As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas
No filme de Guillermo del Toro “O labirinto do fauno” — aclamado pela crítica e pelo público há dez anos, uma narrativa alegórica permeada pela ambiguidade entre realidade e ficção —, a personagem central Ophelia vive um mundo paralelo, onde um fauno lhe mostra o verdadeiro sentimento e o significado da vida, fazendo-a caminhar entre dois mundos: o real e o de fantasia. As metáforas conduzem a uma maravilhosa reflexão sobre as consequências do fascismo e a pequenez do indivíduo face ao sistema. Dentre tantos simbolismos, sobressai a tensão entre as “regras do jogo” e a Justiça, e a importância desta na sociedade moderna.
“Quem nunca encarou um processo na Justiça que tenha demorado mais de dez anos para sua conclusão?” Foi com essa questão que, recentemente, o ministro da Justiça fez quase a totalidade de presentes no auditório do STJ levantar as mãos no I Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo. Realizado em parceria pelo STJ e FGV Mediação, o evento discutiu com especial atenção a figura do ombudsman, modelo de resolução extrajudicial de conflitos, exitoso no setor bancário em países como Alemanha, Suíça e Reino Unido.
O seminário em torno deste modelo de solução de reclamações contra os bancos permitiu debate plural e realista sobre como é possível implementar uma forma rápida, imparcial e simples de resolver conflitos. Especialistas se reuniram para oferecer respostas concretas e também elaborar as primeiras linhas de uma minuta de autorregulação do setor. Essa implementação aos consumidores pode ter um impacto importante em países cujo segmento financeiro tem grande relevância, a exemplo do Brasil, onde 7,6% do PIB derivam deste setor, como remarcou o professor Peter Sester, incumbido da exposição do sistema germânico no seminário.
O debate sobre formas adequadas de solução de conflitos é bastante atual e já havia causado impacto semanas antes com o grande sucesso da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, organizada também pelo STJ. Nesta ocasião, foram aprovados 85 enunciados sobre temas que vão desde a confirmação do acesso à Justiça como ordem jurídica justa — como exemplo a possibilidade de mediação dentro dos postos de atendimento do INSS — até formatos técnicos sofisticados e setoriais, como os chamados Comitês de Resolução de Disputas, frequentemente utilizados com êxito para resolver atritos durante a execução de contratos e obras de infraestrutura.
Os resultados dos dois encontros foram muito além do lugar-comum, frequentemente limitado à abordagem dos conhecidos gargalos do sistema de Justiça. A novidade é que do problema está se passando às soluções. Ao invés de julgar somente causas e culpados, forças que frequentemente se enxergam como adversárias assumiram seu papel na construção conjunta de soluções. A responsabilidade quanto aos problemas é compartilhada e não resulta de análise simplista.
A junção de tão diferentes forças e atores não implica obviamente consenso fácil. As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas. Assim como na obra de Del Toro, em que Ophelia tem longa trajetória no labirinto até reviver no plano fabuloso, mudanças culturais não acontecem do dia para a noite. O sistema de Justiça tem um grande caminho a percorrer, com desapego ao processo judicial e à dinâmica estatal rígida. Por tais razões, iniciativas como as vivenciadas em Brasília e lideradas pelo próprio Judiciário vão na direção certa, tanto no que diz respeito à discussão em torno dos problemas existentes e conscientização de atores-chave quanto na elaboração de propostas práticas que acrescentem ao arcabouço jurídico ferramentas para aperfeiçoamento de nosso sistema.
Juliana Loss de Andrade é advogada
No filme de Guillermo del Toro “O labirinto do fauno” — aclamado pela crítica e pelo público há dez anos, uma narrativa alegórica permeada pela ambiguidade entre realidade e ficção —, a personagem central Ophelia vive um mundo paralelo, onde um fauno lhe mostra o verdadeiro sentimento e o significado da vida, fazendo-a caminhar entre dois mundos: o real e o de fantasia. As metáforas conduzem a uma maravilhosa reflexão sobre as consequências do fascismo e a pequenez do indivíduo face ao sistema. Dentre tantos simbolismos, sobressai a tensão entre as “regras do jogo” e a Justiça, e a importância desta na sociedade moderna.
“Quem nunca encarou um processo na Justiça que tenha demorado mais de dez anos para sua conclusão?” Foi com essa questão que, recentemente, o ministro da Justiça fez quase a totalidade de presentes no auditório do STJ levantar as mãos no I Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo. Realizado em parceria pelo STJ e FGV Mediação, o evento discutiu com especial atenção a figura do ombudsman, modelo de resolução extrajudicial de conflitos, exitoso no setor bancário em países como Alemanha, Suíça e Reino Unido.
O seminário em torno deste modelo de solução de reclamações contra os bancos permitiu debate plural e realista sobre como é possível implementar uma forma rápida, imparcial e simples de resolver conflitos. Especialistas se reuniram para oferecer respostas concretas e também elaborar as primeiras linhas de uma minuta de autorregulação do setor. Essa implementação aos consumidores pode ter um impacto importante em países cujo segmento financeiro tem grande relevância, a exemplo do Brasil, onde 7,6% do PIB derivam deste setor, como remarcou o professor Peter Sester, incumbido da exposição do sistema germânico no seminário.
O debate sobre formas adequadas de solução de conflitos é bastante atual e já havia causado impacto semanas antes com o grande sucesso da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, organizada também pelo STJ. Nesta ocasião, foram aprovados 85 enunciados sobre temas que vão desde a confirmação do acesso à Justiça como ordem jurídica justa — como exemplo a possibilidade de mediação dentro dos postos de atendimento do INSS — até formatos técnicos sofisticados e setoriais, como os chamados Comitês de Resolução de Disputas, frequentemente utilizados com êxito para resolver atritos durante a execução de contratos e obras de infraestrutura.
Os resultados dos dois encontros foram muito além do lugar-comum, frequentemente limitado à abordagem dos conhecidos gargalos do sistema de Justiça. A novidade é que do problema está se passando às soluções. Ao invés de julgar somente causas e culpados, forças que frequentemente se enxergam como adversárias assumiram seu papel na construção conjunta de soluções. A responsabilidade quanto aos problemas é compartilhada e não resulta de análise simplista.
A junção de tão diferentes forças e atores não implica obviamente consenso fácil. As vias extrajudiciais eficazes não são as que dizemos em livros ou profetizamos em palestras, mas aquelas que as pessoas usam e delas saem satisfeitas. Assim como na obra de Del Toro, em que Ophelia tem longa trajetória no labirinto até reviver no plano fabuloso, mudanças culturais não acontecem do dia para a noite. O sistema de Justiça tem um grande caminho a percorrer, com desapego ao processo judicial e à dinâmica estatal rígida. Por tais razões, iniciativas como as vivenciadas em Brasília e lideradas pelo próprio Judiciário vão na direção certa, tanto no que diz respeito à discussão em torno dos problemas existentes e conscientização de atores-chave quanto na elaboração de propostas práticas que acrescentem ao arcabouço jurídico ferramentas para aperfeiçoamento de nosso sistema.
Juliana Loss de Andrade é advogada
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