ZERO HORA - 03/02
Criança só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela
Quando Salve Jorge começou, disse a mim mesma que não veria um único capítulo. Ainda estava meio surda por causa da gritaria de Avenida Brasil e queria minha paz de volta. E assim foi: não assisti aos primeiros capítulos. Mas aí, um dia, gostei de adiante lembrei que o ótimo Alexandre Nero estava no elenco, além do colírio do Domingos Montagner, e passei a simpatizar com a maquiavélica Wanda de Totia Meireles, e quando dei por mim, havia sido capturada para o dramalhão mais inverossímil da televisão brasileira – ou alguém consegue aguentar a moscona da Morena que, com a finada Jéssica, passava as tardes na casa da delegada sem conseguir denunciar que havia sido traficada?
Me irrita a trouxice das personagens femininas da maioria das novelas. Acho louvável que a autora Gloria Perez procure usar o maior petardo da programação da Globo para trazer à tona assuntos pouco discutidos pela sociedade, como é o caso do tráfico de pessoas, mas a forma canastrona com que esses dramas costumam ser apresentados faz com que eles pareçam pouco reais.
O que tem me deixado chocada nessa novela não é a seringa que o personagem de Claudia Raia leva na bolsa para algum imprevisto ou os tapas que o parrudo Russo distribui no cativeiro das beldades. O que me cala e me constrange é uma criança que está sendo manipulada pelo pai em meio a um divórcio litigioso. Aquilo ali, sim, é real, muitíssimo comum e igualmente criminoso.
Não consigo imaginar nada mais brutal do que dizer para um filho: “Tua mãe não te ama”. O mesmo vale para mães que dizem isso aos filhos a respeito dos pais. Quem faz essa covardia com uma criança é quem verdadeiramente não a quer bem. Usar o sentimento de inocentes a fim de atingir um cônjuge que passamos a odiar é de uma agressividade tão letal quanto uma injeção no pescoço, tão dolorido quanto um soco de um brutamontes.
Nem todos que agem assim o fazem por maldade. Muitos o fazem por ignorância. Mas até ignorantes deveriam possuir alguma sensibilidade para entender que uma criança necessita de segurança emocional e não de ser envolvida nas brigas de um casal que um dia resolveu se unir, e que mais adiante resolveu se separar. Casamento não precisa ser para sempre, mas a responsabilidade parental, sim.
Crianças não conseguem processar direito o que vivenciam. Assumem culpas que não possuem, fantasiam abandonos, se responsabilizam pela infelicidade dos pais, e pior do que tudo, se sentem desprotegidas em um lar briguento. Crescem e se tornam homens e mulheres paranoicos, inseguros, acovardados diante da vida.
É uma tecla insistentemente batida, mas pouco escutada: criança precisa ser amada. Não precisa de um iPhone aos nove anos, não precisa ir a Disney antes de ser alfabetizada, não precisa de um guarda-roupa de estrela de cinema. Precisa ser amada. Sai de graça.Só custa caro quando é educada por duas criaturas mais infantis do que ela.
domingo, fevereiro 03, 2013
O redemoinho - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 03/02
Godard disse, numa entrevista pouco feliz, que você pode amar pessoas que gostem de livros ou músicas, quadros ou edifícios diferentes daqueles de que você próprio gosta, mas que é impossível amar alguém que gosta de filmes que você desaprova
Nunca recebi tantos comentários de leitores desta coluna (pelo visto são mais do que 17) como quando saiu o artigo em que falei do “Redemoinho”, o vídeo doméstico que me pareceu maravilhoso no YouTube. De um desembargador que eu não conheço a um diretor de filmes experimentais de quem sou amigo, recebi, através do GLOBO ou diretamente em meu box de e-mail, várias observações (quase todas desaprovando meu entusiasmo). Uma amiga queridíssima me disse (não usando essas palavras) que toda aquela beleza estava em meus olhos. Um amigo não menos querido (e unido a ela) reconhecia (com minúcias de observação pictórica que eu próprio não cheguei a ressaltar) muitas das virtudes a que eu me referira, mas deixando claro que o meu texto é que o tinha levado a chegar a valorizar coisas que o vídeo por si só não teria a força de impor (isso num tom semelhante ao da sua companheira, em que um “ah, Caetano…” parecia me alertar para o fato de que eu viajara demais num vídeo sem tanta substância). Esse amigo é muito inteligente e muito articulado, de modo que conseguiu escrever elogios ao filmeco que eram até mais bem desenvolvidos do que os meus — ao mesmo tempo em que quase me repreendia por ter supervalorizado algo que poderia passar despercebido.
Godard disse, numa entrevista pouco feliz, que você pode amar pessoas que gostem de livros ou músicas, quadros ou edifícios diferentes daqueles de que você próprio gosta, mas que é impossível amar alguém que gosta de filmes que você desaprova. Maluquice de cinemaníaco. (Numa outra entrevista, encontrei-me profundamente com ele no culto a “The brown bunny” : ele — diferentemente de críticos profissionais e amadores — ficou tão encantado quanto eu com esse filme de Vincent Gallo.) Pois bem, em meio a tantas demonstrações de desconfiança e desconforto relativos a meu ardor por esse acidental curta goiano, um jovem amigo me indicou dois outros vídeos, dizendo que um deles (“Mulher cagando na praia e homem morre”) era seu favorito absoluto no YouTube. Respondi a sério e ele me gozou com carinho na tréplica. Onde vinha a segunda indicação: um vídeo de um americano — numa daquelas paisagens monumentais dos Estados Unidos, que parecem fazer desse país realmente um lugar predestinado a dominar o imaginário mundial — mostrando um duplo arco-íris e gritando em gozo místico perto da câmera: “Deus, oh Deus, o que é isto?”. Respondi que fiquei perdido no curtíssima da praia com escatologia (a baixa resolução da imagem dá charme à população da praia, mas não me deixa ver se a mulher está de fato fazendo o que o título brada — e o homem parece trazido morto por uma onda: não o vemos morrer, como o título também anuncia), e que achei a altíssima resolução do filminho americano muito impressionante mas que, até onde eu sei, todo arco-íris é duplo. Em suma, parecia que eu e meu querido garoto estávamos brigando.
Algo semelhante aconteceu com o diretor de filmes experimentais (excelentes). Como o jovem, ele não opinou diretamente sobre “O redemoinho”, apenas me chamou a atenção para filmes a que eu já deveria ter assistido. Mas quando respondi, ele expressou incredulidade quanto à naiveté da pecinha goiana. Bem, para mim, o tom de demagogia religiosa da mãe é ilustrativo do tom adotado pelos milhões de brasileiros convertidos a igrejas pentecostais. E, tal como aparece no vídeo, é um comentário involuntário sobre esse tom. Uma sua defesa efetiva, não um julgamento com desprezo e condescendência. A pose da namorada também é a pose que as moças fazem ao se saberem filmadas. No mais, tudo é acidental e surpreendente, para os partícipes como para os espectadores.
Por que estou discutindo de público até mensagens que me chegaram por caminhos privados? Porque continuo crendo que o vídeo do redemoinho é belo, didático e relevante. E acho igualmente significativo que tantos tenham querido se dirigir a mim desqualificando-o. Regina Casé, que foi quem me alertou para sua existência, contou-me que também com ela se dá algo assim: as pessoas a quem ela o mostra acham que ela vê nele mais do que de fato há. Tenho muita identificação com Regina, mas não precisaria do entusiasmo dela para amar esse vídeo. O interessante é que, ao me referir a ele aqui, falei em “O som ao redor”. Mas eu ainda não tinha visto o assombroso filme de Kleber Mendonça Filho. Citei-o de ouvir falar. Pois Regina foi vê-lo e me disse que parecia que ela estava vendo “Trate-me leão”, de tão seu lhe pareceu o filme. Ela não sabia que eu tinha pensado justo nessa peça ao ver “O som”. Este é um passo imenso na história da feitura de filmes no Brasil. O goianinho é um milagre inocente.
Godard disse, numa entrevista pouco feliz, que você pode amar pessoas que gostem de livros ou músicas, quadros ou edifícios diferentes daqueles de que você próprio gosta, mas que é impossível amar alguém que gosta de filmes que você desaprova
Nunca recebi tantos comentários de leitores desta coluna (pelo visto são mais do que 17) como quando saiu o artigo em que falei do “Redemoinho”, o vídeo doméstico que me pareceu maravilhoso no YouTube. De um desembargador que eu não conheço a um diretor de filmes experimentais de quem sou amigo, recebi, através do GLOBO ou diretamente em meu box de e-mail, várias observações (quase todas desaprovando meu entusiasmo). Uma amiga queridíssima me disse (não usando essas palavras) que toda aquela beleza estava em meus olhos. Um amigo não menos querido (e unido a ela) reconhecia (com minúcias de observação pictórica que eu próprio não cheguei a ressaltar) muitas das virtudes a que eu me referira, mas deixando claro que o meu texto é que o tinha levado a chegar a valorizar coisas que o vídeo por si só não teria a força de impor (isso num tom semelhante ao da sua companheira, em que um “ah, Caetano…” parecia me alertar para o fato de que eu viajara demais num vídeo sem tanta substância). Esse amigo é muito inteligente e muito articulado, de modo que conseguiu escrever elogios ao filmeco que eram até mais bem desenvolvidos do que os meus — ao mesmo tempo em que quase me repreendia por ter supervalorizado algo que poderia passar despercebido.
Godard disse, numa entrevista pouco feliz, que você pode amar pessoas que gostem de livros ou músicas, quadros ou edifícios diferentes daqueles de que você próprio gosta, mas que é impossível amar alguém que gosta de filmes que você desaprova. Maluquice de cinemaníaco. (Numa outra entrevista, encontrei-me profundamente com ele no culto a “The brown bunny” : ele — diferentemente de críticos profissionais e amadores — ficou tão encantado quanto eu com esse filme de Vincent Gallo.) Pois bem, em meio a tantas demonstrações de desconfiança e desconforto relativos a meu ardor por esse acidental curta goiano, um jovem amigo me indicou dois outros vídeos, dizendo que um deles (“Mulher cagando na praia e homem morre”) era seu favorito absoluto no YouTube. Respondi a sério e ele me gozou com carinho na tréplica. Onde vinha a segunda indicação: um vídeo de um americano — numa daquelas paisagens monumentais dos Estados Unidos, que parecem fazer desse país realmente um lugar predestinado a dominar o imaginário mundial — mostrando um duplo arco-íris e gritando em gozo místico perto da câmera: “Deus, oh Deus, o que é isto?”. Respondi que fiquei perdido no curtíssima da praia com escatologia (a baixa resolução da imagem dá charme à população da praia, mas não me deixa ver se a mulher está de fato fazendo o que o título brada — e o homem parece trazido morto por uma onda: não o vemos morrer, como o título também anuncia), e que achei a altíssima resolução do filminho americano muito impressionante mas que, até onde eu sei, todo arco-íris é duplo. Em suma, parecia que eu e meu querido garoto estávamos brigando.
Algo semelhante aconteceu com o diretor de filmes experimentais (excelentes). Como o jovem, ele não opinou diretamente sobre “O redemoinho”, apenas me chamou a atenção para filmes a que eu já deveria ter assistido. Mas quando respondi, ele expressou incredulidade quanto à naiveté da pecinha goiana. Bem, para mim, o tom de demagogia religiosa da mãe é ilustrativo do tom adotado pelos milhões de brasileiros convertidos a igrejas pentecostais. E, tal como aparece no vídeo, é um comentário involuntário sobre esse tom. Uma sua defesa efetiva, não um julgamento com desprezo e condescendência. A pose da namorada também é a pose que as moças fazem ao se saberem filmadas. No mais, tudo é acidental e surpreendente, para os partícipes como para os espectadores.
Por que estou discutindo de público até mensagens que me chegaram por caminhos privados? Porque continuo crendo que o vídeo do redemoinho é belo, didático e relevante. E acho igualmente significativo que tantos tenham querido se dirigir a mim desqualificando-o. Regina Casé, que foi quem me alertou para sua existência, contou-me que também com ela se dá algo assim: as pessoas a quem ela o mostra acham que ela vê nele mais do que de fato há. Tenho muita identificação com Regina, mas não precisaria do entusiasmo dela para amar esse vídeo. O interessante é que, ao me referir a ele aqui, falei em “O som ao redor”. Mas eu ainda não tinha visto o assombroso filme de Kleber Mendonça Filho. Citei-o de ouvir falar. Pois Regina foi vê-lo e me disse que parecia que ela estava vendo “Trate-me leão”, de tão seu lhe pareceu o filme. Ela não sabia que eu tinha pensado justo nessa peça ao ver “O som”. Este é um passo imenso na história da feitura de filmes no Brasil. O goianinho é um milagre inocente.
Não basta ter razão - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 03/02
O capitalismo é o regime da desigualdade. Se deixarmos, ele suga a carótida da mãe
Entendo que alguém, que durante toda a vida tenha tido o marxismo como doutrina e o comunismo como solução dos problemas sociais, se negue, a esta altura da vida, a abrir mão de suas convicções. Entendo, mas não aprovo. Tampouco lhe reconheço o direito de acusar quem o faça de "vendido ao capitalismo." Aí já é dupla hipocrisia.
Tornei-me marxista por acaso, ao ler o livro de um padre católico sobre a teoria de Marx. É verdade que o Brasil daquela época estava envolvido na luta pela reforma agrária e pelo repúdio ao imperialismo norte-americano, que se assustara com a Revolução Cubana.
Confesso que meu entusiasmo por um Brasil concretamente mais democrático não me permitiu examinar, ponto por ponto, a doutrina marxista, para nela descobrir equívocos e propósitos inviáveis.
Não ignorava, claro, as acusações feitas ao regime soviético, mas atribuía aqueles erros à fase stalinista que, após a denúncia feita por Khruschov, havia sido superada. A verdade é que essas questões -sobretudo depois que os militares se instalaram no poder- não estavam em discussão: o fundamental era derrotar a ditadura e avançar na direção do regime socialista.
Com o AI-5, em dezembro de 1968, a repressão aos comunistas e opositores do regime militar intensificou-se, multiplicando-se os casos de tortura e assassinatos.
Tive que deixar o país e ir para a URSS. Convivendo ali apenas com militantes brasileiros e de outros países, pouco pude conhecer da vida dos cidadãos soviéticos, a não ser daqueles que pertenciam à máquina oficial.
De Moscou fui para Santiago do Chile, aonde cheguei poucos meses antes da queda de Allende.
Mergulhado no conflito ideológico que opunha as duas potências antagônicas -URSS e EUA-, não me foi possível ver com maior clareza o que de fato acontecia nem muito menos os erros cometidos também por nós, adversários do imperialismo norte-americano. Isso se tornou evidente para mim, anos mais tarde, quando o sistema socialista ruiu como um castelo de cartas.
Tornou-se então impossível não ver o que de fato ocorria. O regime soviético não ruíra porque um exército inimigo invadira o país. Pelo contrário, foi o povo russo mesmo que pôs fim ao sistema e o fez porque ele fracassara economicamente.
Não obstante, muitos companheiros se negavam a aceitar essa evidência. Passaram a atribuir a Gorbatchov a culpa pelo fim do comunismo, como se isso fosse possível. A verdade é que as pessoas, de modo geral, têm dificuldade em admitir que erraram, que passaram anos de sua vida (e alguns pagaram caro por isso) acreditando numa ilusão.
E, além do mais, é compreensível, uma vez que o socialismo propunha derrotar um sistema econômico injusto e pôr em seu lugar outro, fundado na igualdade e na justiça social.
É verdade também que em alguns países onde o socialismo se implantara muito foi feito em busca dessa igualdade. Não obstante, algo estava errado ali, já que o regime era obrigado a coibir a livre opinião e impedir que as pessoas saíssem livremente do país. A pergunta é inevitável: alguém, que vive no paraíso, quer a todo custo fugir dele?
Tampouco o regime capitalista é o paraíso. Longe disso. A diferença é que, dele, podemos sair se o decidirmos, criticá-lo e, pelo voto, mudar o governante. Mas não é só isso. O capitalismo é dinâmico e criativo porque é a expressão da necessidade humana de tudo fazer para melhorar de vida.
