FOLHA DE SP - 13/10
É conhecida a frase do inglês Samuel Johnson (1709-1784): "O patriotismo é o último refúgio de um canalha". Acabou distorcida. Referia-se a uma situação específica da política do seu tempo. Não hostilizava ou renegava os "patriotas", então uma corrente política. Criticava vigaristas que passaram a se abrigar sob tal manto, pervertendo ideias que considerava virtuosas. Nestes dias, o liberal brasileiro está obrigado a dizer: "A direita é o último refúgio de um canalha".
Nesta quarta (11), fiz o que não faço quase nunca. Acompanhei um tantinho, nas redes sociais, as reações de grupos organizados "de direita" à sessão do STF que decidia se medidas cautelares impostas pelo Judiciário a parlamentares devem ou não ser submetidas à respectiva Casa Legislativa. "As direitas" não estavam entendendo nada.
Os ditos direitistas, excetuando-se raras ilhas de compreensão, esmeravam-se em vomitar ignorâncias contra "todos os políticos". Sentem-se moralmente superiores a seus antípodas por atacar a política ela mesma, em toda a sua extensão. O mal dos adversários estaria na seletividade. Entendi. Os esquerdistas se orgulham de olhar no olho de suas vítimas antes de atirar. Justiça que enxerga! A direita de que falo atira antes de olhar. Justiça cega!
Vi antipetistas fanáticos, anticomunistas patológicos e convictos fascistoides de direita a aplaudir o voto de Luís Roberto Barroso. Junto com a esquerda. Aquele cheiro de sangue no ar. O que a etimologia ensina sobre "canalha"? Resposta: "cachorrada". É que o doutor lavou o seu relativismo constitucional com o linchamento do senador Aécio Neves, que não era nem citado naquela ADI. Seu voto ia apertando todos os "botões quentes" da polêmica, para empregar uma expressão que Umberto Eco cunhou muito antes de conhecermos o bueiro do capeta das redes sociais.
Sem vergonha na toga e da toga, o doutor começou atacando o foro especial, que não estava em julgamento. A direita salivava. Depois apelou à metáfora dos "peixes pequenos", sempre punidos, e dos "graúdos", sempre impunes. Mais baba. Poderia ser o "Sermão de Santo Antônio aos Peixes", de Padre Vieira. Era só o "Proselitismo Esquerdopata de Barroso aos Tolos". Aí resolveu condenar Aécio, que nem réu é ainda.
Dinheiro, ensinou, tem de passar pelo banco, ou a corrupção está comprovada. E, se é assim, pode-se rasgar a Constituição em nome da honestidade. É precisamente o que faz a esquerda mundo afora. Ele nem teve a delicadeza de dizer qual foi a contrapartida –ou promessa de– oferecida pelo senador a Joesley Batista, o que poderia caracterizar corrupção passiva. A cachorrada se afogava de prazer na gosma peçonhenta.
A ficha das "direitas" não caiu nem quando, negando a sua condição de "ativista judicial", Barroso afirmou ser contrário ao STF legislador e interventor, mas só nas matérias de natureza constitucional. E, mesmo nesse caso, deixou claro, dá-se o direito de legislar sobre "direitos de minoria" e "proteção às regras da democracia". Não por acaso, é o gênio da raça que resolveu fazer uma interpretação extensiva de um habeas corpus e, pimba!, decidiu "legalizar" o aborto até o terceiro mês de gestação. Não ficou claro se o assassinato do feto, que não pode correr nem se defender, é um "direito de minoria" ou uma "regra da democracia".
Por 6 a 5, depois das adaptações, decidiu o STF que a Justiça pode, sim, aplicar a parlamentares as medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal, mas tudo o que afeta o mandato deve ser submetido à Casa Legislativa a que pertence o punido por prevenção. Das aberrações, a menor. A confusão, agora, vai se estender a Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.
A direita dos humores pegajosos, constatou minha mulher, ainda agora se afoga em secreções de puro rancor. Queria mais inconstitucionalidade. Que o Brasil sobreviva ao patriotismo dos canalhas!
REVISTA VEJA
Há um dito popular entre políticos de longa experiência para apontar aos estreantes o risco da afoiteza: “Cachorro novo não entra com pressa no mato”. Em outras palavras mais apropriadas aos seres dotados de razão humana, o apressado em geral come cru e quente o alimento que, com prudência e paciência, poderia desfrutar na temperatura e cocção adequadas de modo a obter satisfação plena, genuína e duradoura.
É o caso do prefeito de São Paulo, João Doria, cuja afobação em transformar o sucesso eleitoral de uma eleição local em antecipação de êxito em pleito presidencial, que já se mostrava arriscada ante a lógica da vida normal, foi confirmada pelo registro da opinião do público captada pelo instituto Datafolha, publicado no último dia 8: queda acentuada na avaliação de desempenho e grande rejeição às andanças eleitoreiras do prefeito em detrimento da atenção à cidade que o elegeu.
Nada de muito surpreendente, não obstante relevante dada a crescente adesão à ideia de que uma eleição tem efeito automático sobre a outra. Num primeiro momento, interpretou-se que a vitória de Doria no primeiro turno em 2016 corresponderia necessariamente à consolidação do governador Geraldo Alckmin como candidato a presidente em 2018.
O bom da realidade é que ela conta a história a seu modo. Faz pouquíssimo caso da vontade alheia, cobra tributo pesado à imprudência. Dependendo de seu humor, trata com fina ironia ambições desprovidas de lastro suficiente para uma sustentação perene. Mostra aos vivaldinos quem manda na situação: a crueza e a nudeza dos fatos.
Fato nu e cru é que o prefeito João Doria infringiu regras sagradas na política ao pretender exercer a atividade fazendo de conta que fazia outra coisa. Um parêntese aqui é necessário: o relevante não são as intenções futuras ou não de voto observadas na pesquisa, mas a avaliação presente de desempenho. Os paulistanos, integrantes do maior colégio eleitoral do país, não estão gostando de ver o prefeito aos rodopios nacionais e internacionais. Nesse aspecto, reafirmam a Doria o que já haviam dito a José Serra na rejeição ao uso da prefeitura como trampolim para a candidatura a presidente.
