sexta-feira, novembro 13, 2009

BRASÍLIA - DF

São Paulo se basta


Correio Braziliense - 13/11/2009



Para a maioria dos políticos paulistas, São Paulo se basta. A política nacional parece um estorvo. Precisaria ser domada. Como? Ora, com os votos de São Paulo e do Sul Maravilha. Qualquer tucano de São Paulo acredita que a sucessão presidencial de 2010 se decidirá às margens do Tietê e seus afluentes. Com a adesão de Minas, é claro. Mas foi assim que a vaca foi para o brejo na Revolução de 1930, que pôs um ponto final na política do café com leite da República Velha.

Por que o comentário? Por causa da estratégia do governador José Serra (PSDB) na sucessão de Lula. É até simplória. Consiste em esperar o prazo de desincompatibilização dos cargos públicos (março de 2010) para decidir se será candidato a presidente da República ou à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. O governador paulista chama isso de sangue frio, mas não passa de cálculo político pragmático: seu objetivo será determinado pela correlação de forças na hora derradeira de deixar o cargo. Só o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que Serra está condenado a ser candidato a presidente da República porque não teria motivação para administrar São Paulo por mais um mandato.

Tom maior



Quem de fato se movimenta como candidato a presidente da República no PSDB é o governador de Minas, Aécio Neves (foto), que subiu o tom das críticas ao governo Lula para fugir da armadilha que lhe está sendo imposta pela cúpula da legenda. O imobilismo do PSDB neutraliza as possibilidades eleitorais de Aécio, que extrapola a coalizão de oposição com o DEM e o PPS, ao arrebanhar apoios na base governista. Para o governador mineiro, a longa espera por uma decisão de Serra pode ser mortal. É por isso que partiu para a polarização com o PT e sua candidata, Dilma Rousseff.

Aposentados

Aliado inesperado do governo na questão da Previdência, o deputado Arnaldo Madeira (foto), do PSDB-SP, garante que não há perdas de redimentos para aposentados e pensionistas de 1995 até hoje. Segundo ele, o piso dos aposentados teve um aumento real de 112,10%, ou seja, mais que dobrou de valor. Os benefícios acima do piso, mesmo com o fator previdenciário, tiveram um reajuste real de 19,85%, graças, sobretudo, ao aumento real de 20,40% de 1995.

Escola




O governador em exercício Paulo Octávio anunciou ontem que o dinheiro arrecadado com a venda de 14 apartamentos funcionais do GDF na Asa Sul do Plano Piloto será destinado à construção de uma unidade educacional na expansão de Ceilândia. São
R$ 12milhões

Batalha

As bancadas dos estados produtores de petróleo tentarão, no plenário, retirar as chamadas áreas estratégicas do marco regulatório do pré-sal, previstas no parecer da partilha. O dispositivo dá poderes à União de enquadrar campos fora do pré-sal no regime de partilha. Rio de Janeiro e Espírito Santo temem perder milhões em participações especiais.

Naval/ Esquenta a disputa entre os concorrentes no programa F-X2 da Força Aérea Brasileira (FAB). A francesa Dassault garante o que seu avião de caça Rafale é o único dos três capaz de operar no porta-aviões São Paulo, o antigo Foch francês adquirido pela Marinha brasileira. Os suecos estudam a aptidão de seu Saab Gripen NG para a função. O F-18 Super Hornet da americana Boeing, porém, necessita de um navio com pista de pouso mais extensa.

Estágio/ A Saab levou 20 engenheiros da indústria paulista de aeronáutica Akaer para integrarem a equipe encarregada de desenvolver a fuselagem e a asa do futuro Gripen NG, concorrente no F-X2. Como o caça ainda está em desenvolvimento, os suecos decidiram antecipar o treinamento de especialistas nacionais na fase que consideram mais crítica em termos de prazos.

Rede/ Executivos da Boeing têm percorrido indústrias brasileiras em busca de parceiros para integrarem a rede de fornecedores do F-18 Super Hornet, caso sejam os escolhidos pela FAB no F-X2. A empresa americana havia listado 27 pré-compromissos na documentação enviada à Aeronáutica. Na última semana, sondou mais 10 parcerias em São Paulo e cinco em Minas Gerais.

Pagamentos/ Com sobra de caixa, a Mesa do Senado pretende antecipar o pagamento do 13º salário dos servidores da Casa. A data deve ser anunciada até a próxima semana. Na mesma onda, o GDF também estuda a antecipação do 13º salário e do pagamento de dezembro.

Militância/ A escolha dos novos dirigentes nacionais, estaduais e municipais do PT, na semana que vem, vai mobilizar um exército de militantes. Para os cargos de direção, disputam 110 mil petistas. Na maioria dos estados, a disputa decidirá o futuro de candidaturas majoritárias e alianças.

Azebundsman/ A propósito da citação dos curdos, na coluna de ontem, são apenas 7% da população do Irã ( e não 20%), mas representam 20% do grupo étnico de 36 milhões de pessoas. São 20% da população da Turquia; de 17% a 20% da população do Iraque; 8% da Síria; e 1,7% da Armênia, onde são o segundo grupo étnico.

CARLOS MARCELO

No fio da navalha


Correio Braziliense - 13/11/2009


As autoridades brasileiras responsáveis pela gestão da energia podem ser acusadas de tudo, menos de falta de convicção na hora de apontar os culpados pelo apagão que deixou boa parte do país às escuras na noite de terça-feira. Impressionou a velocidade dos responsáveis pelo setor para garantir, todos afinados em um só discurso, que as causas do blecaute eram climáticas, não operacionais. Prontamente acionados, ocuparam a mídia para garantir que um fenômeno meteorológico de magnitude extraordinária teria sido o vilão da vez. Um dos parlamentares da base governista, sem medo de ser infeliz, chegou a comparar as possibilidades de ocorrer um apagão com as da queda de um grande avião.

A comparação é descabida também por conta da diferença na busca de respostas. Ao contrário do que ocorre após desastre aéreo, quando as investigações se prolongam por meses e meses por conta da cautela e minúcia do trabalho, em menos de duas horas o governo encontrou a chave do colapso e fez questão de alardeá-la de todas as formas — inclusive com longas entrevistas a rádio e televisão, algumas delas interrompidas para esclarecimentos ao presidente Lula. “Sobre o blecaute, o assunto está encerrado. Foi o que foi”, decretou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. “O sistema é confiável, é robusto. Tudo isso foi feito pelo governo”, enalteceu.

Pena para o Brasil que não é bem isso o que dizem alguns especialistas. Caso do coordenador da Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas, Osmar Pinto Júnior. Ele garantiu ontem que as chances de um raio ter causado o apagão são zero. “Tudo indica que foi um problema elétrico”, alertou. O prefeito de Itaberá (SP), cidade onde teria ocorrido a queda na transmissão, afirmou que não houve tempestade nem fortes descargas elétricas na noite de terça, apenas uma chuva de 35mm. A verdade é que, para exorcizar o fantasma de incapacidade gerencial que assombrou o governo FHC após os apagões e racionamento no início da década, o Planalto decidiu jogar toda a responsabilidade para os céus. Assim, optou por caminhar no fio da navalha, entre a convicção e o descrédito. Em caso de novo apagão, será que vai sobrar novamente para São Pedro?

JAPA GOSTOSA

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HERTON ESCOBAR

Vamos bater palmas a 7 mil km² destruídos?

O Estado de S. Paulo - 13/11/2009


É certo bater palmas para a destruição de 7 mil quilômetros quadrados da mais importante floresta tropical do mundo? No Brasil, infelizmente, é.

