quarta-feira, julho 31, 2013

Sim, havia - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 31/07

RIO DE JANEIRO - Os menores de 30 anos podem não acreditar, mas já houve tempo em que "sexo oral" tanto podia significar a clássica modalidade olímpica como infindáveis discussões entre homens e mulheres sobre sexo, antes ou depois do dito --às vezes, durante. Os homens, procurando razões profundas para possíveis disfunções. As mulheres, atormentadas em busca do orgasmo que insistia em escapar-lhes.

Uma dupla de pesquisadores americanos, o dr. William H. Masters e sua assistente Virginia Johnson, foi decisiva para limpar a área e estabelecer novos conceitos. Suas descobertas de laboratório, trabalhando com centenas de voluntários, levaram ao livro "A Conduta Sexual Humana", publicado em 1966 nos EUA e vulgarizado em inúmeras publicações populares dos anos 70. No Brasil, revistas como "Playboy" e "Nova" tornaram certas expressões, como "ejaculação precoce", "orgasmo clitoridiano" e outras, tão corriqueiras quanto a quantidade de ovos numa receita de pudim.

Masters e Johnson eram sérios e deram um passo adiante em relação ao "Relatório Kinsey", de 1948. Graças ao casal, os terapeutas se convenceram de que certas impotências podiam ser provocadas por uma prosaica veia entupida, e não porque o sujeito quisesse matar a avó; e de que não havia diferença fisiológica entre os orgasmos via vagina e clitóris, o que tornava sem sentido a ideia de que só o primeiro seria um orgasmo "maduro", como queria Freud.

Infelizmente, Masters e Johnson resultaram também em picaretas como Shere Hite, autora do "Relatório Hite", para quem a descoberta do clitóris pelas mulheres reduzia o homem a um apêndice inútil. Eu próprio, na época, ouvi isso, no Rio, de lindas feministas --sim, havia.

Masters morreu em 2001, aos 86 anos; Johnson, na semana passada, aos 88. Apesar de tudo, rapazes e moças fomos mais felizes por causa deles.

Banalização do Bem - - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 31/07

A maior novidade do discurso inovador do Papa é que a reforma moral proposta por ele deve passar pelo diálogo e o encontro, não pelo confronto



Nesses tempos sombrios de violência, guerra, miséria e fome, em suma, da chamada banalização do Mal, é sintomático que o Papa Francisco tenha conseguido um extraordinário sucesso pregando justamente o contrário, algo como a banalização do Bem. A sua foi a primeira voz autorizada de alcance planetário a se levantar contra a razão cínica em voga, propondo em seu lugar um círculo virtuoso, uma espécie de revolução ética contra a cultura do provisório, da exclusão e do descartável. Quem sabe ele não estará pondo fim a um ciclo de produção do mal como energia incontrolável? O filósofo francês Jean Baudrillard, estudioso do tema e cético quanto à sua erradicação, achava inevitável o funcionamento das sociedades sobre a base da “disfunção, do acidente, do catastrófico, do irracional”. Na sua opinião, “dizer que tudo isso pode ser exorcizado, erradicado, significa insistir numa perspectiva religiosa da salvação”. Pois durante a semana que passou entre nós, foi nessa perspectiva que o Papa insistiu, distribuindo esperança e atualizando antigos valores e virtudes como a solidariedade e a tolerância, esquecidos ou “fora de moda”. Ele pode até ser criticado pelo que calou (aborto, preservativo, célula-tronco), mas não pelo que falou de outros temas tabus: “Se uma pessoa é gay, quem sou eu para julgá-la?” “A mulher na Igreja é mais importante que os bispos e os padres.” A maior novidade de seu discurso inovador é que a reforma moral proposta por ele deve passar pelo diálogo e o encontro, não pelo confronto. Pela compreensão, não pela animosidade. Nunca pela intransigência e o radicalismo. Essa talvez seja a melhor contribuição para a paz do evangelho segundo Francisco.

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Ao facilitarem o trabalho dos garis ajudando a recolher o lixo depois dos eventos, os peregrinos deram uma lição de educação para os foliões sugismundos e mijões, que no carnaval espalham detritos nas ruas e urinam nas calçadas, canteiros e até através das grades dos edifícios. Mais um legado de civilidade deixado pelos alegres fieis da JMJ.

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Por falar em onda do bem: o Hospital do Cérebro Paulo Niemeyer, que está sendo inaugurado, impressiona não só porque é um dos mais bem instalados e equipados do mundo, mas também por ser uma obra “padrão Papa”, ou seja, é excelente e não se destina aos privilegiados, e sim aos necessitados do SUS. E pensar que, com o que foi gasto com muitos dos estádios que vão virar elefantes brancos depois da Copa, algumas dezenas desses hospitais podiam ser construídas pelo Brasil afora.

O futebol brasileiro melhorou - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 31/07

Apesar do baixo nível individual, a maioria dos times joga um futebol mais coletivo e eficiente


Nos últimos dez a 15 anos, enquanto evoluía o futebol coletivo na Europa, predominava no Brasil o jogo tumultuado, o excesso de faltas, de jogadas aéreas, de chutões e de lançamentos longos, com a esperança de a bola cair nos pés do companheiro, mesmo marcado. É a chamada segunda bola, que os técnicos tanto gostam.

Esse período de péssimo futebol, um horror, foi, paradoxalmente, o da supervalorização dos técnicos. Todas as análises passaram a ser feitas a partir da conduta dos treinadores. Os "professores" davam aulas de "futebol moderno" e recebiam muitos aplausos.

Felizmente, nos últimos dois anos, o futebol, aos poucos, tem melhorado, coletivamente. A seleção, na Copa das Confederações, e a maioria das equipes tem jogado mais com a bola no chão, com mais troca de passes, triangulações, apesar do mau momento atual dos times paulistas. As partidas estão menos tumultuadas.

Os volantes, em vez de ficarem muito atrás, só para proteger os zagueiros e fazer a cobertura dos laterais, passaram a atuar no meio-campo. No lugar de laterais, que corriam pelas pontas só para cruzar as bolas, há hoje atacantes mais habilidosos pelos lados, que voltam para marcar ao lado dos volantes. Formam duplas com os laterais, na defesa e no ataque.

Antes, os times só marcavam por pressão no fim das partidas, no desespero. Agora, fazem isso com mais frequência. As equipes estão mais compactas, com menos espaço entre os setores. A confusa marcação individual, que os técnicos tanto gostavam, tem sido abandonada.

O Inter joga diferente, com três no meio-campo (um volante mais recuado e um de cada lado, que marca e avança) e mais três adiantados (um meia ofensivo e dois atacantes). O São Paulo fez o mesmo contra o Corinthians. Lúcio saiu quando a defesa ficou mais protegida. Antes, com Paulo Autuori, o time tinha dois meias ofensivos (Jadson e Ganso), que só voltavam para receber a bola. Não dá para marcar com apenas dois jogadores no meio.

Com a melhora do futebol coletivo e mais troca de passes, surgirão, brevemente, mais jogadores de talento, especialmente no meio-campo. Individualmente, o nível continua baixo. Veteranos são destaques. Quando o Botafogo trouxe Seedorf, achava que não brilharia, baseado nos dois últimos anos no Milan. Seedorf está exuberante, como nos melhores momentos da carreira.

O Corinthians, inicialmente com Mano Menezes, desde a Série B, e depois com Tite, foi o precursor dessa evolução coletiva. Técnicos novos e alguns mais antigos foram atrás. Uma das razões da queda de eficiência do Corinthians foi que os outros times passaram a jogar da mesma forma. O mais difícil é melhorar, fora de campo, e diminuir a promíscua troca de favores, praga do futebol e da sociedade.

Ueba! Volta, papa Francisco! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 31/07

E diz que o papa chegou ao Vaticano falando carioca! 'Cara, que maneiro.' 'Cada bispo maneiro.'


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Volta, papa Francisco! O papa deixou uma legião de humildes no Brasil!

"Aprendi com a vinda do papa. Estava me faltando humildade", Sérgio Cabral!

Perguntado como reagia à queda nas pesquisas, Alckmin responde: "Com humildade!".

