ESTADÃO - 17/04
Mesmo que revele uma competência ímpar, Nelson Teich precisará de um tempo que não existe. A troca de ministro é imprudência que só se explica pelos interesses eleitorais de Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar seu ministro da Saúde em plena pandemia de covid-19. Trata-se de uma decisão exclusivamente política, já que o atual titular do Ministério, Luiz Henrique Mandetta, vinha fazendo um trabalho tecnicamente bastante razoável, em especial quando consideradas as duríssimas circunstâncias – que, não bastasse a ferocidade do coronavírus em si, incluem sabotagem explícita do próprio Bolsonaro e dos filhos do presidente.
O substituto de Mandetta, o oncologista Nelson Teich, terá o imenso desafio de montar uma nova equipe e se inteirar de toda a estrutura montada para enfrentar a pandemia justamente no momento em que esta começa a atingir o pico no País. Mesmo que revele competência ímpar, o novo ministro precisará de tempo – e tempo é um luxo que as autoridades sanitárias na linha de frente desta crise não têm.
Portanto, a troca de ministros é uma evidente imprudência de Bolsonaro, que só se explica por seus interesses eleitorais. O fato de que Luiz Henrique Mandetta desfruta de popularidade muito superior à do presidente explica, em grande medida, o nervosismo de Bolsonaro com seu agora ex-ministro. O presidente se sentiu desautorizado por Mandetta quando este resolveu ignorá-lo e, baseado na ciência, sustentou o discurso segundo o qual a única forma de conter a pandemia é manter a população em isolamento social.
Como se sabe, Bolsonaro é fervoroso defensor do fim do isolamento e da “volta à normalidade”, mesmo que isso cause mais mortes – mas isso, para o presidente, “é da vida”. Seu comportamento é tão irresponsável que mereceu lugar de destaque na imprensa internacional.
O Washington Post, por exemplo, considerou Bolsonaro “de longe o caso mais grave de improbidade” entre os líderes mundiais ao lidar com a crise. O Financial Times, por sua vez, colocou Bolsonaro no que chamou de “Aliança do Avestruz”, grupo dos únicos quatro chefes de governo no mundo que minimizam ou negam a ameaça da covid-19 – já chamada de “gripezinha” pelo presidente brasileiro. E a revista The Economist chegou a dizer que Bolsonaro foi tão longe que em seu próprio governo é tratado “como aquele parente problemático que dá sinais de demência”.
Obcecado em mostrar sua autoridade – “eu sou o presidente”, costuma repetir, como se isso fosse necessário –, Bolsonaro provavelmente espera que o novo titular do Ministério da Saúde não o contrarie e, sobretudo, não o ofusque. Não será surpresa se, sob nova direção, o Ministério passar a chancelar os palpites de Bolsonaro – que, além de um inviável “isolamento vertical”, incluem a receita de um remédio cuja eficácia não está comprovada, ao contrário de seus efeitos colaterais, já suficientemente documentados. Também não será surpresa se, no embalo desse discurso, mais e mais cidadãos se sentirem estimulados a abandonar a quarentena, como, aliás, já está acontecendo, o que tende a acelerar o colapso do sistema hospitalar.
O presidente quer também um ministro da Saúde que esteja a seu lado na briga contra os governadores, a quem atribui a responsabilidade pela crise econômica que está erodindo sua popularidade e ameaça sua reeleição. O ex-ministro Mandetta, ao contrário, sempre deixou claro seu pleno alinhamento com as duras medidas adotadas pelos governadores, pois não é possível falar em retomada da atividade econômica com um vírus letal à solta por aí.
Diante disso, espera-se que os governadores e prefeitos fiquem firmes na manutenção do isolamento social. Numa vitória do bom senso, o Supremo Tribunal Federal decidiu na quarta-feira passada que Estados e municípios têm autonomia para estabelecer o grau do isolamento necessário para conter o avanço da pandemia, contrariando o presidente Bolsonaro, que julga ter o poder de deliberar a esse respeito.
Todas essas garantias institucionais, no entanto, não serão suficientes para impedir que um Ministério da Saúde subserviente ao obscurantismo bolsonarista cause ainda mais confusão – com a qual somente o vírus ganha. Como disse o ex-ministro Mandetta à Veja, “o vírus não negocia com ninguém, não negociou com o Trump, não vai negociar com nenhum governo”. Só nos resta esperar que o novo ministro cultive as virtudes da paciência, da prudência e do bom senso.
FOLHA DE SP - 17/04
Com troca de ministro em plena crise, Bolsonaro volta a desperdiçar energias
Enquanto os bárbaros ameaçam arrombar o portão, as autoridades da cidade sitiada discutem o sexo dos anjos. A lamentável confusão que culminou na troca do ministro da Saúde na fase mais crítica da luta contra a epidemia do novo coronavírus faz evocar essa imagem.