Ele não deu atenção aos sinais. Na embriaguez do êxito, encarnou o personagem antagônico a Lula da Silva herdando também seus defeitos: língua excessivamente solta, desrespeito ao adversário e menosprezo à história alheia e, principalmente, à História em si. Não incorporou, contudo, o tirocínio do petista em relação ao cultivo da própria base.
Doria fomentou a discórdia no já enfraquecido PSDB e despertou a ira dos “tradicionais” ao responder de maneira baixa a Alberto Goldman, um militante de escol. Deflagrador da cassação de José Dirceu ao ser o primeiro a contestar o discurso do ainda poderoso de volta à Câmara, filiado ao PCB quando isso era um perigo, combatente da ditadura com o mandato permanentemente em risco enquanto João Doria se criava a pires de leite. “Como uma gata”, nas sábias e precisas palavras de Nelson Rodrigues.
ESTADÃO - 13/10
Última vez que houve período longo de juro tão reduzido foi no segundo governo Vargas
Em recém-lançado relatório, em que revisou para cima suas projeções de crescimento do Brasil em 2017 e 2018 (para 0,8% e 3,2%, respectivamente), o departamento de análise econômica do banco Santander faz uma pergunta interessante: será que o País está caminhando para ter a taxa de juros mais baixa de toda a sua história?
A questão é difícil, porque falta informação confiável e há vários conceitos de taxas de juros. Mas o relatório, assinado por Mauricio Molan, economista-chefe do Santander, combinou dados de diversas fontes para concluir que uma taxa overnight de juros interbancários abaixo de 7,25% seria a mais baixa dos últimos 60 anos.
E é para lá que tudo indica que o País está caminhando. O próprio Santander prevê que a Selic, a taxa básica regulada pelo BC que determina o overnight interbancário, vai cair para 6,75% em 2018.
Hoje a Selic está em 8,25%, com forte recuo ante o nível de 14,25% que perdurou de julho de 2015 até outubro de 2016. O ponto mais baixo já atingido pela Selic desde o início do sistema de metas de inflação (em 1999) foi de 7,25%, no breve período entre outubro de 2012 e abril de 2013.
O levantamento do Santander mostra que a última vez que o Brasil teve um período mais longo de taxas de juros nominais abaixo de 8% foi durante o segundo governo de Getúlio Vargas, entre 1951 e 1954. O juro baixo naquela época teve como pano de fundo uma combinação de câmbio fixo, num nível sobrevalorizado, com fortes controles de importação, o que permitiu durante algum tempo que o balanço de pagamentos ficasse sob controle e a dívida externa em níveis baixos.
O arranjo, porém, era insustentável. A escassez de insumos, provocada pelos controles de importação, pressionaram a inflação e, a partir de 1953, as tensões políticas e sociais (que desaguariam na crise do suicídio de Getúlio em 1954) levaram o governo a afrouxar a política monetária e fiscal. O resultado foi uma forte alta da inflação, que chegou a 21% ao ano na segunda metade da década de 50, tornando inviável manter as taxas de juros em um dígito.
É instrutivo o exercício, desenvolvido pelo Santander, de comparar a sustentabilidade das baixas taxas de juros nos momentos em que isso ocorreu desde a década de 50. De cara, como faz o relatório, são descartados os breves meses de 2012 e 2013 em que a Selic caiu “na marra” e de forma claramente incompatível com as condições inflacionárias.
Tomando-se, portanto, o período da primeira metade da década de 50 e o atual, o relatório assinado por Molan mostra que, tanto num momento como no outro, a inflação e o setor externo da economia estavam em “boa forma”, mas com uma diferença fundamental: naquela época, isso se deu com forte intervenção no câmbio e controle das importações, enquanto hoje a combinação de câmbio flutuante com o sistema de metas de inflação é uma âncora de qualidade muito superior.
Tudo estaria muito bem, portanto, se não fosse pelo fato de que em ambos os períodos o lado fiscal deixou (e deixa) a desejar, o que levou ao fim da fase de baixos juros nos anos 50 e poderia, caso o nó das contas públicas não seja resolvido, comprometer também a nova oportunidade agora. Outra coincidência entre os dois momentos históricos são as taxas de juros internacionais muito baixas.
O Santander prevê que a atual fase de juros baixos deve durar pelo menos até meados de 2019, levando a uma série de benefícios, como a ampliação dos canais de crédito para pequenas, médias e grandes empresas, e mais crédito imobiliário e investimentos.
Consolidar esses ganhos no médio e longo prazo depende, porém, de pôr a casa fiscal em ordem definitivamente. Mais uma vez o Brasil está chegando perto de um objetivo muito sonhado, o de ter taxas de juros civilizadas, e pode tropeçar de novo na incapacidade do governo de gastar de acordo com o que arrecada.
*COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV
ESTADÃO - 13/10
Para vislumbrar o retorno ao crescimento sustentável, há tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo
Aproveitei uma recente viagem ao exterior para mergulhar de cabeça na leitura de um novo livro do economista André Lara Resende, Juros, moeda e ortodoxia, que reúne alguns ensaios sobre a evolução da teoria monetária e da relação de juros e moeda com o fenômeno inflacionário. Ali ele enfrenta a ortodoxia monetária prevalecente com muita coragem e sólida argumentação. O autor apresenta sua percepção de que a experiência heterodoxa dos países desenvolvidos desde a crise de 2008 demonstra que a taxa nominal de juros seria a mais importante referência para a formação das expectativas de inflação de uma economia. Essa hipótese, se confirmada com maior grau de aferição, nos permitiria afirmar que a prática de juros elevados poderia ter alimentado as expectativas inflacionarias, ao invés de reduzi-las.
