domingo, março 06, 2011

ANCELMO GÓIS

Nudez na ditadura
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 06/03/11

Constam do arquivo do Dops da antiga Guanabara fotos de uns 15 militantes contra a ditadura completamente nus, de frente e de costas. São todos jovens da geração 1968, presos nos anos 1970. 

O que fazer?... Para o historiador Paulo Knauss de Mendonça, diretor do Arquivo Público do Rio, é preciso debater o que fazer com material deste tipo: — É uma questão pública ou íntima? 

Dom Helder...
Aliás, Dom Helder Câmara, combativo bispo de oposição à ditadura, deixou documento em que proibia a divulgação dos arquivos da repressão a seu respeito em Pernambuco. 

Para concluir...

Este debate guarda alguma semelhança com o projeto do ex-deputado Palocci que limita a censura a biografias no Brasil. É para evitar casos como o de Paulo César de Araújo, cujo livro sobre Roberto Carlos terminou, a pedido do cantor, com os exemplares incinerados. 

Vida dura
De um diretor do Banco Central, arrumando a mala para ir embora: — Diretoria do BC é como a compra de um sítio. Você tem duas enormes felicidades: uma no momento da compra, outra quando consegue vender.

Jogo afinado...

Dilma se derreteu em elogios a Palocci numa conversa com um amigo dias atrás. 

Com a palavra, Lula
Lula já tem agendadas quatro palestras internacionais para abril. Serão no México, em Nova York, Londres e Madri. Em maio, o ex-presidente deve ficar por aqui. Mas, para junho, já agenda outros compromissos no exterior.

Os humanos

A família Bolsonaro, que joga na direita parlamentar, optou por integrar a Comissão de Direitos Humanos nas três casas legislativas em que atua. O pai, Jair, na Câmara; os filhos Flávio e Carlos, na Alerj e na Câmara de Vereadores do Rio. 

Columbia carioca
Chegam ao Rio, logo depois do carnaval, o reitor da Escola de Relações Internacionais da Universidade Columbia, John Coatsworth, e o diretor do Centro de Estudos Brasileiros da instituição, Thomas Trebat. Os americanos vêm tratar da criação da Columbia University Global Center na cidade. 

Farda de Brizola

Em agosto, uma exposição na Cinelândia, no Rio, lembrará os 50 anos da Cadeia da Legalidade, quando Brizola liderou a cruzada pela posse do vice Jango, após a renúncia de Jânio. Organizada por Brizola Neto, o vereador, inclui a farda da Brigada Militar com a qual seu avô se disfarçou para fugir em 1964. 

Aliás...
Chateava Brizola, com razão, a versão de que ele havia fugido de mulher. A ponto de, em 1989, ter respondido com grosseria a uma repórter sobre a história: — É sim, peguei emprestada a calçola da tua mãe e fugi. Depois, pediu desculpas. 

Liberou geral
Veja como Dom Orani, arcebispo do Rio, é, como se dizia no meu tempo, prafrentex: autorizou a iluminação do Cristo e da Catedral com cores bem carnavalescas nos dias de Momo. Na Quarta-Feira de Cinzas, os dois monumentos estarão de roxo, a cor da Quaresma. 

A aliança não
Quinta, no Alto da Boa Vista, no Rio, um noivo a caminho da cerimônia foi assaltado. Em pânico, pediu ao ladrão para deixar a aliança. O gatuno atendeu o pedido.

GAUDÊNCIO TORQUATO

O fóssil corporativista
GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 06/03/11

Ao passar por São Paulo para participar de eventos de ciência política, o professor americano Philipe Schmitter, autor de densa pesquisa sobre a democracia brasileira, com a qual embasou sua tese de doutoramento no final da década de 60, deixou no ar incitante provocação: não entende ele por que o Brasil ainda se vale do "fóssil corporativista". A expressão usada para se referir ao conceito - conotando coisa antiquada, ultrapassada, defasada no tempo - se refere, evidentemente, ao modelo adotado por Getúlio Vargas e inspirado em Mussolini, cujos elementos se apresentam organicamente vivos (e como) ainda hoje, bastando olhar para instituições amarradas à frondosa árvore estatal, como as centrais sindicais, ou a constelação de entidades que vivem de contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, agrupadas no chamado Sistema S, encabeçadas por Sesi e Senai, por parte da indústria, e por Sesc e Senac, por parte do comércio.

A dúvida suscitada pelo pesquisador aponta para uma relação de troca: o corporativismo brasileiro continua a dar as cartas por conta do interesse das partes que dele se valem e nele se escudam em mantê-lo vivo. Para usar a conhecida expressão popular, os escudeiros do corporativismo, sejam representações laborais ou empresariais, querem mamar nas tetas do Estado. E este usa o equipamento para manter certo controle sobre as partes.

Impacta o professor Schmitter o fato de o Brasil, em pleno século 21, ainda não se ter livrado de um fenômeno que faria sentido nos anos 30 ou, como ele admite, até nos anos 50, e que hoje foi eliminado em países de costumes parecidos, como o México, onde a democratização esfacelou o modelo corporativista. A surpresa se torna ainda maior quando se observam a variedade de grupos étnicos e religiosos e a diferenciação das economias sub-regionais, características brasileiras que, por si só, dariam margem ao desenvolvimento de sólidas estruturas pluralistas e, consequentemente, ao desmoronamento do corporativismo. A dificuldade, não de todo detectada por aquele cientista social, reside na formação do ethos nacional. Expliquemos.

Somos um povo acostumado a viver sob a tutela do Estado. Cada ator social - grupamento, núcleos organizados, setores - imbui-se de pertencimento, a noção de que tem direito a uma cota do patrimônio estatal. O patrimonialismo é, assim, o desenho de fundo do traço corporativista. A este valor se agrega o cartorialismo, pelo qual a parte que cabe a cada um deve ser oficializada, documentada, registrada em cartório. Resulta desse impulso a proliferação de leis e decretos. O foro legislativo entope-se com a enxurrada de normas que visam a atacar, defender, proteger e preservar posições. O corporativismo, como se pode aduzir, se ancora em restrições, concessões, janelinhas de oportunidades e balcões de benefícios. São tantas as injunções que o oxigênio da liberdade de escolha acaba sendo ministrado a conta-gotas.