Sete mil quilômetros quadrados é quase cinco vezes a área da cidade de São Paulo - que não é pequena -, mas, ainda assim, muito menos do que os 17.500 km² que se desmatou por ano, em média, nas últimas duas décadas. Essa é a realidade da Amazônia brasileira.

Mas bater palmas para quem? Essa é a pergunta que não quer calar toda vez que se anuncia uma redução do desmatamento. Mérito do governo? Ou reflexo do mercado?

Seria ingenuidade achar que a crise econômica mundial não contribuiu - talvez em grande escala - para essa redução espantosa. Vários estudos já mostraram que o ritmo de destruição da floresta mantém relações íntimas com o rebolado dos mercados internacionais de carne, soja e outras commodities, já que a maior parte das derrubadas tem como finalidade abrir terras para pastos e plantações.

Por outro lado, é preciso dar mérito ao governo. As ações de polícia e política colocadas em prática nos últimos anos podem não ter sido 100% eficazes, mas pelo menos quebrou-se aquela sensação de impunidade total que reinava na floresta. A atuação do Inpe foi decisiva, produzindo as estatísticas, mapas e análises necessárias para o planejamento dessas ações.

Os desmatadores sabem que há um satélite no espaço olhando para eles, e isso mete muito mais medo do que um fiscal do Ibama. Outro fator positivo foi o engajamento do setor privado, que em muitos casos passou de inimigo a aliado da conservação. Os motivos para "mudar de time" podem ser questionáveis, mas os resultados são bem-vindos de qualquer maneira. Soja e carne produzidas à custa da destruição da floresta não são mais bem vistas no mercado.

Já a floresta "em pé" - e não só deitada - começa finalmente a ser vista como algo de valor. A criação do Fundo Amazônia e as expectativas sobre inclusão de florestas no mercado de carbono abrem novas perspectivas econômicas para quem deixar de desmatar. O Brasil tem de provar agora que salvar a Amazônia é um bom negócio e que é capaz de proteger esse investimento a longo prazo.

André Lima, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, resume bem: "O desmatamento cai, mas a responsabilidade do Brasil aumenta".

NAS ENTRELINHAS

De costas para o campo de jogo


Correio Braziliense - 13/11/2009


Na vida real, a planilha de investimentos do governo federal em energia elétrica não serve para religar a luz quando ela está em falta


Um risco do jornalismo político é a tentação de cobrir e analisar os fatos como se tudo fosse uma partida de futebol. Dois times, em lados opostos, cada qual com sua técnica e tática. Onze contra onze. Um jogo decidido dentro de campo. No futebol, a turma da arquibancada não aparece nas reportagens ou análises sobre a partida, a não ser em situações inusitadas.

Na política é diferente. A prudência manda copiar aqueles policiais que ficam de costas para o espetáculo, só de olho no pessoal atrás do alambrado. O futebol se decide dentro das quatro linhas, inclusive quando o juiz faz das suas. Na política democrática, o resultado final vem do público. Aliás, é assim também na política não tão democrática assim. No Coliseu, o sujeito vivia ou morria conforme o sentido dos polegares da plateia. A regra vale até hoje.

Em Parque dos Dinossauros, o magnata John Hammond (Richard Attenborough) gosta de ressaltar que mandou não economizar no projeto. Tudo ali é top de linha. E no entanto dá errado. Se não desse, aliás, não tinha o filme. A administração Luiz Inácio Lula da Silva respondeu ao colapso do abastecimento de energia elétrica da terça-feira com dados que mostram o grande, segundo o governo, investimento na trasmissão de eletricidade. E daí? Como em Parque dos Dinossauros, o projeto pode ser uma beleza, o dinheiro pode ter sido muito e as intenções, as melhores. Mas, e se deu errado?

Com os dados à mão até agora, seria irresponsável acusar o governo de negligência. Até porque a última coisa de que Lula e a candidata dele à Presidência, Dilma Rousseff, precisavam era um apagão como o da terça-feira. Mas na vida real do sujeito sentado na arquibancada a planilha de investimentos e os organogramas de gestão do governo federal no setor de energia elétrica não servem para ligar a luz quando ela falta.

Imagine que você tem um problema com o celular e liga para a operadora. Em vez de ser atendido por alguém que possa resolver a falha, você é direcionado para um atendente que passa a listar os investimentos da companhia em infraestrutura, as medidas projetadas para garantir um sinal perene e de boa qualidade. Enquanto isso, seu celular continua sem sinal.

O governo diz que faltou luz na terça-feira por causa de chuvas, ventos e raios. Como essas três coisas vão continuar a existir até o fim dos tempos, será razoável que as autoridades digam, então, como fazer para que os próximos relâmpagos, ventanias e precipitações pluviométricas não derrubem de novo o abastecimento. Se essa for mesmo a razão. É preciso, antes de tudo, saber se os especialistas que contestam a versão do governo estão errados. E só quem pode provar isso é o próprio governo.

O presidente da República tem repisado em seus discursos a crença de que os impasses econômicos planetários vieram reforçar a necessidade de empresas estatais fortes e de uma presença ativa do Estado na economia. Mas, se o Estado quer cumprir um papel importante na prestação de serviços, ele precisa comportar-se como um prestador eficiente. Do contrário, apenas reforçará a tese de que o estatismo serve aos ocupantes do Estado bem mais do que à sociedade.

Desmatamento
Ansioso por uma agenda positiva, o governo festeja a queda do desmatamento. Como ela se deve principalmente à violenta retração da atividade econômica, haveria também motivo para lamentar o belo índice. O tira-teima vai ser quando a economia entrar num ritmo mais acelerado.

Gesto calculado
As palavras estimulantes da direção do PSDB nos últimos dias em direção ao governador Aécio Neves resultam, também, da constatação de que há uma chance real de a divisão tucana de 2002 e 2006 repetir-se agora. É tudo o que o PSDB quer evitar.

Aposentados
O governo pressiona a base para que o reajuste dos aposentados não seja votado pela Câmara dos Deputados. Em troca, Lula emitiria duas medidas provisórias, uma para quem ganha benefício de até um salário mínimo e a outra para os demais. Estes, naturalmente, teriam um aumento menor que aqueles. Lula não quer o desgaste de vetar o reajuste em linha das aposentadorias pela variação do mínimo. E sabe que se o assunto for a voto a chance de derrota é grande. Mas o presidente já foi avisado de que eventuais medidas provisórias também serão emendadas, e que dificilmente haverá como escapar do veto.

MODESS: MODERNA TOALHA SANITÁRIA

CLAUDIA SAFATLE

TCU sugere mudar a lei 8.666

VALOR ECONÔMICO - 13/11/09


A queda de braço entre o presidente Lula e o Tribunal de Contas da União (TCU) e demais órgãos de fiscalização e controle do Estado expõe as duas faces de um mesmo e crônico problema: a retomada do crescimento econômico exige que as obras de infraestrutura andem, avancem. O apagão de terça-feira, ainda que não seja decorrência direta da falta de investimentos no sistema de transmissão de energia, traz à memória o quanto falta realizar nessa área.

Por outro lado, as práticas de sobrepreço, de superfaturamento, de licitação irregular, de roubo mesmo do dinheiro público em cada projeto, em cada obra, é um hábito funesto e disseminado no país. Para que ambos os mandamentos prevaleçam - fazer investimentos e não negligenciar com o dinheiro público - é preciso ir às raízes do problema.

