição brasileira na classificação global de competitividade. Na edição 2016/17, o país caiu para 81º lugar, num conjunto de 138 nações.
Trata-se do pior resultado desde o início do estudo no modelo atual, em 2007. Em relação a 2012, quando o Brasil atingiu a melhor marca (48ª), foi uma queda de 33 andares.
Elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, o trabalho define competitividade como um conjunto de instituições e políticas públicas que determinam o nível de produtividade de uma economia.
São 114 indicadores reunidos em 12 grupos temáticos, que por sua vez se juntam em três categorias essenciais: requisitos básicos para a competitividade, grau de eficiência e, por fim, inovação.
Sobretudo na primeira —que avalia qualidade das instituições, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde e educação básica—, o país aparece muito mal.
É notável a piora do Brasil nos últimos anos, a começar pelo ambiente geral da economia. O país ficou com a 126ª posição da lista por esse critério. O descontrole da inflação e das contas públicas, afinal, fez colapsar a confiança e, com ela, o investimento.
A instabilidade é mortal para os negócios, pois inviabiliza qualquer planejamento de longo prazo, deteriora as condições de crédito e leva ao aumento dos juros.
A péssima colocação se repete em vários outros itens —128º lugar em eficiência dos mercados, 120º nas instituições, 99º em educação primária e saúde, 72º em infraestrutura. Tudo fica ainda mais detestável quando se observa o potencial desperdiçado: o Brasil é o 8º colocado em tamanho de mercado.
Pode-se considerar, naturalmente, que a posição deste ano marque o ponto mínimo. A melhoria substancial da competitividade, todavia, dependerá de amplas reformas que alterem a relação do governo com o setor privado e diminuam o custo de fazer negócios.
Não se produzirá nada duradouro com paliativos, como os subsídios dos últimos anos. Sedimentar instituições demanda visão de Estado e horizonte de longo prazo.
Será necessário agir em diversas frentes. Melhorar regras para destravar investimentos em infraestrutura, simplificar o regime tributário e conter a propensão a contenciosos trabalhistas são alguns exemplos do desafio que se apresenta ao país.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
TURISTA DE 86 É TRATADA COMO BANDIDA NA ALFÂNDEGA
A advogada Mariana Cavalcante e sua avó de 86 anos, em cadeira de rodas, foram tratadas como criminosas na alfândega do Galeão (RJ). Funcionários do aeroporto e testemunhas acusam a auditora fiscal Maria Lúcia Lima Barros de ser conhecida por “escolher” um passageiro por voo para tratá-los com deboche e até grosserias. Indignada, Mariana vai processá-la por danos morais e até mesmo na esfera criminal.
SÓ NO BRASIL
O Brasil continua sendo o único País a tratar como bandidos, suspeitos de contrabando, seus próprios nacionais que retornam do exterior.
EM LUGAR NENHUM
Não se conhece país democrático que submeta seus nacionais a revista humilhante de bagagem, e ainda os trate até com deboche.
BULLYING BUROCRATA
Avó e neta só foram liberadas após deixarem as malas “sob custódia” da burocrata que as submeteu a mais de quatro horas de bullying.
FALA A CORPORAÇÃO
A Receita alega que a advogada e mãe de 86 anos traziam “muitas roupas” que “pareciam” ser de grife. E ainda isenta a colega, claro.
BRASIL SE DESCULPA AO VIETNÃ POR GROSSERIA DE DILMA
Por orientação do presidente Michel Temer, o ministro Blairo Maggi (Agricultura) sepultou um impasse diplomático com o governo do Vietnã, que se arrastava desde 2013, provocado por uma grosseria da ex-presidente Dilma: ela cancelou de última hora uma audiência para receber Nguyen Phu Trong, herói do Vietnã e líder máximo do Partido Comunista, que veio ao Brasil sob a garantia de que seria recebido.
GESTO HUMILHANTE
O episódio em Brasília representou grande humilhação para Nguyen Phu Trong e o Vietnã, que o tem como uma espécie de “semideus”.