Neste momento mesmo, milhões de pessoas estão inventando meios e modos de criar empresas, realizar empreendimentos que lhes possibilitem lucrar e enriquecer.
Como poderia competir com isso um regime cujo processo econômico era dirigido por meia dúzia de burocratas, os quais, em nome do Partido Comunista, tudo determinavam e decidiam? Isso conduziu o comunismo ao fracasso e levou a China a tornar-se capitalista para escapar do desastre que pôs fim ao sistema socialista mundial.
O capitalismo, por sua vez, é o regime da exploração e da desigualdade, precisamente porque se funda no egoísmo e na busca do lucro máximo. Se deixarmos, ele suga a carótida da mãe.
O grande problema, portanto, é este: como estimular a iniciativa criadora de riqueza e, ao mesmo tempo, valer-se da riqueza criada para reduzir a desigualdade.
O capitalismo é o regime da desigualdade. Se deixarmos, ele suga a carótida da mãe
Entendo que alguém, que durante toda a vida tenha tido o marxismo como doutrina e o comunismo como solução dos problemas sociais, se negue, a esta altura da vida, a abrir mão de suas convicções. Entendo, mas não aprovo. Tampouco lhe reconheço o direito de acusar quem o faça de "vendido ao capitalismo." Aí já é dupla hipocrisia.
Tornei-me marxista por acaso, ao ler o livro de um padre católico sobre a teoria de Marx. É verdade que o Brasil daquela época estava envolvido na luta pela reforma agrária e pelo repúdio ao imperialismo norte-americano, que se assustara com a Revolução Cubana.
Confesso que meu entusiasmo por um Brasil concretamente mais democrático não me permitiu examinar, ponto por ponto, a doutrina marxista, para nela descobrir equívocos e propósitos inviáveis.
Não ignorava, claro, as acusações feitas ao regime soviético, mas atribuía aqueles erros à fase stalinista que, após a denúncia feita por Khruschov, havia sido superada. A verdade é que essas questões -sobretudo depois que os militares se instalaram no poder- não estavam em discussão: o fundamental era derrotar a ditadura e avançar na direção do regime socialista.
Com o AI-5, em dezembro de 1968, a repressão aos comunistas e opositores do regime militar intensificou-se, multiplicando-se os casos de tortura e assassinatos.
Tive que deixar o país e ir para a URSS. Convivendo ali apenas com militantes brasileiros e de outros países, pouco pude conhecer da vida dos cidadãos soviéticos, a não ser daqueles que pertenciam à máquina oficial.
De Moscou fui para Santiago do Chile, aonde cheguei poucos meses antes da queda de Allende.
Mergulhado no conflito ideológico que opunha as duas potências antagônicas -URSS e EUA-, não me foi possível ver com maior clareza o que de fato acontecia nem muito menos os erros cometidos também por nós, adversários do imperialismo norte-americano. Isso se tornou evidente para mim, anos mais tarde, quando o sistema socialista ruiu como um castelo de cartas.
Tornou-se então impossível não ver o que de fato ocorria. O regime soviético não ruíra porque um exército inimigo invadira o país. Pelo contrário, foi o povo russo mesmo que pôs fim ao sistema e o fez porque ele fracassara economicamente.
Não obstante, muitos companheiros se negavam a aceitar essa evidência. Passaram a atribuir a Gorbatchov a culpa pelo fim do comunismo, como se isso fosse possível. A verdade é que as pessoas, de modo geral, têm dificuldade em admitir que erraram, que passaram anos de sua vida (e alguns pagaram caro por isso) acreditando numa ilusão.
E, além do mais, é compreensível, uma vez que o socialismo propunha derrotar um sistema econômico injusto e pôr em seu lugar outro, fundado na igualdade e na justiça social.
É verdade também que em alguns países onde o socialismo se implantara muito foi feito em busca dessa igualdade. Não obstante, algo estava errado ali, já que o regime era obrigado a coibir a livre opinião e impedir que as pessoas saíssem livremente do país. A pergunta é inevitável: alguém, que vive no paraíso, quer a todo custo fugir dele?
Tampouco o regime capitalista é o paraíso. Longe disso. A diferença é que, dele, podemos sair se o decidirmos, criticá-lo e, pelo voto, mudar o governante. Mas não é só isso. O capitalismo é dinâmico e criativo porque é a expressão da necessidade humana de tudo fazer para melhorar de vida.
Neste momento mesmo, milhões de pessoas estão inventando meios e modos de criar empresas, realizar empreendimentos que lhes possibilitem lucrar e enriquecer.
Como poderia competir com isso um regime cujo processo econômico era dirigido por meia dúzia de burocratas, os quais, em nome do Partido Comunista, tudo determinavam e decidiam? Isso conduziu o comunismo ao fracasso e levou a China a tornar-se capitalista para escapar do desastre que pôs fim ao sistema socialista mundial.
O capitalismo, por sua vez, é o regime da exploração e da desigualdade, precisamente porque se funda no egoísmo e na busca do lucro máximo. Se deixarmos, ele suga a carótida da mãe.
O grande problema, portanto, é este: como estimular a iniciativa criadora de riqueza e, ao mesmo tempo, valer-se da riqueza criada para reduzir a desigualdade.
Insensatez sem filtro - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 03/02
Se você não leu, sugiro que recupere e leia a crônica em que Ruy Castro, na Folha de S. Paulo, dia 25 de janeiro, registrou seus 25 anos sem álcool. Não vou recontar aqui o que esse baita escritor e jornalista contou lá, num depoimento capaz de encorpar ainda mais a admiração não só literária e jornalística que por ele tenho. Digo apenas que em lugar de trombetas, a que o Ruy teria direito, o que se ouve ali é a surdina da humildade de quem, depois de tanta luta, não dá a fatura por liquidada.
Além de me emocionar, a crônica avivou em mim a lembrança de outro aniversário, bem mais modesto, no mesmo 25 de janeiro: meus 32 anos sem cigarro. Se o Ruy não o fez por vitória tão maior, não sou eu quem vai posar de herói. Até porque, confesso, não me custou tanto assim cortar de uma hora para outra o hábito insensato de acender 60 cigarros por dia. Não foi penoso como alguns anos antes, quando, fumando a metade disso, parei por nove meses, num daqueles rompantes em que, sobranceiro, o insuspeitado paladino da temperança entrega o maço para um e o isqueiro para outro.
No começo, a bravata foi recompensada com a admiração de alguns basbaques ante minha suposta coragem e força de vontade. Ao cabo de poucas semanas, porém, quando já ninguém me pedia um cigarro, o que daria chance ao fanfarrão para tripudiar sobre o filante, eu me senti chafurdar numa patética melancolia pós-tabagismo. Deve ter sido nesse tempo que inventei a moda de responder, quando me perguntam se vou bem e não vou tanto: Sim, mas sem exagero. Moderadamente bem.
Ao folhear revistas, eu me pegava encalhado nos anúncios de cigarros - never more! never more! -, em especial os de uma nova tentação, o Rothmans, que eu, demissionário do vício, morreria sem saborear. Em meio a um papo, de repente já não saberia dizer qual era o tema da conversação, tão envolvido estava na fumaça que o interlocutor, afortunado escravo do tabaco, botava pelas ventas.
Na minha viuvez tabagística, chegava a fantasiar situações que justificassem recaída sem passar recibo de frouxo. De partida para a França, onde viveria uns anos, meu passaporte, no negror da era Medici, demorou a sair, alimentando a paranoia de quem estivera por um mês na gaiola política. Quando, na véspera do embarque, finalmente recebi o documento, a primeira coisa que fiz foi entrar, quase digo trêmulo, num boteco e pedir um maço de Luís XV - a marca preferida desde que caí fumante.
Já contei como foi que isso aconteceu: levado por meu pai à inauguração de Brasília, aos 15 anos, fui acometido de uma apoteose mental que me impeliu a fazer alguma coisa, fosse o que fosse, para estar à altura do momento cívico - e quando vi lá estava o frangote a pipocar de tosse, pitando um cigarrinho também inaugural. Até então, tinha com o fumo uma relação platônica, na qualidade de proprietário de um maço de Chesterfield, presente da Carol, filha do cônsul americano em Belo Horizonte, símbolo de status que me limitava a ostentar, fechado, onde houvesse plateia. Nem preciso dizer que na volta de Brasília o Chesterfield virou cinza, a ele se seguindo uns mata-ratos para lá de nacionais, até que minhas finanças me proporcionassem o luxo modestíssimo do Luís XV.
Vá a informação geriátrica: era cigarro sem filtro, como quase todos os que então ardiam no Brasil. Com isso, o papel às vezes grudava nos lábios, podendo até arrancar pele quando você, fechando a mão em concha, catava o Luís XV entre o polegar e o indicador, antes de soltar a baforada e beijar a menina, que nem fazia o Humphrey Bogart com a Lauren Bacall. Embora a namorada nunca tenha percebido, era esse o meu modelo, ainda que do grande Bogey me faltasse tudo, do trenchcoat ao chapéu, do magnetismo animal ao cigarro que jamais grudava nos beiços.
Falei à beça - e ainda estou na década de 60! Prometo ser expedito se você me permitir voltar ao assunto na semana que vem. Um pouco mais de paciência, acabo já. Quem parou de fumar bem pode parar de escrever...
Se você não leu, sugiro que recupere e leia a crônica em que Ruy Castro, na Folha de S. Paulo, dia 25 de janeiro, registrou seus 25 anos sem álcool. Não vou recontar aqui o que esse baita escritor e jornalista contou lá, num depoimento capaz de encorpar ainda mais a admiração não só literária e jornalística que por ele tenho. Digo apenas que em lugar de trombetas, a que o Ruy teria direito, o que se ouve ali é a surdina da humildade de quem, depois de tanta luta, não dá a fatura por liquidada.
Além de me emocionar, a crônica avivou em mim a lembrança de outro aniversário, bem mais modesto, no mesmo 25 de janeiro: meus 32 anos sem cigarro. Se o Ruy não o fez por vitória tão maior, não sou eu quem vai posar de herói. Até porque, confesso, não me custou tanto assim cortar de uma hora para outra o hábito insensato de acender 60 cigarros por dia. Não foi penoso como alguns anos antes, quando, fumando a metade disso, parei por nove meses, num daqueles rompantes em que, sobranceiro, o insuspeitado paladino da temperança entrega o maço para um e o isqueiro para outro.
No começo, a bravata foi recompensada com a admiração de alguns basbaques ante minha suposta coragem e força de vontade. Ao cabo de poucas semanas, porém, quando já ninguém me pedia um cigarro, o que daria chance ao fanfarrão para tripudiar sobre o filante, eu me senti chafurdar numa patética melancolia pós-tabagismo. Deve ter sido nesse tempo que inventei a moda de responder, quando me perguntam se vou bem e não vou tanto: Sim, mas sem exagero. Moderadamente bem.
Ao folhear revistas, eu me pegava encalhado nos anúncios de cigarros - never more! never more! -, em especial os de uma nova tentação, o Rothmans, que eu, demissionário do vício, morreria sem saborear. Em meio a um papo, de repente já não saberia dizer qual era o tema da conversação, tão envolvido estava na fumaça que o interlocutor, afortunado escravo do tabaco, botava pelas ventas.
Na minha viuvez tabagística, chegava a fantasiar situações que justificassem recaída sem passar recibo de frouxo. De partida para a França, onde viveria uns anos, meu passaporte, no negror da era Medici, demorou a sair, alimentando a paranoia de quem estivera por um mês na gaiola política. Quando, na véspera do embarque, finalmente recebi o documento, a primeira coisa que fiz foi entrar, quase digo trêmulo, num boteco e pedir um maço de Luís XV - a marca preferida desde que caí fumante.
Já contei como foi que isso aconteceu: levado por meu pai à inauguração de Brasília, aos 15 anos, fui acometido de uma apoteose mental que me impeliu a fazer alguma coisa, fosse o que fosse, para estar à altura do momento cívico - e quando vi lá estava o frangote a pipocar de tosse, pitando um cigarrinho também inaugural. Até então, tinha com o fumo uma relação platônica, na qualidade de proprietário de um maço de Chesterfield, presente da Carol, filha do cônsul americano em Belo Horizonte, símbolo de status que me limitava a ostentar, fechado, onde houvesse plateia. Nem preciso dizer que na volta de Brasília o Chesterfield virou cinza, a ele se seguindo uns mata-ratos para lá de nacionais, até que minhas finanças me proporcionassem o luxo modestíssimo do Luís XV.
Vá a informação geriátrica: era cigarro sem filtro, como quase todos os que então ardiam no Brasil. Com isso, o papel às vezes grudava nos lábios, podendo até arrancar pele quando você, fechando a mão em concha, catava o Luís XV entre o polegar e o indicador, antes de soltar a baforada e beijar a menina, que nem fazia o Humphrey Bogart com a Lauren Bacall. Embora a namorada nunca tenha percebido, era esse o meu modelo, ainda que do grande Bogey me faltasse tudo, do trenchcoat ao chapéu, do magnetismo animal ao cigarro que jamais grudava nos beiços.
Falei à beça - e ainda estou na década de 60! Prometo ser expedito se você me permitir voltar ao assunto na semana que vem. Um pouco mais de paciência, acabo já. Quem parou de fumar bem pode parar de escrever...
Vale a pena ver de novo? - FABRÍCIO CARPINEJAR
ZERO HORA - 03/02
“Querido Fabrício! Amor tem reprise? Vale a pena ver de novo? Estou apaixonada pelo ex. Depois de três anos longe e muitos relacionamentos de ambos, nos reencontramos há dois meses numa festa. O beijo foi da primeira vez, uma loucura! Porque não tivemos recaídas antes, jamais tínhamos ficado. Agora a paixão veio com tudo, acrescidas das neuras que fizeram o término da união. O que fazer? Beijo Catherine”
Querida Catherine,
Há uma morte separando vocês. Uma morte emocional. Por isso você o chamou de fantasma. Para uma relação funcionar pela segunda vez, é necessário absorver o que falhou na primeira vez.
Uma possível reaproximação reeditará as brigas e os ressentimentos. É voltar a ficar junto que os vícios da relação retornam com o dobro de força. O ciúme de antes crescerá em possessividade. A preguiça de antes resultará em marasmo. A distância agrava os defeitos, como se ambos houvessem traído o romance neste intervalo todo. Não menospreze as represálias dos órfãos amorosos.
Temos uma profunda dificuldade para perdoar divórcios e abandonos. Não procuramos o amor, mas a perfeição.
Não entendemos que um deslize não abole aquilo que foi bom no passado. Não é porque a pessoa errou num momento que errou sempre. Não é porque mentiu de repente que mentirá sempre.
Somos justiceiros mais do que compreensivos. A gente não perdoa para se mostrar superior. Você acha que o credor quer que o endividado pague sua pendência? Não, ele deseja humilhá-lo. Deseja torturá-lo. É seu canal de catarse.
O único modo de dar certo seu amor pelo ex é destruir a intimidade anterior, quebrar os modelos, os moldes. Jamais dizer “eu te conheço”. Não conhece mais, não. Depois de uma separação, todos se transformam. Uns ficam mais amargos, outros mais humildes. Os dois passaram por namoros, adquiriram hábitos diferentes, amadureceram a sexualidade, cicatrizaram lembranças.
Deve começar a relação do zero. O que é quase impossível, a situação pede uma paciência de desconhecidos. Do zero mesmo. Sem cobrança. Sem fiadores. Retomar pelas perguntas mais triviais: o que ele assiste, vê, lê, faz. Não reprisar filmes e rever fotografias dos tempos felizes. Não repetir viagens e lugares prediletos. Não reutilizar os apelidos mimosos e os beiços.
Esquece que você sabe o que ele gosta. Não compara, não cruza informações. O pior que pode acontecer é testá-lo: para ver se ele mudou ou continua igual. Estará daí analisando, jamais experimentando.
Existe um grande risco de trai-lo com ele de três anos atrás. Raciocine que é um novo beijo, um novo livro. E com novos autores também.