O TCU é uma instância de fiscalização que investiga, analisa e recomenda ao Congresso Nacional a paralisação de obras irregulares. Há 12 anos, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), faz o relatório das obras e recentemente recomendou ao Congresso a paralisação de 41 delas por indícios de irregularidades.

Ontem, houve a primeira reunião do grupo de trabalho, criado na semana passada a pedido de Lula, no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Esse grupo está encarregado de encontrar soluções para superar os obstáculos impostos pelos agentes fiscalizadores do Estado - o TCU, as agências reguladoras e os órgãos ambientais - e cuidar da relação entre os investimentos públicos e mecanismos de fiscalização e controle. O grupo tem até o dia 9 de dezembro para sugerir medidas concretas.

O presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar, apontou o que poderia ser a primeira proposta desse grupo: a aprovação da lei, prevista na emenda constitucional 19, de 1998, que cria um estatuto jurídico das economias mistas, empresas públicas e suas subsidiárias. Essa lei retiraria todo o sistema Petrobras, o sistema Eletrobrás, os portos, aeroportos e os bancos públicos da alçada da lei 8.666, das licitações.

Com um novo estatuto, as licitações, contratações de obras, serviços, compras e alienações, para as companhias estatais, poderiam ser mais flexíveis em relação à legislação atual. Os críticos da lei 8.666, de 1993, alegam que ela impede as empresas e bancos públicos de serem competitivos, de terem agilidade.

"Nós não fazemos a lei, nós cumprimos a lei. Ela é que regula nossas decisões. Tendo uma legislação sem as amarras da 8.666, que alguns consideram anacrônica, ultrapassada, se tiraria boa parte dos potenciais problemas", disse Aguiar. "Não nos interessa a paralisação de obras. Sabemos que ela traz custos adicionais", afirmou. "Só em 2008 fizemos uma economia para o Tesouro de R$ 32 bilhões com ações preventivas e sancionadoras", prosseguiu o ministro. Recentemente, o TCU expurgou R$ 120 milhões de um contrato aditivo e a construtora responsável ainda assim concluiu a obra, contou.

Muitas vezes o maior problema é a ausência de projeto. " Fizeram as licitações dos aeroportos de Macapá, Vitória e Goiânia, assinaram os contratos e começaram as obras sem ter sequer um projeto executivo. Temos uma infinidade de exemplos (de problemas e irregularidades)", disse.

Ontem, durante a reunião do grupo de trabalho do CDES, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, citou que o TCU "extrapola suas funções" ao interferir na elaboração dos editais de licitação das obras públicas do Poder Executivo. Bernardo salientou, ainda, que o foco dos órgãos de controle não deveria ser apenas nos custos e processos em detrimento dos resultados. Além disso, falou o ministro do Planejamento, "é preciso se estabelecer um prazo para análise. Não é possível um órgão de controle ou de licenciamento levar um ou dois anos para apresentar seu parecer sobre uma obra".

Há inúmeras reclamações quanto aos procedimentos do TCU: de que, depois que vence uma licitação, o TCU interfere para que a empresa ganhadora baixe todos os seus custos para os padrões colocados pelas empresas vencidas; que o tribunal desconsidera variações de preços, por exemplo, do metro quadrado de cimento para a construção de uma rodovia e para uma pista de aeroporto; e que as diferenças de valores, inclusive regionais, acabam sendo tratadas como "indícios de irregularidades". Para o presidente do tribunal, porém, " (aí) não tem gente inocente e muitas vezes isso é jogo de planilha". Ele lembra, ainda, que as empresas que vão fazer obras para o setor público conhecem bem todas a normas, "e não está certo querer alterá-las ou tangenciá-las".

Aguiar atribui essa ofensiva contra o TCU a uma situação "preconceituosa" em relação à composição do tribunal, por sua origem política. "Para ser ministro do tribunal, é preciso ser formado em direito, administração, ou economia, engenharia; tem que ser um técnico e comprovar dez anos de efetivo exercício na profissão; tem que ter idoneidade; improbidade; ser submetido a uma sabatina. Um terço dos ministros é indicação da Câmara e eu vim nele. Em nenhum artigo a Constituição diz que tem que ser um senador. Onde anda a sociedade civil, que não se mobiliza para indicar nomes? A OAB, a Ordem dos Economistas, que tragam seus nomes. Basta um partido indicar."

Curiosamente, em relatório pedido pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, o TCU alertou para os riscos de apagão de energia, sob o argumento de que este governo investiu pouco no setor. No relatório, de julho, o tribunal sugeria reforço de pessoal e melhoria de gestão, tanto no Ministério das Minas e Energia quanto na agência reguladora (Aneel) e na Empresa de Pesquisa Energética, para evitar blecautes como o que ocorreu esta semana.

Há muito o que fazer para destravar os investimentos públicos e impedir o roubo dos cofres da União. Mudar a legislação e definir competências, para que os órgãos de fiscalização e controle não extrapolem suas funções, são algumas das ações necessárias. Culpar o mensageiro pela má notícia não é solução.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

FERNANDO GABEIRA

Esperança em azul


Folha de S. Paulo - 13/11/2009

O petróleo dominou parte da imaginação nacional. Prefeitos do interior, comunidades indígenas, todos querem saber o quanto vão levar das fabulosas riquezas do pré-sal.
O meio ambiente ganhou 3% dos royalties. É pouco. Queria também 3% de atenção para o oceano. Sua decadência é inequívoca. Amigos que trabalham com tartarugas constatam, nas autópsias, que o estômago delas está cheio de plástico. Sem mencionar os litorais, de onde se tira de tudo do fundo do mar: geladeiras, fogões e aparelhos de TV.
Domingo visitei o museu e o Instituto de Altos Estudos do Mar. Fica em Arraial do Cabo. É impressionante como as crianças reagem fascinadas diante dos métodos computadorizados de ensinar os fenômenos e a vida no oceano.
Para um país que pretende arrancar riqueza do mar, tanto o museu como o instituto ainda são modestos. Quem associou o azul do mar ao futuro foi, principalmente, o almirante Paulo Moreira. Ainda não temos nem uma biografia dele.
Sua história, no entanto, enfatiza as riquezas do mar e o caminho para alcançá-las: o conhecimento. Agora que superamos a etapa de dividir o dinheiro do pré-sal, para quase todos o trabalho acabou. Começa para alguns de nós uma nova e importante tarefa. Convencer um país que retira suas riquezas do fundo mar a passar a gostar dele.
Quando nos acusam de destruir a floresta, alguns dizem: a Amazônia é nossa. No oceano, o problema é mais embaixo. Estamos tentando, como fez a Noruega, ampliar nossa plataforma continental junto a ONU. O oceano não é nosso. Ampliar o domínio implica em responsabilidade.
Em Minas Gerais, surgiu um cartaz dizendo: olhem bem as montanhas. Algumas desapareceram. No momento de euforia petroleira, olhem bem o oceano, antes de ser transfigurado.

GOSTOSA

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TODA MÍDIA

Aproveita

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/11/09


O ministro de energia preparou o terreno nos sites e portais, ao longo da tarde, com manchetes do apagão como "caso", "assunto" ou "problema encerrado".
À noite, a tempo para o "Jornal Nacional", entrou em cena a ministra, "não estamos livres de blecaute, afirma Dilma", "admite Dilma", "Dilma diz".
Na home do iG, "a Cummins Power Generation aproveita o apagão e anuncia que acabou de vender três geradores para o Palácio do Planalto".