O fato é que, como consequência de juros elevados, ocorreram efeitos perversos que prejudicaram o recente desempenho da economia brasileira. O primeiro foi o agravamento da dívida pública, gerando contínuos déficits nominais, que, pela sua evolução e magnitude, deixa dúvidas sobre a sua sustentabilidade. Para enfrentar este déficit nominal, a carga tributária sobre a população brasileira foi elevada ao limite máximo de tolerância. A parcela da carga tributária atribuída ao pagamento de juros, cerca de 1/3 de toda a arrecadação, poderia ser definida como uma transferência indireta de renda por meio do Tesouro Nacional de setores produtivos para o setor financeiro rentista. Este excessivo ônus tributário resulta na inibição dos níveis de investimentos e de consumo, pilares de qualquer política de desenvolvimento econômico. Cabe destacar que nos últimos anos o nível de investimento de nossa economia desabou de cerca de 20% do PIB para ínfimos 14%, entre outros fatores por causa do custo de oportunidade do capital, sempre agravado pela referência à taxa Selic quase sempre em patamares de dois dígitos.
Outra variável macroeconômica afetada pela política de juros altos tem sido a taxa de câmbio, que no Brasil vem sendo formada primordialmente pelos fluxos virtuais do mercado futuro de câmbio – em que ocorre a arbitragem entre as taxas de juros externas e as internas, denominada de carry trade –, que atingiram nos últimos dez anos volumes estratosféricos, múltiplas vezes maiores que o volume das operações cambiais do mercado à vista. Este viés de apreciação cambial tem afetado de forma sistêmica e silenciosa o desempenho do setor industrial, uma vez que as exportações de manufaturados se tornam cada vez mais caras e menos competitivas e as importações se tornam mais baratas no mercado brasileiro.
Seria muito mais saudável para a economia brasileira a ocorrência de uma taxa de câmbio flutuante menos distorcida pela hipertrofia do mercado futuro e mais desvalorizada e competitiva para os setores produtivos, gerando renda e emprego para a população. Isso permitiria realizar a simultânea desgravação tarifária das importações e obter um maior grau de abertura e inserção do Brasil na economia mundial. O maior grau de abertura de nossa economia concorreria para estimular a produtividade e a competitividade de nossas empresas, com maior nível de investimentos em infraestrutura, inovação e tecnologia, por exemplo.
Bastariam esses argumentos para entender que uma economia praticante de juros altos e de câmbio apreciado não poderia ter esperança de bom desempenho. A recente queda da inflação e da taxa de juros deveria permitir agora, finalmente, vislumbrar um retorno à normalidade de crescimento sustentável da economia brasileira após quatro anos de aguda experiência recessiva. Mas a tarefa está longe de ser concluída: restam, ainda, reformas essenciais, da Previdência e a simplificação tributária, como também a normalização do mercado flutuante de câmbio, que deve vir acompanhada da desgravação tarifária das importações – tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo. A nova normalidade pode estar em breve a caminho, para alívio da população brasileira.
*ECONOMISTA, PRESIDENTE DA KADUNA CONSULTORIA, É VICE-CHAIRMAN DO GRUPO DE LÍDERES EMPRESARIAIS (LIDE)
VALOR ECONÔMICO - 13/10
A simples posse da caneta presidencial dá ao mandatário da nação pelo menos 20% dos votos, segundo cálculos que o ex-presidente José Sarney costuma citar. Por essa conta, é prematuro excluir a influência de Michel Temer na sucessão presidencial de outubro de 2018, mesmo sendo ele um recordista de impopularidade e de desaprovação do eleitorado. Até então, Sarney, que governou entre 1985 e 1990, encabeçava o ranking.
O ex-presidente usava esse argumento para explicar porque o candidato Ulysses Guimarães, deputado federal pelo PMDB de São Paulo, que concorreu à sua sucessão nas eleições de 1989, teve apenas 4,43% dos votos, ficando como o sétimo colocado no pleito que elegeu Collor de Mello.
Sarney, que ascendeu ao posto com a morte do então escolhido pelo voto indireto, Tancredo Neves, - que adoeceu na véspera da posse, em março, e faleceu em abril - nunca se conformou com o fato de Ulysses, em tese o candidato mais próximo do governo, não aceitar seu apoio naquela campanha. Ao contrário, optou por escondê-lo.
Um governo, mesmo impopular, pode ter 20% dos votos
O ambiente econômico em 1989 era dramático e caótico. Depois do Plano Cruzado e seus sucessivos fracassos, a inflação acumulada no último período da gestão de Sarney atingiu impensáveis 1.764,83%.
Apesar de todas as particularidades que distinguem o país hoje das sete eleições diretas após a democratização - a dimensão da crise política, a profusão de denúncias de corrupção, o descrédito dos partidos e a dificuldade de a economia deslanchar após três anos consecutivos de recessão - é útil olhar para o que ocorreu no passado recente e a influência das condições econômicas e do bem-estar ou não da população na decisão dos eleitores.
Em quatro dos sete ciclos eleitorais ocorridos de 1989 para cá, os candidatos que lideravam as pesquisas de intenção de voto no ano anterior ao da eleição para Presidência da República não foram eleitos. Segundo análise política da consultoria LCA, em setembro de 1988 o líder era o empresário e apresentador de TV Silvio Santos, que sequer oficializou sua candidatura para a disputa em 1989.
Em agosto de 1993, Lula era o preferido para a eleição de 1994. Em dezembro de 2005, José Serra estava à frente das pesquisas, mas também não se candidatou. E, em dezembro de 2009, Serra novamente liderava as pesquisas para 2010. Nenhum deles se tornou presidente da República. Por esse critério, Lula e Jair Bolsonaro, os dois candidatos hoje à frente das pesquisas eleitorais, um ano antes da sucessão presidencial, deveriam colocar as barbas de molho.
Nos outros três pleitos - 1998, 2002 e 2014 -, o candidato eleito liderava as pesquisas. "Provavelmente, a evolução da situação econômica do país foi fundamental para determinar o resultado final da disputa", indica a análise.
Diferentemente de 1989, quando a economia despencava, a inflação explodia e os eleitores, entre Lula e Collor de Mello, escolheram o segundo, em 1994 o Plano Real trabalhou a favor do candidato governista Fernando Henrique Cardoso. FHC venceu Lula no primeiro turno com praticamente o dobro de votos (34, 3 milhões contra 17,1 milhões).