“Querido Fabrício! Amor tem reprise? Vale a pena ver de novo? Estou apaixonada pelo ex. Depois de três anos longe e muitos relacionamentos de ambos, nos reencontramos há dois meses numa festa. O beijo foi da primeira vez, uma loucura! Porque não tivemos recaídas antes, jamais tínhamos ficado. Agora a paixão veio com tudo, acrescidas das neuras que fizeram o término da união. O que fazer? Beijo Catherine”
Querida Catherine,
Há uma morte separando vocês. Uma morte emocional. Por isso você o chamou de fantasma. Para uma relação funcionar pela segunda vez, é necessário absorver o que falhou na primeira vez.
Uma possível reaproximação reeditará as brigas e os ressentimentos. É voltar a ficar junto que os vícios da relação retornam com o dobro de força. O ciúme de antes crescerá em possessividade. A preguiça de antes resultará em marasmo. A distância agrava os defeitos, como se ambos houvessem traído o romance neste intervalo todo. Não menospreze as represálias dos órfãos amorosos.
Temos uma profunda dificuldade para perdoar divórcios e abandonos. Não procuramos o amor, mas a perfeição.
Não entendemos que um deslize não abole aquilo que foi bom no passado. Não é porque a pessoa errou num momento que errou sempre. Não é porque mentiu de repente que mentirá sempre.
Somos justiceiros mais do que compreensivos. A gente não perdoa para se mostrar superior. Você acha que o credor quer que o endividado pague sua pendência? Não, ele deseja humilhá-lo. Deseja torturá-lo. É seu canal de catarse.
O único modo de dar certo seu amor pelo ex é destruir a intimidade anterior, quebrar os modelos, os moldes. Jamais dizer “eu te conheço”. Não conhece mais, não. Depois de uma separação, todos se transformam. Uns ficam mais amargos, outros mais humildes. Os dois passaram por namoros, adquiriram hábitos diferentes, amadureceram a sexualidade, cicatrizaram lembranças.
Deve começar a relação do zero. O que é quase impossível, a situação pede uma paciência de desconhecidos. Do zero mesmo. Sem cobrança. Sem fiadores. Retomar pelas perguntas mais triviais: o que ele assiste, vê, lê, faz. Não reprisar filmes e rever fotografias dos tempos felizes. Não repetir viagens e lugares prediletos. Não reutilizar os apelidos mimosos e os beiços.
Esquece que você sabe o que ele gosta. Não compara, não cruza informações. O pior que pode acontecer é testá-lo: para ver se ele mudou ou continua igual. Estará daí analisando, jamais experimentando.
Existe um grande risco de trai-lo com ele de três anos atrás. Raciocine que é um novo beijo, um novo livro. E com novos autores também.
Acabou em samba - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 03/02
O enredo é a República Bolivariana da Venezuela.
Mensalão no TST
A Terceira Turma do TST confirmou a demissão por justa causa de um ex-empregado dos Correios acusado de receber propina em 2005.
Na época, assessor de diretoria, ele foi entregue pelo colega Maurício Marinho, aquele grampeado recebendo suborno, e cujo escândalo está no DNA do caso do mensalão.
A herança
A 4ª Câmara Cível do TJ do Rio decidiu que os 25% dos bens deixados por Edméia de San Tiago Dantas — viúva de San Tiago Dantas, o intelectual e chanceler do governo parlamentarista de Tancredo Neves, em 1962 — sejam repassados aos seus sobrinhos.
A herança era reivindicada pelo município do Rio.
Brasil vai à guerra
Dilma deve anunciar este mês a compra de cinco baterias de mísseis antiaéreos russos.
Live no Brasil
Veja como o mercado de grandes shows está na moda no Brasil.
A gigante americana Live Nation Entertainment, que promove apresentações de artistas de peso como U2 e Madonna, namora uma sociedade com Eike Sempre Ele Batista.
Bolsa Miami
Sabe o Lago dos Desejos, no Magic Kingdom, na Disney, onde você joga uma moeda e faz um pedido?
Está cheinho de real, a moeda do país cujo povo invade os EUA.
Feliz 2014
O que se diz no setor elétrico é que, mesmo com a chegada das chuvas, as termelétricas vão continuar operando por um tempo.
O objetivo do governo seria reforçar os reservatórios de água para afastar qualquer risco de apagão em 2014, quando tem Copa e... eleição.
Aliás...
Como se sabe, as distribuidoras de energia estão gemendo no bolso por ter que comprar energia mais cara das termelétricas, sem poder repassar a conta aos consumidores logo em seguida.
Pois bem, pelo cronograma do Ministério de Minas e Energia, a única concessionária de energia com reajuste real neste ano será a Ampla, que atende Niterói, parte da Baixada e o interior do Rio.
Conta de luz...
Pelas contas oficiais, a alta na área da Ampla não deve chegar a 9%.
Aldo em casa
O ministro Aldo Rebelo, comunista de carteirinha, passará o carnaval em Cuba. Faz sentido.
A barba polêmica
A descoberta é do historiador Milton Teixeira. Sob argumento de que Estácio de Sá não tinha barba, a Fortaleza de São
João, na Urca, decidiu ano passado que esse busto é de Mem de Sá, o terceiro governador-geral, e não do sobrinho dele, o fundador do Rio.
Mas...
Teixeira, estudioso da História carioca, discorda da troca de placa: “O fato de o artista Orlando Silva, autor do busto, ter colocado uma barba no Estácio não significa que não seja ele.”
Segue...
O historiador lembra que pintores do Renascimento, como Leonardo da Vinci e Rafael, retratavam Cristo louro e de olhos azuis: “Mesmo sabendo que Cristo não podia ser assim, ninguém tem coragem de rebatizar estes quadros.”
Emprego ameaçado
A Infraero está se negando a renovar a concessão da oficina de testes de motores aeronáuticos que a gigante americana GE Celma tem no Galeão.
O governo do Rio está preocupado. Teme que isso ponha em risco os 1.700 empregos da fábrica em Petrópolis.
A missa
Uma carioca foi encomendar uma missa, em memória de um parente, na Igreja N. S. da Conceição, na Tijuca. Cobraram R$ 150, mas ela só tinha R$ 70 e desistiu. Nisso, uma irmã disse que dava para fazer por R$ 70.
Só que...
Durante o culto, no último dia 25, estava um calorão daqueles dentro do templo. A fiel foi reclamar, e uma irmã:
— Para ligar o ar, são mais R$ 50.
Ah, bom!
RIO, 450 ANOS
Na visita aos barracões na Cidade do Samba, semana passada, Eduardo Paes sugeriu à União da Ilha um enredo para 2015: os 450 anos do Rio. A ideia foi prontamente aceita.
Aliás, ele e Cabral observam de perto o processo eleitoral que se intensifica na Portela e na Mangueira.
Pará em festa
O barracão da Imperatriz Leopoldinense recebeu estes dias uma turma de
famosos do Pará Primeiro foi Dira Paes, a atriz, depois Fafá de Belém (na foto) e Gaby Amarantos, as cantoras.
É que a verde e branco vai homenagear o estado este ano.
Pichação na Sapucaí
Diogo Jesus, terceiro mestre-sala da Portela, vai pichar a fantasia de Rosilane Queiroz, a porta-bandeira, durante o desfile.
Os dois vão representar o Viaduto de Madureira no enredo que celebra o bairro da azul e branco.
Aliás...
A cantora Mariene de Castro será Clara Nunes no desfile. Virá ao lado de Milton Gonçalves, que representará Natal.
O inventor
Boni, o lendário executivo que marcou época na TV Globo, confirmou presença no desfile da São Clemente.
Até ontem - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 03/02
SÃO PAULO - O mais recente livro de Jared Diamond, "The World Until Yesterday: What Can we Learn from Traditional Societies?" (o mundo até ontem: o que podemos aprender de sociedades tradicionais?), não tem o impacto de suas obras anteriores, mas traz "insights" interessantes e é muito gostoso de ler.
Depois de ter demonstrado, em "Armas, Germes e Aço", a força que a geografia exerce sobre a história e destacado, em "Colapso", o papel decisivo de desastres ambientais e mudanças climáticas, Diamond se volta agora para a cultura.
Partindo de observações sobre diversas sociedades de caçadores-coletores -que ainda mantêm um estilo de vida próximo ao de nossos ancestrais de 11 mil anos atrás, quando surgiu a agricultura-, o autor cria uma base de comparação entre comportamentos tradicionais e modernos em aspectos tão variados como o tratamento dispensado a estrangeiros, a educação de crianças, o cuidado com os velhos e a percepção de riscos. Também cabem digressões sobre linguagem, religião e saúde.
Diferentemente de alguns antropólogos que cultuam seu objeto de estudo, Diamond deixa bastante claro que nós, no Ocidente, vivemos muito mais e, de um modo geral, muito melhor do que os membros de sociedades tradicionais. Há, contudo, situações em que seu saber, testado pelos milênios, tende a ser valioso.
As conclusões do autor não são revolucionárias. No caso das crianças, ele defende que possam dormir no mesmo quarto dos pais, que tenham mais contato com adultos de fora da família e que as incentivemos a brincar com meninos e meninas de várias idades. Há recomendações análogas para os demais tópicos.
O valor do livro está menos nas prescrições do autor e mais nos relatos que o levam a elas. É aí que Diamond usa todos os seus talentos de polímata e ilumina os limites sutis entre a universalidade e a exuberância da experiência humana.
SÃO PAULO - O mais recente livro de Jared Diamond, "The World Until Yesterday: What Can we Learn from Traditional Societies?" (o mundo até ontem: o que podemos aprender de sociedades tradicionais?), não tem o impacto de suas obras anteriores, mas traz "insights" interessantes e é muito gostoso de ler.
Depois de ter demonstrado, em "Armas, Germes e Aço", a força que a geografia exerce sobre a história e destacado, em "Colapso", o papel decisivo de desastres ambientais e mudanças climáticas, Diamond se volta agora para a cultura.
Partindo de observações sobre diversas sociedades de caçadores-coletores -que ainda mantêm um estilo de vida próximo ao de nossos ancestrais de 11 mil anos atrás, quando surgiu a agricultura-, o autor cria uma base de comparação entre comportamentos tradicionais e modernos em aspectos tão variados como o tratamento dispensado a estrangeiros, a educação de crianças, o cuidado com os velhos e a percepção de riscos. Também cabem digressões sobre linguagem, religião e saúde.
Diferentemente de alguns antropólogos que cultuam seu objeto de estudo, Diamond deixa bastante claro que nós, no Ocidente, vivemos muito mais e, de um modo geral, muito melhor do que os membros de sociedades tradicionais. Há, contudo, situações em que seu saber, testado pelos milênios, tende a ser valioso.
As conclusões do autor não são revolucionárias. No caso das crianças, ele defende que possam dormir no mesmo quarto dos pais, que tenham mais contato com adultos de fora da família e que as incentivemos a brincar com meninos e meninas de várias idades. Há recomendações análogas para os demais tópicos.
O valor do livro está menos nas prescrições do autor e mais nos relatos que o levam a elas. É aí que Diamond usa todos os seus talentos de polímata e ilumina os limites sutis entre a universalidade e a exuberância da experiência humana.
Igualzinha, igualzinha - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 03/02
Uma imitação perfeita só deixa de ter o mesmo valor do original quando é descoberta
Margô voltou de Paris com uma bolsa Vuitton. Contou para as amigas o que passara para comprar sua bolsa Vuitton. Entrara numa fila enorme em frente à loja Vuitton do Champs- Élysées. No frio! Chegara a brigar com uma japonesa (ou chinesa, sei lá) que tentara cortar a sua frente na entrada da loja. Lá dentro, custara a ser atendida. Uma multidão. Mas finalmente conseguira.
– E aqui está ela – disse Margô, mostrando a bolsa Vuitton como um troféu.
Foi quando aconteceu uma coisa que a Margô jamais esperaria. A Belinha mostrou a sua bolsa e disse:
– Igual à minha.
Houve um silêncio constrangido. Depois que se recuperou da surpresa, Margô sorriu e perguntou:
– Você também esteve em Paris, querida?
– Estive
– Que inferno a fila da Vuitton, né?
– Eu não comprei a bolsa na loja da Vuitton.
– Ah, não? Não foi no Champs-Élisées?
– Foi, mas na outra calçada.
– Como?
– Estavam vendendo na rua. Por 19 euros.
O sorriso da Margô desapareceu. Sua bolsa Vuitton custara exatamente 1.900 euros, na loja. – Ah. Imitação – disse. – Mas é igualzinha.
– Igualzinha, igualzinha, não – corrigiu Margô. – A minha é legitima. A sua é falsa.
Belinha então propôs que todos examinassem as duas bolsas, para descobrir se havia alguma diferença. Não encontraram nenhuma.
À noite, na cama com seu marido Oscar, Margô ainda estava furiosa.
– Cachorra!
– O quê, bem?
– A Belinha. Não precisava ter esfregado a bolsa de 19 euros na minha cara.
– Mas ela foi honesta. Poderia dizer que comprara a bolsa na loja, igual a você. Poderia ter mentido.
– Você não vê? Ela me chamou de otária. De nova-rica deslumbrada. De, de...
– Calma. Sabe que essa é uma questão filosófica? – disse Oscar. – Uma imitação perfeita só deixa de ter o mesmo valor do original quando é descoberta. Dizem que várias obras atribuídas ao Rembrandt não são dele, são de um falsificador. Mas continuam nos museus, encantando todo o mundo. Por que estragar o prazer de ver ou ter um Rembrandt, por um detalhe?
– Oscar, você não está me ajudando.
Hoje, quando alguém comenta a bolsa da Margô e pergunta se é Vuitton, ela responde.
– Parece, não é? Mas comprei numa calçada do Champs-Élysées. Por 19 euros!
Uma imitação perfeita só deixa de ter o mesmo valor do original quando é descoberta
Margô voltou de Paris com uma bolsa Vuitton. Contou para as amigas o que passara para comprar sua bolsa Vuitton. Entrara numa fila enorme em frente à loja Vuitton do Champs- Élysées. No frio! Chegara a brigar com uma japonesa (ou chinesa, sei lá) que tentara cortar a sua frente na entrada da loja. Lá dentro, custara a ser atendida. Uma multidão. Mas finalmente conseguira.
– E aqui está ela – disse Margô, mostrando a bolsa Vuitton como um troféu.
Foi quando aconteceu uma coisa que a Margô jamais esperaria. A Belinha mostrou a sua bolsa e disse:
– Igual à minha.
Houve um silêncio constrangido. Depois que se recuperou da surpresa, Margô sorriu e perguntou:
– Você também esteve em Paris, querida?
– Estive
– Que inferno a fila da Vuitton, né?
– Eu não comprei a bolsa na loja da Vuitton.
– Ah, não? Não foi no Champs-Élisées?
– Foi, mas na outra calçada.
– Como?
– Estavam vendendo na rua. Por 19 euros.
O sorriso da Margô desapareceu. Sua bolsa Vuitton custara exatamente 1.900 euros, na loja. – Ah. Imitação – disse. – Mas é igualzinha.
– Igualzinha, igualzinha, não – corrigiu Margô. – A minha é legitima. A sua é falsa.
Belinha então propôs que todos examinassem as duas bolsas, para descobrir se havia alguma diferença. Não encontraram nenhuma.
À noite, na cama com seu marido Oscar, Margô ainda estava furiosa.
– Cachorra!
– O quê, bem?
– A Belinha. Não precisava ter esfregado a bolsa de 19 euros na minha cara.
– Mas ela foi honesta. Poderia dizer que comprara a bolsa na loja, igual a você. Poderia ter mentido.
– Você não vê? Ela me chamou de otária. De nova-rica deslumbrada. De, de...
– Calma. Sabe que essa é uma questão filosófica? – disse Oscar. – Uma imitação perfeita só deixa de ter o mesmo valor do original quando é descoberta. Dizem que várias obras atribuídas ao Rembrandt não são dele, são de um falsificador. Mas continuam nos museus, encantando todo o mundo. Por que estragar o prazer de ver ou ter um Rembrandt, por um detalhe?
– Oscar, você não está me ajudando.
Hoje, quando alguém comenta a bolsa da Margô e pergunta se é Vuitton, ela responde.
– Parece, não é? Mas comprei numa calçada do Champs-Élysées. Por 19 euros!