Junta todos e cria o PHB, Partido dos Humildes do Brasil! Todo mundo agora quer pagar de humilde!

E a Dilma? Humildade ali passou longe. Como eu: só tenho problemas de humildade avançada! Rarará!

E diz que o papa chegou ao Vaticano falando carioca! "Cara, que maneiro." "Cada bispo maneiro."

E o cardeal: "Sua Santidade, como foi sua viagem ao Rio?". "Brother, a maior onda." Rarará!

E adorei a charge do Pelicano com a Dilma falando pro Lula: "Antes de viajar, o papa me deu uma receita para me manter nas pesquisas". "Qual é a receita?" "Pai Nosso que estais no céu!" Rarará.

E o site Sensacionalista listou os dez perdões mais buscados na Jornada:

1) dívida de banco;

2) traição de marido;

3) voto no Sérgio Cabral (acho que esse foi o primeiro pedido);

4) ser fã do Gusttavo Lima. Isso é comigo. O meu maior medo era que o Obama descobrisse que eu sou fã do Gusttavo Lima;

5) pum no elevador;

6) Cantar música do Naldo sem querer;

7) clicar banner de propaganda quando aparece bunda de mulher;

8) sair do banheiro sem lavar a mão;

9) faltar à academia só porque está chuviscando;

10) pedir na festa para levar um pedaço de bolo para sua mãe e comer no caminho!

É mole? É mole, mas sobe!

Papa Francisco, sem papas na língua! A declaração do papa sobre os gays deixou os conservadores muito, mas muito incomodados! E se manifestaram no Twitter e no Facebook.

"Não foi bem isso que ele disse." "Ele não defendeu os gays, apenas disse que aceita." "Ele não apoiou os gays, ele disse que aceita os pecadores, mas não o pecado." "A mídia tá deturpando tudo." Rarará.

Até o Infeliciano saiu da toca! O Feliciano parece relógio cuco. Ouviu falar em gay, já sai gritando: "Cuco! Cuco!". Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Mudanças e cobranças - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 31/07
Não entramos no paraíso mas, sem dúvida o purgatório ficou para trás, embora ainda existam pesadas correntes de atraso no país. Sem favor, mas sem derrotismo: assim pode ser lido o resultado do relatório do Pnud, agência da ONU, em parceria com o IPEA e a Fundação João Pinheiro, sobre o IDHM, o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios, divulgado anteontem. O indicador passou de 0,493, em 1991, muito baixo, para 0,727 em 2010, crescendo 47,8%. Seus números, nesta hora, convidam a uma reflexão sobre o país que temos e o rumo que ele segue.

Na semana passada, conversei com embaixadores de dois países, em contextos distintos. Ambos expressaram imensa dificuldade em compreender a força e a amplitude das manifestações populares contra todos os governos: a economia apresenta problemas pontuais, mas seu desempenho é muito melhor do que a dos países europeus. O sistema político permite distorções na representação, mas as instituições democráticas funcionam a contento, não havendo aqui erupções autoritárias ou crises de legitimidade. E a nódoa da desigualdade, indiscutível, suavizou-se, disseram os dois, alinhavando as explicações que ouvem e lêem aqui e ali, e que acham insuficientes para explicar a ira das ruas, que faz pensar em um país estagnado, econômica, social e politicamente.

A mãe de tudo
O relatório mostra que, há pelo menos 20 anos, o Brasil se move, tornando-se mais desenvolvido e mais justo. O avanço no IDHM não foi uniforme mas, olhando para trás, em 1991, 80% dos municípios - que é onde vive o cidadão, como dizia Ulysses Guimarães - exibiam um índice de desenvolvimento humano baixíssimo. Hoje, um terço deles pode ser considerado de alto desenvolvimento, e essas cidades já não se concentram no Sul-Sudeste - a Bélgíca da velha Belíndia. Vencido o purgatório, restam as correntes do atraso, sobretudo, na educação, área em que o índice é apenas médio, nacionalmente: passou de 0,278, em 1991, para 0,637, em 2010. Apenas cinco municípios alcançaram IDHM/Educação acima de 0,800, ou "muito alto", condição que nenhum estado conquistou. São Paulo e o nosso Distrito Federal, na vanguarda, alcançaram a classificação "alto". Em 90% dos municípios do Norte e do Nordeste, o índice é "baixo" ou "muito baixo". Isso é desigualdade. "Na educação, partimos de um base anterior muito baixa", explica o presidente do Ipea, Marcelo Nery, referindo-se à nossa era das mudanças.

As cobranças são justas, não houve quem negasse. Os jovens, sobretudo, têm pressa, e o Estado não responde com a velocidade necessária. Para eles, tudo que foi feito já não conta, e este é o drama dos que governam. Os protestos não reconhecem feitos, só defeitos. Mas, quando a marcha dos últimos 20 anos, que pode ser lenta mas tem sido contínua, nos é apresentada de forma tão cristalina, vem escrito nas entrelinhas que isso foi produto da democracia. Há 20 anos, o primeiro presidente acabava de ser eleito pelo povo. E, faça-se justiça, o governo de transição de José Sarney, com o Plano Cruzado, já alvejara a desigualdade. A democracia é nosso valor maior e não pode ser posta em risco, mesmo quando a ira é justa. O risco sempre vem quando a ordem e as garantias são rompidas. Pensar nisso, quando ninguém controla o vandalismo, não é catastrofismo.

Ouro de tolo
A polarização PT-PSDB aparece sempre que os avanços são mencionados. O ex-presidente Fernando Henrique, por uma rede social, destacou que, na década em que governou, a de 1990, o IDHM cresceu 24,4%. Na era Lula, cresceu apenas 18,8%. Os petistas reagiram relativizando a conta e mostrando que, na fase FH, a desigualdade caiu apenas 1,89%, ao passo que no período Lula, caiu 9,18%.

Tal disputa pode inflar os egos mas não faz sentido para o povo. Este sabe que Lula avançou mais no social, porque FH golpeou a inflação e organizou a economia. E não teria feito isso sem o apoio de Itamar, substituto de Collor, que abriu a economia, depois de suceder pelo voto a Sarney, condutor da transição na ausência de Tancredo, eleito indiretamente sob o lema Muda Brasil. Isso depois que um Congresso dissociado do povo rejeitou a emenda das Diretas Já. Essa travessia, que os jovens mal conhecem, é que mudou o Brasil e propiciará novas transformações. Não fora dela.

As polícias e os protestos
Até agora, quem mais ganhou com as manifestações foi o Ministério Público, que nelas inseriu a PEC 37, garantindo sua derrubada no Congresso. Agora, alguns políticos acham que as polícias podem estar fazendo política com essa atuação enigmática na repressão ao vandalismo. Em São Paulo, na última noite de pavor, quando 10 agências bancárias foram depredadas, a PM chegou quase duas horas atrasada, dizendo que quis preservar os "pacíficos". No Rio, a polícia guardou o prédio de Sérgio Cabral, mas liberou a Avenida Ataulfo de Paiva para a quebradeira. Os protestos continuam, e os vândalos seguem impunes. Ninguém sabe quem são, o que pretendem, ou a quem respondem. A PM sonha com a aprovação da PEC 300, que equipara os salários de todos os estados aos do Distrito Federal. Na capital federal eles ganham mais e a União paga a conta.

Testando limites
No mundo de Dilma, ninguém se ilude. Com o ato pedindo a saída de Cabral, e o de ontem contra Alckmin, os radicais das ruas estão testando o clima para eventual ato "Fora Dilma".

Temer pede calma - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 31/07

O principal aliado do PT no governo Dilma, o PMDB, está inquieto. Uma parcela de seus líderes está nervosa devido às divergências regionais com o PT, que ameaçam seus projetos eleitorais. Para medir a temperatura, o vice Michel Temer, está ouvindo seus parlamentares. Nestes contatos, ele pede paciência e diz: “Tem muito tempo, muita conversa e muito ajuste pela frente ainda”. 