Nesse ponto, convém apontar a imensa contradição que permeia o tecido institucional: quanto mais o País avança na avenida da modernização de processos e práticas da gestão pública - cujo foco é o compromisso com metas, resultados, eficiência e eficácia -, mais preso permanece à floresta legislativa. Dessa forma, os trens velozes da contemporaneidade correm atrás da carroça protecionista. Eis aí o gigantesco paradoxo de nossa democracia funcional. O pluralismo que se enxerga na gama de instituições sociais e políticas, nas organizações não governamentais, nos grupos de interesse, não ganha correspondência no campo do voluntarismo e nas frentes de livre escolha. Há, quase sempre, a mão imperiosa do Estado determinando preceitos e obrigações. Não é assim, por exemplo, no engessamento das relações de trabalho? Não é assim com o salário mínimo, decisão do Estado, quando deveria ser uma negociação entre o capital e o trabalho? Sindicatos, mesmo os que se manifestam contrariamente ao imposto compulsório, fazem dele seu eixo. As centrais sindicais se assemelham, cada vez mais, a corporações utilitaristas, que vivem intensa disputa para ampliar as bases e expandir receitas.

A miríade de associações, cada qual defendendo reivindicações de nichos e cadeias produtivas, se acostumou ao ofício de articular com os Poderes para baixar decretos, normas, instruções ou leis específicas de cunho protecionista. Mas tal composição não condiz com o formato de uma sociedade agrupada em núcleos especializados? É verdade. A especialização de grupos, incluindo os profissionais liberais, tende a crescer e a gerar efeitos, inclusive de natureza política, com a formação de cadeias e coalizões voltadas para eleger suas representações ao Parlamento. Impõe-se a pergunta: então, quem levantará a bandeira dos grupos sociais desorganizados, das massas periféricas, enfim, dos contingentes populacionais mais carentes? Os partidos? Ora, também começam a agir de maneira corporativa. Defendem, primeiro, suas fatias de poder. As 27 siglas que giram na constelação partidária acabam, elas próprias, sendo responsáveis pelo caráter fluido da política. Competitividade maior haveria se tivéssemos apenas cinco, seis ou sete partidos, que, ajustados ao arco ideológico, fariam representação mais adequada às divisões sociais. Sob essa configuração, o conceito de bem comum ganharia força.

Como se pode ver, os impedimentos para desmonte do corporativismo se repartem em muitos espaços. Um nó vai puxando o outro. O Estado gordo e intervencionista atrai ambições dos atores, que, por sua vez, lutam para ganhar terreno e administrar feudos corporativistas. Já o foro de legalidade é respaldado pela massa legislativa. Explica-se, assim, como o fóssil corporativista repousa na tumba repleta de interesses praticamente imune às moléstias do tempo. Protegido por uma guarda pretoriana, que, a ferro e fogo, afasta aqueles que ameaçam sua sobrevida.

GOSTOSA

ILIMAR FRANCO

Uso da máquina
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 06/03/11

Telefones do escritório de Furnas em Belo Horizonte, feudo do PMDB, foram usados para fazer ligações para líderes do partido na pré-campanha de Hélio Costa (PMDB) ao governo de Minas, no ano passado. Em uma amostra de três contas, há 45 interurbanos para caciques locais em maio, quando o ex-ministro promovia videoaulas para mobilizar a militância. O PSDB pede na Justiça a inelegibilidade de Costa e de seu vice, Patrus Ananias (PT), que foram derrotados nas eleições.

Telemarketing de Furnas

O TRE de Minas mandou Furnas entregar a lista dos telefones do escritório, inclusivecelulares, e cobra da Telemar as contas de maio a setembro, para checar se a prática continuou na campanha. Entre os destinatários das ligações há vereadores, candidatos,
presidentes regionais do PMDB e o tesoureiro da campanha, Célio Mazoni. Furnas afirma que, tão logo soube da irregularidade, demitiu o responsável: Sinval Ladeira, então coordenador do Luz para Todos no Sudeste. Em 2006, ele tentou, sem sucesso, eleger-se deputado estadual pelo PDT. Dispensado de Furnas, foi trabalhar de vez na campanha de Hélio Costa.

"Devo muito ao Sinval, porque foi ele quem organizou todas as minhas campanhas. Se hoje sou senador, devo isso a ele” — Hélio Costa, no lançamento da candidatura de Sinval Ladeira, em 2006, em matéria publicada na “Folha de Contagem”

NA DEFENSIVA. Os ex-presidentes Fernando Collor e Itamar Franco estão cautelosos quanto à ideia da presidente Dilma de dar missões de política externa para os ex-chefes de governo. Não querem falar sobre o assunto antes de serem procurados pela presidente. Itamar está em uma situação desconfortável por ser oposição, apesar de FH ter gostado da proposta. Independentemente disso, Collor terá atuação na área porque foi eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

Herança maldita
O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) anda falando cobras e lagartos do cenário que encontrou ao assumir a pasta. Detalhe: seu antecessor é Tarso Genro, seu “mentor”. Os dois são da mesma corrente do PT, a Mensagem.

Sangria
O Ministério da Saúde comemora: a Justiça Federal negou à Pfizer extensão da patente do medicamento Geodon, para tratamento psiquiátrico, que agora poderá ter genérico. Por ano, a pasta gasta R$ 36 milhões com o produto.

Dia Internacional da Mulher
A ministra Iriny Lopes (Política para Mulheres) adiou o pronunciamento do Dia Internacional da Mulher, em cadeia nacional de TV, para o dia 16. A data da comemoração cai na terça-feira de Carnaval, então o governo avaliou que não era o dia ideal para veicular a mensagem. A ministra dirá que as prioridades de sua pasta são a erradicação da miséria e a autonomia financeira das mulheres.

Descentralização
O secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal, lidera movimento dos estados por mais participação no planejamento energético. Em reunião com o ministro Edison Lobão, acertou o envio de uma pauta de reivindicações, entre elas liberar os estados para fazer concessões de pequenas centrais hidrelétricas. Ele também pediu à Aneel dinheiro para aumentar a fiscalização sobre
as concessionárias do estado. São 15 agentes, quando o ideal, segundo ele, seriam 60.

 METAMORFOSE. Rumo ao PSB, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, tem dito que quer um quadro “à esquerda” para disputar sua sucessão.
 PAPO. Nos momentos de descontração, a presidente Dilma Rousseff gosta de conversar sobre cultura popular brasileira e formação histórica do país.
 DEBANDADA. O líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), passará o carnaval em Morro de São Paulo (BA). Já o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), foi para a Itália.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Enlouquecendo as mulheres 
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/03/11