O musical - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 03/02
Não vi todos os filmes candidatos ao Oscar. Da lista de nove indicados, ainda estou devendo “Amour” e “Indomável sonhadora”. Mas, dos outros sete, não tenho dúvida: o filme que mais me arrebatou foi “Les misérables”, de Tom Hooper.
“Les Misérables” é o mais polêmico dos candidatos. Fala-se muito na tortura promovida pela CIA no começo da caça a Bin Laden em “A hora mais escura”. Fala-se também do vilão negro e escravagista que Quentin Tarantino criou em “Django livre”. Fala-se ainda da política de mãos sujas que pode ser vista em “Lincoln”. São polêmicos os assuntos abordados por estes filmes. Mas “Les Misérables” é polêmico por sua opção cinematográfica. É daqueles filmes que a plateia ama ou odeia. Não há meio termo. Se você não gosta de musical, não passe nem perto da bilheteria. Mas, se gosta, não deixe passar mais um dia sem assistir ao melhor
musical de cinema dos últimos anos.
Como acontece com qualquer musical dos bons, o elenco é impecável e a música, sensacional. Hugh Jackman faz um Jean Valjean que traria orgulho a Victor Hugo. Anne Hathaway é uma Fantine que dilacera o coração da plateia. Mas todo o resto da trupe de atores também é do primeiro time, com destaque para Samantha Barks, que faz a gente torcer por sua Éponine.
Todo mundo conhece “I dreamed a dream”, a mais famosa das canções do musical. Mas todo o resto do score, composto por Claude MichelSchönberg e, na versão inglesa, Herbert Kretzmer, é de tirar o fôlego. E a música está sempre a serviço de uma trama que, desde o seu lançamento em romance, há um século e meio, tem ditado as normas de qualquer folhetim. Nina e Carminha não são muito diferentes dos Valjean e Javert criados por Hugo.
Tom Hooper aderiu com paixão à empreitada de transpor para o cinema um dos musicais mais bem sucedidos da História do teatro. E essa paixão passa para o público em cada take.
------------------------------
Todos os meus 17 leitores me alertaram. Portanto, repasso a correção para algum leitor acidental. Na coluna da última quarta-feira, atribuí a direção de “Nascido a 4 de julho” a Steven Spielberg. O colunista é, antes de tudo, um burro e, acima de tudo, um desmemoriado. Cada vez mais desmoriado. “Nascido a 4 de julho”, como sabe qualquer cinéfilo que nasceu após Quentin Tarantino chegar a idade adulta, é de Oliver Stone. Imagino que tenha confundido as guerras e trocado o filme de Stone por “O resgate do soldado Ryan”. Mas, só para esclarecer, as histórias não são muito diferentes. No Oscar de 1999, o “Soldado Ryan” era o favorito. Mas Spielberg levou apenas o prêmio de melhor diretor. O Oscar de melhor filme foi para “Shakespeare apaixonado”, de John Madden. A história deve se repetir este ano, com Spielberg ganhando a estatueta pela direção de “Lincoln”, enquanto “Argo” é escolhido como melhor filme. Era isso que eu queria dizer.
Não vi todos os filmes candidatos ao Oscar. Da lista de nove indicados, ainda estou devendo “Amour” e “Indomável sonhadora”. Mas, dos outros sete, não tenho dúvida: o filme que mais me arrebatou foi “Les misérables”, de Tom Hooper.
“Les Misérables” é o mais polêmico dos candidatos. Fala-se muito na tortura promovida pela CIA no começo da caça a Bin Laden em “A hora mais escura”. Fala-se também do vilão negro e escravagista que Quentin Tarantino criou em “Django livre”. Fala-se ainda da política de mãos sujas que pode ser vista em “Lincoln”. São polêmicos os assuntos abordados por estes filmes. Mas “Les Misérables” é polêmico por sua opção cinematográfica. É daqueles filmes que a plateia ama ou odeia. Não há meio termo. Se você não gosta de musical, não passe nem perto da bilheteria. Mas, se gosta, não deixe passar mais um dia sem assistir ao melhor
musical de cinema dos últimos anos.
Como acontece com qualquer musical dos bons, o elenco é impecável e a música, sensacional. Hugh Jackman faz um Jean Valjean que traria orgulho a Victor Hugo. Anne Hathaway é uma Fantine que dilacera o coração da plateia. Mas todo o resto da trupe de atores também é do primeiro time, com destaque para Samantha Barks, que faz a gente torcer por sua Éponine.
Todo mundo conhece “I dreamed a dream”, a mais famosa das canções do musical. Mas todo o resto do score, composto por Claude MichelSchönberg e, na versão inglesa, Herbert Kretzmer, é de tirar o fôlego. E a música está sempre a serviço de uma trama que, desde o seu lançamento em romance, há um século e meio, tem ditado as normas de qualquer folhetim. Nina e Carminha não são muito diferentes dos Valjean e Javert criados por Hugo.
Tom Hooper aderiu com paixão à empreitada de transpor para o cinema um dos musicais mais bem sucedidos da História do teatro. E essa paixão passa para o público em cada take.
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Todos os meus 17 leitores me alertaram. Portanto, repasso a correção para algum leitor acidental. Na coluna da última quarta-feira, atribuí a direção de “Nascido a 4 de julho” a Steven Spielberg. O colunista é, antes de tudo, um burro e, acima de tudo, um desmemoriado. Cada vez mais desmoriado. “Nascido a 4 de julho”, como sabe qualquer cinéfilo que nasceu após Quentin Tarantino chegar a idade adulta, é de Oliver Stone. Imagino que tenha confundido as guerras e trocado o filme de Stone por “O resgate do soldado Ryan”. Mas, só para esclarecer, as histórias não são muito diferentes. No Oscar de 1999, o “Soldado Ryan” era o favorito. Mas Spielberg levou apenas o prêmio de melhor diretor. O Oscar de melhor filme foi para “Shakespeare apaixonado”, de John Madden. A história deve se repetir este ano, com Spielberg ganhando a estatueta pela direção de “Lincoln”, enquanto “Argo” é escolhido como melhor filme. Era isso que eu queria dizer.
Sonhos de um visionário - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 03/02
Johannes Kepler, um dos personagens mais fascinantes da ciência, é também o mais desconhecido entre os grandes
Dos grandes patriarcas da ciência, Johannes Kepler (1571-1630) é o menos conhecido. Os feitos de Isaac Newton e da sua lei da gravidade (e das leis de movimento, da ótica e a criação do cálculo), de Galileu e de suas descobertas com o telescópio (e da lei da queda livre, do movimento pendular), e de Copérnico, o homem que pôs o Sol no centro do Sistema Solar, são conhecidos. E o pobre do Kepler? Temos de coçar a cabeça, tentando lembrar do que fez.
Eu bem que tentei ajudar, escrevendo um romance sobre a vida e obra dele: "A Harmonia do Mundo". Mas o que um romance pode fazer contra o mártir da ciência (Galileu), o maior gênio de todos os tempos (Newton, talvez) ou o impetuoso herói que mudou nossa percepção do Cosmo (Copérnico)?
Temos de resgatar a obra de Kepler, sem dúvida um dos personagens mais fascinantes da história da ciência. Kepler descobriu as três leis do movimento planetário: planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas; a linha imaginária que os liga ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais; e o quadrado do período da órbita do planeta está para o cubo da distância dele ao Sol.
Escrito assim, parece mesmo meio sem graça. Mas, como tudo na vida, o que importa é o contexto. Kepler foi o elo entre a Antiguidade e a Modernidade, um visionário que sonhava em demonstrar que o Cosmo, em sua ordem, era produto de uma mente divina versada nas leis da geometria. Para ele, fiel ao que pregavam Pitágoras e depois Platão, apenas através da matemática seria possível descrever a harmonia da criação. A relação entre o homem e o Cosmo respondia às mesmas ressonâncias que ditavam a beleza da música e o arranjo das órbitas planetárias. Nisso, Kepler via uma unificação profunda no universo, expressa através das interações entre o tempo, o espaço e a alma humana. O homem era parte indissolúvel dessa ressonância cósmica. Na juventude, Kepler buscou justificar a astrologia através de leis ligando o homem ao Cosmo, algo que despertou grande inquietude em sua vida.
Se sua espiritualidade nos parece hoje um tanto inocente, vale lembrar que o sonho de uma harmonia universal o inspirou por toda a vida e foi o responsável pelas suas incríveis descobertas: as primeiras leis matemáticas da astronomia baseadas em dados observacionais.
Kepler descobriu a elipse não porque a procurava, mas porque era a única curva consistente com os dados em que baseava seus estudos, obtidos pelo excêntrico nobre e astrônomo dinamarquês Tico Brahe. Nisto, mostrou sua incrível modernidade científica: se uma teoria está em conflito com dados, mude a teoria. O círculo, após reinar por milênios, finalmente caiu.
Mesmo que sua busca por uma harmonia cósmica, o "mistério cosmográfico", fosse mais um devaneio do que ciência, ela representava a aspiração mais nobre do ser humano: transcender sua existência em busca de um saber eterno.
Hoje identificamos essa mesma vertente em teorias de unificação da física, também fundadas em aspirações de uma harmonia universal, agora baseada em vibrações de cordas fundamentais: a nova harmonia do mundo. Como Kepler, sonhar é preciso. Como Kepler, o sonho só serve se, ao acordarmos, entendermos melhor o mundo real.
Johannes Kepler, um dos personagens mais fascinantes da ciência, é também o mais desconhecido entre os grandes
Dos grandes patriarcas da ciência, Johannes Kepler (1571-1630) é o menos conhecido. Os feitos de Isaac Newton e da sua lei da gravidade (e das leis de movimento, da ótica e a criação do cálculo), de Galileu e de suas descobertas com o telescópio (e da lei da queda livre, do movimento pendular), e de Copérnico, o homem que pôs o Sol no centro do Sistema Solar, são conhecidos. E o pobre do Kepler? Temos de coçar a cabeça, tentando lembrar do que fez.
Eu bem que tentei ajudar, escrevendo um romance sobre a vida e obra dele: "A Harmonia do Mundo". Mas o que um romance pode fazer contra o mártir da ciência (Galileu), o maior gênio de todos os tempos (Newton, talvez) ou o impetuoso herói que mudou nossa percepção do Cosmo (Copérnico)?
Temos de resgatar a obra de Kepler, sem dúvida um dos personagens mais fascinantes da história da ciência. Kepler descobriu as três leis do movimento planetário: planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas; a linha imaginária que os liga ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais; e o quadrado do período da órbita do planeta está para o cubo da distância dele ao Sol.
Escrito assim, parece mesmo meio sem graça. Mas, como tudo na vida, o que importa é o contexto. Kepler foi o elo entre a Antiguidade e a Modernidade, um visionário que sonhava em demonstrar que o Cosmo, em sua ordem, era produto de uma mente divina versada nas leis da geometria. Para ele, fiel ao que pregavam Pitágoras e depois Platão, apenas através da matemática seria possível descrever a harmonia da criação. A relação entre o homem e o Cosmo respondia às mesmas ressonâncias que ditavam a beleza da música e o arranjo das órbitas planetárias. Nisso, Kepler via uma unificação profunda no universo, expressa através das interações entre o tempo, o espaço e a alma humana. O homem era parte indissolúvel dessa ressonância cósmica. Na juventude, Kepler buscou justificar a astrologia através de leis ligando o homem ao Cosmo, algo que despertou grande inquietude em sua vida.
Se sua espiritualidade nos parece hoje um tanto inocente, vale lembrar que o sonho de uma harmonia universal o inspirou por toda a vida e foi o responsável pelas suas incríveis descobertas: as primeiras leis matemáticas da astronomia baseadas em dados observacionais.
Kepler descobriu a elipse não porque a procurava, mas porque era a única curva consistente com os dados em que baseava seus estudos, obtidos pelo excêntrico nobre e astrônomo dinamarquês Tico Brahe. Nisto, mostrou sua incrível modernidade científica: se uma teoria está em conflito com dados, mude a teoria. O círculo, após reinar por milênios, finalmente caiu.
Mesmo que sua busca por uma harmonia cósmica, o "mistério cosmográfico", fosse mais um devaneio do que ciência, ela representava a aspiração mais nobre do ser humano: transcender sua existência em busca de um saber eterno.
Hoje identificamos essa mesma vertente em teorias de unificação da física, também fundadas em aspirações de uma harmonia universal, agora baseada em vibrações de cordas fundamentais: a nova harmonia do mundo. Como Kepler, sonhar é preciso. Como Kepler, o sonho só serve se, ao acordarmos, entendermos melhor o mundo real.
Auditório pós-Chacrinha - MAURICIO STYCER
FOLHA DE SP - 03/02
Com o "Esquenta!" Regina Casé parece ter encontrado o tom certo no momento exato
Nascido no rádio, o programa de auditório se tornou, com o tempo, um dos gêneros mais importantes da TV, talvez aquele que exponha de forma mais explícita as melhores e piores características desse meio.
Hoje, quase todos os programas de auditório são gravados, o que explica, talvez, uma provocação que Faustão adora fazer aos colegas do ramo: "Quem sabe faz ao vivo".
Há vantagens e desvantagens em ambos os formatos, mas a essência do programa de auditório -o "calor" oferecido pelo espectador presente no estúdio- não muda muito, seja ele ao vivo ou gravado.
O público no auditório oferece um atestado de "verdade" ao que o espectador vê pela televisão. Sabemos que esses espectadores são orientados por "animadores" a aplaudir, gritar ou vaiar, mas muitas vezes a mágica funciona e sentimos que também estamos ali.
Não à toa, o programa de auditório é o espaço preferencial da chamada publicidade "testemunhal", feita pelo próprio apresentador. Também é a vitrine ideal para os lançamentos pautados pela indústria musical.
O auditório serve bem, ainda, de cenário para promessas de dinheiro fácil -seja, como faz Silvio Santos, atirando dinheiro, seja em "games" no palco. Por fim, não há lugar melhor que esses programas para a exploração da miséria alheia, associada à promessa de assistência.
Com seu "Esquenta!", Regina Casé oferece uma alternativa a esse modelo. Não é nenhuma revolução, mas uma, digamos, reforma suave.
O programa é o aprimoramento de diversas outras experiências que Regina e sua equipe vêm fazendo desde o "Programa Legal" (1991-1992), e depois em "Muvuca" (1998-2000) e "Central da Periferia" (2006), com a pretensão de mostrar o "país real" ao espectador.
Várias destas iniciativas, escrevi em janeiro de 2011, foram marcadas por um tom missionário, incômodo, bem como por uma felicidade ingênua que não encontrava guarida na realidade do país. Com "Esquenta!" Regina parece ter encontrado o tom certo no momento exato.
O primeiro entrevistado na estreia, há dois anos, foi Lula, recém-saído da presidência. Na estreia da terceira temporada, em dezembro de 2012, a convidada de honra foi a presidente Dilma. Pouco à vontade diante de repórteres, ambos se sentiram em casa com Regina.
Há algo de politicamente correto na proposta de exibir, em um domingo atrás do outro, experiências de inclusão social, superação de dramas individuais e vitórias contra a desigualdade. Mas "Esquenta!" não faz assistencialismo nem procura vender ilusões.
Quente e colorido como não se via desde Chacrinha, o auditório de Regina exala uma espontaneidade que parece mais natural que a média. E, ainda que editado, vende uma alegria que não se vê na concorrência.
Do ponto de vista musical também há uma novidade na insistência com números de samba, pagode, funk e hip-hop. Não que sejam artistas fora do mercado, mas estão longe de representar a música fácil e óbvia que toca em todo lugar.
"Queria deixar claro que não queremos que alguém goste de funk ou pagode. O que a gente prega é a tolerância", disse Regina ao promover a estreia da terceira temporada. O próximo passo é o "Esquenta!" ser incorporado à grade fixa da Globo.
Com o "Esquenta!" Regina Casé parece ter encontrado o tom certo no momento exato
Nascido no rádio, o programa de auditório se tornou, com o tempo, um dos gêneros mais importantes da TV, talvez aquele que exponha de forma mais explícita as melhores e piores características desse meio.
Hoje, quase todos os programas de auditório são gravados, o que explica, talvez, uma provocação que Faustão adora fazer aos colegas do ramo: "Quem sabe faz ao vivo".