"BRAZIL TAKES OFF"
Na capa com a ilustração acima e o enunciado "Brasil decola", a nova "Economist" dedica 14 páginas ao país, além do editorial dizendo que "agora o risco para a grande história de sucesso da América Latina é o excesso de confiança". Abrindo o especial, destaca que o "Brasil era uma promessa", mas "começa a mostrar serviço"

DILMA LÁ
A "Economist" dedica longo perfil à ministra candidata, já com eco ontem por BBC Brasil e outros. No título, "A voz de seu mestre". Logo abaixo, "Dilma Rousseff, a sucessora preferida de Lula, é uma política mais interessante do que parece. Mas ela seria diferente do chefe?". Diz que é "administradora hábil" e "se tornou a sombra de Lula" nas tarefas de governo. Relata seu passado, os mitos da guerrilha, a tortura, dois casamentos. E destaca que, como Lula, "sua visão política se suavizou".

ARGENTINA PARA TRÁS
O "Wall Street Journal" deu a longa reportagem "Argentina vacila enquanto o velho rival se levanta". Diz que "a força crescente do Brasil nos assuntos mundiais sublinhada pela vitória dos Jogos está levando a vizinha argentina a ponderar sobre seu próprio lugar no mundo".
Em "artigos de opinião, blogs e pesquisas, os argentinos se adaptam à ideia de que o rival está passando à frente". Ecoou pelos sites financeiros de Nova York, apontando a "importância da disciplina econômica".

MENSAGEM CLARA
No alto da home page do "WSJ", com imagem remetendo à Sadia, "Regras do Brasil para derivativos mandam mensagem sobre risco". Quatro correspondentes, em São Paulo e Brasília, informam que as normas sobre exposição "dão uma clara mensagem aos negócios: limitem as suas posições de risco com moeda estrangeira".

OBAMA, "O VERMELHO"
Na manchete do Drudge Report, ontem, "Governador do Texas diz que Obama leva a América em direção ao socialismo".
Na China, a poucos dias da visita do líder americano, camisetas em que a imagem de Obama era associada à de Mao foram recolhidas ontem, destacou com ironia o site da "Foreign Policy".

O MENOR DESMATAMENTO
Fim do dia e, nas manchetes on-line de iG e BBC Brasil, "O Estado de S. Paulo" e Reuters Brasil, entre outros, "Desmatamento na Amazônia é o menor em 21 anos" ou "o menor desde 1988" ou até "da história".
O anúncio ontem contou com Dilma Rousseff como a "figura de destaque", ela que "é hoje o ministro de fato do Meio Ambiente", segundo o site da "Veja".

VINÍCIUS TORRES FREIRE

O MINISTRO ESTÁ ENCERRADO

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/11/09


Lobão tenta decretar caladão sobre blecaute; apagão pode ter sido até azar, mas governo reage de maneira autoritária

O APAGÃO degenerou ontem em tentativa de caladão. Isto é, no cala-boca que o ministro Edison Lobão pretendeu decretar sobre as discussões do blecaute de terça e quarta-feiras. "O assunto está encerrado", disse ontem a jornalistas. Lobão tem história de cumplicidade com maus-tratos às liberdades e à prestação de contas, pois desabrochou na ditadura, faz parte do conglomerado coronelístico que infelicita o Maranhão faz mais de 40 anos e integra a "holding" fisiológica que abocanha, entre outras, a administração da energia no governo federal, o PMDB, que racha a boquinha com o PT. Trata-se, pois, de mais uma demonstração de que a coerência não é uma virtude.
Mas eis que a ministra Dilma Rousseff ressurge do escurinho em que providencialmente se refugiou no dia seguinte ao blecaute para também afirmar esse que parece ser o mote do governo: "Este episódio está encerrado". Não está, não. O blecaute bem pode ter sido um acidente, talvez até causado por uma concomitância improvável de raios.
As autoridades responsáveis podem precisar de dias para entender que raios, enfim, apagaram a luz. Intolerável é o tom de visita à cozinha da senzala que os ministros dão à já inaceitável decretação de fim de papo sobre informações públicas, tratadas desde o início com negligência e politiquice pelo governo.
Especialistas ponderados e de boa-fé dizem que não é possível, em menos de um dia, haver uma conclusão técnica sobre o motivo do apagão. Trata-se aqui de engenheiros de eletricidade, que dizem ao colunista não terem obtido nem "boatos" a respeito do que pode ter ocorrido, nem mesmo com seus colegas na operação do sistema.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, divulgou nota em que no mínimo coloca sub judice a explicação dos raios do governo. Diz a nota: "Embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itaberá [onde teria havido problema na linha de transmissão], com atividade de raios no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a aproximadamente 30 km da subestação e cerca de 10 km distantes de uma das quatros linhas de Furnas (...) e a 2 km de uma das outras linhas (...) que saem de Itaipu em direção a São Paulo (...).
A baixa intensidade da descarga registrada não seria capaz de produzir o desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela". O Inpe ainda vai produzir o relatório oficial do efeito do tempo sobre a rede de energia, que encaminhará ao Operador Nacional do Sistema.
O presidente da Eletrobrás, José Muniz Lopes, tem dito que ainda não compreendeu como o sistema de controle do setor elétrico não limitou a extensão do problema. O Ministério Público Federal solicitou informações à Aneel, ao ONS, a Itaipu e ao ministério a fim de documentar o que ocorreu e decidir se investiga o caso. É dispensável comentar o que faz a oposição, até agora limitada ao espírito de porco politiqueiro. A informação oficial sobre o caso, enfim, por ora se limita à nota e à entrevista toscas de Lobão.
Quase todo mundo tem dúvidas. Menos o governo, que transforma uma crise aparentemente passageira numa tempestade de politicagem grosseira e autoritária.

GOSTOSA

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

APAGÃO: UM SINAL DOS DEUSES?

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/11/09


Vamos continuar com a farra do boi do crescimento do consumo ou vamos dar um freio de arrumação?

O APAGÃO elétrico que atingiu grande parte do Brasil deve servir como advertência para o governo e seus áulicos. Talvez seja mesmo um sinal dos deuses para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido por sua sorte. A euforia com os resultados recentes da economia parece ter tirado do nosso presidente um mínimo de coerência com o software que gerencia -com sucesso- a política econômica nestes sete anos de mandato.
Progressivamente estão sendo abandonados princípios importantes -de equilíbrio fiscal e estímulos aos investimentos, por exemplo- e privilegiadas as medidas de estímulo ao consumo. Agora mesmo se fala de uma bolsa telefone celular para a parcela mais pobre da população.
Não percebem o presidente e seus principais ministros que os estímulos ao consumo -via principalmente programas sociais e aumento real do salário mínimo- já atingiram o objetivo de acelerar a distribuição dos ganhos do crescimento nestes últimos anos. Mais de 23 milhões de brasileiros chegaram ao nível de uma classe média emergente e passaram a fazer parte da chamada sociedade de consumo. Com isso cresceu a demanda de bens e serviços, aumentando a escala das empresas voltadas para esse setor e criando estímulos para o investimento privado.
Mas insistir nesse caminho quando a economia já caminha para atingir o limite de produção é um erro grave. A prioridade nos próximos anos deve estar direcionada para a acumulação de poupança interna e o estímulo dos investimentos, pelo setor público e pelas empresas privadas. Para evitar desequilíbrios mais graves, será preciso desacelerar de forma importante o crescimento dos gastos correntes do governo e aumentar sua capacidade de investimento na infraestrutura econômica.
O Brasil, para crescer de forma acelerada na próxima década, vai precisar de um software econômico diferente do utilizado pelo presidente Lula depois de sua conversão ao modelo dos anos Fernando Henrique Cardoso. Esse é um desafio frequente nas economias emergentes à medida que os obstáculos e as dificuldades mudam de qualidade com o progresso e o desenvolvimento. Viver do sucesso do passado não garante as vitórias do futuro.
São nesses momentos decisivos -embora não visíveis a olho nu para a maioria- que se forja o futuro de uma sociedade como a brasileira.
Em 2010, com a eleição de um novo presidente depois de 16 anos de FHC e Lula, viveremos com certeza um momento como esse. Tenho receio de que no campo do governo prevaleça a euforia com o sucesso do passado e seja deixado de lado o esforço de entender os novos desafios e as oportunidades que o futuro nos apresenta. Se isso ocorrer, a política de estímulos ao consumo vai colocar a economia brasileira diante de três cenários perigosos: ou uma aceleração da inflação, ou um crescimento perigoso do deficit em conta-corrente, ou -o que seria o pior deles- uma combinação dos dois.
Os raios que caíram no interior de São Paulo precisam ser entendidos -sejam um sinal divino ou apenas uma ocorrência estatística- como uma imagem figurada do dilema que o eleitor vai ter que enfrentar nas eleições do ano que vem. Vamos continuar com a farra do boi do crescimento do consumo ou vamos dar um freio de arrumação para podermos crescer de forma acelerada em toda a próxima década?