O Plano Real pôs fim à superinflação, ao derrubar o Índice de Preços ao Consumidor de 2.477,15% em 1993 para 22,4% em 1995 e para 1,6% em 1998, ano em que FHC foi reeleito no primeiro turno, no embalo da estabilidade econômica, mas terminou o governo em baixa.
Lula liderava a pesquisa em 2001 e venceu a eleição de 2002. Foi reeleito em 2006, ano em que a economia cresceu 4% e a inflação foi de 3,14%, a menor desde o regime de metas para a inflação, instituído em 1999. A campanha pela recondução, porém, foi precedida do escândalo do mensalão, em 2005, provável motivo de Serra encabeçar então as pesquisas de intenção de voto. O desgaste de Lula pelo mensalão, porém, foi insuficiente para derrotá-lo diante do portfólio de avanços na economia exibido na eleição pelo candidato do PT.
A economia também trabalhou a favor da eleição de Dilma Rousseff em 2010. Depois de passar por uma breve, mas forte, recessão decorrente da crise financeira global de 2008/09, o país cresceu 7,5% no ano seguinte e mesmo o aumento da inflação de 4,3% em 2009 para 5,9% em 2010 não ofuscou o "espetáculo do crescimento" do fim da era Lula. Dilma, tão logo ficou conhecida como a candidata de Lula subiu nas pesquisas e venceu a disputa.
As eleições de 2018 podem ser uma combinação do que ocorreu em 1988/89 e em 2005/06, segundo a LCA. Esses dois períodos foram marcados, respectivamente, por um governo impopular (Sarney) e crescimento econômico com inflação baixa.
A economia hoje dá sinais de recuperação gradual. Depois de uma recessão profunda e duradoura, as expectativas são de crescimento modesto este ano (0,7%) e de 2% a 3% no próximo, com inflação baixa.
Há, porém, uma diferença fundamental: a popularidade de Lula mesmo no auge do mensalão não caiu aos níveis da de Temer. Com aprovação de apenas 3%, segundo as mais recentes pesquisas, a chance de Temer tentar a reeleição é praticamente nula.
Outra diferença em relação ao passado que não pode ser ignorada é a da exacerbação da violência urbana no país, que a cada três semanas mata cerca de 3.400 pessoas. Isso é muito mais do que todos os 458 atentados terroristas ocorridos no mundo, na primeira metade do ano, que causaram 3.314 mortes. A taxa de homicídio no país é de 30,5 para cada 100 mil habitantes, segundo a OMS. A insegurança é uma condição que, com certeza, está na raiz do crescimento da candidatura de Bolsonaro, assim como a lembrança da prosperidade durante a gestão de Lula está na gênesis do favoritismo do petista.
A melhora da economia e a força da máquina do setor público, contudo, podem ajudar no desempenho das candidaturas mais alinhadas ao governo. Michel Temer não deve patrocinar, de forma explícita e engajada, uma candidatura à Presidência. Mas é imprudente considerá-lo uma peça totalmente fora do jogo.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação
ESTADÃO - 13/10
O risco é que a meta de resultado primário para 2018 seja revisada novamente, com consequências negativas sobre a dinâmica da dívida
Inegavelmente a equipe econômica vem acumulando algumas vitórias como: as mudanças no desenho do Fies; a mudança na sistemática de fixação das taxas de juros do BNDES que eliminará os subsídios implícitos; e as medidas de combate à fraude em benefícios governamentais. Deu, também, um passo importante na direção de alterar a dinâmica da dívida pública ao colocar um teto às despesas primárias em termos reais. Porém, este teto não se sustentará sem a aprovação de uma reforma da Previdência muito próxima da proposta pelo governo.
Uma clara visão das dificuldades emerge de um exercício simples de simulação sobre a dinâmica da dívida. Em agosto de 2017 a dívida bruta do governo geral chegou a 73,7% do PIB contra 51,5% ao final de 2013. Admitindo que o teto de gastos seja continuamente cumprido, o que pressupõe a aprovação da reforma da Previdência, além de outras reformas que limitem o crescimento dos gastos, chega-se a duas trajetórias. Em ambas há um crescimento das receitas, que passam de 17% do PIB em 2018 para 17,5% em 2019, estabilizando-se em 18% daí em diante. No primeiro cenário é suposto um crescimento do PIB de 0,5% em 2017 e 2,0% em 2018, com 2,5% dali em diante, e que a taxa real de juros se mantenha em 5%. No segundo cenário a taxa de crescimento é 0,5 ponto porcentual mais baixa e o juro real 0,5 ponto porcentual maior. No caso mais favorável a relação dívida PIB só se estabiliza em 2026, quando chega a 91%, e no outro tem trajetória explosiva, atingindo perto de 105% em 2026, mas ainda em crescimento.
São quadros extremamente preocupantes, e é importante notar que ocorrerão mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, com o aumento de receitas, e com o cumprimento do teto de gastos.
Embora várias mudanças no regime de Previdência possam ser realizadas com reformas infraconstitucionais, a mais importante delas – que é decisiva para determinar a trajetória dos gastos – é uma idade mínima de 65 anos com uma regra de transição relativamente curta. Isto requer uma mudança na Constituição cuja aprovação requer o quórum de 3/5 dos votos nas duas Casas em duas discussões sucessivas. A base de sustentação do governo vem indicando que tentará em novembro a aprovação de uma versão desidratada desta reforma, mas não vemos condições políticas para isso.
A este desafio soma-se o de cumprir a meta de resultado primário para 2018, que recentemente foi elevada. Para isso são necessárias as aprovações pelo Congresso: a) da tributação sobre fundos exclusivos; b) da reoneração da folha de trabalho (cuja negociação fracassou em 2017); c) da elevação na contribuição previdenciária de servidores de 11% para 14% no que exceder o teto do INSS; d) do adiamento para 2019 do reajuste dos funcionários acordado para 2018 (em negociação ainda realizada por Dilma Rousseff e mantida por Temer). Para a aprovação de cada um destes pontos os congressistas demandarão compensações que terão que ser suportadas pelo capital político do governo que já está extremamente depreciado. O risco é que a meta de resultado primário para 2018 seja revisada novamente, com consequências negativas sobre a dinâmica da dívida.