Para onde vai o PPS?
Com o fracasso na criação do MD, o PPS está repensando seu futuro. O PSD, com sua ação no STF, não foi o único algoz da nova legenda. O presidente do PSDB, Aécio Neves, fez um acerto desconhecido com a presidente do PMN, Telma Ribeiro, para detonar o novo partido. Ele temia que o MD viabilizasse uma candidatura José Serra. O governador Eduardo Campos (PSB), após uma misteriosa conversa com o presidente Lula (PT), também retirou seu apoio ao projeto. O PPS continua à disposição de José Serra, mas caso o tucano paulista não vá à luta, a maioria dos integrantes do partido já tem seu candidato ao Planalto: a ex-ministra Marina Silva (Rede).

Tenho as melhores relações institucionais com o governador Sérgio Cabral, com quem tenho parcerias importantes para a população do Rio
Dilma Rousseff
Presidente da República, para interlocutores, sobre os boatos de que ela quer distância do governador do Rio

Bom para os dois lados
Líderes governistas avaliam que serão derrubados os vetos da presidente Dilma nas questões do Ato Médico, dos taxistas, do FPE e do FPM. Mas consideram que esse é o menor dos males. Nenhuma delas afeta o caixa do Executivo. 

Medindo forças
Os ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) travaram uma guerra até ontem. Gleisi, a favor da sanção do projeto que torna obrigatória a distribuição de pílula do dia seguinte para as mulheres que quiserem ou para vítimas de estupro. Gilberto, defendendo o veto. Gleisi deve levar a melhor.
Afinando a viola
O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), cobra um "pacto de boa convivência" com o governo Dilma. Alinhado, o líder Eduardo Cunha (RJ) afirma: “Eu sou bombeiro aqui”. 

Os privilégios
O governo do Rio ficou responsável por procurar uma família que representasse as famílias brasileiras para entregar flores ao papa Francisco em sua última missa no Brasil, em Copacabana. Para constrangimento geral, na hora da entrega, aparece uma funcionária do Cerimonial do governador Sérgio Cabral, com os familiares e o ramalhete para ser entregue ao Sumo Pontífice.

Na boca do povo
Um grupo de médicos protestava ontem na frente do Ministério da Saúde contra o programa Mais Médicos, que abre postos de trabalho para médicos estrangeiros. O grito de guerra: "Somos ricos, somos cultos. Fora os imbecis corruptos". 

Remoção
A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Prazeres, deixou o cargo. Seu marido, diplomata, vai para Genebra. Para seu lugar, o ministro Fernando Pimentel nomeará Maurício Borges, presidente da Apex.
A presidente Dilma, ontem no Alvorada, na reunião com ministros, fez uso de um relatório com o percentual da liberação de emendas das 

De olho na rua - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 31/07

Os repasses de recursos do PAC 2 que Dilma Rousseff anunciará hoje para a capital paulista, ao lado de Fernando Haddad (PT), serão acompanhados do slogan "mais investimentos para São Paulo, mais qualidade de vida". A frase, que será divulgada em peças de publicidade, tem o objetivo de apresentar o pacote como uma resposta às manifestações de junho por melhora nos serviços públicos. Haddad dirá que a data marca a reconciliação'' entre a cidade e o governo federal.

O operador Na força-tarefa para reorganizar a base aliada, Dilma e Michel Temer conversaram sobre a possibilidade de o suplente Eliseu Padilha (RS) voltar à Câmara, para atuar como interlocutor alternativo da bancada do PMDB com o governo.

Pro banco Hoje, o Planalto tem uma relação tensa com Eduardo Cunha (RJ), líder do partido na Casa. Para abrir espaço para Padilha, o ex-ministro Mendes Ribeiro se licenciaria do mandato. Interlocutores dizem que Ribeiro foi sondado, mas não se mostrou simpático à ideia.

Esforço Peemedebistas relatam que até Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, foi acionado para convencer o ex-ministro, que deixou o governo com problemas de saúde, para abrir espaço para o PMDB mineiro na Esplanada.

Pelos... Na viagem oficial que fez a Moscou na semana de 15 de junho, quando os protestos atingiram o ápice em Brasília, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), voou de primeira classe. Um bilhete desse tipo custa cerca de R$ 12 mil.

... ares Outros membros da comitiva, como os líderes do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do DEM, Ronaldo Caiado (GO), fizeram a viagem em classe executiva.

Outro lado A assessoria do presidente da Câmara afirma que ele voou de primeira classe porque não havia assentos na executiva, opção feita por ele na volta.

Prepara Sem diálogo com o governo sobre suas reivindicações, as centrais sindicais vão distribuir na Grande São Paulo 1 milhão de exemplares de um jornal que convoca os trabalhadores para uma paralisação nacional no dia 30 de agosto.

CSI 1 Dilma tem de sancionar ou vetar até amanhã projeto que está criando uma guerra entre os responsáveis por investigações criminais. A lei polêmica transforma papiloscopistas em peritos.

CSI 2 As polícias de todo o país reclamam que o projeto vai provocar uma briga entre as duas categorias de especialistas. Papiloscopistas, cuja função é colher impressões digitais em crimes, têm nível médio e a função de perito hoje exige nível superior.

Fora dos... Empresas interessadas na PPP da linha 6 do metrô paulista alegaram que a concorrência não dava garantias suficientes aos investidores diante do risco de atrasos causados por problemas de desapropriação de terrenos e licenciamento.

... trilhos O governo não recebeu nenhuma proposta na sessão de ontem. O edital da concorrência será refeito para dar mais segurança aos empresários e tornar o projeto mais atraente.

Na mídia 1 A Câmara de São Paulo anuncia hoje a vencedora da licitação de sua conta de publicidade, de R$ 20 milhões anuais. Internamente, aposta-se no favoritismo da nova agência do marqueteiro Paulo Tarso, que trabalhou em campanhas do PT.

Na mídia 2 A empresa vencedora fará a divulgação das ações prioritárias da Câmara, como as audiências públicas para a revisão do Plano Diretor do município.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Quem pede o fim da aliança com o PMDB só pode estar no mundo da lua. Na política real, a manutenção desses acordos é fundamental."
DO VICE-PRESIDENTE NACIONAL DO PT ALBERTO CANTALICE, sobre a proposta feita por correntes do partido pelo rompimento da aliança petista com o PMDB.

contraponto


Dress code eclético
Às voltas com atividades variadas durante o mês de junho, desde a demarcação de terras indígenas até os preparativos de segurança para a visita do papa Francisco, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) lembrou a frase de um antecessor ao falar sobre as atribuições da pasta em uma sessão da Comissão de Educação do Senado.

--O ministro Nelson Jobim dizia que nós vamos da toga à tanga, porque vamos das relações com o Poder Judiciário até a Funai, passando pelas polícias, pelos presídios, pelo Direito do Consumidor, pelo Arquivo Nacional... -- brincou Cardozo.

Serra à espreita - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 31/07


O ex-governador José Serra está disposto a candidatar-se à Presidência da República pela terceira vez, mas perscruta o cenário eleitoral como quem não sabe, ainda, com que legenda pretende concorrer à eleição. Se será no partido do qual é fundador, o PSDB, o que dependeria da volatilização da candidatura do senador Aécio Neves (MG), que preside a legenda; ou em outro partido, que tanto poderia ser o PPS, de Roberto Freire (SP), como o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab. Ambos são seus aliados tradicionais.

As pesquisas de opinião, quando incluem o nome de Serra, o alçam à condição de candidato competitivo, quando nada em relação aos demais oposicionistas. Seu problema é a grande rejeição, que já vem da eleição de 2002, quando concorreu pela primeira vez, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que se consolidou na eleição passada, quando perdeu para Dilma Rousseff.

Serra joga com o tempo, como gostam de fazer os estrategistas. Na política, isso exige ciência e arte. O calendário eleitoral, por exemplo, tem prazos pré-estabelecidos. Há data marcada para a filiação partidária, e para se desincompatibilizar de cargo público, além do estabelecido ao registro de candidaturas. Esse calendário é objetivo e pressiona todos os políticos que desejam concorrer. A política de alianças, porém, tem outras vicissitudes, mais subjetivas. As idiossincrasias dos candidatos, por exemplo. As de Serra são terríveis. É tão dissimulado que confunde até os aliados. Além disso, só se decide na última hora.