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

ARTHUR DAPIEVE

Marina

O GLOBO - 13/11/09

Crônica de uma corrida maluca

Portanto, a corrida maluca vinha vindo mais ou menos assim. O mecânico Luiz Inácio da Silva confundia metalurgia com alquimia. Se nunca fora possível transformar chumbo em ouro, seria agora possível transmutar antipatia em carisma, Dilma em Lula? Menos mal que, em seus sonhos, o adversário num plebiscito PT-PSDB seria José Serra, que também mantinha relação distante com a simpatia. Seria porque diferentemente da ministra “petista”, o favorito entre os tucanos jamais poderia ser acusado de açodamento.
Disputando a disputa, persistia o fogoso governador mineiro, Aécio Neves, que, enquanto seu colega paulista não se decidia, construía um centro administrativo projetado por Oscar Niemeyer, mais três prédios belos e inumanos em Confins, local cujo nome bem exprime a distância de Belo Horizonte. Estava onde sempre esteve a brava Heloísa Helena, cujo PSOL fazia a oposição que o PT outrora fizera, mas que, temia-se, uma vez no poder se meteria na mesma situação em que o PT se metera, com alianças imobilizadoras.
Então, saíram dos boxes outros dois précandidatos que amalucaram ainda mais a corrida: Ciro Gomes, na escuderia do PSB, e Marina Silva, na do PV. Este cronista suspeita que o descomposto Ciro tenha assumido a função de Nelsinho Piquet. Jogo de equipe: bato aqui, você ganha lá na frente. Porém, ao contrário de Caetano, que em temporadas passadas já se desmanchara em elogios a Antônio Carlos Magalhães, a Mangabeira Unger e ao próprio Ciro, o cronista até hoje não chegou a nenhuma conclusão sobre a tímida Marina.
Não que discorde de sua dignidade essencial, embora vê-la na propaganda eleitoral sendo recebida por Zequinha Sarney, entre os próceres do PV, tenha doído um pouco. De resto, no mesmo programa, Marina foi firme e passou uma naturalidade pela qual Dilma daria um caminhão de obras do PAC. Ademais, num dado demográfico importante, Marina é tão mulher quanto Dilma e Heloísa, sendo mais “do PT” ao menos que a ministra. Apesar disso, dois meses depois da troca de partidos, este cronista ainda pesa prós e contras.
A seu favor, em comum com os candidatos de todos os outros partidos, menos do PT, depõe o bom hábito democrático da alternância no poder. O ex-presidente Fernando Henrique abriu a Caixa de Pandora da reeleição, sim, mas marcou um ponto ao, em recente e já célebre artigo, alertar para o surgimento do “subperonismo” lulista. Contudo, o texto era tanto ataque ao governo quanto ao próprio PSDB, incapaz de fazer qualquer oposição, inclusive pelo rabo preso no “mensalão mineiro” de seu ex-presidente Eduardo Azeredo.
(Parênteses cívicos: o ministro Joaquim Barbosa, relator dos dois mensalões no STF, dá ao cronista orgulho de ser brasileiro.) De volta a Marina Silva, o grande pró, obviamente, é sua luta pelo meio ambiente — agora clonada por todos os supostos concorrentes — e seu coerente acolhimento no PV.
Este cronista votou no verde Gabeira para a Prefeitura do Rio. Embora reconheça que Paes não faz mau governo, vislumbrava no programa derrotado uma cidade mais conforme ao século XXI. Partidos verdes, em geral, pensam mais no futuro do que seus congêneres furta-cor. No Brasil, em particular, as plataformas de quase todas as legendas preveem o passado. Há exceções no PT, no PSDB, no PSOL e no senador Cristovam Buarque, do PDT. O resto...
Chovamos na pista molhada. Essa defesa da natureza é estratégica para o Brasil se concretizar como potência mundial. Desenvolvimento sustentado e preservação de matas e fontes de água, entre outras, são questões cruciais num planeta superpopuloso e aquecido. Pueril é a discussão se a culpa pela elevação das temperaturas cabe ou não à degradação empreendida pelo homem século após século. (Acaba de surgir uma teoria para o fim da civilização pré-incaica Nazca, lá pelo ano 800 d.C.: desmatamento.) Madura é a prontidão para agir, para descobrir o que podemos fazer, e logo, de modo a atenuarlhe os efeitos.
No entender do cronista, por ora o grande contra de Marina é uma posição ambígua sobre o criacionismo. Existem contras piores no circo da Fórmula Brasil, decerto. Se ela acredita que foi Deus que criou o mundo, tal como narrado na Bíblia, está no seu direito. Tal visão é compatível com certa divinização da natureza.
Complicado é já ter declarado que não vê problemas no ensino do criacionismo ao lado do evolucionismo, apesar da ressalva de que nunca pretende defender a obrigatoriedade disso. Nas escolas religiosas, é óbvio que não há problema; mas, nas públicas, seria um retrocesso. O Estado moderno separou-se das religiões para evitar que qualquer uma queira impor sua agenda às outras.
No decorrer dos anos, este cronista tem se manifestado contra toda intromissão da religião na política — um casal de ex-governadores do Rio de Janeiro, por exemplo, tentou impingir o criacionismo ao ensino público — por acreditar numa distinção fundamental.
Não sendo “deste mundo”, a religião pode cultuar a sua verdade única. É dogmática. Sendo terrena, a política está obrigada a conviver com a diversidade. É pragmática. O que não significa que Jesus tenha que se aliar a Judas e ainda sair por aí se gabando.

E assim, mui brasileiramente, Marina saiu dos boxes com pneus para o avanço e pneus para o atraso. Cada corrida maluca tem a Penélope Charmosa que merece.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

WASHINGTON NOVAES

Menos pessoas ou mais comida?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/11/09


Qual é hoje a questão central, mais grave, no mundo? A população de 6,8 bilhões, que pode chegar a 9 bilhões em 2050 (ou a 12 bilhões, segundo demógrafos mais pessimistas)? O consumo de recursos e serviços naturais, já quase 30% além da capacidade de reposição do planeta (e que tende a crescer mais)? A fome (mais de 1 bilhão de pessoas) e a pobreza (cerca de 40% da humanidade)?