Homem sempre teve medo de mulher, mas eu acho que no meu tempo tinha mais. As relações entre os sexos eram bem mais complicadas e cheias de normas e preceitos nem sempre coerentes e isso, junto com o medo, contribuía para uma formidolosa coleção de mitos e histórias sobre o eterno feminino - pois, naquela época, não só se falava no sexo frágil, como no eterno feminino. A história que mais provocava calafrios e pesadelos era a da broxada. Um certo amigo, cujo nome a caridade mandava esquecer, conseguira, depois de meses de trabalho insano, seduzir uma certa senhora e levá-la a um encontro numa garçonnière, pois que na época não havia motéis, os hotéis exigiam certidão de casamento para casais e os bem de vida mantinham apartamentos para seus encontros galantes.
Tudo certo, amanhece devagar o dia e vem um ameno fim de tarde outonal. Parece que nunca chega a hora do pecado e, o coração aos pulos, esse certo amigo entra cedo no ninho de amor cuja chave tomara emprestada ao dono. Angustiada espera, palpitações, fôlego curto, espiadas em falso pelo olho mágico, ela se atrasava, será que não viria? Veio, sim, e que maravilha, que linda, que deslumbrante, que corpo escultural, que deusa da luxúria, por trás de aparência tão recatada! Mas, claro, com suor porejando e lágrimas quase lhe brotando dos olhos, esse certo amigo - adivinhou - broxou irremediavelmente, não houve jeito. E vocês sabem o que ela disse a ele?
- Pensei que tinha vindo para a cama com um homem -, disse a desalmada, com um olhar de desdém arrasador, enquanto, dando uma rabanada como se a mostrar a ele o que sua duvidosa virilidade estava perdendo, pegava a roupa e se vestia devagar, para depois recompor rapidamente a maquilagem e, com um risinho entre mofa e compaixão, dar um "tchau, garotinho, te cuida" e sair para nunca mais ter olhos para ele que não os do desprezo.
Ninguém fazia por menos e esse amigo broxa, quase sempre coberto de opróbrio e à beira do suicídio, frequentava todas as assombradas conversas sobre os mistérios femininos. As mulheres oscilavam entre as santas - normalmente a santa mãezinha de cada um - e as serpentes de escritores então muito lidos pelos ousados, como Vargas Villa e Pittigrilli, este autor da inquietantíssima frase "as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor". De vez em quando, circulava uma novidade, que costumava ganhar voga durante algum tempo e depois sumir. Mulher que fica preocupada demais em ajeitar a saia ou o decote, para não deixar nada aparecer - não sei se vocês sabiam -, essa mulher, no mais das vezes, é da pá virada e, com aquela carinha sonsa, só pensa em safadagem. Já as mais largadonas, mais descuidadas, podem até proporcionar umas prévias interessantes, mas não são tão generosas, quando se trata de chegar aos finalmentes. Quanto às casadas, uma das orientações da sabedoria vigente era ver se ela usava demais as palavras "meu marido". Aconselhava-se desconfiar das casadas que ficam falando "meu marido" para lá e para cá. E também se cultivava a ciência baseada em partes do corpo - mulher de nariz grande, mulher de tornozelo fino, mulher de covinha no queixo, mulher da saboneteira saliente -, uma tipologia complexa que nunca consegui dominar, como, aliás, este assunto como um todo.
Havia sempre os repositórios de sabedoria, os que uniam à experiência a sagacidade científica. Ao longo da existência, fui abastecido por diversos detentores de verdades que os demais desconheciam. Em relação à broxada, o protagonista era sempre um amigo do narrador da história. Em relação a outras experiências, notadamente as positivas, o protagonista costumava ser, modestamente, o narrador, como, por exemplo, no caso de mulheres enlouquecidas. Outra das características daquele tempo, que imagino perdida atualmente, é que as mulheres enlouqueciam. Antigamente, não sei se é impressão minha, mulheres enlouquecidas apareciam muito mais, nos papos masculinos.
Creio que o enlouquecimento das mulheres se devia a uma noção meio radical da fisiologia feminina. Normalmente bem-comportadas, equilibradas e até capazes de dominar qualquer impulso menos nobre, devido à natureza basicamente virtuosa do eterno feminino, as mulheres, não obstante, tinham sempre uma vulnerabilidade: podiam ficar enlouquecidas. Havia diversas teses sobre o que deflagrava esse estado. Lembro de um ou dois sabichões que defendiam a tese de dizer "palavras alucinantes", garantidas para enlouquecer qualquer mulher, só que eles nunca revelavam que palavras alucinantes eram essas. Teve outro que defendia a tese de que a mulher enlouquecia quando lhe enfiavam a língua numa orelha, mas eu nunca soube de nenhuma mulher confessando enlouquecer com uma babada na orelha, a não ser talvez de raiva.
O carnaval era outro fator de enlouquecimento de mulheres. Segundo alguns, nunca a gente, era tiro e queda para certas mulheres, não precisava mais nada. A maior parte, contudo, tinha de ser enlouquecida suplementarmente e para isso havia o lança-perfume. Devo confessar que tentei enlouquecer uma ou duas mulheres à base do lança-perfume, mas receio que ou elas tinham alguma imunidade desconhecida da ciência ou não foi uma boa ideia eu cheirar também - e apagar, é claro, para jamais tentar outra vez. Cheguei a recusar participar de uma expedição carnavalesca de cheiradores de lança-perfume que planejavam enlouquecer dezenas de mulheres, tipo orgia de Calígula mesmo. No começo, fiquei meio arrependido de ter recusado, mas depois um amigo meu que participou me contou o que se passou.
- Mulher mesmo não apareceu nenhuma - admitiu ele. - Mas espere até eu lhe contar as histórias de mulher enlouquecida que eu ouvi.

RESSACA

DANUZA LEÃO

Evoé momo
DANUZA LEÃO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

A humanidade é dividida em duas turmas: a que não perde o desfile e a que diz não querer ouvir falar 