Caixa de campanha// O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) quer fixar um teto de despesas para candidatos que disputarem eleições no Brasil. Representante do PT no grupo de trabalho que discute a reforma política, o parlamentar propõe que a mudança seja feita com validade para as eleições de 2014.

Fracasso
O fracasso da fusão do PPS com o PMN fechou uma das portas para a candidatura de José Serra: a criação de um novo partido, que lhe possibilitaria abrigar os aliados. A opção de concorrer pelo PPS é muito arriscada, por causa do tempo de televisão, embora a legenda esteja de braços abertos para o tucano, segundo seu presidente, Roberto Freire (foto).

Sem crachá
Com 427 mil inscritos oficialmente, a Jornada Mundial da Juventude contou com a participação de um número oito vezes maior de fiéis, segundo o balanço foi divulgado pelo arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta. Ou seja, 3,7 milhões de fiéis.

Plebiscito
Na base do governo, não é só o PMDB que rejeita a convocação de um plebiscito. Segundo o líder do PP, Arthur Lira (AL), o PT está isolado. “A Câmara toda deixou de falar disso, só o PT fala. É uma bandeira do PT e eles deverão insistir nisso, mas não é algo que ainda se converse”, afirmou Lira.

Pode ser
Outra alternativa para José Serra seria o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab (foto), que emparedou o MD na Justiça a ponto de inviabilizá-lo. A legenda está muito comprometida com o projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff, mas uma parte da bancada já deriva para a oposição. Porém, é mais ligada ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), do que a Serra.

Passa bem
O senador José Sarney (PMDB-AP), de 83 anos, deve receber alta hospitalar ainda hoje. Está internado no Hospital UDI, em São Luís, onde tratou uma infecção pulmonar aguda. De acordo com o último boletim médico, Sarney tem quadro “estável, respirando espontaneamente, sem necessidade de aparelhos”. Ele deve viajar para São Paulo, onde fará novos exames.

No passado
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, minimizou as declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de que teria sido vítima de preconceito e que o Itamaraty “é uma das instituições mais discriminatórias do país”. Segundo o chanceler, Joaquim Barbosa referia-se a uma “outra era”, isto é, à época em que tentou ingressar no curso de formação de diplomatas.

Cortes/ Os ministérios da Fazenda e da Defesa foram os mais atingidos pelo corte adicional de R$ 10 bilhões no Orçamento Geral da União. Em valores nominais, a Fazenda perdeu R$ 990 milhões; e a Defesa, R$ 919,4 milhões. Para tentar reduzir os cortes no projeto do submarino nuclear, a Marinha decidiu suspender o expediente de sexta-feira, mas acabou voltando atrás no fim do dia.

Black Bloc/ Cerca de 300 manifestantes do grupo Black Bloc entraram em confronto com a Polícia Militar na avenida Rebouças, em São Paulo. Os policiais tentaram conter o protesto com bombas de gás e de efeito moral. Os manifestantes picharam lojas, depredaram agências bancárias e uma concessionária de carros importados. O grupo de mascarados organiza-se para esse tipo de confronto e só
anda em bando.

Carandiru/ Ao depor no julgamento do massacre do Carandiru, ontem, o ex-governador Luiz Antônio Fleury reiterou as declarações dadas no primeiro depoimento, em abril, de que não estava na capital paulista no dia, mas, se precisasse, teria dado a ordem de ingresso da Polícia Militar no Pavilhão 9 do presídio.

Confiança abalada - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 31/07

Em dois dias, três índices diferentes, medidos por institutos diferentes, apontaram para uma forte redução da confiança no governo por parte do consumidor, da indústria e do comércio.

Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff, criticou os propagadores do pessimismo que azedam tudo e criam um ambiente ruim para recuperação da atividade econômica. E culpou os analistas da economia, sem precisar melhor o seu alvo.

O governo é incapaz de reconhecer seus erros na condução da economia, divulga só o que lhe interessa, maquia resultados e distorce fatos.

Nenhum estrago à credibilidade do governo foi maior do que as práticas argentinas do secretário do Tesouro, Arno Augustin, de submeter as contas públicas de 2012 a artifícios contábeis. Até agora, ninguém entendeu como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pode garantir um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida), em 2013, de 2,3% do PIB.

As contas públicas são opacas. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, admitiu em entrevista ao Estadão (21/7) que "a política fiscal não é clara". E, antes dele, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto declarou ao Estadão (8/6) que a percepção do mercado é de que "a situação fiscal do Brasil é uma esculhambação". E, ainda ontem, o próprio Delfim advertiu que essa contabilidade criativa distorce as estatísticas da dívida pública líquida.

Também ontem, o economista-chefe do Grupo Credit Suisse, Nilson Teixeira, advertiu que, para a recuperação da confiança é necessário que o governo aponte o resultado real das contas públicas, "sem manobras contábeis".

O governo não apenas gasta demais, mas, sobretudo, gasta mal; investe pouco e administra pior ainda seus projetos de investimento. Em praticamente todos eles, temos a síndrome das obras de transposição do Rio São Francisco, que não terminam nunca e custam cada vez mais, para benefício sabe-se lá de quem.

Por que, por exemplo, a presidente Dilma insiste em afirmar que a inflação fechará este ano "na meta", quando se sabe que a meta de inflação é de 4,5% e não os 6,5% (que incluem a margem extra de tolerância) a que ela se refere? Todas as projeções apontam para uma inflação acima dos 5,5% em 2013. Por que não admitir que esse estouro é gol contra e não uma vitória sobre a alta de preços, especialmente quando se leva em conta a deterioração do poder aquisitivo do assalariado.

Não há comentário da área econômica do governo que não atribua os números ruins da atividade econômica aos graves problemas externos - que os analistas, é claro, acabam piorando com seu pessimismo. Apesar disso, também o governo garante que a virada vem vindo aí e que tudo vai melhorar, inclusive as avaliações da população em relação ao desempenho da presidente Dilma. Ora, se estamos mal porque o mundo vai mal, então como é que se pode esperar pela melhora, se os prognósticos são de uma piora do comportamento da economia mundial?

A maneira como o governo administra a economia e as contas públicas é parte essencial do problema da falta de confiança. E as críticas que lança a esmo contribuem para a prostração.

Chico e Francisco - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/07

A inflação alta é 'sazonal', mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental


Não tem nada a ver, juro, com a visita do papa, mas lendo a entrevista dominical da presidente da República à Folha me lembrei do ditado favorito de minha amiga, e economista de respeito, Tatiana Pinheiro (que, às vezes, também produz pérolas inesquecíveis, como a "menina dos ovos de ouro"): "pau que bate em Chico também bate em Francisco".

A frase é geralmente citada quando surge uma assimetria grave na análise, isto é, quando determinado argumento é formulado sem muita noção de suas consequências lógicas caso a premissa seja alterada.

Lendo o parágrafo anterior, noto que a última frase não é um primor de clareza, mas acredito que o ponto pode ser facilmente ilustrado pelos inúmeros casos que pululam na fala presidencial.

Questionada, por exemplo, sobre o baixo crescimento, a presidente saiu-se com: "O mundo cresce pouco. Não somos uma ilha".

Trata-se de resposta aparentemente sensata, mas que não passa no teste de simetria, pois, quando o Brasil viveu um período de crescimento mais acelerado, em momento algum se ouviu a presidente dizer que nosso desempenho resultava do bom momento mundial.

Pelo contrário, o mérito era do governo, embora o PIB brasileiro tenha se expandido a uma taxa pouco inferior à média global. Da mesma forma, quando o país se encontrou entre aqueles que saíram de forma mais vigorosa da crise, dizia-se que era uma ilha de prosperidade. Somos e deixamos de sê-lo ao sabor das conveniências do governo.

Igualmente, a presidente enche a boca para falar da inflação baixa de julho, resultado pontual, fortemente influenciado pela redução das tarifas de transporte urbano, mas não veio a público para externar sua preocupação com a inflação alta no primeiro quadrimestre do ano.