Há vantagens e desvantagens em ambos os formatos, mas a essência do programa de auditório -o "calor" oferecido pelo espectador presente no estúdio- não muda muito, seja ele ao vivo ou gravado.
O público no auditório oferece um atestado de "verdade" ao que o espectador vê pela televisão. Sabemos que esses espectadores são orientados por "animadores" a aplaudir, gritar ou vaiar, mas muitas vezes a mágica funciona e sentimos que também estamos ali.
Não à toa, o programa de auditório é o espaço preferencial da chamada publicidade "testemunhal", feita pelo próprio apresentador. Também é a vitrine ideal para os lançamentos pautados pela indústria musical.
O auditório serve bem, ainda, de cenário para promessas de dinheiro fácil -seja, como faz Silvio Santos, atirando dinheiro, seja em "games" no palco. Por fim, não há lugar melhor que esses programas para a exploração da miséria alheia, associada à promessa de assistência.
Com seu "Esquenta!", Regina Casé oferece uma alternativa a esse modelo. Não é nenhuma revolução, mas uma, digamos, reforma suave.
O programa é o aprimoramento de diversas outras experiências que Regina e sua equipe vêm fazendo desde o "Programa Legal" (1991-1992), e depois em "Muvuca" (1998-2000) e "Central da Periferia" (2006), com a pretensão de mostrar o "país real" ao espectador.
Várias destas iniciativas, escrevi em janeiro de 2011, foram marcadas por um tom missionário, incômodo, bem como por uma felicidade ingênua que não encontrava guarida na realidade do país. Com "Esquenta!" Regina parece ter encontrado o tom certo no momento exato.
O primeiro entrevistado na estreia, há dois anos, foi Lula, recém-saído da presidência. Na estreia da terceira temporada, em dezembro de 2012, a convidada de honra foi a presidente Dilma. Pouco à vontade diante de repórteres, ambos se sentiram em casa com Regina.
Há algo de politicamente correto na proposta de exibir, em um domingo atrás do outro, experiências de inclusão social, superação de dramas individuais e vitórias contra a desigualdade. Mas "Esquenta!" não faz assistencialismo nem procura vender ilusões.
Quente e colorido como não se via desde Chacrinha, o auditório de Regina exala uma espontaneidade que parece mais natural que a média. E, ainda que editado, vende uma alegria que não se vê na concorrência.
Do ponto de vista musical também há uma novidade na insistência com números de samba, pagode, funk e hip-hop. Não que sejam artistas fora do mercado, mas estão longe de representar a música fácil e óbvia que toca em todo lugar.
"Queria deixar claro que não queremos que alguém goste de funk ou pagode. O que a gente prega é a tolerância", disse Regina ao promover a estreia da terceira temporada. O próximo passo é o "Esquenta!" ser incorporado à grade fixa da Globo.
As velhas baianas somem da passarela - LUIZ ANTONIO SIMAS
O GLOBO - 03/02
Elas estão sendo arrancadas das fileiras de suas escolas por igrejas evangélicas, que demonizam o samba e o carnaval
Em um samba belíssimo, que embalou o carnaval de 1984 da Unidos de Vila Isabel, Martinho da Vila fala dos sonhos da velha baiana, “que foi passista/brincou em ala/dizem que foi o grande amor do mestre-sala”.
Poucos versos abordam com mais felicidade a ideia da escola de samba como uma instituição comunitária, forjadora de elos entre segmentos populares que, à margem das benesses do poder instituído, inventaram mundos e, desta maneira, se apropriaram da vida e produziram cultura. A moça passista, que desfilou como componente de ala, chegou ao final da trajetória ungida baiana, matriarca do samba e de sua gente simples.
Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas.
O problema atinge, sobretudo, as escolas mais pobres, que contam basicamente com os componentes das próprias comunidades para fazer o carnaval. São inúmeros os casos de passistas, ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a determinações de pastores. Diversas escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o cortejo. Onde elas estão? Nas igrejas, ouvindo pregações apocalípticas contra a festa.
Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários mais bonitos. É pecado sambar?
É evidente que tal prática se inscreve numa disputa pelo mercado da fé, cujo motor é o combate pelo maior número possível de fiéis. É óbvio, também, que as escolas de samba têm fortes raízes fincadas nas religiosidades afro-ameríndias, notoriamente na Umbanda e no Candomblé. Sabemos, por exemplo, que algumas baterias de grandes escolas desenvolveram seus toques característicos a partir dos ritmos consagrados aos orixás. A guerra aberta às escolas de samba deve ser compreendida, portanto, em um panorama mais amplo: é um capítulo da guerra santa travada por fundamentalistas cristãos contra as práticas culturais e religiosas dos descendentes de africanos no Brasil.
O efeito é perverso. Ao construir um discurso de salvação, alicerçado em promessas de tempos melhores, os fundamentalistas da fé buscam matar exatamente o que, durante muito tempo, deu a estas pessoas a noção de pertencimento. Não basta, para os arautos do fanatismo, construir uma nova referencia; é necessário matar o que veio antes, arrasar a terra, negar o outro, destruir a tradição. Conhecemos este filme e o final não é feliz.
Resta botar a boca no trombone e torcer para que no peito da velha baiana do samba do Martinho, aquela que cresceu, amou o mestre-sala e envelheceu dentro de sua escola, o arrepio do surdo de marcação, a harmonia do cavaco e os desenhos dos tamborins superem as trombetas da intolerância. Afinal de contas, não é pecado sambar e celebrar a vida.
Elas estão sendo arrancadas das fileiras de suas escolas por igrejas evangélicas, que demonizam o samba e o carnaval
Em um samba belíssimo, que embalou o carnaval de 1984 da Unidos de Vila Isabel, Martinho da Vila fala dos sonhos da velha baiana, “que foi passista/brincou em ala/dizem que foi o grande amor do mestre-sala”.
Poucos versos abordam com mais felicidade a ideia da escola de samba como uma instituição comunitária, forjadora de elos entre segmentos populares que, à margem das benesses do poder instituído, inventaram mundos e, desta maneira, se apropriaram da vida e produziram cultura. A moça passista, que desfilou como componente de ala, chegou ao final da trajetória ungida baiana, matriarca do samba e de sua gente simples.
Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas.
O problema atinge, sobretudo, as escolas mais pobres, que contam basicamente com os componentes das próprias comunidades para fazer o carnaval. São inúmeros os casos de passistas, ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a determinações de pastores. Diversas escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o cortejo. Onde elas estão? Nas igrejas, ouvindo pregações apocalípticas contra a festa.
Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários mais bonitos. É pecado sambar?
É evidente que tal prática se inscreve numa disputa pelo mercado da fé, cujo motor é o combate pelo maior número possível de fiéis. É óbvio, também, que as escolas de samba têm fortes raízes fincadas nas religiosidades afro-ameríndias, notoriamente na Umbanda e no Candomblé. Sabemos, por exemplo, que algumas baterias de grandes escolas desenvolveram seus toques característicos a partir dos ritmos consagrados aos orixás. A guerra aberta às escolas de samba deve ser compreendida, portanto, em um panorama mais amplo: é um capítulo da guerra santa travada por fundamentalistas cristãos contra as práticas culturais e religiosas dos descendentes de africanos no Brasil.
O efeito é perverso. Ao construir um discurso de salvação, alicerçado em promessas de tempos melhores, os fundamentalistas da fé buscam matar exatamente o que, durante muito tempo, deu a estas pessoas a noção de pertencimento. Não basta, para os arautos do fanatismo, construir uma nova referencia; é necessário matar o que veio antes, arrasar a terra, negar o outro, destruir a tradição. Conhecemos este filme e o final não é feliz.
Resta botar a boca no trombone e torcer para que no peito da velha baiana do samba do Martinho, aquela que cresceu, amou o mestre-sala e envelheceu dentro de sua escola, o arrepio do surdo de marcação, a harmonia do cavaco e os desenhos dos tamborins superem as trombetas da intolerância. Afinal de contas, não é pecado sambar e celebrar a vida.
Carná 2013! Só Como na Rua! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 03/02
Baiano não sabe quando termina o Carnaval porque não se lembra quando começou. Foi em 1500!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Oba! Contagem regressiva! Faltam cinco dias pra Grande Festa da Esculhambação Nacional! Vulgo Carnaval!
E olha o e-mail que recebi de um amigo baiano: "O Carnaval tá quase acabando e você não veio".
O Carnaval na Bahia já começou. Há anos. Baiano não sabe quando termina o Carnaval porque não se lembra quando começou. Foi em 1500! Quando os portugueses gritaram "Ivete à vista!".
Acabo de receber a foto de um bloco do Recife: "Só Como na Rua". Mas, pela foto das folionas, é melhor comer em casa mesmo! Rarará!
E já recebi a música do bloco carioca Já Comi Pior Pagando. Isso não é um bloco, é uma verdade insofismável. E aquele bloco de Belém, Os Filhos de Glande, vem com o tema: "Tim Maia! Ereção Racional". Sendo que ereção é uma coisa irracional!
Escola de samba devia ser assim: quanto mais celebridade, mais pontos perde! E o Marcius Melhem, de "Os Caras de Pau", falou que puxador de escola de samba pensa que a gente é surdo: "Portela, o dia clareou. CLA-RE-OU". "Mangueira, mostra a tua raça. A TU-A RAAAA-ÇA!". E continuam: "E lá vou eu. E LÁ VO-U EEEEE-UUUUU!". Rarará!
O Jamelão detestava esse termo puxador porque puxador é puxador de fumo e puxador de carro! Rarará!
E aquela que só aparece no Carnaval: Ângela Bismarchi! Fez tanta plástica que, quando levanta os braços na avenida, a perereca bate na testa! É um ÓSNI! Objeto Sexual Não Identificado.
E eu não sei como Ângela Bismarchi, Luciana Gimenez e Geisy Arruda conseguem decorar o samba-enredo da escola! Eu acho que elas fazem como jogador de futebol cantando o hino! Fingem! Rarará!
Acabo de receber um release de Olinda: "O bloco Já Que Tá Dentro, Deixa completa dez anos". Dez anos? Então não deixaram, esqueceram. Muda o nome do bloco pra "Já Que Tá Dentro, Esquece!". Rarará!
E não aguento esta pergunta: "Onde você vai passar o Carnaval?". Na manteiga. Vou passar o Carnaval na manteiga! Pulando e copulando. Rarará!
Só não vou praquela escola de samba mineira: as passistas são de fora, o mestre-sala dança no Municipal e o mestre de bateria dá aula no conservatório. Uma explosão de desânimo. Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Baiano não sabe quando termina o Carnaval porque não se lembra quando começou. Foi em 1500!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Oba! Contagem regressiva! Faltam cinco dias pra Grande Festa da Esculhambação Nacional! Vulgo Carnaval!
E olha o e-mail que recebi de um amigo baiano: "O Carnaval tá quase acabando e você não veio".
O Carnaval na Bahia já começou. Há anos. Baiano não sabe quando termina o Carnaval porque não se lembra quando começou. Foi em 1500! Quando os portugueses gritaram "Ivete à vista!".
Acabo de receber a foto de um bloco do Recife: "Só Como na Rua". Mas, pela foto das folionas, é melhor comer em casa mesmo! Rarará!
E já recebi a música do bloco carioca Já Comi Pior Pagando. Isso não é um bloco, é uma verdade insofismável. E aquele bloco de Belém, Os Filhos de Glande, vem com o tema: "Tim Maia! Ereção Racional". Sendo que ereção é uma coisa irracional!
Escola de samba devia ser assim: quanto mais celebridade, mais pontos perde! E o Marcius Melhem, de "Os Caras de Pau", falou que puxador de escola de samba pensa que a gente é surdo: "Portela, o dia clareou. CLA-RE-OU". "Mangueira, mostra a tua raça. A TU-A RAAAA-ÇA!". E continuam: "E lá vou eu. E LÁ VO-U EEEEE-UUUUU!". Rarará!
O Jamelão detestava esse termo puxador porque puxador é puxador de fumo e puxador de carro! Rarará!
E aquela que só aparece no Carnaval: Ângela Bismarchi! Fez tanta plástica que, quando levanta os braços na avenida, a perereca bate na testa! É um ÓSNI! Objeto Sexual Não Identificado.
E eu não sei como Ângela Bismarchi, Luciana Gimenez e Geisy Arruda conseguem decorar o samba-enredo da escola! Eu acho que elas fazem como jogador de futebol cantando o hino! Fingem! Rarará!
Acabo de receber um release de Olinda: "O bloco Já Que Tá Dentro, Deixa completa dez anos". Dez anos? Então não deixaram, esqueceram. Muda o nome do bloco pra "Já Que Tá Dentro, Esquece!". Rarará!
E não aguento esta pergunta: "Onde você vai passar o Carnaval?". Na manteiga. Vou passar o Carnaval na manteiga! Pulando e copulando. Rarará!
Só não vou praquela escola de samba mineira: as passistas são de fora, o mestre-sala dança no Municipal e o mestre de bateria dá aula no conservatório. Uma explosão de desânimo. Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Expectativa e frustração - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 03/02
Ganso é um excelente jogador. Mas parece que isso não basta. Ele tem que ser um gênio
A atuação do Grêmio contra a LDU foi muito ruim. O time se limitou a dar chutões, guerrear, correr e jogar a bola na área, para se livrar dela. Não existiu futebol coletivo. Isso é muito frequente no futebol brasileiro.
As vitórias acontecem em lances isolados, como o belo gol de Elano, e porque o adversário pode ser, individualmente, muito mais fraco.
Quando os times perdem, sem um jogo coletivo, colocam a culpa na falta de comprometimento dos jogadores, como ocorreu com a seleção brasileira sub-20.
Pior, contratam Bebeto para diretor técnico, sem nenhum preparo para o cargo. Além disso, Bebeto é deputado estadual pelo Rio, membro do comitê da Copa, embaixador do Mundial, sempre com um sorriso de submissão ao poder.
Ex-atletas deveriam ser mais aproveitados em outras atividades ligadas ao futebol, nos clubes e na seleção, desde que se preparem tecnicamente e se dediquem integralmente à nova função.
Volto ao futebol coletivo. Há muitos dirigentes, técnicos, torcedores e jornalistas interessados apenas nos melhores momentos, no resultado, na festa do entretenimento, e desinteressados da fantasia e do jogo coletivo. Não podemos ver futebol apenas com o olhar utilitário.
Existe uma lenda, uma desinformação, de que os maiores times da história eram excepcionais, somente porque tinham grandes craques. Eram excepcionais também porque jogavam um ótimo futebol coletivo, de acordo com o estilo da época.
Neymar está cada dia mais espetacular. Alia a eficiência com a descontração. Por outro lado, receio que ele, facilitado por defesas fracas, goste tanto da brincadeira e transforme seu talento em um show à parte, desvinculado do jogo coletivo. Pelé, Messi e os grandes craques participam do conjunto. A diferença é que, quando a bola chega a seus pés, mostram suas singularidades.
Deveria ser obrigatório a todos os treinadores e jogadores de meio-campo assistir a todos os jogos do Barcelona, só para seguir Xavi e aprender como se joga coletivamente e com técnica. Ele ocupa todos os lados e posições do campo, de uma intermediária à outra. Toca, recebe, toca e faz todo o time jogar. Xavi possui a grande qualidade de saber o momento certo de dar um passe decisivo. Nunca dá a bola ao adversário. Um craque, genial.
Ao falar de Xavi, lembro-me de Ganso, que começa o jogo, hoje, contra o Santos. Apesar de todos dizerem que ele não participa da marcação, joga em um espaço muito curto e entra pouco na área, para fazer gols, basta Ganso dar um lindo passe, para ser chamado de gênio. Os jovens brasileiros são muito endeusados, antes da hora.
Ganso é um excelente jogador. Mas parece que isso não basta. Ele tem que ser um gênio. Estes são raríssimos. Quanto maior a expectativa, maior a frustração.
Ganso é um excelente jogador. Mas parece que isso não basta. Ele tem que ser um gênio
A atuação do Grêmio contra a LDU foi muito ruim. O time se limitou a dar chutões, guerrear, correr e jogar a bola na área, para se livrar dela. Não existiu futebol coletivo. Isso é muito frequente no futebol brasileiro.