O CARNAVAL NO RIO já começou há semanas (em Salvador, há meses), mas hoje é o dia da decisão: se tranca em casa vendo um filme, com o ar-refrigerado ligado, ou cai no samba? Ou, pelo menos, vai ver os outros sambar? Difícil, a escolha.
Até agora deu para ficar longe dos blocos, e só tomar conhecimento da existência de gente tão animada, pelos jornais e TVs. Mas a coisa agora é séria: hoje e amanhã vão desfilar as grandes escolas.
A humanidade é dividida em duas turmas: a que não perde o desfile por nada desse mundo e os que dizem "não quero nem ouvir falar".
Mas há uma terceira via, a dos que não querem nem ouvir falar, mas que quando veem uma chamada na TV mostrando cenas de Carnavais passados, sentem um arrepio e pensam que dariam tudo para estar na avenida. Mesmo quem já assistiu a 20, 30 desfiles, mesmo quem já saiu de lá dizendo "é sempre tudo igual, nunca mais", sente o apelo, que é forte, e no ano seguinte o coração balança. E aí, já resolveu se vai ou não vai?
O Rio está vivendo um momento de grande animação. Blocos -legalizados- são mais de 70, e para sair atrás de um não precisa de camiseta nem abadá, só de alegria, e é tudo de graça. A cidade fica uma bagunça, o trânsito vira um caos, e solução para isso é difícil. Como impedir que os blocos saiam perturbando a vida dos moradores?
Uma tarefa complicada, e tem mais: em 2012 vai ser ainda pior -ou melhor, depende de que lado você está. Pode parecer que não tem nada a ver, mas a chegada de Ronaldinho Gaúcho ao Flamengo acrescentou ainda mais alegria à cidade; ele é a cara do Rio.
Nos salões de beleza, mais do que em outros anos, as manicures só falam em que escola vão sair, que o incêndio não vai atrapalhar em nada a Grande Rio, que o ensaio estava "tudo". Ouvir a programação dessas apaixonadas por Carnaval tira o fôlego: elas começam com uma feijoada no sábado, emendam à noite com o desfile do Grupo de Acesso e continuam domingo e segunda com o Especial, sendo que algumas desfilam em duas ou três escolas. Perguntei a uma dessas heroínas a que horas a sua ia entrar, e ela respondeu, como se fosse a coisa mais normal do mundo: "tenho que sair de casa à 1h da manhã, pois a escola sai às 3h".
E esse ano ainda tem Roberto Carlos na Beija-Flor, haja coração.
Não, não dá para não ir. Quem ficar em casa vai se sentir na mais profunda solidão até a segunda-feira depois do Carnaval, sem ter com quem falar, pois o assunto será um só: o desfile da avenida.
E se você ainda tiver alguma dúvida sobre se vai ou não, ligue a televisão e torça para ver o mais lindo comercial da TV dos últimos tempos (da Nestlé), que começa com alguém cantando "Emoções" do jeito que conhecemos e se transforma num samba rasgado, com bateria de escola de samba e tudo.
Ah, mas você não combinou com ninguém, não comprou a entrada, não sabe como vai ver o desfile? Pois fique sabendo: nunca houve ninguém, mas ninguém mesmo, que, chegando à avenida depois da 1h da manhã, não tenha conseguido entrar (e quem tiver muita sorte pode até terminar desfilando).
Como? Ninguém sabe, ninguém viu; é apenas mais um daqueles maravilhosos mistérios do Rio.

FERREIRA GULLAR

A obra necessária
FERREIRA GULLAR 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

A obra tem que, por sua qualidade, afirmar-se necessária a quem a aprecia. Aí reside o xis da questão


SE É verdade, como tenho dito, que a arte só revela a realidade inventando-a, devo logicamente admitir que as pessoas podem se sentir instigadas, para inventá-la, a lançar mãos de recursos expressivos novos.
Por isso, seria um contrassenso afirmar que só as linguagens artísticas consagradas -pintura, escultura, gravura- podem servir à expressão dos artistas. Na verdade, eles podem se valer de todo e qualquer recurso para se exprimirem e se inventarem.
Logo, não há por que rejeitar, in limine, as manifestações do que se chama de arte conceitual ou contemporânea. Tal afirmação, vinda de mim, pode surpreender os que me têm como crítico implacável dessas manifestações, mas a verdade é que, mais de uma vez, escrevi textos elogiosos sobre algumas delas.
A questão, portanto, não é esta. De qualquer modo, como na maioria dos casos não me identifico com esse tipo de manifestação, procuro também rever minhas opiniões e tentar compatibilizá-las com aquela necessidade de invenção que define toda arte.
Não resta dúvida de que o mundo de hoje pôs nas mãos das pessoas novos recursos tecnológicos, meios outros de comunicação e criação de formas, tanto no espaço como no tempo, e tudo isso gera novas possibilidades de inventar mensagens e imagens inusitadas.
É natural, portanto, que os artistas se sintam tentados a abandonar as técnicas de expressão tradicionais e busquem criar, com os novos meios, um inesperado universo de relacionamentos semânticos.
Essas novas experimentações diferem, no entanto, de outras que, de fato, visam negar a arte mais do que propor novos caminhos. Por exemplo, Marcel Duchamp, ao eleger um urinol como obra de arte, está afirmando que o objeto dito artístico pode ser feito sem o propósito de produzir arte.
Essa visão negativa alcança um limite quando um cara põe merda numa lata e a envia a um museu. Não é difícil perceber o que o autor da proeza pensa da criação artística. Numerosos são os exemplos de manifestações, como essa, que não passam de "boutades" niilistas, cujo propósito é negar sentido ao trabalho do artista.
Noutro plano, situam-se as instalações e performances que nos mostram a realidade, em vez de inventá-la ou reinventá-la, através da linguagem da arte. São os exemplos de Marina Abramovic -que pôs casais nus no MoMA- ou de Tunga, que leva as pessoas a observarem larvas de moscas pelo microscópio.
O exemplo mais abjeto desse tipo de manifestação foi o do sujeito que prendeu um cão numa galeria de arte e o deixou lá até morrer de fome e sede. Ainda que diversas em seu propósito, tais manifestações resultam do fato de que, sem linguagem, o artista apenas mostra coisas reais em lugar de recriá-las, como a arte sempre fez.
Isso não significa que, fora das linguagens artísticas consagradas, não se possam realizar obras expressivas, de indiscutível força, beleza e senso de humor. O problema talvez esteja no fato de que, não tendo uma linguagem própria, o artista se encontra a braços com uma experiência sem limites, que o leva, com frequência, a perder-se na gratuidade do que concebe.
A tendência, por isso, é entregar-se ao exótico ou à extravagância, ao invés de buscar o rigor e os limites necessários à realização estética, qualquer que seja o meio que utilize. A obra tem que, por sua qualidade, afirmar-se necessária a quem a aprecia. Aí reside o xis da questão.
Porque toda obra de arte é uma invenção, o artista, ao começá-la, nunca sabe como ela será quando concluída. É que, em sua elaboração, os fatores casuais têm papel decisivo: realizá-la é tornar necessário o que surgiu por acaso.
Isso explica por que a maioria das obras de arte dita contemporânea -carentes de qualquer rigor na sua realização, já que não nasceram de uma linguagem- mostram-se como algo gratuito: falta-lhes esse traço de expressão "necessária" que define a criação artística.
Exemplo: na "Monalisa", de Da Vinci, como na "Noite Estrelada", de Van Gogh, nada excede nem falta -tudo é necessário, isto é, tornou-se necessário.

Leio que o lucro do Itaú Unibanco, em 2010, atingiu o recorde de R$ 13,3 bilhões. Como cliente do banco, sugiro a seus diretores que melhorem o desempenho dos caixas automáticos que, na região em que moro (Copacabana-Lido), funcionam pessimamente. Estão velhos e a manutenção é precária.