A inflação alta é "sazonal", ou "resultado de um choque agrícola", mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental. E, posso apostar, quando a inflação voltar a se acelerar mais para o final do ano, a presidente não assumirá a responsabilidade, mas voltará a invocar razões sazonais e pontuais, que, na visão do governo, só são importantes para explicar a inflação alta; jamais a inflação baixa.

Segundo a presidente, tudo também vai bem no campo do gasto público ("O deficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos"), apesar de o dispêndio, medido como proporção do PIB, encontrar-se no nível mais alto da história (18,3% do PIB).

Já o investimento federal, mesmo vitaminado desde o ano passado com a contabilização dos recursos do programa Minha Casa, Minha Vida, cresce como rabo de cavalo e responde por modesto 1,3% do PIB nos últimos 12 meses, insuficiente para atender os requisitos de expansão da infraestrutura.

Na verdade, na primeira metade deste ano os gastos correntes aumentaram (descontada a inflação) cerca de R$ 26 bilhões; o investimento caiu R$ 1,8 bilhão. Assim, mesmo o aumento das receitas, pouco superior a R$ 5 bilhões, não foi capaz de impedir a visível redução do superavit primário federal (oficial), de R$ 52 bilhões no primeiro semestre de 2012 para R$ 35 bilhões no mesmo período de 2013.

Esse aumento do gasto, porém, é ainda "vendido" como uma atuação anticíclica, convenientemente deixando de lado que, mesmo nos anos bons, em nenhum momento houve sequer tentativa de redução da despesa pública, em particular a despesa corrente, que, a valer o que dizia a ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, "é vida". Só a visão persistentemente assimétrica pode explicar a tentativa de negar o caráter expansionista da política fiscal.

Ao final, a entrevista da presidente é reveladora: se alguém ainda imaginava ser possível uma correção de rota no rumo da política econômica, seu conteúdo deve ter convencido mesmo os otimis- tas mais renitentes a remover o proverbial cavalinho da chuva. Vai sobrar para Chico e também para Francisco.

O meio do caminho - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/07

Em 1996, com uma equipe da Rede Globo e um relatório de IDH do Brasil nas mãos, feito pelo PNUD e Ipea, viajei durante um mês pelo país. Voltei com uma série de reportagens para o Jornal Nacional: Caminhos do Brasil. Foi quando entendi que a melhor comparação do país é com alguém que está no meio de uma travessia, que superou obstáculos e tem muito ainda até o seu objetivo final.

Ainda é assim. O meio do caminho é longo. O avanço nas últimas duas décadas merece ser louvado e tem números animadores, como o de nove anos de aumento da expectativa de vida entre 1991 e 2010. Mas é bom lembrar alguns pontos: os países não estão parados, enquanto tiramos o nosso atraso. Há progresso em vários desses indicadores no mundo. Outro detalhe é que o IDHM, sobre os municípios brasileiros, não é comparável com o IDH do mundo. O divulgado agora é um olhar para dentro do Brasil; o outro é um ranking mundial. Mesmo assim, sabemos que há países economicamente mais fracos que o Brasil e que, ainda assim, têm números melhores.

O IDH nos ensinou uma forma melhor de entender o desenvolvimento. Em vez de apenas o número objetivo e descarnado do PIB, um indicador que tenta captar a qualidade de vida. Mesmo assim, precisa de muitos aperfeiçoamentos. Hoje, o que se discute no mundo é como o dado de educação pode espelhar mais a qualidade do ensino, em vez de medir apenas os números de cumprimento de séries. Exemplo: se tem um peso maior a criança e o adolescente no ano certo da escola, a aprovação automática não geraria uma distorção? Há também desejo de que se incluam índices de sustentabilidade. O indicador também cumpre sua trajetória para se tornar um termômetro melhor.

Com tudo isso, o Brasil avançou: aumentou a expectativa de vida, reduziu a mortalidade infantil, elevou a renda, melhorou a educação, reduziu sua oceânica desigualdade. Mas, quem enfrenta os gargalos da vida urbana, falhas da saúde pública, ensino deficiente, índices deprimentes de saneamento básico tem dificuldade de considerar que o Brasil é hoje um país em que a maioria dos municípios está classificada como de "alto desenvolvimento humano". A realidade diária, nós a conhecemos bem.

Quando saí para a reportagem em 1996 - uma experiência marcante, de inesgotáveis lições - sabia que precisava ser capaz de ver avanços, atrasos, contrastes. Hoje, de novo, é isso que se pode ver nesse relatório. A desigualdade caiu, mas permanece enorme. O aumento da escolarização do ensino fundamental é inegável, mas o gargalo do ensino médio continua sufocando a juventude. Comparado com os números de anos atrás, o Brasil avançou. Confrontado com o que precisa fazer para superar o atraso histórico na área educacional, é ainda muito pouco.

Os números que saem de um relatório como este servem pouco se forem entendidos apenas como uma competição entre cidades que estão entre a melhor, São Caetano do Sul, em São Paulo, e a pior, Melgaço, no Pará. Os dados têm que servir para orientar as políticas públicas e replicar experiências bem sucedidas.

Não é hora ainda de comemorações, nem de distribuição de Oscar para ator principal ou coadjuvante. O avanço foi um trabalho coletivo executado na democracia, em que governantes são mais permeáveis à pressão da opinião pública. É curioso como dois governos de partidos adversários no cenário político executaram uma tarefa complementar para compor a parte boa dessa história.

Os dados devem nos servir como um estímulo nesse meio do caminho. Se até aqui conseguimos conquistas, poderemos continuar nossa trajetória em busca do que queremos. Vai ser mais fácil se o Brasil souber exatamente quais são seus objetivos.

Novas fronteiras da privatização - ARMANDO CASTELAR

CORREIO BRAZILIENSE - 31/07

Tem quase quatro décadas que a privatização entrou no debate econômico no Brasil. Desde então, o seu escopo vem se ampliando. Ainda que nem sempre no mesmo ritmo, essa expansão ocorreu em todos os governos, inclusive no da presidente Dilma Rousseff, em que a privatização ganhou novo fôlego.

Nas décadas de 1950 e 1960, o setor estatal aumentou consideravelmente, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da PETROBRAS, do BNDES, da Eletrobras etc. Após a reforma administrativa de 1967, se observou uma nova onda de ampliação, com a verticalização e a expansão horizontal das grandes estatais.

A grande mudança no governo Geisel foi colocar freios nessa expansão, retirando alguns dos privilégios de que gozavam as estatais. Ainda que a venda dessas empresas tenha sido considerada, nem o governo nem o setor privado queriam isso. Convergiu-se, assim, para abrir espaço para as empresas privadas competirem e estabelecerem parcerias com as estatais.

A situação macroeconômica ficou mais crítica no governo Figueiredo. Em reação, não só se apertaram os controles sobre as estatais como se passou a vender algumas delas. A privatização se limitou, porém, a empresas pequenas, em geral estatizadas antes, em processos de falência. O governo Sarney deu continuidade à privatização, que passou a incluir empresas de maior porte.

Na década de 1980, vender estatais deixou de ser tabu. Adicionalmente, o governo aprendeu como fazer isso de forma transparente. Os órgãos de controle, do Ministério Público ao Congresso Nacional, também se equiparam para acompanhar cada operação. Assim, ainda que os resultados tenham ficado aquém das metas originais, o avanço em termos institucionais e de comunicação foram notáveis.

Essa preparação se mostrou fundamental quando a privatização foi ampliada no governo Collor, com a criação do Programa Nacional de Desestatização, essa passou a incluir algumas das principais estatais do país, como a CSN e a Embraer. O presidente Itamar Franco deu prosseguimento à privatização. De fato, mais empresas foram privatizadas no seu governo do que no do antecessor.

Nova ampliação da privatização teve lugar no governo FHC. Esse focou na entrada da iniciativa privada na infraestrutura, depois de um século em que o setor fora dominado por empresas estatais. Também nesse período se fizeram reformas institucionais importantes, não apenas para tornar o processo mais ágil, mas para criar um ambiente regulatório que estimulasse os novos concessionários privados a operar de acordo com o interesse público.