Embora seja previsto que Temer será vitorioso no Congresso no episódio da nova denúncia da PGR, tal vitória acarretará novos custos. Um deles é a perda das receitas esperadas vindas do Refis. O sucesso no aumento das receitas não recorrentes vindas dos leilões das hidrelétricas e de poços de petróleo apenas compensa o fracasso da receita prevista do Refis, não podendo ser utilizada para aliviar a carga imposta pelo corte das despesas. Com o governo tendo cortado profundamente as despesas discricionárias e sem contar com o aumento da arrecadação, aproxima-se de uma situação de shut-down, o que tem levado o ministro Dyogo Oliveira a deixar claro que qualquer surpresa positiva na arrecadação desse ano será utilizada para elevar gastos de custeio de ministérios e emendas parlamentares obrigatórias.
Não há muito a comemorar nesta situação.
MARCELO GAZZANO E CAIO CARBONE: ECONOMISTAS DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS
AFFONSO CELSO PASTORE: EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS
O GLOBO - 13/10
O bandido não tem receio algum de cometer crime, pois sabe que não encontrará resistência
Muitos devem se lembrar do caso em Caldas Novas em que um comerciante, ao ser assaltado com arma na cabeça, defendeu a si mesmo e ao cliente em seu supermercado. A história surpreende pois, ao utilizar arma para autodefesa, responderá processo pelo porte ilegal. Ou seja, a vítima passou a ser vista como o próprio criminoso. O caso ilustra o debate que precisamos desenvolver acerca do porte de armas.
A falta de segurança, em todo o país, é alarmante. Sou o responsável pela elaboração do relatório da Política Nacional de Segurança Pública do Senado Federal. A partir do trabalho de fiscalização realizado nessa comissão, identifiquei a urgência da adoção de medidas que compreendem desde o fortalecimento das polícias — com equipamentos, efetivo e autonomia — à necessidade de investirmos em educação para alcançarmos uma sociedade mais igualitária e justa. No entanto, o que também pude identificar foi o fracasso do nosso Estatuto do Desarmamento. A população, apesar de ter se colocado contrária à proibição do comércio de armas legalizado no referendo realizado em 2005, não foi ouvida.
Diante disso, apresentei uma proposta, PDS 175/2015, que convoca um plebiscito para debater a revogação do estatuto. Diferentemente do referendo, a medida impõe ao legislativo uma regulamentação que respeite, integralmente, a decisão da maioria da população. Serão três perguntas feitas, conjuntamente, com as eleições de 2018, de forma que nenhum gasto extra seja dispensado: se o cidadão é a favor do porte de arma de fogo; se o cidadão é a favor da posse de arma de fogo; e se o cidadão é a favor do porte de arma de fogo em regiões rurais.
Alguns podem argumentar que o porte de armas contribui com o aumento da criminalidade. Isso não tem fundamento quando analisamos os índices de violência no Brasil. Desde o Estatuto do Desarmamento, há dez anos, o número de homicídios e vítimas por armas de fogo só aumentou. São mais de 160 assassinatos por dia. Entre 2011 e 2015, foram 279 mil vítimas. Nesse mesmo período, a guerra na Síria causou a morte de 256 mil pessoas — número menor do que o da realidade brasileira. Disso, concluo que vivemos como um país em guerra: pessoas estão trancafiadas dentro de suas casas. E o pior: nem mesmo em casa se sentem seguras. Isso é revoltante. Sonho com o dia em que o bandido será oprimido, e não o povo. Hoje, o bandido não tem receio algum de cometer crime, pois sabe que não encontrará resistência. Mas, ao saber que poderá ser surpreendido, será que ele cometeria esse crime?
Minha proposta não objetiva tornar o acesso às armas algo irrestrito. O cidadão, que desejar ter ou portar uma arma, deverá passar por testes psicológicos e treinamento direcionado para a autodefesa, conforme regulamentação específica. Convido toda a sociedade a opinar sobre esse tema e fazer valer o seu direito de escolha.
ESTADÃO - 13/10
Aécio não está livre, Senado não resolveu problema, e Supremo tem muito o que julgar
O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.
A manobra para transformar a votação no plenário do Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus eleitores fiquem sabendo como votam?
Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares investigados.
O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem eles julgam que deva ser punido. No caso de Aécio, o atalho é o artigo 319 do Código de Processo Penal.
Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.
É uma discussão importante, num País que efetivamente vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um. Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.
A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição e nas leis, “quando necessário”.
Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.
ESTADÃO - 13/10
Uma falsa oposição, que só a mediocridade do atual debate político permite circular por aí
Só mesmo a mediocridade atual do debate político brasileiro permite compreender que uma questão tão mal posta como a oposição social-democracia x liberalismo circule por aí com tanta desenvoltura, sem ser incomodada.
Dá-se geralmente por assentado que social-democracia é sinônimo de esquerda, como se este segundo conceito esbanjasse clareza, nada mais se requerendo, portanto, para esclarecer o primeiro. Essa discutível premissa está na raiz de outras tantas esquisitices, como tentarei demonstrar adiante.
Sim, é certo – e aqui vou direto ao exemplo relevante – que o Partido Social-Democrata Alemão tem origens marxistas. Mais que uma orientação geral, a filiação ao marxismo chegou mesmo a ser uma cláusula estatutária, removida, como é de conhecimento geral, no congresso de Bad Godesberg de 1959. Dessa circunstância de origem e de outras tupiniquins que lhes fomos agregando decorreram novas confusões, algumas bem presentes na maçaroca ideológica que ora impera em nosso país. Creio ser útil citar duas dessas confusões.
Primeiro, dentro do PSDB, a sinonímia social-democracia = esquerda é o núcleo de uma acendrada disputa entre duas alas, uma variavelmente designada como desenvolvimentista, intervencionista, estatista, etc., e a outra explicitamente mais propensa ao pensamento liberal. Segundo, postula-se (há quem postule!) que PSDB e PT disputam o espaço social-democrático, variavelmente identificado como esquerda, centro-esquerda e até como centro tout court!