Há poucos dias, 300 especialistas reunidos em Roma pela Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, discutiram esta questão central: como produzir o suficiente para alimentar toda a atual população global e mais 35% (pelo menos) que a ela se acrescerão nas próximas décadas. Eles entendem que terras suficientes há, desde que se consiga aumentar muito a produtividade por hectare e se invistam US$ 83 bilhões por ano nos países mais pobres, mais de metade dos quais em mecanização e irrigação; hoje, o nível de investimentos nesses lugares está em US$ 23 bilhões por ano. Isso permitiria aumentar a produção no mundo em 70%. Mas também será necessário mudar a legislação sobre propriedade intelectual de sementes de alimentos, que, segundo eles, "ameaça a pesquisa e a biodiversidade", além de favorecer a manutenção de um mercado oligopolizado de alimentos (três empresas dominam 47% do mercado de sementes comerciais no mundo).

Um exemplo dramático pode ser o da África Subsaariana, hoje com cerca de 800 milhões de pessoas, que serão pelo menos 1,5 bilhão em meados do século. Mais de 200 milhões já passam fome. A produtividade agrícola ali, de 1,2 tonelada por hectare, é menos de metade da média nos demais países pobres, de 3 toneladas por hectare. E só 3% das terras são irrigadas; 80% das propriedades rurais têm menos de 2 hectares. Mas a moeda tem outra face: os pobres africanos (como os asiáticos) emitem 0,1 tonelada de dióxido de carbono por ano, enquanto o norte-americano médio emite cerca de 20 toneladas. Sir Nicholas Stern, consultor do governo britânico, diz que no Brasil a emissão média per capita está entre 11 e 12 toneladas anuais. Aqui, diz a Pnad (Boletim do Ipea, 25/9) que uma pessoas que faça parte do segmento mais rico (1% da população) gasta em três dias o que uma pessoa pobre gasta em um ano; e que no ritmo atual serão necessários mais 20 anos "para chegar a um patamar que possa ser considerado justo".

Vale a pena tomar conhecimento de uma discussão sobre esses temas dos limites globais promovida pela revista New Scientist (26/9) com alguns pensadores respeitados. Fred Pearce, da própria revista, acha que o problema não é população, é consumo excessivo. O biólogo Paul Ehrlich, da Universidade da Califórnia, autor de The Population Bomb, pensa que os 2,3 bilhões de pessoas que nascerão até 2050 afetarão o planeta mais que os últimos 2,3 bilhões, já que a maior parte nascerá nos países mais pobres e terá muito mais necessidades a suprir (Uganda, por exemplo, triplicará sua população de 33 milhões). Para enfrentar a questão será preciso reduzir o consumo das pessoas mais ricas e melhorar muito o sistema educacional e de saúde, dar mais oportunidade de trabalho às mulheres.

Já o professor Jesse Aubels, da Universidade Rockefeller, acredita que a solução virá de tecnologias que permitam produzir mais em menos terra, gerar mais energia com equipamentos mais eficientes e não poluentes, replantar florestas, mudar hábitos de consumo (uma dieta vegetariana, diz ele, pode ser viabilizada com metade da área exigida por uma alimentação à base de carnes). Na sua opinião, novas tecnologias permitiriam ao planeta ter até 20 bilhões de pessoas.

Fred Pearce, autor de Peoplequake (terremoto populacional), entende que, mesmo se se estabilizar a população (com a queda da taxa de fertilidade das mulheres), o consumo continuará sendo a questão crucial, tanto pelo lado da sobrecarga em matéria de recursos e serviços naturais como pelo ângulo das emissões de poluentes que afetam o clima, intensificadas pelo alto consumo. Hoje, lembra ele, os 500 milhões de pessoas mais ricas (7% da população mundial) respondem por 50% das emissões; os 50% mais pobres da população (3,4 bilhões) respondem por 7% das emissões totais. Um norte-americano emite tanto quanto toda a população de uma pequena cidade africana.

Reiner Klingholz, diretor do Instituto para População e Desenvolvimento, de Berlim, entra por outros ângulos. A redução da população também pode ser problema, porque em 2050 na Itália e na Alemanha, por exemplo, uma em cada sete pessoas terá mais de 80 anos; com uma população jovem menor, quem as sustentará? E quem pagará os custos cada vez maiores do saneamento, da energia e de outros benefícios imprescindíveis para mudar o mundo? Como enfrentar simultaneamente os desafios demográfico e ecológico? Haverá lugares onde será indispensável diminuir o crescimento populacional, como haverá outros em que será preciso aumentar a população, principalmente depois de 2045, quando se atingirá o "pico do envelhecimento". Sejam quais forem os caminhos, diz ele, será preciso aumentar muito a produtividade no mundo, sem sobrecarga nos recursos naturais.

A revista alinha uma série de lugares no mundo onde se tem avançado muito em termos de energias, produtividade, transporte, manejo de resíduos, etc. Mas talvez seja melhor terminar perguntando: e o Brasil, por onde irá? As divergências entre áreas de governo sobre caminhos para reduzir as emissões de poluentes mostram que estamos longe de chegar ao centro da questão. Se não conseguimos um consenso sequer em torno de formatos para eliminar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, ao mesmo tempo que mais de metade das nossas pastagens está degradada, o que se pode esperar? Se ainda há quem pense que assumir compromissos de redução de emissões pode "comprometer o desenvolvimento econômico", por onde vamos sair?

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Os iluminados

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/11/09

SÃO PAULO - Quase 60 milhões de pessoas ficaram no escuro. O país era um breu só, mas a mente iluminada de Tarso Genro viu uma maneira de dizer que tudo não passou de "um microincidente dentro de conquistas extraordinárias durante sete anos na produção de energia". A cabeça do vaga-lume da Justiça funciona assim: apaga quando acende e vice-versa.
Devemos contabilizar entre as "conquistas extraordinárias" o fato de termos à frente do Ministério de Minas e Energia alguém como Edison Lobão? Já escrevi e repito: as afinidades do afilhado de Sarney com o setor elétrico se limitam ao prenome. Ele é homônimo de Thomas, o inventor da lâmpada.
Sem ciência na área, nosso Edison primeiro rogou a Deus para que o episódio não se repita. Ontem, pautado pelos camaradas, disse que este era assunto "superado" no governo. E assim fica. Diante da falta de explicações plausíveis, o Planalto acionou sua rede de transmissão da autossuficiência autoritária.
Na véspera do "microincidente", Dilma Rousseff dizia: "Nosso governo dá de 400 a 0 no anterior". Quanto estaria hoje o placar? Depois de submergir, a ex-ministra de Minas e Energia de Lula ontem também limitou-se a "encerrar o caso". Devemos agora pensar que o povo não precisa mais dos "formadores de opinião" porque aprendeu a ficar no escuro sozinho?
Para livrar a cara de sua candidata, o PT no Senado jogava anteontem a responsabilidade nas costas do PMDB, dono da área. Este, por sua vez, cobrava "satisfação cabal" do governo. A pantomima política lembra a crise dos anos FHC, quando os tucanos tentavam depositar seu apagão na conta do PFL.
Em 2001, no tempo das velas românticas do tucanato, houve um longo racionamento; hoje não falta energia. Mas é sintomático, nos dois casos, que o país esteja entregue à mesma "bancada do apagão". As subestações da fisiologia seguem operando. O que está muito em falta, além da luz eventual, é consideração pela opinião pública.