A ampliação do escopo da privatização foi um grande desafio. Desde os anos 1970 que essa conta com apoio minoritário da população. Às vezes, mesmo dentro do próprio governo. Isso exigiu reforçar os controles e instrumentos que garantiam não apenas a lisura como também a transparência do processo. Compreensivelmente, os controles externos também se aprimoraram com o tempo. Isso foi importante para legitimar ainda mais o processo.

O motivo para ir em frente com a privatização, mesmo com pouco apoio popular, foi ela ser o remédio certo para o problema da baixa produtividade e da falta de investimento. Foi o pragmatismo, não a ideologia, que fez a privatização andar no Brasil.

É isso que explica os governos Lula e Dilma terem recorrido à privatização, mesmo se opondo a ela ideologicamente. Como se sabe, a opção preferencial desses dois presidentes era expandir o investimento público, especialmente na infraestrutura. Só quando perceberam o tamanho das dificuldades envolvidas em viabilizar essa expansão decidiram recorrer à privatização.

O atual processo é bastante ambicioso. Prevê-se uma grande ampliação da malha rodoviária nas mãos de investidores privados, construindo sobre as privatizações nesse setor realizadas no governo Lula. Metas igualmente ambiciosas estão colocadas para o setor ferroviário e o de portos. Além disso, está na agenda privatizar grandes aeroportos, setor em que o governo Dilma foi pioneiro em transferir as operações para a iniciativa privada.

A ampliação da privatização e o maior pragmatismo com que essa vem sendo tratada são avanços importantes. É fundamental, porém, nunca descuidar dos controles e da transparência. Por isso, quanto menos a ideologia interferir na modelagem desse processo, melhor. Como a política macroeconômica, a privatização também deveria ser protegida do debate político-eleitoral.

Primeiro passo - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 31/07

Não são os números econômicos, são as incertezas sobre o futuro que são desconfortáveis. O bom funcionamento da economia depende das expectativas dos agentes e da confiança que eles depositam entre si e no poder incumbente.

Se os empresários e trabalhadores tiverem muita dúvida sobre o futuro, sobre a natureza das políticas fiscal e monetária e sobre o ativismo regulatório que implicitamente desrespeita contratos, a tendência do crescimento é murchar.

Os empresários adiarão os seus investimentos porque não creem no governo. Os trabalhadores cuidarão, sob o risco do desemprego, de reduzir seu consumo e saldar suas dívidas, tentando fazer um seguro para ajudá-los a enfrentá-lo. Nas últimas semanas, a incerteza cresceu ainda mais: a "voz das ruas" levou a reações esquizofrênicas do Executivo e do Legislativo, que não tranquilizaram ninguém.

O fato mais enigmático a ser esclarecido no momento atual é: quais foram os sinais dados por uma administração pragmática e bem-intencionada que levaram o setor privado a tal perplexidade? E, a partir dela, a uma profunda desconfiança sobre quais seriam os reais objetivos do governo?

A única explicação plausível é que isso tenha sido produzido pelo comportamento voluntarista dos burocratas portadores da "verdade" que fazem a interface das relações entre o governo e o setor privado, particularmente na infraestrutura.

A preliminar para a volta à normalidade do crescimento é a superação desse mal-estar. O governo e o setor privado têm de reconhecer e corrigir seus erros. O primeiro, deixando claro que é falsa a sua aversão à economia de mercado e ao papel dos preços relativos (e não do voluntarismo) na alocação dos fatores de produção; o segundo, penitenciando-se da sua crença infundada de que o que o governo quer mesmo é o "capitalismo sem lucro" sob seu controle.

A distância entre o governo e o setor privado cresceu a ponto de começar a comprometer as relações harmoniosas entre o Executivo e o Legislativo, o que aumenta ainda mais o grau de incerteza.

Não foram até agora bem analisados os possíveis inconvenientes da nova disposição do Congresso de votar em 30 dias os vetos do Executivo. Trata-se de um prazo muito curto para dissolver os entusiasmos irracionais que, às vezes, se apropriam do Legislativo quando pressionado pela "voz dos interesses privados".

Corremos o risco de ver o voto de cada veto transformar-se num cabo de guerra e, no limite, na judicialização de alguns deles, o que, além de impedir o desenvolvimento do país, o tornará inadministrável.

Cabe ao Poder Executivo dar o primeiro passo.

Rosa dos ventos - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 31/07

Depois de um primeiro momento de agitação com tendência à infidelidade provocada pela queda geral da avaliação de governantes - notadamente da que habita o Planalto -, partidos, políticos e até empresários adotam a velha combinação de prudência e caldo de galinha, receita que não faz mal a ninguém.

A palavra de ordem é conter o ímpeto da crítica e da debandada até sentir para onde sopram os ventos das manifestações, da popularidade da presidente Dilma Rousseff, da capacidade de seus prováveis oponentes em 2014 arrebatarem ao menos em parte o patrimônio perdido pelo PT e até da probabilidade de Lula se candidatar.

Diante das dúvidas (a maior delas diz respeito à recuperação de Dilma) e da incerteza sobre qual o caminho mais acertado a tomar anda valendo o velho lema: quando não se sabe o que fazer, melhor não fazer nada.

Prova é o recuo do PT no tom do documento discutido pelo diretório nacional do partido dias atrás. Inicialmente continha críticas à política econômica e pedia revisão das alianças com "os conservadores" para fazer a rota de retorno à esquerda. Tudo isso foi tirado para, de um lado, preservar Dilma e, de outro, não queimar caravelas com os aliados antes do tempo.

Compasso de espera é a expressão que define o momento. A questão é: até quando? Não se sabe ao certo mas no início de outubro, quando acaba o prazo para filiações partidárias dos candidatos em 2014, o quadro estará mais definido. Não porque quaisquer dos pretendentes a presidente - à possível exceção de José Serra - estejam pensando em mudar de partido, mas porque a partir daí seus aliados já não poderão abandonar os barcos sem abrir dissidência explícita nem se submeter aos riscos daí decorrentes.

Uma mudança, entretanto, parece consolidada: antes das manifestações os partidos aliados do governo não viam opção fora da reeleição de Dilma. Hoje ainda não conseguem dizer qual seria a alternativa, mas sabem que ela não é a única.

Volta por baixo. De mola que leva ao alto, Sérgio Cabral Filho virou âncora que prende ao fundo, com seus minguados 12% de avaliação positiva à frente do governo do Rio. De onde sua companhia tornou-se um embaraço federal para seus parceiros na política.

Resultado da conjugação de abuso de poder na prática de hábitos faustosos, provincianismo político (demonstrado na excessiva confiança na influência de Lula sobre o Congresso quando da discussão sobre a distribuição dos royalties do petróleo) e arrogância tardiamente assumida com a promessa de ser "mais humilde".

Cabral, reeleito em 2010 no primeiro turno com votação espetacular, confundiu apoio popular com salvo-conduto para transgredir todas as regras. Sejam as de civilidade no convívio com os governados, sejam as balizas legais que exigem do governante respeito à transparência, à impessoalidade e à probidade.

O governador achou que ninguém iria se incomodar com o fato de destratar professores, médicos e bombeiros chamados de vândalos e bandidos no exercício de movimentos reivindicatórios; de passar boa parte do tempo viajando ao exterior, incluindo aí ocasiões em que o Rio foi atingido por tragédias às quais não dava a devida importância evitando aparecer em público em momentos adversos. Cabral considerou que, ao abandonar entrevistas no meio porque não gostava das perguntas, afrontava a imprensa - quando o gesto significava interdição do diálogo com a sociedade.

Acreditou-se inimputável. Não teve noção de limite. Agora se diz arrependido por influência das palavras do papa. Ao que alguns chamam de senso de oportunidade outros dão o nome de oportunismo. Para não falar no egoísmo de pedir aos manifestantes que se retirem da porta de sua casa porque tem "filhos pequenos", sem se importar com os filhos dos vizinhos.

Os país das multidões - ELIO GASPARI

O GLOBO - 31/07

Os brasileiros mostraram que acreditam em muita coisa, menos em governos que querem fazê-los de bobos



Em apenas dois meses, pode-se estimar que pelo menos cinco milhões de brasileiros tenham ido às ruas. A maior parte deles, festejando a fé com o Papa Francisco. Outros, reclamando nas passeatas que tomaram as avenidas em quase todos os estados.