O presidente da República, convertido por sua ignorância e pusilanimidade no maior estorvo à coordenação dos esforços sanitários, é o único responsável por ter produzido mais um ruído em torno do nada. Figura minúscula da política, insiste em desperdiçar energias de um país em emergência.
Em razão dessa conduta abstrusa de Jair Bolsonaro, uma camisa de força institucional foi sendo tecida em torno da Presidência. Governadores e prefeitos, gestores diretos da saúde pública, tiveram de tomar decisões onerosas para seus cidadãos protegendo-se de uma saraivada de críticas desonestas e desinformadas do chefe de Estado.
A ameaça constante de que decretos do Planalto viessem a se sobrepor às ordens de restrição de atividades das autoridades locais exigiu do Supremo Tribunal Federal a declaração, unânime entre os ministros, da ilegitimidade de atos unilaterais do Executivo federal.
Os presidentes e as maiorias da Câmara e do Senado armaram-se para rebater e rechaçar as barbaridades que pudessem surgir da famigerada caneta de Jair Bolsonaro.
O próprio Ministério da Saúde teve de aprender a operar num ambiente hostil, em que o presidente da República contrariava, com gestos e falas, a normativas da pasta, que não diferem em nada das que prevalecem em todo o planeta.
A muito custo, reitere-se, foi erguida essa barreira de contenção ao poder de destruição do chefe do governo, em meio à batalha sem precedentes contra a pandemia. Por isso, não será uma troca de ministro que colocará tudo a perder.
A opção pelo oncologista Nelson Teich tem a vantagem de eliminar nomes exóticos e obscurantistas que eram cogitados. Mas o desconhecimento, pelo novo ministro, do que seja a complexa máquina da saúde pública no Brasil vai cobrar um preço de aprendizagem em que o país não precisaria incorrer.
Defender, como Teich, a massificação dos testes é correto, porém insuficiente. A questão é como fazer um país que testa pouquíssimo passar a processar milhões dessas avaliações em poucos meses.
E como seu ministério vai ajudar agora, emergencialmente, os hospitais cujas UTIs estão se exaurindo?
Essa não é uma questão teórica. Brasileiros vão morrer desassistidos na fila da saúde pública se ela não for respondida com ações tempestivas e muito bem planejadas.
Os desafios do novo ministro são concretos e prementes. Tudo o que ele não tem é mais tempo a perder.
O GLOBO - 17/04
O cara não é normal, tem corpo fechado, desafia o vírus
O rei Jorge III (1738-1820) foi um dos monarcas mais queridos da Inglaterra, fez muitas conquistas, embora tivesse perdido a sua maior colônia na América, os Estados Unidos, mas teve um problema na velhice: enlouqueceu.
Maluco beleza, saía pelos corredores do Castelo de Windsor enrolado em lençóis, uma vez falou 58 horas sem parar, num passeio pelo campo saiu cantando completamente nu, dizia coisas desconexas. Embora na época os médicos pouco soubessem sobre doenças mentais, era claro que o rei estava incapacitado para governar, e seu filho foi nomeado regente. Como no filme “A loucura do rei”.
Se já é difícil dizer que o rei está nu, muito mais é convencê-lo de que está louco. Como o presidente Delfim Moreira (1918-1919).
Como convencer um insano de que ele está doente? E se for o rei da Inglaterra?
E se for o presidente do Brasil?
Com todo o respeito e compaixão pela dor e o sofrimento dos doentes mentais, cada dia mais Bolsonaro diz e faz coisas que não podem ser só burrice, ignorância, maldade, narcisismo ou paranoia. Qualquer profissional de doenças mentais vê traços preocupantes no seu comportamento. Afinal, o cara não é normal, tem corpo fechado, desafia o vírus, o Congresso e o Supremo, se acha um mito invencível.
Demência não é vergonha, não é castigo divino nem culpa do doente. Mas se, para obter uma carteira de caminhoneiro o cara tem que fazer exames de sanidade mental, se grandes empresas o exigem antes de contratar, por que não o presidente da República ?
Quem poderia obrigar o presidente a um exame de sanidade mental por uma junta médica, o Congresso? Os generais? Várias ações já correm na Justiça. O que diz a Constituição?
Na gíria das favelas, os malucos são chamados de “22”, artigo do antigo Código Penal sobre insanidade mental, como “Paulinho 22”, “Telma 22” e, por que não,“Jair 22”? O bom da insanidade é que ela apaga tudo de ruim que foi feito, até crimes, porque o cara é inimputável. É melhor que impeachment.
Só não podem nomear Carluxo como regente.