As vitórias acontecem em lances isolados, como o belo gol de Elano, e porque o adversário pode ser, individualmente, muito mais fraco.
Quando os times perdem, sem um jogo coletivo, colocam a culpa na falta de comprometimento dos jogadores, como ocorreu com a seleção brasileira sub-20.
Pior, contratam Bebeto para diretor técnico, sem nenhum preparo para o cargo. Além disso, Bebeto é deputado estadual pelo Rio, membro do comitê da Copa, embaixador do Mundial, sempre com um sorriso de submissão ao poder.
Ex-atletas deveriam ser mais aproveitados em outras atividades ligadas ao futebol, nos clubes e na seleção, desde que se preparem tecnicamente e se dediquem integralmente à nova função.
Volto ao futebol coletivo. Há muitos dirigentes, técnicos, torcedores e jornalistas interessados apenas nos melhores momentos, no resultado, na festa do entretenimento, e desinteressados da fantasia e do jogo coletivo. Não podemos ver futebol apenas com o olhar utilitário.
Existe uma lenda, uma desinformação, de que os maiores times da história eram excepcionais, somente porque tinham grandes craques. Eram excepcionais também porque jogavam um ótimo futebol coletivo, de acordo com o estilo da época.
Neymar está cada dia mais espetacular. Alia a eficiência com a descontração. Por outro lado, receio que ele, facilitado por defesas fracas, goste tanto da brincadeira e transforme seu talento em um show à parte, desvinculado do jogo coletivo. Pelé, Messi e os grandes craques participam do conjunto. A diferença é que, quando a bola chega a seus pés, mostram suas singularidades.
Deveria ser obrigatório a todos os treinadores e jogadores de meio-campo assistir a todos os jogos do Barcelona, só para seguir Xavi e aprender como se joga coletivamente e com técnica. Ele ocupa todos os lados e posições do campo, de uma intermediária à outra. Toca, recebe, toca e faz todo o time jogar. Xavi possui a grande qualidade de saber o momento certo de dar um passe decisivo. Nunca dá a bola ao adversário. Um craque, genial.
Ao falar de Xavi, lembro-me de Ganso, que começa o jogo, hoje, contra o Santos. Apesar de todos dizerem que ele não participa da marcação, joga em um espaço muito curto e entra pouco na área, para fazer gols, basta Ganso dar um lindo passe, para ser chamado de gênio. Os jovens brasileiros são muito endeusados, antes da hora.
Ganso é um excelente jogador. Mas parece que isso não basta. Ele tem que ser um gênio. Estes são raríssimos. Quanto maior a expectativa, maior a frustração.
PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV - 03/02
7h - Torneio de Pattaya (final), tênis fem., Bandsports
9h - Caja Laboral x Valencia, Espanhol de basquete, Bandsports
9h30 - Chievo x Juventus, Italiano, Fox Sports
10h - Grêmio Osasco x Guaratinguetá, Paulista (série A2), RedeTV
11h - Ajaccio x Lyon, Francês, ESPN Brasil
11h - Torneio de Paris (final), tênis fem., Bandsports
11h30 - Venlo x Ajax, Holandês, ESPN
12h - Siena x Inter de Milão, Italiano, Fox Sports
13h - Itália x França, rúgbi, ESPN +
13h - Costa do Marfim x Nigéria, Copa Africana. SporTV
14h - Manchester City x Liverpool, Inglês, Fox Sports
14h30 - Leverkusen x B. Dortmund, Alemão, ESPN Brasil
16h - Pumas x Santos Laguna, Mexicano, ESPN e ESPN +
16h30 - Burkina Fasso x Togo, Copa Africana. SporTV
17h - Santos x São Paulo, Paulista, Band e Globo (para SP)
17h - Flamengo x Nova Iguaçu, Estadual do Rio, Band e Globo (para RJ)
17h - Salgueiro x Vitória, Copa do Nordeste, Esporte Interativo
17h45 - Milan x Udinese, Italiano, Fox Sports
18h - Atlético de Madri x Betis, Espanhol, ESPN e ESPN +
18h - O. Marselha x Nancy, Francês, ESPN Brasil
19h30 - Ceará x Itabaiana, Copa do Nordeste, Esporte Interativo
21h - San Francisco 49ers x Baltimore Ravens, Superbowl XLVII (futebol americano), ESPN, ESPN + e Esporte Interativo
22h - Pinheiros x Estrellas Orientales-VEN, Liga das Américas de basquete, Fox Sports
0h15 - Guadalajara-MEX x Lanús-ARG, Liga das Américas de basquete, Fox Sports
Afronta à Constituição - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/02
O direito à livre expressão, consagrado na Constituição, tem sido ignorado em sucessivas decisões de juízes de primeira instância, tomadas principalmente contra veículos de comunicação. Mesmo posteriormente reformadas em tribunais superiores, essas sentenças causam prejuízo à imprensa e, em especial, à sociedade, que se vê privada dos instrumentos para formar sua opinião sobre os problemas do País e sobre a atuação das autoridades. Longe de serem casos isolados ou anedóticos, trata-se de um sintoma de enfraquecimento da democracia.
Uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) constatou que, no ano passado, houve 11 decisões judiciais que determinaram censura à imprensa. Em cinco anos, foram nada menos que 57 casos. A banalização do uso de instrumentos judiciais para impedir a livre circulação de ideias e informações levou Carlos Ayres Britto a criar em novembro passado, às vésperas de se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça. A intenção é ter um centro de documentação e de dados para observar e debater as ações da Justiça contra jornalistas. O Fórum não terá poder para impedir o exercício da censura, mas pretende verificar se os processos judiciais estão de acordo com a decisão do Supremo de revogar, em 2008, a Lei de Imprensa e, com ela, todos os instrumentos que permitiam calar os jornais e os jornalistas. Até agora, a entidade não fez nenhuma reunião nem seus integrantes foram escolhidos - haverá representantes do Judiciário e dos veículos de comunicação. A urgência de alguma ação contra esses atentados a cláusulas constitucionais pétreas é, no entanto, evidente.
Não contentes em determinar a supressão de informações e de opiniões, o que já é, em si, uma violência, alguns juízes parecem dispostos a também estabelecer os procedimentos editoriais que devem ser seguidos pelos veículos dali em diante. A juíza Ana Cláudia Rodrigues de Faria Soares, da 6.ª Vara Cível de Vitória (ES), obrigou o jornal digital Século Diário a excluir três reportagens e dois editoriais a respeito do promotor de Justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenkner, suspeito de irregularidades. Em sua decisão, a magistrada disse que estava "assegurado aos réus o direito de expressão", mas, caso resolvessem publicar algo sobre o promotor, deveriam observar "as seguintes recomendações": se fossem criticá-lo, teriam de evitar "adjetivações pejorativas ou opiniões desfavoráveis que extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica"; deveriam "limitar-se a narrar os fatos"; e teriam de "proceder com imparcialidade e isenção". Trata-se de uma evidente afronta ao direito de opinião.
Um episódio semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, teve de eliminar de seu site uma reportagem, às vésperas da eleição no ano passado, sobre uma investigação do Ministério Público acerca de suposta compra de votos. O pedido de censura foi feito pela coligação eleitoral suspeita. Em seu despacho, a juíza Lilian Ritter considerou que, "em tese", a reportagem seria "caluniosa e inverídica", embora se tratasse de um trabalho jornalístico a respeito de um processo real.
Há casos, também, em que a decisão judicial é seguida de violência. Foi o que aconteceu com o Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul. Em agosto de 2012, a juíza Elisabeth Baisch, da 36.ª Zona Eleitoral, proibiu o diário de circular caso estivesse publicando uma pesquisa de intenção de voto para prefeito de Campo Grande. A Associação Brasileira de Imprensa noticiou que o Correio chegou a ser invadido por policiais dispostos a verificar, página por página, se o jornal trazia a tal pesquisa.
À violência somam-se situações kafkianas, como a censura aos veículos do Grupo Estado, que edita este jornal, impedidos desde julho de 2009 de publicar informações sobre o processo a que responde um filho do senador José Sarney. Que outra explicação podem ter casos como esses, senão o de que há juízes com cacoete autoritário, que ignoram o que vem a ser interesse público?
O direito à livre expressão, consagrado na Constituição, tem sido ignorado em sucessivas decisões de juízes de primeira instância, tomadas principalmente contra veículos de comunicação. Mesmo posteriormente reformadas em tribunais superiores, essas sentenças causam prejuízo à imprensa e, em especial, à sociedade, que se vê privada dos instrumentos para formar sua opinião sobre os problemas do País e sobre a atuação das autoridades. Longe de serem casos isolados ou anedóticos, trata-se de um sintoma de enfraquecimento da democracia.
Uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) constatou que, no ano passado, houve 11 decisões judiciais que determinaram censura à imprensa. Em cinco anos, foram nada menos que 57 casos. A banalização do uso de instrumentos judiciais para impedir a livre circulação de ideias e informações levou Carlos Ayres Britto a criar em novembro passado, às vésperas de se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça. A intenção é ter um centro de documentação e de dados para observar e debater as ações da Justiça contra jornalistas. O Fórum não terá poder para impedir o exercício da censura, mas pretende verificar se os processos judiciais estão de acordo com a decisão do Supremo de revogar, em 2008, a Lei de Imprensa e, com ela, todos os instrumentos que permitiam calar os jornais e os jornalistas. Até agora, a entidade não fez nenhuma reunião nem seus integrantes foram escolhidos - haverá representantes do Judiciário e dos veículos de comunicação. A urgência de alguma ação contra esses atentados a cláusulas constitucionais pétreas é, no entanto, evidente.
Não contentes em determinar a supressão de informações e de opiniões, o que já é, em si, uma violência, alguns juízes parecem dispostos a também estabelecer os procedimentos editoriais que devem ser seguidos pelos veículos dali em diante. A juíza Ana Cláudia Rodrigues de Faria Soares, da 6.ª Vara Cível de Vitória (ES), obrigou o jornal digital Século Diário a excluir três reportagens e dois editoriais a respeito do promotor de Justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenkner, suspeito de irregularidades. Em sua decisão, a magistrada disse que estava "assegurado aos réus o direito de expressão", mas, caso resolvessem publicar algo sobre o promotor, deveriam observar "as seguintes recomendações": se fossem criticá-lo, teriam de evitar "adjetivações pejorativas ou opiniões desfavoráveis que extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica"; deveriam "limitar-se a narrar os fatos"; e teriam de "proceder com imparcialidade e isenção". Trata-se de uma evidente afronta ao direito de opinião.
Um episódio semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, teve de eliminar de seu site uma reportagem, às vésperas da eleição no ano passado, sobre uma investigação do Ministério Público acerca de suposta compra de votos. O pedido de censura foi feito pela coligação eleitoral suspeita. Em seu despacho, a juíza Lilian Ritter considerou que, "em tese", a reportagem seria "caluniosa e inverídica", embora se tratasse de um trabalho jornalístico a respeito de um processo real.
Há casos, também, em que a decisão judicial é seguida de violência. Foi o que aconteceu com o Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul. Em agosto de 2012, a juíza Elisabeth Baisch, da 36.ª Zona Eleitoral, proibiu o diário de circular caso estivesse publicando uma pesquisa de intenção de voto para prefeito de Campo Grande. A Associação Brasileira de Imprensa noticiou que o Correio chegou a ser invadido por policiais dispostos a verificar, página por página, se o jornal trazia a tal pesquisa.
À violência somam-se situações kafkianas, como a censura aos veículos do Grupo Estado, que edita este jornal, impedidos desde julho de 2009 de publicar informações sobre o processo a que responde um filho do senador José Sarney. Que outra explicação podem ter casos como esses, senão o de que há juízes com cacoete autoritário, que ignoram o que vem a ser interesse público?
Crachás de aluguel - ILDO SAUER
O ESTADO DE S. PAULO - 03/02
Indicados por consórcios, eles solapam a maior empresa do País
A compreensão das atuais controvérsias em torno da Petrobrás só é possível mediante a análise, sob a perspectiva histórica, dos interesses, conflitos e disputas que a cercam. A revolução industrial e a urbanização na Europa e EUA, sob a ordem capitalista, causaram reflexos sobre o Brasil agrário de meados do século passado. Setores progressistas entendiam que a energia, sob forma de eletricidade e derivados de petróleo, ao lado das telecomunicações, do aço, e da infraestrutura viária, eram condição necessária para a industrialização e urbanização. Surgiram dessa visão o sistema Eletrobras, Telebrás, Companhia Siderúrgica Nacional, o então BNDE e a Petrobrás, sob o signo de uma mística. Das ruas nasceu a campanha "O petróleo é nosso", quando não havia petróleo, apenas esperança. Não obstante a mística, que até hoje marca o sentimento de afeição de grande parte da população brasileira, a Petrobrás é fruto da concepção keynesiana de Estado provedor das condições básicas para o desenvolvimento capitalista. E cumpriu seu papel em etapas determinadas por interesses das forças hegemônicas.
Na primeira etapa, o esforço foi promover o acesso de todas as regiões do País aos derivados de petróleo, permitindo a mobilidade de pessoas e mercadorias em grande escala.
Com o impacto dos choques dos preços do petróleo, de 1973 e 1979, a Petrobrás assume uma missão adicional, que inaugura uma nova fase: a busca de petróleo no mar. Torna-se líder mundial na produção em águas profundas e ultraprofundas - lançando as bases tecnológicas e estruturais para a efêmera autossuficiência, festejada em 2006 e perdida logo após, e a descoberta do pré sal, em 2007.
Nessas duas etapas, garantiu o suprimento de derivados de petróleo, muitas vezes com preços subsidiados, e serviu de indutor da modernização industrial do País. Garantiu a demanda para o arranjo produtivo setorial, viabilizou o suprimento de derivados de petróleo, supriu a demanda por derivados dos segmentos industriais e, viabilizou todo o complexo automobilístico e rodoviário.
O fim da era keynesiana com a emergência do neoliberalismo, sob Collor, e sua implantação, por FHC, engendram uma transformação. Com a Lei de Política Energética, os preços dos derivados são internacionalizados e a Petrobrás passa da estrutura e operação autárquicas para um modelo de governança típico das majors internacionais de petróleo, como BP, Shell e Exxon-Mobil. 30% do seu capital é vendido na Bolsa de Nova York (NYSE) por cerca de US$ 5 bi. A privatização não se completa, por pressão popular, inspirada na mística de sua criação. Embora 70% de seu capital fosse privatizado, o governo mantém a maioria das ações ordinárias e o controle da gestão. A disputa intercapitalista emerge: atender aos clientes internos ou maximizar os lucros, como requer a nova ordem sob FHC para atender aos interesses dos acionistas e o capital financeiro internacional? Sob o governo do PT o modelo herdado é mantido intacto, com acréscimo da exigência de conteúdo nacional para a cadeia de suprimento.
Uma nova condição geopolítica emerge a partir de 2005. Dos anos 1980 até 2005 o petróleo se mantinha na faixa dos US$ 20 por barril, pouco acima dos custos de produção. Mas a forte demanda por petróleo liderada pela China e a rearticulação da Opep, com o alinhamento da Rússia sob Putin, permitiram as condições para que os produtores voltassem a se apropriar do excedente. Com preços acima dos US$ 100 e custos diretos, capital e trabalho, inferiores a US$ 10, o excedente por barril chega a US$ 90. Esse contexto acirra oportunidades e conflitos. Aos acionistas interessa manter a política de preços internacionalizados, aumento de reservas, redução dos custos, mesmo via importação.
Com valor em bolsa de cerca de US$ 15 bilhões em final de 2002, a Petrobrás chegou a liderar as transações de ações de empresas internacionais NYSE, superando os US$ 200 bilhões, em meados da década de 2000.