GOSTOSA

VAGUINALDO MARINHEIRO

Dinheiro sangrento
VAGUINALDO MARINHEIRO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

De governos ocidentais a universidades britânicas. De bancos suíços a empreiteiras brasileiras, todo mundo tirou proveito do dinheiro do ditador Gaddafi enquanto pôde.
Ninguém nunca quis perguntar quão limpo era esse dinheiro ou se preocupou com quantas vozes eram caladas no país para que os dinares continuassem a fluir.
Eram negócios, e nos negócios há sempre uma margem de amoralidade, dirão alguns.
Outros argumentarão que é uma política de "don't ask, don't tell" corporativo: eu não pergunto, e você não me diz que o dinheiro é sangrento.
Continuamos assim sem peso na consciência.
Os mais acanhados poderão falar como o diretor da LSE (London School of Economics), que diz que aceitou dinheiro dos Gaddafi e fez convênios para treinar suas elites porque achava que poderia ajudar o país a se aproximar dos valores ocidentais.
O caso da LSE virou um escândalo porque políticos, bancos suíços e empreiteiras já não gozam muito de credibilidade e ninguém se surpreende quando os vê envolvidos com ditadores e afins.
Mas esta universidade não. É uma instituição liberal que tem George Bernard Shaw entre um de seus fundadores, uma coleção de prêmios Nobel e se vangloria de formar líderes mundiais.
Como disse um editorial do jornal "The Times", as atrocidades de Muammar Gaddafi deveriam aparecer na primeira semana das aulas de política internacional da LSE.
Não parece ter sido o caso, e a universidade aceitou 1,5 milhão de libras (R$ 4 milhões) de doação da família Gaddafi após agraciar o filho do ditador com um título de doutor.
Ironicamente, a tese de Saif al-Islam tinha o seguinte título: "O Papel da Sociedade Civil na Democratização das Instituições de Governança Global: Do "Soft Power" ao Processo de Decisão Coletiva".
Nela, o filho predileto de Gaddafi -o mesmo que agora dá entrevista e fala em banho de sangue para manter o poder-, discorria sobre a necessidade de mais democracia e transparência no mundo.
Isso não bastaria para suspeição? Um Gaddafi pró transparência e democracia?
Mas à época da dissertação, a universidade disse que não havia elementos para conduzir uma investigação para apurar acusações de plágio.
Os dias de Gaddafi na Líbia parecem contados. Será mais uma vítima nessa temporada de caça aos ditadores que já derrubou Mubarak no Egito e Ben Ali na Tunísia.
Mas não será o fim dos governos autocráticos pelo mundo. Nem de negócios e tapinhas nas costas de ditadores.
Basta ver o que o mundo faz com a China, país que cotidianamente desrespeita os direitos humanos. Enquanto o povo de lá não se levanta, o resto do planeta corre atrás de alguns yuans.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Pega geral
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

Anunciada um dia depois da aprovação do salário mínimo, a MP que corrigirá em 4,5% a tabela do Imposto de Renda ainda não foi enviada ao Congresso porque a equipe econômica segue debruçada sobre os números para definir de onde sairão os recursos. Assim como o reajuste do Bolsa Família, a alteração no IR não estava prevista no Orçamento deste ano.
Uma das opções em estudo é avançar na carne do Legislativo e do Judiciário. No próximo dia 20, o governo definirá o valor do contingenciamento nos dois Poderes. Quem acompanha as contas diz que ambos devem esperar por uma bela tesourada.

Exemplo 
Não será fácil para o governo reduzir as viagens ao "essencial", conforme anunciado. Dias atrás, servidora da Secretaria de Políticas para as Mulheres recebeu aval para ir ao Chile assistir a seminário sobre a "feminização da pobreza".

Curto-circuito
Enquanto o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) tenta emplacar Tito Cardoso de Oliveira Neto, diretor de gestão corporativa da Eletronorte, no comando da estatal, seu correligionário Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, trabalha para manter no cargo Josias Matos de Araújo.

Resta um 
Cesar Ribeiro Zani, diretor de Operações, pode ser o único a se salvar da faxina determinada por Dilma Rousseff na cúpula de Furnas. Zani é ligado ao petista Jorge Bittar, atual secretário de Habitação da Prefeitura do Rio de Janeiro. Foi Bittar quem entregou ao governo o dossiê que acabou precipitando a saída de aliados do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da estatal.

Herança maldita
Luiz Fux estreia no Supremo com um acervo de 2.000 processos, resultado da demora do governo em preencher a vaga de Eros Grau. E, como a distribuição ficou paralisada, o novo ministro entrará na Corte recebendo cerca de 700 novos processos por mês, contra 300 dos colegas.

Ilusionismo 1 
Em conversas com tucanos, Gilberto Kassab (DEM) critica Geraldo Alckmin (PSDB) por não entender que seus movimentos em busca de novo partido não visam prejudicá-lo em 2014, antes pelo contrário.

Ilusionismo 2 
Quem ouve, porém, sai com a impressão de que, no caso, não falta esperteza ao governador. É o prefeito que estaria tentando ser esperto demais.

Bancada 
Na disputa pelo controle do PSDB paulistano e premiado pela simpatia de parte dos vereadores tucanos por Kassab, Alckmin está empenhado em construir uma chapa à vereança fortemente identificada com seu grupo. A ideia é turbinar o potencial dos candidatos alckmistas instalando-os em postos estratégicos no governo paulista desde já.

Meio a meio 
Na reaproximação com o Bandeirantes, o PMDB-SP alertou tucanos de que eventual participação no segundo escalão do governo se traduzirá em apoio na Assembleia, mas está dissociada de compromisso eleitoral para 2012. Dirigentes peemedebistas consideram "irreversível" uma composição com o PT na disputa pelas prefeituras.

Puxadinho 
O governo paulista pretende retomar neste ano o Pró-Lar, programa desidratado na gestão Serra que oferece crédito de R$ 5.000 para pequenas reformas de moradias.

Cerco 
A exemplo da campanha antifumo, a Vigilância Sanitária de SP atuará na fiscalização de estabelecimentos que vendem bebida alcoólica para menores.

com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Em vez de cortar na própria carne, o governo continua a transferir o arrocho para o contribuinte. Depois da farra, fala em rigor, mas é só pra inglês ver."
DO DEPUTADO ACM NETO (DEM-BA), sobre a anunciada disposição de reduzir à metade os gastos com viagens, que no primeiro bimestre cresceram 32%.

contraponto

Me chama que eu vou


O exemplo de Gilberto Kassab, que planeja fundar uma legenda apenas para conseguir abandonar o DEM sem ser incomodado pela Justiça, atiça o ânimo dos políticos. Dias atrás, o deputado Sandes Júnior procurou o presidente do PP, Francisco Dornelles, para manifestar descontentamento com os rumos da sigla em Goiás, sua base eleitoral. E ameaçou:
-Se continuar assim, vou pro partido do Kassab!
O veterano senador não se abalou:
-Pra onde você for, eu vou! Me leve com você...