Exatamente nestes dois meses, os poderosos do país mostraram que não estão entendendo nada, ou não querem entender.

Aconteceram, ou tornaram-se públicas, as seguintes gracinhas, todas amparadas pela lei. Mesmo nos casos em que o ronco da rua provocou recuos, eles foram apresentados como atos voluntários. Esse é um Brasil que faz tudo de acordo com as normas, suas normas.

Começando pelos tribunais, que vivem um doce momento, embalados pelo julgamento do mensalão: o Tribunal de Contas da União decidiu que 4.900 magistrados têm direito a receber auxílios-alimentação reatroativos a 2011. Um conta de R$ 312 milhões. Um de seus ministros, Raimundo Carneiro, mostrou ao país que sua idade, como a Terra de Galileu, eppur si muove. Para se aposentar como servidor do Senado, nasceu em 1946. Para permanecer no Tribunal, veio ao mundo em 1948. Exercitando um direito de todos os procuradores, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, recebeu R$ 580 mil referentes a bônus-moradia e licenças não gozadas. Comprou um apartamento em Miami, avaliado em US$ 480 mil, “modesto”, nas suas palavras, e considera “violação brutal da minha privacidade” a divulgação dessa informação. O ministro tem um apartamento funcional em Brasília, mas, justificando suas viagens ao Rio de Janeiro, informou que faz isso “regularmente há mais de dez anos”, como outros magistrados. Com a Viúva pagando.

Passando-se ao Executivo, o custo da maquiagem da doutora Dilma em suas aparições em cadeia nacional de TV passou de R$ 400 para R$ 3.181em menos de três anos.

Alguns de seus ministros rompem o teto salarial do serviço público (R$ 28.059) com as Bolsas Conselho. Guido Mantega, por exemplo, fatura R$ 43.202 mensais. Tudo dentro da lei.

No Congresso, os doutores Henrique Alves e Renan Calheiros voaram pela JetFAB. Um foi para o Rio e o outro para um casamento. Diante do ronco, indenizaram a Viúva.

Saindo-se do Brasil do andar de cima, no de baixo chega-se à escola Candido de Assis Queiroga. Ela fica no município de Paulista, no sertão paraibano, onde vivem 11 mil pessoas. Seu Índice de Desenvolvimento Humano no indicador de educação (0,461) está abaixo da média nacional (0,637). Lá, Jonilda Alves Ferreira, de 44 anos, formada em economia, leciona Matemática por R$ 1.500 mensais. Ela ensina frações fazendo “vaquinhas” e levando alunos a pizzarias. Qualquer pessoa que vê uma pizza entende o que são frações ordinárias, mas quem provar que se pode nascer em 1946 (para ganhar aposentadoria) e em 1948 (para continuar num cargo) certamente revolucionará as ciências.

A escola da professora Jonilda conseguiu cinco medalhas de ouro, duas de prata e três de bronze na última Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Sozinha, acumulou mais prêmios que muitos estados.

A repórter Sabine Righetti perguntou à professora se a escola tem laboratório de informática. Tem, pago, porém parado: “Estamos esperando o técnico para usar os computadores.”

Verdades da boa-fé contra patranhas do marketing - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 31/07

Em nome da fé já se fez muito bem. Mas também muito mal. Do ponto de vista religioso, a mesma Igreja Católica em que militou o inquisidor Torquemada deu os dois Franciscos - o santo de Assis e o bispo de Roma. A política (do grego, pertinente aos cidadãos) republicana (do latim, referente à coisa pública) foi o ofício do assassino serial Adolf Hitler e do democrata (do grego, governo do povo) Winston Churchill. Então, não é a crença que massacra o homem, mas a natureza humana que usa a convicção para destruir. O fundamentalismo terrorista dos asseclas de Bin Laden é mais próximo dos autos de fé da Inquisição cristã que da tolerância dos Estados islâmicos medievais.

A visita do papa ao Brasil confirmou tais evidências em gestos e nas suas pregações ao longo da semana passada. Nela ele conviveu com a ineficiência do Estado, manifestada pelo rosário de lambanças iniciado com o erro dos batedores em sua chegada e encerrada com a interdição do Campo da Fé, em Guaratiba. E também com o afeto emocionado do brasileiro comum, que o recebeu, abraçou e beijou. Ao desembarcar do avião, forçado a fazer hora voando antes de pousar porque a presidente Dilma se atrasou, ele foi conduzido por batedores direto para o congestionamento de um estacionamento de ônibus de peregrinos em plena Avenida Presidente Vargas. Do contato com o Brasil real saiu sem um arranhão e coberto de beijos, prova de que só o amor protege. Dali o levaram para encontrar a zelite do Brasil oficial no Palácio Guanabara - um erro dos hierarcas católicos, similar ao dos responsáveis por sua escolta.

Os encarregados da programação submeteram o papa a um discurso quase tão grosseiro quanto enfadonho. Nele Dilma se limitou a fazer mais um relato complacente e pouco fiel de falsos avanços de sua gestão. E deu-se ao desplante de reduzir a História do Brasil aos últimos dez anos, sob o PT de Lula e dela. Ou seja, negou o legado de luminares do povo brasileiro que viveram antes da posse do padrinho e protetor dela: José Bonifácio de Andrada e Silva, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Luiz Gonzaga, Tom Jobim e tantos outros. Além disso, ela recitou patranhas de marketing, tratando o visitante como um papagaio de pirata de seu palanque para a reeleição. Nem ela própria parecia crer nelas, tal foi a falta de convicção com que as enunciou.

Naquela ocasião o hóspede, polido como a anfitriã não foi, respondeu com as gentilezas de praxe de um pároco agradecendo a água que lhe servia uma devota paroquiana. Mas, ao longo de suas práticas, foi respondendo com recados certeiros a uma a uma dessas grosserias da recepção e das deselegantes anedotas sem graça sobre sua origem portenha contadas pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. No Hospital São Francisco de Assis o papa detonou o discurso politicamente correto de quem considera o consumo de drogas apenas uma doença e seu comércio, mera consequência de mazelas sociais. Chamou os traficantes de "mercadores da morte" e disse que só se combate o tráfico entre os jovens praticando a justiça e educando sempre.

No mais relevante pronunciamento social de seu pontificado, proferido na favela de Varginha, ele disparou dois torpedos diretamente na maior negação à natureza democrática nas Repúblicas de hoje: o marketing político. No primeiro atacou o conceito de pacificação das comunidades com a ocupação de suas ruas por policiais armados. "Nenhum esforço de pacificação será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma, perde algo de essencial para si mesma", pontificou. Essa sentença profética atingiu no cerne a propaganda oficial do desastrado governador Sérgio Cabral.

O outro torpedo atingiu a empáfia petista no peito. "Somente quando se é capaz de compartilhar é que se enriquece de verdade. Tudo aquilo que se compartilha se multiplica. A medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais necessitados, que não têm outra coisa senão a sua pobreza", pregou. O nobre conceito igualitário, transmitido às vítimas preferenciais dessa ilusão, silencia a fanfarra federal que celebra a inclusão deste país entre as maiores economias mundiais.

Ao falar para a sociedade e políticos, no Teatro Municipal, Francisco sintetizou sua pregação na Jornada Mundial da Juventude no Rio: "O futuro exige a tarefa de reabilitar a política". A frase do pregador resume a tarefa de todos os cidadãos, pertençam ou não a quaisquer partidos políticos, professem ou não algum credo religioso. Da mesma forma corajosa como apregoa a refundação de sua "Igreja de Cristo", Francisco transferiu aos peregrinos a tarefa de lutar para tentar restaurar o sentido da origem etimológica da palavra, que no mundo inteiro, e no Brasil em particular, passou a significar exatamente o oposto do princípio que a fundou.