A descoberta do pré sal e o aumento de dezenas para mais de centena de bilhões de dólares dos investimentos previstos pelo plano estratégico, a partir de 2005, colocam a Petrobrás no foco central dos interesses para o controle dos contratados na cadeia de suprimento, pela base de apoio político e econômico do governo. Consórcios de políticos de vários partidos da base aliada são formados para indicar os dirigentes das esferas superiores de gestão da Petrobrás. Aumenta a presença, existente em todos os governos, de despachantes de interesse em cargos executivos. São os "crachás de aluguel", funcionários com experiência e currículo dispostos a ocupar cargos em nome desses consórcios. O preço disso: destruição do foco estratégico e triplicação dos custos de investimentos, como no caso da Refinaria Abreu e Lima ou do Complexo Petroquímico do Rio. Em flagrante descumprimento da lei de política energética, o governo do PT intervém na autonomia da Petrobrás e implanta uma regulação improvisada, arbitrária, dos preços para evitar a explosão da inflação e subsidiar o consumo, reduzindo o custo da força de trabalho e os insumos industriais. O modelo elétrico e seu uso em benefício dos sócios do governo também penalizam a Petrobrás, como provedora de gás natural liquefeito e diesel importados, vendidos abaixo do custo - para, ainda assim, gerar energia cinco vezes mais cara que a hidráulica ou eólica.
Nesse jogo de interesses a massacrada é a população que deveria obter o máximo de valor pelo petróleo que, segundo a Constituição, lhe pertence, e deveria ser explorado no ritmo adequado para gerar excedente capaz de financiar um plano nacional de desenvolvimento, baseado na educação e saúde públicas, na proteção ambiental, no avanço científico e tecnológico e na reforma urbana e agrária. Outra sacrificada é corporação Petrobrás, a maior realização do povo brasileiro como capacidade estruturada de intervir sobre a natureza e dela arrancar, em ambiente de alta complexidade, o insumo essencial para sua existência: a energia.
A compreensão das atuais controvérsias em torno da Petrobrás só é possível mediante a análise, sob a perspectiva histórica, dos interesses, conflitos e disputas que a cercam. A revolução industrial e a urbanização na Europa e EUA, sob a ordem capitalista, causaram reflexos sobre o Brasil agrário de meados do século passado. Setores progressistas entendiam que a energia, sob forma de eletricidade e derivados de petróleo, ao lado das telecomunicações, do aço, e da infraestrutura viária, eram condição necessária para a industrialização e urbanização. Surgiram dessa visão o sistema Eletrobras, Telebrás, Companhia Siderúrgica Nacional, o então BNDE e a Petrobrás, sob o signo de uma mística. Das ruas nasceu a campanha "O petróleo é nosso", quando não havia petróleo, apenas esperança. Não obstante a mística, que até hoje marca o sentimento de afeição de grande parte da população brasileira, a Petrobrás é fruto da concepção keynesiana de Estado provedor das condições básicas para o desenvolvimento capitalista. E cumpriu seu papel em etapas determinadas por interesses das forças hegemônicas.
Na primeira etapa, o esforço foi promover o acesso de todas as regiões do País aos derivados de petróleo, permitindo a mobilidade de pessoas e mercadorias em grande escala.
Com o impacto dos choques dos preços do petróleo, de 1973 e 1979, a Petrobrás assume uma missão adicional, que inaugura uma nova fase: a busca de petróleo no mar. Torna-se líder mundial na produção em águas profundas e ultraprofundas - lançando as bases tecnológicas e estruturais para a efêmera autossuficiência, festejada em 2006 e perdida logo após, e a descoberta do pré sal, em 2007.
Nessas duas etapas, garantiu o suprimento de derivados de petróleo, muitas vezes com preços subsidiados, e serviu de indutor da modernização industrial do País. Garantiu a demanda para o arranjo produtivo setorial, viabilizou o suprimento de derivados de petróleo, supriu a demanda por derivados dos segmentos industriais e, viabilizou todo o complexo automobilístico e rodoviário.
O fim da era keynesiana com a emergência do neoliberalismo, sob Collor, e sua implantação, por FHC, engendram uma transformação. Com a Lei de Política Energética, os preços dos derivados são internacionalizados e a Petrobrás passa da estrutura e operação autárquicas para um modelo de governança típico das majors internacionais de petróleo, como BP, Shell e Exxon-Mobil. 30% do seu capital é vendido na Bolsa de Nova York (NYSE) por cerca de US$ 5 bi. A privatização não se completa, por pressão popular, inspirada na mística de sua criação. Embora 70% de seu capital fosse privatizado, o governo mantém a maioria das ações ordinárias e o controle da gestão. A disputa intercapitalista emerge: atender aos clientes internos ou maximizar os lucros, como requer a nova ordem sob FHC para atender aos interesses dos acionistas e o capital financeiro internacional? Sob o governo do PT o modelo herdado é mantido intacto, com acréscimo da exigência de conteúdo nacional para a cadeia de suprimento.
Uma nova condição geopolítica emerge a partir de 2005. Dos anos 1980 até 2005 o petróleo se mantinha na faixa dos US$ 20 por barril, pouco acima dos custos de produção. Mas a forte demanda por petróleo liderada pela China e a rearticulação da Opep, com o alinhamento da Rússia sob Putin, permitiram as condições para que os produtores voltassem a se apropriar do excedente. Com preços acima dos US$ 100 e custos diretos, capital e trabalho, inferiores a US$ 10, o excedente por barril chega a US$ 90. Esse contexto acirra oportunidades e conflitos. Aos acionistas interessa manter a política de preços internacionalizados, aumento de reservas, redução dos custos, mesmo via importação.
Com valor em bolsa de cerca de US$ 15 bilhões em final de 2002, a Petrobrás chegou a liderar as transações de ações de empresas internacionais NYSE, superando os US$ 200 bilhões, em meados da década de 2000.
A descoberta do pré sal e o aumento de dezenas para mais de centena de bilhões de dólares dos investimentos previstos pelo plano estratégico, a partir de 2005, colocam a Petrobrás no foco central dos interesses para o controle dos contratados na cadeia de suprimento, pela base de apoio político e econômico do governo. Consórcios de políticos de vários partidos da base aliada são formados para indicar os dirigentes das esferas superiores de gestão da Petrobrás. Aumenta a presença, existente em todos os governos, de despachantes de interesse em cargos executivos. São os "crachás de aluguel", funcionários com experiência e currículo dispostos a ocupar cargos em nome desses consórcios. O preço disso: destruição do foco estratégico e triplicação dos custos de investimentos, como no caso da Refinaria Abreu e Lima ou do Complexo Petroquímico do Rio. Em flagrante descumprimento da lei de política energética, o governo do PT intervém na autonomia da Petrobrás e implanta uma regulação improvisada, arbitrária, dos preços para evitar a explosão da inflação e subsidiar o consumo, reduzindo o custo da força de trabalho e os insumos industriais. O modelo elétrico e seu uso em benefício dos sócios do governo também penalizam a Petrobrás, como provedora de gás natural liquefeito e diesel importados, vendidos abaixo do custo - para, ainda assim, gerar energia cinco vezes mais cara que a hidráulica ou eólica.
Nesse jogo de interesses a massacrada é a população que deveria obter o máximo de valor pelo petróleo que, segundo a Constituição, lhe pertence, e deveria ser explorado no ritmo adequado para gerar excedente capaz de financiar um plano nacional de desenvolvimento, baseado na educação e saúde públicas, na proteção ambiental, no avanço científico e tecnológico e na reforma urbana e agrária. Outra sacrificada é corporação Petrobrás, a maior realização do povo brasileiro como capacidade estruturada de intervir sobre a natureza e dela arrancar, em ambiente de alta complexidade, o insumo essencial para sua existência: a energia.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 03/02
Estado de São Paulo receberá 19 shoppings nos próximos dois anos
O Estado de São Paulo irá receber mais 19 shoppings entre 2013 e 2014, de acordo com um levantamento da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), que abrange empreendimentos ainda não anunciados.
Para todo o Brasil estão previstos 70 no mesmo período, afirma Luiz Fernando Veiga, presidente da entidade.
Atualmente, o Estado de São Paulo possui mais de 150 shoppings em operação e centraliza o maior número de empreendimentos do país, segundo a entidade.
Entre os novos empreendimentos, cinco ficarão localizados na capital. O volume será semelhante ao da região de Sorocaba.
Questionado se o número de aberturas em São Paulo não seria exagerado em um Estado já tão concentrado, Veiga afirma que os investidores ainda encontram vastas oportunidades.
"No varejo brasileiro, passam 19% das vendas em shoppings. Faltam 81% que estão nas lojas de rua. É atrás disso que o setor corre."
Nos Estados Unidos, esse número supera os 60%, de acordo com o executivo.
"Temos ainda um corredor enorme para avançar", diz.
A tendência é que cidades e bairros que ainda não tenham um empreendimento recebam algum projeto.
"De um total de 47 que vamos inaugurar em 2013, 16 são o primeiro shopping de uma cidade", afirma Veiga.
DOCE EXPANSÃO
A rede de doces Amor aos Pedaços vai abrir mais 20 lojas neste ano.
A expectativa da empresa com a expansão é alcançar R$ 80 milhões de faturamento em 2013. No ano passado, foram aproximadamente R$ 55 milhões.
A fábrica recém-inaugurada da companhia, na cidade de Cotia (Grande São Paulo), também deverá impulsionar o crescimento a partir deste ano, de acordo com as empresárias da rede.
"Não tínhamos uma linha de produção. Fomos adequando o local onde comecei, há 30 anos", diz Ivani Calarezi, sócia-fundadora da Amor aos Pedaços.
"Pretendemos triplicar nossa produção atual, de 70 toneladas por mês", acrescenta Silvana Abramovay Marmonti, sócia-diretora.
A marca vai partir para um público diferente no próximo mês, quando a primeira loja da rede no centro de São Paulo será inaugurada.
"As pessoas que passam pelo local querem rapidez. É por isso que estamos preparando um atendimento com produtos que já estarão embalados", afirma Marmonti.
Para a Páscoa deste ano, a companhia prevê um aumento de 20% nas vendas.
Em 2012, mais de 10 mil ovos foram vendidos somente na Grande São Paulo.
NÚMEROS
R$ 80 milhões é a previsão de faturamento para 2013
20 é o número de lojas que deverão ser abertas neste ano
Bê-a-bá em português
O crescente volume de profissionais estrangeiros no país aumentou a procura por cursos de português nas escolas de idiomas.
Em 2012, a Berlitz registrou alta de 42% no número de aulas para esse público, em relação ao ano anterior.
A previsão da rede para 2013 é dobrar as 29 mil lições realizadas no ano passado. Em 2011, foram 21 mil.
A concorrente Cel Lep também observou uma expansão na demanda.
Foram mil aulas destinadas a alunos vindos de outros países em 2012 -aumento de 15% ante 2011.
Bolso...
O ano começou mais endividado para 48,8% das famílias paulistanas, segundo a FecomercioSP. O número representa alta de 6,4 pontos percentuais ante janeiro de 2012.
...vazio
O percentual de endividamento é maior entre famílias que ganham até dez salários mínimos (52,8% do total).
Tecido...
As vendas do segmento atacadista de tecidos de São Paulo registraram queda de 8% em janeiro, na comparação com dezembro.
..encolhido
A retração é efeito da sazonalidade, segundo o Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuários e Armarinho do Estado de São Paulo.
Lenta retomada
O setor de produtos químicos se recuperou no ano passado das perdas registradas em 2011, segundo dados da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química).
Após sofrerem uma retração de 4% nas vendas internas no ano retrasado, as empresas do segmento tiveram alta de 7,43% em 2012.
Apesar da melhora nos números, a recuperação -baseada na substituição de importações- ainda é fraca.
A produção e as vendas estão estagnadas há seis anos devido à falta de competitividade, segundo a entidade.
O relatório da associação com o balanço de 2012 aponta que os resultados poderiam ter sido melhores se as companhias não tivessem sido impactadas pelos apagões de energia durante o ano.
O desastre da indústria - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 03/02
O grande tombo da indústria, principal componente do fiasco econômico do ano passado, está confirmado e medido oficialmente. A produção industrial diminuiu 2,7% em 2012, segundo informou na sexta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro resultado negativo desde o recuo de 7,4% registrado em 2009, quando se manifestaram plenamente, em todo o mundo, os efeitos recessivos do estouro da bolha financeira nos mercados de crédito americano e europeu. Mas a pior parte da notícia é outra. É preciso ir aos detalhes para encontrar o significado econômico da crise industrial brasileira e entender o estrago causado por erros políticos acumulados em muitos anos. Os números de 2012 servem tanto para um exame do passado quanto para uma avaliação dos problemas à frente. O mau desempenho em 2012 limita as possibilidades de crescimento do País em 2013 e nos anos seguintes e impõe desafios enormes ao governo e ao empresariado.
O recuo de 2,7% foi o resultado médio de todo o setor industrial. A produção da indústria extrativa diminuiu apenas 0,3%. A do setor manufatureiro encolheu 2,8%. É esse o canal mais importante de irradiação de tecnologia e de criação de empregos decentes.
É também o mais exposto à concorrência internacional. Quando se decompõe a atividade segundo as categorias de uso, aparece um quadro especialmente sombrio. A produção de bens de consumo diminuiu apenas 1%, porque o governo reduziu impostos sobre veículos e eletrodomésticos e, além disso, o emprego e o poder de compra das famílias permaneceram elevados. A demanda foi em parte suprida por importações competitivas e isso explica o resultado negativo da atividade interna.
Mas a fabricação de bens de capital encolheu 11,8%. Vale a pena, de novo, notar alguns detalhes. A produção de máquinas e equipamentos (nomenclatura do IBGE) recuou 3,6%. A de máquinas para escritório e equipamentos de informática recuou 12,7%. A de máquinas, aparelhos e materiais elétricos caiu 5,4%.
A queda de produção do setor de bens de capital é um péssimo prenúncio. O investimento, como qualquer outro uso de recursos, influencia o crescimento a curto prazo, mas seu efeito mais importante é outro.
O potencial de expansão da economia depende, a médio e a longo prazos, do valor investido em máquinas e equipamentos de vários tipos, em instalações de produção de bens e serviços e em infraestrutura (estradas, portos, armazéns, centrais elétricas, redes de transmissão e distribuição de energia e sistemas de comunicação).
No Brasil, o total do investimento desse tipo, também conhecido como formação bruta de capital fixo, continua inferior a 20% do PIB. Em outros países latino-americanos, está nas vizinhanças de 30%. Na Ásia, há taxas maiores e até próximas de 40%, financiadas principalmente por elevados níveis de poupança interna.
Também é muito importante o dinheiro investido em capital humano, isto é, o dinheiro aplicado nos vários tipos de educação e nos cuidados de saúde. Mas esses valores são raramente explicitados nas contas oficiais do investimento, assim como os recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos e processos.
Mas os resultados são facilmente observáveis no desempenho das empresas e das economias nacionais. Em todos esses itens o Brasil fica muito atrás da maior parte dos demais países. Também é preciso levar em conta, naturalmente, a qualidade do investimento, um item quase sempre negligenciado nas avaliações da atividade econômica brasileira. Muito dinheiro perdido em maus projetos e corrupção acaba incluído na conta de investimentos.
Economistas de várias instituições têm estimado em 3,5%, pouco mais ou menos, o potencial de crescimento econômico do Brasil. É um cálculo complicado e impreciso, mas um ponto é indiscutível: o potencial brasileiro, nesta altura, é muito menor que o de outros emergentes. Mas o governo insiste em políticas fracassadas, continuando a atribuir à crise externa e às ações de autoridades estrangeiras (a tal "guerra cambial", por exemplo) os males do Brasil.
O grande tombo da indústria, principal componente do fiasco econômico do ano passado, está confirmado e medido oficialmente. A produção industrial diminuiu 2,7% em 2012, segundo informou na sexta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro resultado negativo desde o recuo de 7,4% registrado em 2009, quando se manifestaram plenamente, em todo o mundo, os efeitos recessivos do estouro da bolha financeira nos mercados de crédito americano e europeu. Mas a pior parte da notícia é outra. É preciso ir aos detalhes para encontrar o significado econômico da crise industrial brasileira e entender o estrago causado por erros políticos acumulados em muitos anos. Os números de 2012 servem tanto para um exame do passado quanto para uma avaliação dos problemas à frente. O mau desempenho em 2012 limita as possibilidades de crescimento do País em 2013 e nos anos seguintes e impõe desafios enormes ao governo e ao empresariado.
O recuo de 2,7% foi o resultado médio de todo o setor industrial. A produção da indústria extrativa diminuiu apenas 0,3%. A do setor manufatureiro encolheu 2,8%. É esse o canal mais importante de irradiação de tecnologia e de criação de empregos decentes.