Ora, para pôr um pouco de ordem nesse emaranhado penso que precisamos apenas de uma distinção lógica elementar e de umas poucas observações históricas.
A distinção lógica é aquela que tradicionalmente estabelecemos entre fins e meios. Um mesmo fim – ou ideal, ou programa político – pode ser buscado com base em diversos meios, ou instrumentos. Por caminhos alternativos, se preferem, conforme sejam as circunstâncias , os recursos disponíveis, os perfis dos contendores. Também aqui me parece útil ir direto ao exemplo mais relevante: a transformação do marxismo em marxismo-leninismo.
Como ninguém ignora, o fim colimado pelos marxistas até a antevéspera da Revolução Russa era a revolução, a destruição do capitalismo e a instauração da sociedade sem classes. Esse, na terminologia que sugeri, era o ideal, o programa ideológico. E os fins? Estes, de Marx à fundação do Partido Comunista russo, haveriam de ser a mobilização de massas, sob a égide do proletariado, único sujeito legítimo da História. Mas eis que um dia Lenin, ponderando as circunstâncias e os recursos que teria eventualmente ao seu dispor, mandou passar uma borracha em tudo isso. Resolveu que o fim – a sociedade sem classes – estava certo e devia ser considerado imutável, mas o meio estava errado e exigia urgente alteração. O sujeito da revolução não poderia ser uma massa numerosa, amorfa e indisciplinada, mas uma organização pequena, ferreamente disciplinada e adestrada na arte da luta clandestina. Um grupo de revolucionários profissionais, “poucos, mas bons”. Daquele ponto em diante, o sujeito da História passou a ser o partido, que delegaria seus poderes ao plenum, que, por sua vez, os delegaria ao presidium e este ao secretário-geral.
Posso imaginar quantos leitores, impacientes, estão a perguntar o que a minha peroração sobre a Revolução Russa tem que ver com o título deste artigo.
Ora, sabemos todos que a social-democracia pós-Bad Godesberg foi uma construção dos países mais adiantados da Europa, convencidos de que era mais prático realizar o fim a que almejavam no marco das democracias ocidentais, e mais ainda no quadro da recuperação econômica ensejada pela ajuda americana, consubstanciada no Plano Marshall. Naquela prosperidade que subitamente lhes pareceu eterna, os dirigentes social-democratas dos países referidos elaboraram o que o historiador designou como a “narrativa social-democrática”: a eliminação da pobreza e uma progressiva universalização do bem-estar por meio do gasto público. Recordo que essa visão fora já elaborada por Thomas Marshall em seu clássico Democracia, Cidadania e Classe Social, obra de 1951. Nesse trabalho, repensando a evolução histórica da Europa, Marshall argumentou que o essencial era converter aspirações e desejos que já se esboçavam na prática em direitos, ou seja, em pleitos respaldados pelo direito positivo.
Alguém contestará que esse, também no Brasil, é o fim desejado? Não é exatamente esse o ideal ou programa que os constituintes de 1988 consideraram adequado para melhor integrar e pacificar a sociedade brasileira?
O problema, evidentemente, são os meios, e aqui vale a pena ser taxativo: no Brasil, os ideais da social-democracia só podem ser realizados com base em instrumentos que tendem ao liberalismo. Por meio de um novo leninismo, ou cedendo a um intervencionismo rombudo como o posto em prática pela sra. Rousseff, isso certamente não será possível. Os erros de Lula e Dilma foram palmares: escolheram os “campeões” empresariais, mas nem sequer encomendaram tornozeleiras em quantidade suficiente. Eis aqui o trágico, o grotesco equívoco dos soi-disant desenvolvimentistas brasileiros. Não compreendem que estão torcendo o nariz justamente para os instrumentos de que dispomos para repor o País nos trilhos: equilíbrio fiscal, abertura da economia, privatizações, forte investimento estrangeiro na infraestrutura, ênfase no mérito, uma reforma enérgica na administração pública, apoio à pequena e média empresa e, last but not least, uma revolução educacional.
Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Consultoria Augurium, membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, é autor do livro ‘Liberais e antiliberais’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)
FOLHA DE SP - 13/10
O governo está diante de um enorme desafio: como reduzir as despesas obrigatórias, que chegaram a 91,8% dos gastos totais em 2017. Ao longo dos últimos 20 anos, as despesas primárias aumentaram, independentemente do ciclo econômico ou político.
Isso criou pressões de aumento da carga tributária e dificultou o papel estabilizador da política fiscal.
Diante desse cenário, a saída é iniciarmos a transição do ajuste fiscal -cujo foco é a redução das despesas discricionárias, que representam 8,2% das despesas públicas totais- para a reforma fiscal, cujo objetivo principal é reduzir, de forma permanente, a taxa de crescimento das despesas obrigatórias.
Não existe alternativa a não ser esse caminho para conseguirmos ajustar as contas públicas.
Dentre as despesas obrigatórias, destacam-se as previdenciárias, que representam 57% das despesas totais. A média dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 17,5%.
Países que foram obrigados a fazer reformas duras devido à falta de sustentabilidade de seus sistemas gastam menos do que a metade da despesa previdenciária brasileira, como Espanha (22,9%), Portugal (26,4%) e Grécia (28%). E eles têm uma população idosa três vezes maior do que a nossa.
Em resumo, não há como alcançar o equilíbrio das contas públicas e uma maior eficiência na alocação dos recursos públicos sem a reforma da Previdência, pois além de essa área ser a irmã siamesa do déficit fiscal, ela também acaba absorvendo os recursos que poderiam ser direcionados para outras áreas prioritárias, como saúde e educação.
O governo tem tomado providências para corrigir isso. Um exemplo é a atuação do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP) na elaboração de propostas que visam a aprimorar a alocação de recursos orçamentários e melhorar a qualidade do gasto público.