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Mattel quer o Brasil entre os três maiores mercados
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

O novo presidente da Mattel do Brasil, o mexicano Ricardo Ibarra, chegou ao cargo com uma meta "fácil", brinca. "Colocar o Brasil entre os três maiores mercados para a Mattel." Hoje, o Brasil está entre os oito primeiros.
A maior fabricante mundial de brinquedos não revela a exata posição de cada país, mas sabe-se que os EUA estão na liderança.
Para chegar lá, o plano de Ibarra é diversificar ainda mais os produtos da marca.
"Nosso negócio não é só brinquedo." Um rápido olhar pela sala ultracolorida na sede da empresa em São Paulo dá uma ideia da variedade. Roupas, sandálias, estojos, cadernos e até chocolates se misturam a uma infinidade de bonecas e carrinhos.
"A porta de entrada é o brinquedo, mas depois expandimos o leque de produtos com as nossas marcas. Trabalhamos com 60 empresas no Brasil que fazem o que desenvolvemos", diz. "Vendemos 200 milhões de unidades no país, a metade feita aqui. E exportamos daqui até para a Ásia."
O volume de produtos brasileiros tem crescido a dois dígitos ao ano, desde 2005. "Pesquisamos o que a criança quer. Ela é parecida no mundo todo; mudam os canais de distribuição."
O resultado das vendas brutas ao consumidor em 2010 no país foi de R$ 1,5 bilhão. "E o pagamento de impostos, cerca de R$ 650 milhões ao ano", números que a empresa não costumava divulgar antes da posse do novo presidente.

O QUE ESTOU LENDO
Steven W. McLaughlin, pró-reitor do Georgia Institute of Technology (EUA)

O pró-reitor do Georgia Institute of Technology (EUA), Steven W. McLaughlin, lê "How: Why How We Do Anything Means Everything... in Business (and in Life)", de Dov Seidman -na versão em português, da editora DVS, o livro se chama "Como: Por Que o Como Fazer Algo Significa Tudo... nos Negócios (e na Vida)".
"É uma abordagem inovadora que coloca a liderança em torno da ideia de que o mundo de hoje é hipertransparente e "como" você age é mais importante do que nunca. Uma leitura muito inspiradora", diz McLaugh- lin, da maior escola de engenharia dos EUA.

COM OBAMAUm total de 300 executivos, 150 CEOs americanos e 150 CEOs brasileiros, estarão reunidos em Brasília, no próximo dia 19, durante a visita do presidente Barack Obama ao Brasil.
O evento está sendo coordenado pelo Itamaraty, pela CNI, pela Casa Branca e pela US Chamber.
Durante o encontro, haverá painéis sobre infraestrutura, energia e crescimento sustentável no Brasil. A economia americana e as relações bilaterais também estarão na pauta.
O encontro será encerrado com uma palestra de cerca de 45 minutos do próprio presidente dos EUA.
Os convites serão enviados pela US Chamber.

VÍTIMA DA COLEÇÃO
A coleção de 850 corujas na sala do publicitário começou por acaso. Foi um brinde que recebeu de uma empresa, há mais de 25 anos, quando a agência Agnelo Pacheco ainda não existia.
"Uma agência resolveu mandar para as pessoas sete corujas, uma por ano. Diziam que era para dar sorte."
Agnelo as deixou sobre a mesa. No terceiro ano, um amigo deduziu que ele era um colecionador e lhe deu mais uma de presente.
"Eu, que gosto de ganhar gravatas, comecei a ganhar corujas. Fiquei vítima."
Estabelecida a coleção, o publicitário passou a se presentear também. "Se eu ficar mais de cinco dias em uma cidade onde nunca estive, compro uma", diz. "Gravatas com coruja, já ganhei várias."

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e ANDRÉA MACIEL

MÍRIAM LEITÃO

Baile de máscaras 
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/03/11

Se fossem num programa de humor, as escolhas do Congresso pareceriam ironia exagerada. Maluf para a Comissão de Reforma Política; Tiririca para a da Educação; João Paulo, réu do mensalão, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Ruralistas no comando das comissões de meio ambiente. Atitudes do Congresso brasileiro estão erodindo a fé na democracia.
Vamos por partes neste filme de absurdos, começando pela mais inofensiva delas. Ainda há controvérsias sobre as habilidades do deputado Tiririca na leitura e escrita; mas mesmo que ficasse comprovado que ele não saber ler ou escrever, isso não o transformaria em portador de algo grave e insolúvel. Corrupção é incurável; analfabetismo, não. A dúvida que paira até agora sobre o deputado é do segundo problema e não do primeiro, felizmente. Se ele quiser, poderá evoluir na capacidade e destreza da leitura e será exemplo para milhões de brasileiros. Tiririca tem dito que quando a imprensa fala sobre essas limitações dele está incorrendo em preconceito. Não concordo. Há muito tempo ele faz sucesso e tem tido recursos suficientes para ter voltado aos estudos, que um dia interrompeu prematuramente. Tomara que ele se aplique nos estudos, mas definitivamente hoje ele não está preparado para discutir a fundamental questão da educação. A indicação mostra falha do próprio Congresso.

Há casos muito piores. É cristalino que um réu não pode presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Absolutamente óbvio. O deputado João Paulo Cunha está respondendo à Justiça. Na dúvida, sempre se deve estar a favor do réu, ensina o Direito. Isso é completamente diferente de abrigar nessa Comissão pessoas que ainda terão que provar sua inocência em processos a serem julgados no Supremo Tribunal Federal. Há outros réus na comissão. No mínimo, por recato e respeito à Justiça, deveriam aguardar antes de buscar a indicação que obtiveram.

O Brasil tem 22 partidos com representantes na Câmara dos Deputados, a maioria não tem qualquer substância, propósito ou ideias. A fórmula de cálculo eleitoral é tão falha que permite injustiças, como vimos na última eleição. Deputados sem votos levados pelos puxadores de legenda; e políticos com votos, e boas contribuições ao país, como Luciana Genro, fora do Congresso. Há inúmeras evidências de que o sistema de representação política do país não está funcionando bem. Isso é parte do debate nacional faz tempo, mas quando aparece alguma proposta é só para agravar o problema. O voto em lista fechada não tem a qualidade que seus defensores apregoam, de fortalecer os partidos, e tira do eleitor o direito de saber em quem votou. Isso é até pior do que o fenômeno do esquecimento do eleitor em quem votou, como acontece atualmente. Não satisfeitos em receitar remédio que agrava os sintomas da doença, e ainda fortalece os feudos e os caciques partidários, os políticos brasileiros optam pelo deboche puro e simples. Pessoas de passado notório como o de Paulo Maluf, e outros dessa esquisita Comissão, não podem receber a tarefa de reformar o sistema político brasileiro.