É também o mais exposto à concorrência internacional. Quando se decompõe a atividade segundo as categorias de uso, aparece um quadro especialmente sombrio. A produção de bens de consumo diminuiu apenas 1%, porque o governo reduziu impostos sobre veículos e eletrodomésticos e, além disso, o emprego e o poder de compra das famílias permaneceram elevados. A demanda foi em parte suprida por importações competitivas e isso explica o resultado negativo da atividade interna.
Mas a fabricação de bens de capital encolheu 11,8%. Vale a pena, de novo, notar alguns detalhes. A produção de máquinas e equipamentos (nomenclatura do IBGE) recuou 3,6%. A de máquinas para escritório e equipamentos de informática recuou 12,7%. A de máquinas, aparelhos e materiais elétricos caiu 5,4%.
A queda de produção do setor de bens de capital é um péssimo prenúncio. O investimento, como qualquer outro uso de recursos, influencia o crescimento a curto prazo, mas seu efeito mais importante é outro.
O potencial de expansão da economia depende, a médio e a longo prazos, do valor investido em máquinas e equipamentos de vários tipos, em instalações de produção de bens e serviços e em infraestrutura (estradas, portos, armazéns, centrais elétricas, redes de transmissão e distribuição de energia e sistemas de comunicação).
No Brasil, o total do investimento desse tipo, também conhecido como formação bruta de capital fixo, continua inferior a 20% do PIB. Em outros países latino-americanos, está nas vizinhanças de 30%. Na Ásia, há taxas maiores e até próximas de 40%, financiadas principalmente por elevados níveis de poupança interna.
Também é muito importante o dinheiro investido em capital humano, isto é, o dinheiro aplicado nos vários tipos de educação e nos cuidados de saúde. Mas esses valores são raramente explicitados nas contas oficiais do investimento, assim como os recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos e processos.
Mas os resultados são facilmente observáveis no desempenho das empresas e das economias nacionais. Em todos esses itens o Brasil fica muito atrás da maior parte dos demais países. Também é preciso levar em conta, naturalmente, a qualidade do investimento, um item quase sempre negligenciado nas avaliações da atividade econômica brasileira. Muito dinheiro perdido em maus projetos e corrupção acaba incluído na conta de investimentos.
Economistas de várias instituições têm estimado em 3,5%, pouco mais ou menos, o potencial de crescimento econômico do Brasil. É um cálculo complicado e impreciso, mas um ponto é indiscutível: o potencial brasileiro, nesta altura, é muito menor que o de outros emergentes. Mas o governo insiste em políticas fracassadas, continuando a atribuir à crise externa e às ações de autoridades estrangeiras (a tal "guerra cambial", por exemplo) os males do Brasil.
Mudança na política cambial - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 03/02
Muito provavelmente ao longo deste ano o real ficará estável ante o dólar ou vai se valorizar
No fim do ano passado, em razão de saídas de capitais típicas de fim de ano, o BC (Banco Central) colocou R$ 1,8 bilhão em "swaps" de câmbio. Essa operação é equivalente à venda de dólares no mercado futuro. Força para baixo, portanto, as cotações da moeda americana contra o real.
O objetivo era neutralizar o impacto sobre o câmbio da saída de capital fortemente sazonal. A ação fazia todo o sentido porque o mandato do BC na gestão das reservas internacionais é evitar fortes oscilações do câmbio nominal.
O vencimento dos "swaps" ocorreu no fim do mês passado. Do ponto de vista da sazonalidade dos movimentos de capital, não fazia sentido renovar a operação. Por isso, havia a dúvida se o BC iria renovar ou não os "swaps".
A renovação dos "swaps" sugere que o BC entendeu que a política de desvalorização do câmbio perseguida desde meados de 2011 começou a ter impactos inflacionários apreciáveis.
De fato, o IPCA-15 de dezembro, divulgado pelo IBGE há duas semanas, mostrou forte aceleração da inflação dos bens industriais.
Esse item do IPCA, que apresentara até o terceiro trimestre de 2012 inflação praticamente nula, fechou o ano com mais de 1,5%.
Ficou claro que o espaço que havia para desvalorizar o câmbio nominal sem que houvesse um repasse maior para os preços dos bens industriais terminou.
Assim, muito provavelmente ao longo de 2013 o real ficará estável ante a moeda americana ou se valorizará.
Tudo indica que, conforme nos distanciamos da primeira metade do mandato da presidente Dilma e nos aproximamos do período eleitoral, sai de cena a economista desenvolvimentista formada no departamento de economia da Unicamp e entra em cena a política com vistas à reeleição.
A literatura acadêmica sugere que tentar desvalorizar o câmbio nominal para acelerar o crescimento e aumentar a participação da indústria no produto somente funciona se houver durante algum tempo redução dos salários reais.
A redução do salário real promovida pela aceleração da inflação em seguida à desvalorização do câmbio nominal transfere renda do trabalho ao capital que financiará a elevação do investimento.
A perna desenvolvimentista da política econômica conflita com o objetivo de manter forte o crescimento da renda real.
É possível alegar que, se aceitarmos câmbio real mais desvalorizado e, portanto, salário menor e poupança e participação da indústria no produto maiores, a aceleração do crescimento que se seguirá permitirá à frente ganhos de salários ainda maiores.
O problema é o detalhe contido na expressão "à frente". É necessário esperar. Parece que a política não dará esse tempo aos desenvolvimentistas.
Retorno ao tema da coluna anterior. No domingo passado, o assunto foi o emprego doméstico no Brasil. O tema foi repercutido pela
imprensa em razão da divulgação de um recente estudo da OIT que listou o Brasil na primeira colocação, com 7,2 milhões de empregos domésticos.
Argumentei que, em termos relativos, em 2009 o Brasil estava na
13ª colocação entre os 136 investigados pela OIT. O emprego doméstico representava 7,8% da população ocupada.
Na segunda-feira conferi com meu colega do Ibre, Fernando de Holanda Barbosa Filho, a evolução da participação do emprego doméstico no emprego total de 2009 para 2011.
Segundo a pesquisa nacional por amostra de domicílios do IBGE,
essa participação caiu de 7,8% para 7,1%, ou, em termos absolutos, de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos em 2009 para 6,6 milhões em 2011.
Em dois anos, houve redução de mais de 500 mil empregos domésticos em um período em que o emprego total elevou-se em 803 mil.
Nesse mesmo biênio, a renda real do trabalhador doméstico elevou-se em 13%, o que resulta em crescimento médio anual de 6,4%.
Diante desses números, parece que o emprego doméstico vai se extinguir em menos tempo do que a última frase de minha coluna passada sugeriu.
Muito provavelmente ao longo deste ano o real ficará estável ante o dólar ou vai se valorizar
No fim do ano passado, em razão de saídas de capitais típicas de fim de ano, o BC (Banco Central) colocou R$ 1,8 bilhão em "swaps" de câmbio. Essa operação é equivalente à venda de dólares no mercado futuro. Força para baixo, portanto, as cotações da moeda americana contra o real.
O objetivo era neutralizar o impacto sobre o câmbio da saída de capital fortemente sazonal. A ação fazia todo o sentido porque o mandato do BC na gestão das reservas internacionais é evitar fortes oscilações do câmbio nominal.
O vencimento dos "swaps" ocorreu no fim do mês passado. Do ponto de vista da sazonalidade dos movimentos de capital, não fazia sentido renovar a operação. Por isso, havia a dúvida se o BC iria renovar ou não os "swaps".
A renovação dos "swaps" sugere que o BC entendeu que a política de desvalorização do câmbio perseguida desde meados de 2011 começou a ter impactos inflacionários apreciáveis.
De fato, o IPCA-15 de dezembro, divulgado pelo IBGE há duas semanas, mostrou forte aceleração da inflação dos bens industriais.
Esse item do IPCA, que apresentara até o terceiro trimestre de 2012 inflação praticamente nula, fechou o ano com mais de 1,5%.
Ficou claro que o espaço que havia para desvalorizar o câmbio nominal sem que houvesse um repasse maior para os preços dos bens industriais terminou.
Assim, muito provavelmente ao longo de 2013 o real ficará estável ante a moeda americana ou se valorizará.
Tudo indica que, conforme nos distanciamos da primeira metade do mandato da presidente Dilma e nos aproximamos do período eleitoral, sai de cena a economista desenvolvimentista formada no departamento de economia da Unicamp e entra em cena a política com vistas à reeleição.
A literatura acadêmica sugere que tentar desvalorizar o câmbio nominal para acelerar o crescimento e aumentar a participação da indústria no produto somente funciona se houver durante algum tempo redução dos salários reais.
A redução do salário real promovida pela aceleração da inflação em seguida à desvalorização do câmbio nominal transfere renda do trabalho ao capital que financiará a elevação do investimento.
A perna desenvolvimentista da política econômica conflita com o objetivo de manter forte o crescimento da renda real.
É possível alegar que, se aceitarmos câmbio real mais desvalorizado e, portanto, salário menor e poupança e participação da indústria no produto maiores, a aceleração do crescimento que se seguirá permitirá à frente ganhos de salários ainda maiores.
O problema é o detalhe contido na expressão "à frente". É necessário esperar. Parece que a política não dará esse tempo aos desenvolvimentistas.
Retorno ao tema da coluna anterior. No domingo passado, o assunto foi o emprego doméstico no Brasil. O tema foi repercutido pela
imprensa em razão da divulgação de um recente estudo da OIT que listou o Brasil na primeira colocação, com 7,2 milhões de empregos domésticos.
Argumentei que, em termos relativos, em 2009 o Brasil estava na
13ª colocação entre os 136 investigados pela OIT. O emprego doméstico representava 7,8% da população ocupada.
Na segunda-feira conferi com meu colega do Ibre, Fernando de Holanda Barbosa Filho, a evolução da participação do emprego doméstico no emprego total de 2009 para 2011.
Segundo a pesquisa nacional por amostra de domicílios do IBGE,
essa participação caiu de 7,8% para 7,1%, ou, em termos absolutos, de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos em 2009 para 6,6 milhões em 2011.
Em dois anos, houve redução de mais de 500 mil empregos domésticos em um período em que o emprego total elevou-se em 803 mil.
Nesse mesmo biênio, a renda real do trabalhador doméstico elevou-se em 13%, o que resulta em crescimento médio anual de 6,4%.
Diante desses números, parece que o emprego doméstico vai se extinguir em menos tempo do que a última frase de minha coluna passada sugeriu.
Risco menor no cenário global - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O ESTADO DE S. PAULO - 03/02
O cenário da economia mundial apresenta, no curto prazo, um risco menor, quando comparado ao primeiro semestre do ano passado. Entretanto, os principais desafios, especialmente na Europa, ainda não estão superados. No que se segue, vamos tentar construir um quadro geral da situação.
Seguimos bastante otimistas quanto à economia americana. O fraco resultado do PIB no último trimestre de 2012 não altera nossa visão. O resultado da eleição foi uma vitória tão importante do presidente Obama que torna difícil a repetição da oposição virulenta dos últimos dois anos. De fato, a oposição perdeu entre as mulheres, os jovens, os asiáticos," os negros, os latinos e nas grandes cidades. Isto significa que, se os republicanos moderados não retomarem o controle do partido, ele tende ao desaparecimento.
Com isso, tenho convicção de que as negociações em torno do ajuste fiscal não levarão os EUA de volta à recessão, embora, no primeiro semestre, a economia deva ainda ser difícil. Ultrapassado esse obstáculo, os ventos positivos deverão levar o país a andar mais próximo de seu potencial de crescimento (3% a 3,5% ao ano) a partir do segundo semestre. A mudança positiva no mercado imobiliário e a expectativa de que Estados ou municípios contratarão até 500 mil funcionários em 2013 deve impactar o mercado de trabalho. Além disso, o bom momento da agricultura, da indústria e do setor de energia dos EUA adicionarão força à recuperação.
Na Europa, o risco de curto prazo claramente caiu, em conseqüência da atuação fulminante do Banco Central Europeu em junho (quando prometeu fazer o que fosse necessário para manter o euro) e da decisão da chanceler alemã de contemporizar a situação até a eleição no país, em outubro. Os riscos soberanos estão caindo rapidamente, as dívidas públicas estão sendo roladas com mais facilidade e assim devem seguir, pelo menos ao longo do primeiro semestre. Entretanto, não devemos nos iludir. O problema central da região, que é a diferença de competitividade entre o Norte e o Sul, está longe de ser encaminhado; com isso, os dilemas para uma maior integração da região se mantêm e. poderão reaparecer no fim do ano.
Acredito que a Espanha (a quarta maior economia do bloco) será o palco central do futuro desta discussão. O país está fazendo um duríssimo ajuste econômico e vive em recessão há 18 meses, o que levou a taxa de desemprego a 26%. O discurso que sustenta politicamente o plano é que 2014 poderá já mostrar uma recuperação da economia. Se no início do segundo semestre existirem indícios desta melhora, o programa ganha força, tanto quanto o ajuste da região como um todo. Por outro lado, se o que vem ocorrendo na Grécia se repetir, isto é, uma falta de perspectiva de crescimento, será cada vez mais difícil para o governo espanhol manter a dureza da política econômica. Neste caso, as dúvidas quanto ao futuro da Europa certamente reaparecerão.
Uma última observação a respeito da Europa: como conseqüência da crise, existe uma tendência a uma certa fragmentação. Neste início de ano, o discurso do primeiro-ministro inglês manifestando desconforto com a posição de seu país no contexto da comunidade européia é muito ilustrativo.
Com relação à Ásia, a grande notícia é a confirmação da sustentabilidade do crescimento chinês na faixa de 7,5% a 8% nos próximos 2 anos, pelo" menos. Os pessimistas, mais uma vez, tiveram de adiar suas profecias de uma aterrissagem forçada da economia. Como conseqüência, a demanda por commodities segue forte, como ilustram os preços do petróleo e dos produtos agrícolas. Outros países asiáticos também crescem bastante, especialmente Indonésia,Malásia, Tailândia e Filipinas, todos acima de 4%. Anota destoante fica com a desaceleração e os problemas da economia indiana, uma estrela que se apaga.
Está se consolidando neste ano uma certa implosão no conceito dos Brics, uma vez que, além da índia, a África do Sul também vem enfrentando crescentes dificuldades. Da mesma forma, a Rússia, país que Ian Bremmer, do Eurasia Group, classificou de economia submergente, sofre com problemas estruturais ligados à redução absoluta da população, às deficiências, da Saúde Pública e à desvalorização de sua riqueza energética. Esta decorre diretamente da revolução na produção de gás nos EUA, que levá o Oriente Médio a buscar maiores vendas na Europa, erodindo o quase monopólio da Gazprom. Com as dificuldades brasileiras de crescer mais que 3% ao ano, a história dos Brics vai se reduzindo à China. Acredito que os próximos anos consolidarão esta percepção.
Consideração especial merece o Japão: sempre tratei aquela economia como um caso de "saída do jogo econômico", ou seja, a longa estagnação enfrentada por aquele país tinha um efeito neutro na economia mundial. No final de 2012, entretanto, a situação do país parece ter mudado em duas direções, ambas refletidas na eleição que levou o primeiro-ministro Abe ao poder. Politicamente, o conflito com a China talvez se acentue, especialmente porque este último país parece ter decidido que não necessita mais da tecnologia e capitais japoneses, o que tem sido expresso nos conflitos trabalhistas concentrados em empresas deste último.
Economicamente, o governo japonês está reagindo fortemente à valorização do iene e o discurso é que o país não vai mais acomodar os problemas econômicos globais às custas de seu sistema produtivo. Daí porque o Japão também entrou na chamada guerra cambial, até aqui bem-sucedida, uma vez que o iene saiu de menos de 80 por dólar para os atuais 92.
No Oriente Médio, temos o mesmo de sempre: conflitos de todas as naturezas que mantêm o mercado de petróleo em risco. Daí porque o Brent (indicador mais relevante do mercado global) se mantém bem acima de US$ 100 o barril.
Finalmente, na América Latina aumenta o racha entre o grupo bolivariano (Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina), em crise, e a chamada Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México). O Brasil, como se sabe, nutre uma grande admiração pela crise.
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