O CMAP elaborou diversas medidas que resultaram em uma economia anualizada da ordem de R$ 5,7 bilhões. Isso foi possível pelo fortalecimento da governança de programas como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (R$ 2,7 bilhões), Bolsa Família (R$ 1,4 bilhão), Benefício de Prestação Continuada - BPC (R$ 0,6 bilhão) e Fundo de Financiamento Estudantil - FIES (R$ 1 bilhão).
Outro desafio da agenda fiscal é a avaliação do gasto tributário (R$ 284,8 bilhões), especialmente diante das sucessivas frustrações advindas das receitas primárias, que caíram de 23,7% em 2010 para 20,8% do PIB em 2017.
O efeito conjugado entre a elevação das despesas obrigatórias e a redução da arrecadação resultou em um aumento da dívida pública de 51,8% para 75,7% do PIB, nível elevado e indesejado, principalmente quando comparado com outras economias emergentes, cuja média é de 45,4% do PIB, de acordo com o FMI.
Do ponto de vista econômico, as propostas para reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias têm impacto positivo imediato, pois alteram a percepção sobre a sustentabilidade das contas públicas. Isso contribui para reduzir as taxas de juros e o custo de financiamento do governo.
A melhora na percepção sobre a trajetória da política fiscal pode ser atestada pela redução do custo médio em 12 meses do estoque da dívida pública federal (DPF), que caiu de 13,8% em junho de 2016 (quando foi enviada a PEC do gasto) para 10,6% ao ano em agosto de 2017.
De uma maneira simplificada, essa redução da taxa de juros, em termos monetários, representa uma economia de mais que R$ 100 bilhões ao ano, uma vez que o estoque da DPF em agosto de 2017 alcançou R$ 3,4 trilhões.
DYOGO HENRIQUE DE OLIVEIRA, mestre em Ciências Econômicas pela UnB (Universidade de Brasília), é ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
FOLHA DE SP - 13/10
SÃO PAULO - Não havia como o STF ficar bem na foto. Ou a corte se punha em rota de choque com o Senado, o que é ruim para a democracia, ou contradizia sua recente decisão de afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara, que fora tomada por unanimidade, é bom ressaltar. Os casos não são idênticos, mas ambos tratam dos limites da aplicação de medidas cautelares a parlamentares.
Ao fim e ao cabo, penso que a posição adotada pelo Supremo, de dar ao Legislativo a oportunidade de sustar as medidas, é a menos ruim. O problema não é jurídico. É possível montar uma argumentação técnica convincente tanto para um lado como para outro. A questão é política.
Quando atua nas fronteiras da separação entre os Poderes, o Judiciário precisa triplicar a cautela. Ele sempre terá a última palavra (Celso de Mello pode ficar tranquilo) e é justamente por isso que não pode dar passos em falso. Precisa embasar suas decisões em teses jurídicas não meramente convincentes, mas tão perto quanto possível do incontestáveis.
Nesse contexto, creio que o STF vem errando desde que ordenou a prisão de Delcídio do Amaral, primeiro caso envolvendo parlamentar em que contrariou a letra da Carta (não era flagrante de crime inafiançável). Digo isso com a tranquilidade de quem apontou problemas não só nos casos de Aécio e Delcídio, mas também nos de Cunha e Renan Calheiros (este era diferente, mas nem tanto quando se considera o aspecto político).
O que me exaspera é que gastamos muita energia e tempo debatendo cautelares e nada se faz para avançar na discussão do mérito, que é o que realmente importa. A Lava Jato começou em 2014. Nesse meio tempo, a primeira instância de Curitiba já julgou e sentenciou 107 envolvidos. A do Rio coleciona 13 condenações. Mas, na Brasília do STF, nenhum político foi ainda julgado. Fazê-lo em tempo hábil deveria ser a verdadeira obsessão da corte, mas não é.
IMBASSAHY VIRA MOSCA MORTA NO NÚCLEO DO PODER
Desprestigiado, até porque é acusado de não honrar o que combina, e cada vez mais isolado, o ministro Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo) mal é cumprimentado pelos líderes de partidos governistas. E quase todos seguem o exemplo do líder do PP, deputado como Arthur Lira (PP-AL): se têm algo a tratar com o governo, procuram despachar diretamente o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), que resolve.
ATÉ OS TUCANOS
Se antes apenas os tucanos eram os únicos a falar bem de Imbassahy, hoje em dia nem mesmo os políticos do PSDB poupam-lhe desaforos.
ESTABILIDADE
Michel Temer se afeiçoou a Imbassahy, por isso não o demite. Mas o ministro baiano já não joga papel relevante na articulação política.
MINISTRO QUEM?
Antonio Imbassahy vive o pior dos mundos, segundo fonte do Planalto: seus auxiliares não o respeitam e até tomam decisões sem consultá-lo.
A BAHIA É O MEU PAÍS
Imbassahy se empolgou no cargo e priorizou seu projeto de disputar o governo da Bahia, em 2018. Irritado, o “centrão” rompeu com ele.
EM MEIO À TRAGÉDIA, JANAÚBA RECLAMA SEU MUSEU
Janaúba (MG), que vive a tragédia na creche, marcou a vida de três presidentes. Em 1988, ao final de uma visita presidencial, pediu a José Sarney o seu par de sapatos para o Museu de Janaúba. Sarney voltou para Brasília usando meias. Dois anos depois, um ciclista de Janaúba interrompeu a corrida do então presidente Fernando Collor para pedir seu par de tênis. No ano seguinte, Itamar Franco cederia sua gravata.
O PREFEITO DOS SAPATOS
Dirigente de cooperativa do Vale do Gorutuba, Edilson Brandão obteve os sapatos de Sarney. Eleito prefeito 4 anos depois, morreu no cargo.
O HOMEM DA BIKE
Os tênis de Collor e a gravata de Itamar foram conquistas do ciclista José Carlos Pereira Braga, de Janaúba, que viajou de bike até Brasília.
CADÊ O MUSEU?
O Museu de Janaúba jamais foi construído. E a cidade ainda quer saber onde foram parar os sapatos, o par de tênis e a gravata ilustres.
NADA A RECLAMAR
O governo federal pagou R$406,8 milhões em diárias a servidores, fora o salário, nos primeiros nove meses de 2017. Quase 200 mil dos mais de 630 mil funcionários receberam um pagamento de diária.