DIPLOMACIA DE MENTIRINHA
O Itamaraty divulgou a lorota de que o ex-chanceler Antonio Patriota foi a Hanoi pedir desculpas. Mas, se ele fez isso mesmo, de nada adiantou.
AGORA, TUDO BEM
Em visita real a Hanói, Blairo Maggi pediu desculpas e acabou homenageado por Nong Manh, sucessor de Nguyen Phu Trong.
PARTIDO DO XILINDRÓ
Aliás, a situação do PT é tão ruim que faz lembrar a frase profética do saudoso jornalista Joelmir Beting, que há anos avisou: “O PT começou com presos políticos e vai terminar com políticos presos”.
QUANTA DIFICULDADE...
O Tribunal de Contas do DF se sentou em duas licitações milionárias: desde maio, uma de R$ 555 milhões que trata de vigilância para todo o governo. Outra, de R$ 250 milhões, desde o início de agosto, trata de alimentação para a rede hospitalar. Para o TCDF, não há atraso. Claro.
BARRADO NO BAILE
O mais provável presidente do Senado a partir de 2017, Eunício Oliveira (PMDB-CE) não foi convidado para o jantar no Alvorada, terça. Parece que o atual ocupante do cargo, Renan Calheiros, tem a ver com isso.
VOTO ÚTIL
Pesquisa Ipsos em nove regiões metropolitanas revela que, quanto menos anos de estudo e menor a classe social do eleitor, maior a disposição de votar no candidato com mais chances de vencer.
VOTO INÚTIL
Entre os pesquisados pelo Ipsos das classes C e D, 18% concordam com a frase “Eu voto no candidato que vai ganhar para aproveitar meu voto”. O Estudo Geral de Meios entrevistou 31.096 eleitores brasileiros.
AMARELOU
Em Chapecó (SC), berço do MST, o candidato a prefeito Cesar Valduga (PCdoB) esconde a participação de Dilma Rousseff. Aposentou a cor vermelha e usa o número 65 imitando estilo do candidato 45, do PSDB.
TERRA É 60
O ministro Osmar Terra (Desenvolvimento Social e Agrário) virou canal entre PMDB e PSDB, no governo Michel Temer. No Planalto, diz-se que o ministro é 60: soma do 15 do PMDB com o 45 do PSDB.
AUMENTA REJEIÇÃO
A reeleição dos prefeitos que disputam novo mandato deve variar de 55% a 65%, segundo as pesquisas. Em 2012, somente metade dos prefeitos que buscaram a reeleição tiveram sucesso nas urnas.
PERGUNTA SUPREMA
“Tropeço na democracia” foi o impeachment de Dilma, como o definiu Ricardo Lewandowski, ou o julgamento da petista ter sido presidido por um juiz simpático à ré?
PODER SEM PUDOR
O CEGUINHO DO SENADO
Como se não tivesse o que fazer, um grupo de senadores conversava certa vez sobre a notícia de que a cegueira pode ser um efeito colateral para cardiopatas que misturam seus remédios com Viagra - a alegria de homens com disfunções eréteis. O saudoso senador ACM brincou:
- É por isso que já estou aprendendo braile...
A advogada Mariana Cavalcante e sua avó de 86 anos, em cadeira de rodas, foram tratadas como criminosas na alfândega do Galeão (RJ). Funcionários do aeroporto e testemunhas acusam a auditora fiscal Maria Lúcia Lima Barros de ser conhecida por “escolher” um passageiro por voo para tratá-los com deboche e até grosserias. Indignada, Mariana vai processá-la por danos morais e até mesmo na esfera criminal.
SÓ NO BRASIL
O Brasil continua sendo o único País a tratar como bandidos, suspeitos de contrabando, seus próprios nacionais que retornam do exterior.
EM LUGAR NENHUM
Não se conhece país democrático que submeta seus nacionais a revista humilhante de bagagem, e ainda os trate até com deboche.
BULLYING BUROCRATA
Avó e neta só foram liberadas após deixarem as malas “sob custódia” da burocrata que as submeteu a mais de quatro horas de bullying.