O caso dos ruralistas nas comissões de meio ambiente, na Câmara e no Senado, tem natureza diferente. Eles representam um setor econômico importante para o país. Produzem alimentos para o Brasil e garantem o resultado positivo da balança comercial. Geram renda, emprego, impostos. Mas alguns deles têm demonstrado um anacronismo crônico em relação ao tema ambiental, inclusive até negando a existência das mudanças climáticas. Alguns são militantes da causa de que floresta boa é floresta derrubada; são arcaicos e raivosos inimigos da ideia da conciliação da produção com os limites do meio ambiente. Os ruralistas devem estar na comissão. O que está errado é a atitude corsária de tomar a comissão de assalto para impedir o diálogo e os avanços. O Brasil e o mundo estão diante de gigantescos desafios na área ambiental. O melhor para o agronegócio brasileiro é aceitar limites que estão se tornando padrão no mundo dos seus clientes. Uma pecuária que cria seu gado em área desmatada não terá espaço em mercado nobre. Soja comprada de fornecedores com flagrantes de mau comportamento será barrada. As certificações dos produtos aumentarão sua credibilidade. A lista suja dos que praticam trabalho escravo, contra a qual a CNA de Kátia Abreu se insurge, permite avanço do agronegócio e não o contrário. Quem tem mais a perder com a destruição do meio ambiente e suas consequências é exatamente os que usam a terra para produzir.

O custo da destruição ambiental hoje é alto demais. Se a economia soubesse como é econômico ser sustentável, seria sustentável só por economia. As mudanças da legislação têm que levar em conta os riscos que corre hoje a humanidade e os recursos necessários para refazer o que for destruído. Mais do que o acesso ao mercado, as exigências de limites são impostas pelo próprio Planeta. Portanto, ruralistas com visão arcaica devem guardar distância de uma comissão como a de meio ambiente.

A impropriedade de que o Senado seja presidido pelo senador José Sarney não é uma questão pessoal. É institucional. Político algum pode assumir o mesmo cargo pela quarta vez. A eternização nos cargos não é compatível com o bom funcionamento da democracia.

Se tudo isso for um programa de humor e o objetivo for ridicularizar o voto, o cidadão, o sistema de representação política e o Congresso, os parlamentares brasileiros devem insistir nesse caminho. Eles estão sendo bem sucedidos. Só que este filme já vimos: a confiança na democracia morre no final.

GOSTOSA

ELIO GASPARI

A má aula da London School of Economics
ELIO GASPARI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

A escola inglesa recebeu um capilé de Gaddafi e, com tantos professores, levou uma lição da Maison Dior


QUAL A DIFERENÇA entre a Maison Dior e a London School of Economics? Uma delas mostrou que é rápida e séria. Ambas são casas de grife. Uma ensina os povos a se vestir. A outra ensina as nações a gerir suas economias. Depois da Segunda Guerra, Dior mandou as mulheres vestirem saias longas, rodadas, e assim elas fizeram, da duquesa de Windsor a Evita Perón.
Com 16 prêmios Nobel no currículo, a London School of Economics era a casa de Friedrich Hayek quando ele escreveu "O Caminho da Servidão" ensinando que o planejamento central da economia levava os países à ditadura e à ruína. Infelizmente, não o ouviram logo. Passaram pela LSE John Kennedy, José Guilherme Merquior e o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. FHC ganhou um título de doutor honoris causa e Mick Jagger, matriculado, caiu fora.
Nas últimas semanas, tanto a Maison Dior como a LSE foram confrontadas com maus passos. O estilista John Galliano (uma espécie de Tiririca da alta-costura), deu-se a comentários antissemitas e, em duas semanas, foi suspenso e posto na rua. Já a LSE teve que explicar por que deu um titulo de doutorado a Saif al Islam, o filho querido de Muammar Gaddafi, e levou dois anos para comprovar que ele praticara pelo menos 17 plágios.
Em 2009, depois de ter diplomado o moço, a LSE aceitou uma promessa de US$ 2,45 milhões feita por Gaddafi e Saif deu à escola mais US$ 488 mil. Se isso fosse pouco, o professor David Held, orientador do herdeiro, fez uma viagem à Líbia às custas de um programa do papai.
O diretor da LSE, Sir Howard Davies, amealhou US$ 50 mil assessorando o fundo soberano líbio. Levou o capilé em 2007, mas se esqueceu de contar. Na sexta-feira, apanhado, pediu demissão, dizendo que "foi um erro". Erro nada, foi cobiça colonial.
A LSE anunciou que devolveria o dinheiro líbio. Demitir gente como a Maison Dior fez com Galliano, nem pensar. Investigar os critérios que a escola usa para receber doações, muito menos. Fez-se tudo à moda dos clubes. Gaddafi sempre foi Gaddafi, a LSE é que não era exatamente o que se pensava.
Quando a poeira da Líbia assentar, talvez se comece a discutir as relações incestuosas entre universidades, centros de pesquisa e órgão de imprensa com ditadores. Príncipes sauditas espargem dinheiro em instituições americanas como se fossem tâmaras.
O Cazaquistão abarrota publicações respeitáveis com parolagens autocongratulatórias que elas classificam como "informes especiais". Isso para não se falar nos seminários de fancaria frequentemente montados nas capitais do circuito Elizabeth Arden. Se cada seminário desses anunciar quanto custa cada sábio-palestrante, lances como o da LSE dificilmente se repetirão.
A sabedoria convencional ensina que na Jordânia e na Síria funcionam governos policiais e corruptos. Está entendido que o rei Abdula 2º e o presidente Assad são ditadores, mas suas mulheres parecem Cinderelas de um novo tempo. A rainha Rania é ambientalista e tuiteira, com MBA pela Universidade Americana do Cairo, passagens pelo Citibank e pela Apple. É amiga de Nicole Kidman e da infalível Naomi Campbell. Festejou seus 40 anos com 600 convidados globais. Eles brindaram no deserto, pisando em areias umedecidas por jorros de pipas d'água.
Na Síria reina Asma, mulher do presidente Assad. Estudou no King's College de Londres e passou pelo fundo de derivativos do Deutsche Bank e pelo JP Morgan.
Ela se dedica a amparar o desenvolvimento rural. É o rosto cosmopolita do governo. Seu marido tem outros interesses: com tecnologia pirata paquistanesa e assistência da Coreia do Norte, montava um reator nuclear que produziria plutônio, e, com ele, umas bombinhas. Em setembro de 2007, a aviação israelense detonou-o.
Os ditadores de todo o mundo sabem que universidades ilustres e empresários endinheirados gostam de polir celebridades. O filho de Gaddafi só se tornou um quindim azedo para a London School of Economics porque ela aceitou seu dinheiro na época errada. Seus doutores precisam de uma consultoria da Maison Dior.