‘PODEMOS’ GASTAR
Os 18 deputados da bancada do antigo PTN, atual “Podemos”, já pediram o ressarcimento de 27.025 notas fiscais na atual legislatura, desde 2015, correspondentes a R$18,6 milhões. Tudo por nossa conta.
TEM PARA TODOS
Foram 555.426 funcionários federais beneficiados com algum tipo de vantagem ou verba este ano. O número equivale a 94,5% do total de todos os mais de 635 mil servidores. Em média, cada servidor recebe R$750 a mais, em seus salários, livres de quaisquer descontos.
SENADO ATRASADO
Ao contrário da Câmara, o Senado não possui controle digital de presença dos parlamentares. Não é possível ao cidadão saber quantos senadores estão no Senado em determinado momento.
GOVERNO SOSSEGADO
Segundo pesquisa FGV, 47,7% das pessoas concordam: “os protestos contra o atual governo federal são necessários, mas eu não tenho intenção de ir às ruas”. Apenas 19,7% discordam completamente.
NOVO REJEITA FUNDO
O partido Novo, cuja principal estrela é o técnico de vôlei Bernardinho, é o único que não se utiliza dos recursos do fundo partidário, aquele que tasca do contribuinte mais de R$ 800 milhões por ano. Há mais de R$ 2,3 milhões na conta do partido, aguardando solução jurídica.
SACO SEM FUNDOS
O gasto com “vantagens eventuais” do governo federal foi estimado em R$5,4 bilhões no início de 2017. Isso representa mais que a soma dos orçamentos do Senado Federal e Supremo Tribunal Federal.
LONGE E CARO
As maiores verbas da famosa “cota parlamentar” no Congresso são dos deputados federais dos estados de Roraima (R$ 45.61,53) e do Acre (R$ 44.632,46). Quanto mais longe, mais caro custam.
PENSANDO BEM...
...as decisões do STF serviram ao menos para uma coisa: evitar que Aécio Neves e Eike Batista se encontrem na balada.
ESTADÃO - 13/10
O Supremo, principal responsável pela guarda constitucional, converteu-se definitivamente em fator de grande insegurança jurídica
O confuso voto da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, no julgamento sobre a necessidade de aval do Legislativo para a imposição de medidas cautelares contra parlamentares por parte do STF reflete, antes de mais nada, o absurdo desse debate na mais alta Corte do País. O que havia começado como uma inacreditável afronta à Constituição só podia terminar, no voto decisivo, em melancólico tartamudear de teses excêntricas, que igualmente não encontram amparo em lugar nenhum do texto constitucional. Vai mal a nação cuja Suprema Corte, a propósito de limpar o país dos corruptos, se permite cogitar, com ar pomposo, o atropelo do Estado Democrático de Direito e das prerrogativas exclusivas de outro Poder, sem nada a sustentar tal conduta senão o voluntarismo militante de ministros que se julgam com o poder de acabar com todo o mal da política.
O voto de Cármen Lúcia decidiu a votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que, na prática, terá efeito direto sobre o caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Como se sabe, o Supremo havia ordenado o afastamento do senador mineiro de seu mandato e ainda lhe impôs restrições de movimento, como o recolhimento domiciliar noturno, e de direitos políticos, em razão de suspeitas de corrupção e de obstrução de Justiça. Essa decisão causou natural reação do Senado, que julgou, com razão, que suas prerrogativas haviam sido subtraídas pelo Supremo – afinal, como reza claramente a Constituição, nenhuma medida legal pode ser tomada contra parlamentares sem o aval do Legislativo.
Essa imunidade não é gratuita ou indesejada. Trata-se de uma proteção da vontade do povo expressa pelo voto que elege seus representantes. Por essa razão, a Constituição é cristalina ao franquear somente ao Legislativo, formado por representantes eleitos pelo voto direto, o poder de autorizar processos contra parlamentares. Esse poder é tão amplo que permite ao Legislativo suspender processos e até mesmo reverter prisão em flagrante por crime inafiançável. Isso nada tem a ver com impunidade. É, antes, garantia democrática contra o arbítrio.
Essa abrangência das prerrogativas atribuídas pelo constituinte ao Legislativo é que torna ainda mais estapafúrdia a decisão do Supremo de estabelecer, como “alternativas à prisão”, as tais medidas cautelares contra Aécio e pretender que essa decisão não precisaria passar pelo crivo do Senado. Ora, é evidente que, se cabe ao Senado decidir até sobre prisão em flagrante, por que não caberia no caso de uma medida cautelar?
Parece, contudo, que o texto constitucional é, para alguns ministros do Supremo, uma espécie de obra aberta, a ser emendada conforme crenças subjetivas, ideologias abstrusas e peculiares programas políticos. Aquela Corte, nesses tempos esquisitos, chega a se confundir com uma assembleia constituinte, sem ter um único voto popular a sustentar essa pretensão.
Nestes tempos em que o alarido das redes sociais contra a corrupção parece se sobrepor à razão e à leitura serena da lei, ganham pontos com a torcida aqueles que se mostram mais dispostos a enfrentar, mesmo ao preço da suspensão de garantias fundamentais, o “pacto oligárquico que se formou, no Brasil, de saque ao Estado”, como explicou o ministro Luís Roberto Barroso ao sustentar seu voto a favor do afastamento de Aécio Neves. É em nome dessa guerra que a Procuradoria-Geral da República oferece denúncias baseadas apenas em delações e em flagrantes armados e o Supremo se permite tratar como criminoso já condenado um parlamentar que ainda nem foi formalmente acusado. Melhor nem pensar até onde pode ir tamanho desvario.
Na votação de anteontem no Supremo, prevaleceu a intenção de colocar panos quentes na relação com o Senado, evitando um confronto que poderia adicionar tensão entre os Poderes. Resultado: o Supremo, principal responsável pela guarda constitucional, converteu-se definitivamente em fator de grande insegurança jurídica. Afinal, se o que está escrito na Constituição não vale para vários ministros daquela Corte, salve-se quem puder.