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CELSO MING

A China mexe um dedo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/11/09


Ontem, aumentaram as apostas nos mercados cambiais de que virá uma desvalorização do yuan depois que o relatório trimestral do Banco do Povo da China (banco central) deixou claro que a política cambial "vai levar em conta os fluxos especulativos de moeda estrangeira e a própria desvalorização do dólar no câmbio global".

A excessiva desvalorização do yuan (ou renminbi, o outro nome da moeda chinesa) tem a ver com o regime cambial adotado, que é de atrelamento ao dólar. O câmbio está fixado em 6,8 yuans por dólar. O banco central chinês compra e vende moeda estrangeira observando essa relação. Como a China tem enormes superávits com os Estados Unidos e o resto do mundo, o banco central acaba comprando mais dólares do que vende. Essa é a razão pela qual as reservas chinesas alcançaram os US$ 2 trilhões.

Como toda manifestação oficial chinesa é intencional, é preciso atenção em dois focos. Primeiramente, no claro movimento destinado a preparar os espíritos para alguma mexida no câmbio. E, em segundo lugar, no que as autoridades pretenderam dizer com "fluxos especulativos". Parece evidente que os especuladores já começam a apostar na valorização do yuan e isso parece estar intensificando o despejo de dólares no mercado chinês.

Em contraponto a essa manifestação do banco central chinês há as declarações do ministro do Comércio do país, Chen Deming. Ele reiterou que "uma cotação estável do yuan cria expectativas estáveis para os exportadores".

Fora da China, praticamente todas as autoridades da área econômica pedem a forte valorização do yuan para atacar a crise global de forma adequada. Explica-se: apenas em 2009, o dólar se desvalorizou 6% em relação ao euro e 12% em relação à libra esterlina. Esse é um movimento indispensável para proporcionar o ajuste global. No entanto, o atrelamento (pegging) do yuan ao dólar é um forte obstáculo ao ajuste na medida em que arrasta o yuan na mesma proporção da queda do dólar. Acaba não acontecendo o que teria de ser uma redução de exportações da China para os Estados Unidos e um aumento das exportações dos Estados Unidos para a China.

Como as exportações chinesas foram pouco prejudicadas pela crise e como uma das respostas do país a ela foi a distribuição de incentivos ao consumo interno, a tendência é de um aumento da demanda de produtos industriais chineses. Ou seja, apesar da crise, a indústria chinesa trabalha não só com matérias-primas baratas (o que barateia o produto final), mas também com aumento da escala de produção, o que tende a diluir os custos.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chega a Pequim neste fim de semana. O tema valorização do yuan não sai da agenda americana pelo menos nos últimos quatro anos. Parece provável que alguma coisa acontecerá para azeitar as negociações entre os dois impérios.

Ninguém se iluda. Se mexer, a China mexerá apenas um dedo, mas o mundo o perceberá como um salto acrobático. A tomada de decisões do dragão chinês é lenta e seus movimentos, mais ainda. Mas qualquer coisa que acontece por lá tem impacto global.

Confira

Encantamento - Quarta-feira, esta coluna chamava a atenção para o deslumbramento que o Brasil vinha despertando. Algumas pessoas acharam que havia exagero nessa percepção.

Ontem, a revista semanal mais importante do mundo, The Economist, passou a circular com o Brasil na capa e mais 14 páginas analisando a decolagem da economia brasileira. É a prova de que a percepção sobre a existência desse deslumbramento está correta.

A maré é boa. Mas, se o momento não for aproveitado para colocar a casa em ordem, o encantamento se transformará rapidamente em decepção.

LUIZ PINGUELLI ROSA

Blecaute

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/11/09


Não há sistema tecnológico sem falhas. Mas o sistema interligado é inteligente, pois otimiza o uso da geração hidrelétrica

AINDA PAIRAM algumas dúvidas sobre o blecaute que atingiu vários Estados brasileiros, mais drasticamente São Paulo e Rio de Janeiro.
É preciso esclarecer, porém, que o ocorrido na terça-feira foi totalmente diferente do chamado apagão de 2001, quando o governo decretou um racionamento obrigatório de energia elétrica para toda a população, sob pena de desligamento de residência ou empresa por alguns dias caso não fosse cumprido o corte no consumo.
Naquela ocasião, havia falta de energia para atender a demanda, pois esta vinha crescendo mais rapidamente do que a capacidade instalada no país. Enquanto houve chuvas suficientes para a geração hidrelétrica, o sistema funcionou e o problema foi adiado. Quando as chuvas se reduziram, os reservatórios estavam vazios e faltou energia no sistema.
Alertei o então presidente Fernando Henrique Cardoso por uma carta, como coordenador do Instituto Virtual da Coppe/UFRJ, e cheguei a conversar com José Jorge, à época ministro de Minas e Energia.
Naquele caso, houve falta de investimento. As estatais elétricas, a começar pela Eletrobrás, reduziram seus investimentos, pois aguardavam a privatização. Já as empresas privatizadas, a maioria delas distribuidoras nos Estados, pouco investiram.
O problema da última terça-feira tem mais semelhança com o blecaute de 1999, que também desligou São Paulo e muitas outras cidades, algumas por muito mais horas do que o recente incidente. Aquele problema se originou em uma subestação de transformadores em Bauru (SP), causado por uma sobretensão elétrica supostamente devida a um raio que atingiu a linha de transmissão a muitos quilômetros de distância e se propagou até a subestação -que deveria estar protegida. Como não estava, o sistema falhou.
O que ocorreu nesta semana foi a interrupção de três linhas que trazem a energia de Itaipu ao Sudeste, acarretando o desligamento de todas as turbinas da usina e causando o desligamento de várias outras linhas em cascata. Daí a propagação do blecaute ter atingido tantas cidades. O efeito é como uma série de pedras de dominó que caem uma por cima da outra.
O desligamento das linhas em sobretensão é correto, pois as protege e evita danos a equipamentos e perdas de transformadores por sobrecarga. Portanto, o desligamento automático das linhas de transmissão é inevitável em certos casos críticos como o de agora. Os efeitos seriam muito piores se o desligamento não ocorresse.
No entanto, algumas questões ainda precisam ser respondias. A primeira delas é o que causou a sobrecarga. Uma hipótese aventada é que raios tenham causado tudo isso. Três linhas sofreram colapso, embora todas sejam protegidas por para-raios, que são fios paralelos ao longo das linhas.
Talvez uma delas tenha sido atingida, a sobretensão tenha se propagado indevidamente para dentro da subestação em que as outras também tenham sido afetadas. É uma hipótese.
Como evitar a repetição de blecautes? Não há sistema tecnológico com 0% de falhas. O que pode ser feito é minimizá-las, tanto na frequência de ocorrências desse tipo como na gravidade delas.
Eliminar o uso da transmissão de longa distância seria uma bobagem, pois o Brasil é uma Arábia Saudita hidrelétrica. Integrando em um longo tempo a energia que se pode obter do potencial hidrelétrico brasileiro, o resultado é maior que a energia do petróleo do pré-sal. O sistema interligado é inteligente, pois otimiza o uso da geração hidrelétrica, complementada por outras fontes.
Uma proposta que tem sido recentemente estudada em todo o mundo é o de redes elétricas inteligentes, ou seja, fazer uma gestão melhor das redes para diminuir incertezas, evitar problemas de pico de tensão e falhas, com um sistema de controle ponto a ponto ao longo das redes.
Nos Estados Unidos, Nova York sofreu um blecaute em 2003 que, sob certos aspectos, foi mais grave.
Há poucos meses, o professor Pravin Varaiya, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, esteve no Programa de Planejamento Energético da Coppe para participar de um seminário sobre essas redes inteligentes de energia elétrica. Mas os estudos ainda precisam avançar, inclusive para prevenir vulnerabilidades como o acesso indevido à rede por hackers.
O que se mostrou vulnerável aqui no nosso caso foi a enorme extensão da área atingida e a grande população que sofreu as consequências, pois não se conseguiu ilhar a propagação do efeito para circunscrever suas consequências a uma região menor. É necessário apurar os fatos para corrigir as falhas e aperfeiçoar o sistema.

