ESTADÃO - 29/09
Reforma estica tempo de trabalho da população, mas pode esbarrar no mercado
O PSDB cedeu e agora a reforma da Previdência só sai dos gabinetes do Planalto para o Congresso depois das eleições. Exatamente como queria parte substancial do PMDB. A justificativa é que a proposta de mudanças está praticamente fechada, mas ainda precisa de ajustes. O governo sabe, porém, que, mesmo escapando do calor da campanha eleitoral, a batalha está apenas começando. Pressão das ruas e da oposição, divisão entre os próprios aliados, primeiros ruídos da sucessão presidencial em 2018, tudo isso deve conspirar para que a batalha seja longa e difícil.
Pelas informações disponíveis, o centro da proposta é a fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, combinada com uma contribuição mínima de 25 anos. Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 seriam enquadrados nas novas regras. Trabalhadores mais velhos teriam um regime especial de transição. Agora surge a novidade da incorporação de um gatilho, para alterar a idade mínima com base em mudanças na expectativa de vida da população, o que significaria, num prazo mais longo, a possibilidade de um piso superior aos 65 anos.
O argumento para esse corte em 65 anos é justamente o aumento da expectativa de vida do brasileiro, que está em 75,2 anos – e, por tabela, o aumento do tempo produtivo dos trabalhadores. Com essa mudança na Previdência, o Brasil estaria se alinhando às regras adotadas em outros países. Entre os chamados países ricos, a idade mínima é, em geral, de 65 anos. Na maior parte da América do Sul, é um pouco mais baixa, mas atinge 65 na Argentina e Chile.
O governo tem insistido que as chamadas aposentadorias precoces, além de representarem uma distorção, criam um sobrepeso nas contas públicas, tornando o ajuste fiscal quase uma tarefa de “enxugar gelo”. Pouco se tem falado, contudo, sobre o impacto potencial dessas mudanças no mercado de trabalho. As empresas estão preparadas e – principalmente – estão interessadas nessa mão de obra da “terceira idade”?
Com base nas estatísticas do IBGE, é possível acompanhar como se movimenta essa faixa da população no mercado de trabalho. Do primeiro trimestre de 2012 para o segundo trimestre de 2016, a faixa de quem tem 60 anos ou mais passou de 15,9% para 17,9% do total de pessoas em idade de trabalhar (acima de 14 anos). No universo dos ocupados, a proporção da turma de 60 anos ou mais saiu de 6,3% para 7,1% no mesmo período. E, segundo especialistas, essa evolução pode se intensificar, com o envelhecimento da população.
Na verdade, grande parcela dos aposentados empenha-se para continuar na ativa. E por um motivo simples. O valor do benefício recebido é baixo e o salário na velha (ou nova) ocupação funciona como complemento de renda. Nas faixas de menor remuneração, essa situação é ainda mais presente, já que a entrada no mercado de trabalho costuma ocorrer mais cedo e a aposentadoria também vem mais cedo. Vale manter o trabalho registrado em carteira ou até algum tipo de ocupação informal, para fugir da continuidade do desconto em folha do INSS. Os cálculos são de que um quarto a um terço dos aposentados continue a exercer algum tipo de atividade remunerada.
Mas nem sempre essa disposição – ou essa necessidade – do trabalhador é atendida pelo mercado. Principalmente no topo da pirâmide dos empregos. Aí ocorre exatamente o inverso. Exigência de atualização tecnológica constante, aliada à necessidade de enxugamento dos salários reais e do passivo trabalhista, principalmente em tempos de crise, leva a uma aceleração na chamada “troca de gerações” dentro das empresas. Regras formais e informais de grandes companhias costumam patrocinar essa aceleração.
Pelo menos num período de transição, tudo indica que haverá um certo descompasso entre oferta e demanda de mão de obra. Se a reforma da Previdência vingar, a tendência é de pressão na oferta de trabalhadores com mais idade. A demanda, no entanto, talvez não siga na mesma direção.
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