FALA A CORPORAÇÃO
A Receita alega que a advogada e mãe de 86 anos traziam “muitas roupas” que “pareciam” ser de grife. E ainda isenta a colega, claro.
BRASIL SE DESCULPA AO VIETNÃ POR GROSSERIA DE DILMA
Por orientação do presidente Michel Temer, o ministro Blairo Maggi (Agricultura) sepultou um impasse diplomático com o governo do Vietnã, que se arrastava desde 2013, provocado por uma grosseria da ex-presidente Dilma: ela cancelou de última hora uma audiência para receber Nguyen Phu Trong, herói do Vietnã e líder máximo do Partido Comunista, que veio ao Brasil sob a garantia de que seria recebido.
GESTO HUMILHANTE
O episódio em Brasília representou grande humilhação para Nguyen Phu Trong e o Vietnã, que o tem como uma espécie de “semideus”.
DIPLOMACIA DE MENTIRINHA
O Itamaraty divulgou a lorota de que o ex-chanceler Antonio Patriota foi a Hanoi pedir desculpas. Mas, se ele fez isso mesmo, de nada adiantou.
AGORA, TUDO BEM
Em visita real a Hanói, Blairo Maggi pediu desculpas e acabou homenageado por Nong Manh, sucessor de Nguyen Phu Trong.
PARTIDO DO XILINDRÓ
Aliás, a situação do PT é tão ruim que faz lembrar a frase profética do saudoso jornalista Joelmir Beting, que há anos avisou: “O PT começou com presos políticos e vai terminar com políticos presos”.
QUANTA DIFICULDADE...
O Tribunal de Contas do DF se sentou em duas licitações milionárias: desde maio, uma de R$ 555 milhões que trata de vigilância para todo o governo. Outra, de R$ 250 milhões, desde o início de agosto, trata de alimentação para a rede hospitalar. Para o TCDF, não há atraso. Claro.
BARRADO NO BAILE
O mais provável presidente do Senado a partir de 2017, Eunício Oliveira (PMDB-CE) não foi convidado para o jantar no Alvorada, terça. Parece que o atual ocupante do cargo, Renan Calheiros, tem a ver com isso.
VOTO ÚTIL
Pesquisa Ipsos em nove regiões metropolitanas revela que, quanto menos anos de estudo e menor a classe social do eleitor, maior a disposição de votar no candidato com mais chances de vencer.
VOTO INÚTIL
Entre os pesquisados pelo Ipsos das classes C e D, 18% concordam com a frase “Eu voto no candidato que vai ganhar para aproveitar meu voto”. O Estudo Geral de Meios entrevistou 31.096 eleitores brasileiros.
AMARELOU
Em Chapecó (SC), berço do MST, o candidato a prefeito Cesar Valduga (PCdoB) esconde a participação de Dilma Rousseff. Aposentou a cor vermelha e usa o número 65 imitando estilo do candidato 45, do PSDB.
TERRA É 60
O ministro Osmar Terra (Desenvolvimento Social e Agrário) virou canal entre PMDB e PSDB, no governo Michel Temer. No Planalto, diz-se que o ministro é 60: soma do 15 do PMDB com o 45 do PSDB.
AUMENTA REJEIÇÃO
A reeleição dos prefeitos que disputam novo mandato deve variar de 55% a 65%, segundo as pesquisas. Em 2012, somente metade dos prefeitos que buscaram a reeleição tiveram sucesso nas urnas.
PERGUNTA SUPREMA
“Tropeço na democracia” foi o impeachment de Dilma, como o definiu Ricardo Lewandowski, ou o julgamento da petista ter sido presidido por um juiz simpático à ré?
PODER SEM PUDOR
O CEGUINHO DO SENADO
Como se não tivesse o que fazer, um grupo de senadores conversava certa vez sobre a notícia de que a cegueira pode ser um efeito colateral para cardiopatas que misturam seus remédios com Viagra - a alegria de homens com disfunções eréteis. O saudoso senador ACM brincou:
- É por isso que já estou aprendendo braile...
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