LUIZ PINGUELLI ROSA , 67, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04).

GOSTOSA

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LUIZ GARCIA

Sem negativa de autoria

O GLOBO - 13/11/09

A Liga Independente das Escolas de Samba ofereceu uma festa para os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio. Não foi ato inédito: a Liesa costuma ser hospitaleira e generosa com setores do poder público. E até hoje as suas gentilezas não tiveram qualquer consequência custosa para os beneficiados.

Deveriam ter. A liga é controlada, sem qualquer disfarce, pelo jogo do bicho. E este não é apenas uma loteria popular: funciona como lavanderia de dinheiro para quadrilhas organizadas que se dedicam a atividades criminosas nem um pouco inocentes. Mais de uma vez, chefões dessa máfia tropical responderam a processos, inclusive por homicídios, e foram presos — os mais poderosos, por menos tempo do que mereciam.

Tudo isso é história velha. O que não torna menos merecedor de atenção o fato de que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio se deu ao desplante de pedir à Liesa que financiasse uma festa de gala para diversão e encantamento de desembargadores, coroando uma cansativa reunião do Colégio de Presidentes dos TREs.

Enfatize-se: não se aceitou uma oferta, a festa foi pedida, humildemente mdash; de chapéu na mão, como se dizia no tempo antigo. Os bicheiros foram procurados pessoalmente pelo desembargador Alberto Motta Moraes, então presidente do TRE.

Generosamente, a Liesa financiou show e coquetel na Cidade do Samba, em agosto passado. Não houve sequer o pudor de fazer a coisa na moita. “Fiz e faria de novo”, disse outro dia Motta Moraes.

Se alguém perguntar aos bicheiros, provavelmente ouvirá a mesma resposta. Talvez tenham a cautela formal de não informar o que esperavam em troca de sua generosidade.

Com alguma ingenuidade, podese admitir que apenas acharam que pagar a festa dos juízes era um gesto de relações públicas inofensivo e gratuito. Afinal, eles não têm uma reputação a defender.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto, participou da reunião oficial, mas não foi à festa, como fez questão de informar, embora não tenha dado opinião sobre o pedido feito aos bicheiros. Nem sobre o detalhe de que dois dos chefões dos bandidos, Aniz Abraão David e Luizinho Drummond, foram elogiados por Motta Moraes, em discurso na festa.

O caso ainda pode ter consequências, já que o Conselho Nacional de Justiça anunciou uma investigação. Na verdade, pouco existe para ser apurado: não há, como se diz em linguagem forense, negativa de autoria.

Mas, se vier punição, será a primeira vez que esse tipo de ligações tão indevidas quanto perigosas terá o tratamento que merece

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Malparado

O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/11/09


Fato número 1: faltam menos de 11 meses para a eleição presidencial. Fato número 2: cerca de 75 dias após terem sido anunciados os projetos de lei do pré-sal, que envolvem decisões de política pública com desdobramentos de enorme importância para o País nas próximas décadas, estão sendo votados a toque de caixa nas comissões da Câmara sob o rolo compressor do governo. Fato número 3: a oposição considera aceitável e natural que seu provável candidato a presidente se permita não assumir posição pública sobre tais projetos.

São fatos contundentes que não deixam dúvida sobre o que vem ocorrendo. Salta aos olhos que a oposição se vê hoje presa a uma estratégia política equivocada, que pode acabar lhe valendo novo e custoso desastre eleitoral em outubro do ano que vem. Não faltam, claro, racionalizações de todo tipo. Alega-se, por exemplo, que, espertamente, a oposição estaria evitando cair na armadilha que lhe preparou o governo para explorar com fins eleitorais a questão do pré-sal. E que, com sorte, essa questão já estará superada quando a campanha presidencial de verdade for afinal deflagrada ano que vem. Cada vez mais lépida e hábil para se esquivar das armadilhas do governo, a oposição parece convencida de que sua recorrente omissão na discussão das grandes questões que interessam ao País só lhe traz benefícios.

Num plano mais geral, o que se argui é que a estratégia eleitoral da oposição estaria ditada pela preocupação de evitar a todo o custo dois erros fatais: entrar em embate aberto com o presidente Lula e levantar a suspeita de que se teria a intenção de reverter mudanças associadas a ele, que o eleitorado supostamente quer manter. A ideia é que, se puder não incorrer nesses dois erros, seu candidato estará preservado para, no momento devido, usufruir da inevitável vantagem que levará quando o eleitorado afinal tentar contrapor seu currículo ao da ministra Dilma Rousseff. O argumento não convence. Presume um discernimento do eleitorado na avaliação de currículos que ele provavelmente não tem. É até possível que o eleitorado possa se mostrar mais perceptivo se a oposição estiver disposta a bater forte para desmistificar a imagem de Dilma que o governo vem tentando vender nos últimos anos. Mas como poderá a oposição fazer isso, se quer a todo o custo evitar ser vista como anti-Lula? É o desafio da quadratura do círculo.

O mais grave, contudo, é que, de omissão em omissão, a oposição vem ficando sem discurso. Nem mesmo nas questões mais triviais tem conseguido consolidar posições que contrastem com as do governo. Um bom exemplo é a admissão da Venezuela no Mercosul. A oposição de fato não contava com os votos necessários para bloquear a aprovação da admissão no Senado. Mas poderia ter fincado o pé e marcado posição, para se diferenciar do governo. Em vez disso, o que fez? Sucumbiu a um reles lobby montado na última hora pelo Planalto e se juntou, em boa parte, ao bloco governista para aprovar a admissão. Nem mesmo com o discurso ficou.

O que é especialmente preocupante é a falta de discurso econômico com que se debate a oposição. Trata-se de uma dificuldade já antiga, que agora se agrava. Não corresponde aos fatos a história de que o PT se apossou de uma cópia pirata do software da política econômica do segundo governo de FHC. É bom relembrar o que ocorreu. Na campanha de 2002, boa parte do PSDB queria a toda força se desfazer desse software. O PT apanhou o disco original no lixo. Usou-o com grande sucesso entre 2003 e 2005. E deixou a oposição sem discurso. Nos últimos anos, contudo, vem ficando cada vez mais claro que agora é o próprio PT que quer se desfazer dele. Mas a oposição não consegue criticá-lo como deveria. Em parte, porque se recusa a dizer o que é preciso, com medo de parecer anti-Lula. Em parte, porque continua perdida.

O governador José Serra voltou a brandir esta semana o mesmo mantra que repete há anos: "O que diminui o crescimento é a política do Banco Central." É bem possível que, mais uma vez, esteja tentado a atravessar a campanha eleitoral com um discurso econômico ralo, que entremeie críticas desse tipo com uma defesa vaga do "ativismo governamental". Se a toada for essa, não será surpreendente se o eleitor acabar achando mais graça no ativismo governamental da ministra Dilma Rousseff.

*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.