MEMÓRIA
O Itamaraty diz que foi surpreendido porque Muammar Gaddafi listou o Brasil entre os eternos amigos da sua Líbia. Gaddafi pode ser louco, mas devia ter motivos para achar que a diplomacia brasileira estava ao seu lado.
Noves fora ter sido chamado por Lula de "amigo, irmão e líder", Gaddafi deve saber do que Nosso Guia estava falando quando afirmou o seguinte, em dezembro de 2003: "Quero dizer ao presidente Gaddafi que, ao longo dessa trajetória política, assumi muitos compromissos políticos. Fizemos alguns adversários e muitos amigos. Hoje, como presidente da República do Brasil, jamais esqueci os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente da República".
Do que Lula não esqueceu, e hoje ninguém quer lembrar, só ele e Gaddafi sabem.

O SONHO DA PRAIA
Se e quando o companheiro Obama vier ao Brasil, ele gostaria de passar alguns momentos numa praia do Rio. Tarefa aparentemente fácil, exigirá atenção do Itamaraty, pois em 2004 o presidente russo Vladimir Putin tinha o mesmo interesse e, enfurecido, perdeu o programa.
Ele foi retido por Nosso Guia no Planalto, chegou ao almoço no Itamaraty com duas horas de atraso, comeu batatas fritas frias e só desceu no Rio à noitinha.
Putin, como muitos turistas russos, queria realizar o sonho do personagem do romance satírico "As 12 Cadeiras" obcecado por uma caminhada pela praia do Rio, todo vestido de branco.
Bender foi retido pelo regime soviético. Putin, pela etiqueta retardatária de Nosso Guia.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e o companheiro Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, é medico, mas acha que entende de economia.
Rebatendo o argumento demófobo segundo o qual a patuleia gasta a ajuda do Bolsa Família comprando cachaça, ele disse que "mesmo que uma família compre uma cachaça por mês, são 11 ou 12 milhões de garrafas de cachaça. Isso ajuda toda a economia"."
O idiota sabe que Vaccarezza não bebeu antes de dizer isso e acredita que pode colaborar com o Carnaval do doutor, repassando-lhe a letra de uma marchinha dos anos 50:
"Você pensa que cachaça é água?
Cachaça não é água, não.
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão.
Pode me faltar tudo na vida:
Arroz, feijão e pão.
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta, não.
Pode me faltar o amor
Isso até acho graça.
Só não quero que me falte
A danada da cachaça""

REPRISE
Se os fuzileiros americanos desembarcarem na Líbia, estarão revivendo uma ação militar lembrada todas as vezes em que é cantado o hino dos "marines". Sua letra começa louvando os soldados que ocuparam "dos salões de Montezuma às praias de Trípoli".
Em 1801, o presidente Thomas Jefferson atacou a Líbia, enfrentando os piratas que infestavam o sul do Mediterrâneo. Pela primeira vez, a bandeira americana foi hasteada no estrangeiro. O trecho do hino incomoda até hoje os nacionalistas árabes e mexicanos, por conta da referência à tomada de sua capital, em 1847.
Foi Carnaval
JANIO DE FREITAS  
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

Parte do Carnaval carioca foi parar nos recantos mais discretos e menos frequentados da história


DIZEM QUE O Carnaval do Rio renasceu. É engano.
O Carnaval matriz dos carnavais, o Carnaval das marchinhas e as marchinhas do Carnaval, os pés e as gingas e o êxtase dos foliões, e os próprios foliões, não estão mais aqui. Não é que tenham morrido.
Ninguém os viu em agonia, nem os viu mortos. Foram-se de repente, sem escândalo e sem resistir, compreensivos e conformados, como quem já não se sente à vontade no ambiente que era seu e, deslocado, sai até por delicadeza com os novos presentes, sai sem ruído e sem adeus.
Parte do Carnaval carioca foi parar nos recantos mais discretos e menos frequentados da história. As marchinhas tomaram os caminhos sinuosos e incertos da memória. Às vezes, da nostalgia.
Na ocasião, nem deu para perceber muito bem a mudança. Os ares gerais não eram favoráveis à malícia das marchinhas e a celebrações de alegria, o verde-oliva contrapondo-se ao colorido da vida, os tambores das bandas alijando os tamborins, o passo da ordem unida ferindo o chão dos passos do samba.
O Sambódromo tentou ser uma compensação. Seu bom propósito trouxe o mau resultado de uma distância a distinguir a rua do povo, transmudado de partícipe em espectador, e o samba, transformado em espetáculo alheio.
Tudo coincidente, na forma e no modo, com a era do "Brasil Grande", do "pra frente Brasil", "milagre do crescimento", a Hollywood suburbana de Joãosinho Trinta a criar o adequado e falsamente luxuoso gigantismo do novo gênero. Nada a ver com o Carnaval do Rio, nada mais da identidade carioca, tudo a gosto da TV. E não rejeite imitações.
As escolas são companhias de um espetáculo anual. O samba de escola deu lugar a um ritmo que não se sabe o que é, não tem nome, uma espécie de corrida rítmica, para empurrar a maratona que se desenrola em disparada à frente da bateria. E o velho samba no pé? É como os pisadinhos aflitos da tentativa de matar umas baratinhas penetras na sala. De vez em quando, um giro bem-vindo da moça para mostrar o outro lado da lua.
Talvez nada disso tenha importância alguma para o que sucedeu ao Carnaval do Rio. As escolas de samba, as autênticas, eram uma parte de uma só noite do Carnaval carioca. Os blocos, já na saída do trabalho sexta-feira, e depois de manhã, à tarde e à noite até a entrada da Quarta-Feira de Cinzas, os blocos eram o Carnaval carioca.
Até, ou por isso mesmo, o Bloco do Eu Sozinho. Por toda a cidade, os blocos de apenas dezenas ou pouco mais, nem sempre com sua pequena bateria, faziam a comunhão de alegria e humor que levava às últimas e melhores consequências a malícia das marchinhas e o feitiço fervente do samba. Inimitável. Carioca. Carioca da gema.
E os bailes incontáveis. Eram a rua levada aos salões. Alguns, só para quem não desceria, jamais, a pisar a calçada e a rua comuns. Os demais, pela cidade afora, nas quadras, nos galpões, a invasão de todos os espaços.
Dizem que o Carnaval do Rio renasceu trazido por um ressurgimento numeroso dos blocos. Não são blocos. São passeatas. Milhares de pessoas assardinhadas, tangidas por um trio elétrico que abaiana e desencarioca em definitivo a passeata arritmada, sem marchinha na alma e sem samba no pé.
Fica a impressão de que o importante é dizer, depois, eu fui, eu estava lá, eu saí no... Inclusão social da zona sul é assim. Vale para todas as modas.
Qual é o mal do que chamam de ressurgimento do Carnaval do Rio? Em si mesmo, nenhum. É só uma pequena parte de um todo imenso em movimento não sabe para onde. É uma fase, e, é próprio das fases, passará. Como passou o Carnaval verdadeiro, que não renasceu nem pode voltar: seu lugar na gente do Rio não existe mais.