Essa restauração do poder da cidadania, segundo o papa, implica condições que ele fez questão de lembrar. Uma delas é a responsabilidade cívica da boa-fé pública: "O sentido ético aparece nos nossos dias como desafio histórico sem precedentes". Outra, a tolerância em tudo e, particularmente, na profissão de fé: "Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado". A economia com visão humanista é mais um item: "O futuro exige visão humanista da economia, evitando elitismos e erradicando a pobreza". E isso só pode ser feito com o respeito a ideias e posturas alheias: "Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível - o diálogo".

Francisco prometeu voltar em 2017. Deus queira que até lá as sementes luminosas que semeou tenham germinado aqui.

Qual a nossa falha? - NEWTON LIMA AZEVEDO

O GLOBO - 31/07
Nos últimos dias, as manifestações que agitam o Brasil têm levado às ruas uma enxurrada de demandas. Segundo analistas políticos e sociólogos, essas manifestações representam um basta e, ao mesmo tempo, a exigência de soluções efetivas, sustentadas na boa gestão dos recursos públicos.
Por atuar há muitos anos no setor de saneamento ambiental, acompanho esse movimento tentando encontrar sinais de indignação da sociedade pelo fato de que, entre outras deficiências do setor de saneamento, 100 milhões de brasileiros não tenham esgoto tratado, e que, em função disso, aproximadamente 9 milhões de m³ de esgoto sem tratamento sejam descarregados diariamente em rios, mananciais e praias, além da contaminação de solos.Tudo isso com impactos diretos e relevantes na saúde da população.

A surpresa surgiu no dia 26 de junho, quando as comunidades da Rocinha e Vidigal marcharam até o Leblon, carregando bandeiras, cartazes e faixas reivindicando saneamento e saúde. Junto disso, declarações muito lúcidas dos organizadores afirmando: "de que adianta colocar teleférico e escada rolante, se temos lugares com esgoto a céu aberto na comunidade?" Uma boa pergunta: por que a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil nunca foi prioridade na agenda política do país? Saneamento e saúde, com lembram as comunidades da Rocinha e do Vidigal, andam juntos.Um não vive sem o outro.

Uma resposta, de pronto, é recorrer a antigos raciocínios segundo os quais "obra enterrada não dá voto...", "prefiro fazer viaduto em vez de obras debaixo da terra..." Mas o setor de saneamento (no qual me incluo) também precisa fazer uma autocrítica e descobrir por que não consegue sensibilizar ou levar aos governos federal, estaduais e municipais propostas objetivas que, seguramente, teriam apoio de todos, fazendo com que percepções como as da comunidades da Rocinha e do Vidigal invadissem o Brasil.

Qual a nossa falha? Como mudar? 
Alguns pontos sobre os quais vale a pena pensar: Necessidade de articulação e coordenação institucional.

Criação de um ente incumbido de vocalizar as demandas do setor, promovendo uma agenda consensual. Ao contrário do que existe hoje com entidades que encaminham os temas estruturantes do setor de forma isolada e não holística.

São mais do que conhecidos os diagnósticos e propostas para determinar um verdadeiro avanço institucional promovendo uma nova fase no saneamento brasileiro.
Faltam aos governos e à iniciativa privada coragem e/ou vontade política para começar a mudar.
As reivindicações das comunidades da Rocinha e do Vidigal precisam ser levadas em conta.

A medida da mentira - FLORISVAL MEINÃO E RENATO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 31/07

A parcela da população mais desassistida e vulnerável será exposta a uma espécie de roleta-russa da saúde com o programa Mais Médicos


Denominada talvez ironicamente de programa Mais Médicos, a medida provisória nº 621 traz riscos à saúde da população e piora a qualidade dos cursos de medicina.

A medida burla a legislação vigente ao não garantir os direitos trabalhistas aos médicos contratados. Enviará profissionais a regiões distantes ou para a periferia de centros urbanos sem oferecer mínima condição de exercício da medicina.

Hoje, faltam locais para atendimento que garantam o mínimo de dignidade humana aos pacientes. Não existem unidades de emergência ou hospitalares. Carecemos de recursos básicos para diagnóstico, como exames laboratoriais ou radiológicos, e até de medicamentos essenciais para o tratamento das doenças mais comuns.

Caso os médicos brasileiros não se disponham a se aventurar nessas condições, serão trazidos profissionais formados fora do país, sem passar por exame para comprovar sua qualificação. Considerando que, nos últimos exames de revalidação de diplomas, o índice de reprovação esteve em torno de 90%, é provável que nove em cada dez médicos "importados" não tenham capacitação para atender adequadamente os cidadãos.

Estaremos, nesse caso, expondo a população, justamente a mais vulnerável social e economicamente, à assistência por profissionais com formação insuficiente.

A proposta ainda preconiza a abertura de grande número de escolas médicas ou a ampliação do número de vagas nas já existentes. É público que não existem docentes em número suficiente para tanto, pois nunca houve a preocupação de formá-los. Além disso, não há hospitais com vocação universitária para dar conta de tal demanda.

Nessas condições, sofreremos piora gradativa da qualidade de formação do médico, trazendo mais prejuízos para população.

Como agravante, a medida provisória nº 621 chega à beira da irresponsabilidade. Modifica o curso de medicina de seis para oito anos, sendo que, nos dois anos adicionais, o aluno iria "trabalhar" nas regiões nas quais não existem médicos atendendo pacientes. A supervisão de sua faculdade seria feita à distância. Ou seja, essa população, voltamos a frisar, justamente a mais vulnerável, seria exposta a uma espécie de roleta russa da saúde.

As escolas de medicina mais tradicionais em nosso país já se manifestaram contrárias à medida. Ela causa enormes transtornos à organização da grade curricular sem agregar novos conhecimentos.

O argumento de que os alunos teriam contato com a realidade do SUS é descabido, uma vez que, na quase totalidade dos cursos, o aprendizado já é feito com pacientes ligados aos serviços públicos.

O Sistema Único de Saúde é uma das maiores conquistas sociais do povo brasileiro e a medida provisória nº 621 ameaça desconstruí-lo.

A garantia de acesso à assistência médica de qualidade a todos, de maneira universal e integral, sempre foi preocupação primeira dos médicos. Infelizmente, a meta nunca foi alcançada, primeiramente pela falta de financiamento adequado e estável, em especial por parte do governo federal.

O gerenciamento ineficaz gera desperdício do já minguado dinheiro destinado à saúde pública. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Saúde deixou de executar cerca de R$ 17 bilhões disponíveis em seu orçamento.

Diante de tal quadro, afirmar que o problema principal do SUS é a simples falta de médicos é demagogia, um reducionismo de quem parece não ter capacidade de encontrar soluções para os reais problemas do setor. Pior, é trabalhar para jogar a opinião pública contra os médicos, que são tão castigados por esse sistema quanto os outros profissionais de saúde e a própria população, essa sim a maior vítima.

Jogo bruto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/07
O Congresso volta aos trabalhos nos primeiros dias de agosto com projeto bem definido: derrubar alguns vetos da presidente Dilma. Liderada pelo deputado Eduardo Cunha e com o apoio do presidente da Câmara, Henrique Alves, a bancada do PMDB pretende continuar seu trabalho de boicote ao Palácio do Planalto até que essa queda de braço defina com clareza quem é quem na aliança governista.

O PT deu o primeiro recuo, retirando do texto oficial de sua convenção as referências à necessidade de rever as alianças com partidos conservadores. A afirmativa tinha endereço certo, o PMDB. Mas a disputa na Câmara não engloba apenas o PMDB. Também alas do PT descontentes com a atuação do governo, especialmente na área econômica, insuflam a rebeldia na base aliada, em busca de um clima político que favoreça a volta de Lula.

Mesmo que seja improvável essa hipótese, trabalhar para que aconteça desgasta a presidente Dilma e aumenta a margem de pressão dos próprios petistas. Embora tenha formalmente uma aliança que abarca cerca de 70% do Congresso, o apoio ao Palácio do Planalto nas votações tem caído desde o início do governo, chegando a seu ponto mais baixo este ano, com apenas cerca de 45% de aprovação nas votações, o mesmo índice, aliás, da bancada do PMDB, o que indica que é ele quem está dando o ritmo de atuação na aliança governista. Não por acaso, o líder do PMDB é o deputado Eduardo Cunha.

A antecipação do processo eleitoral trouxe para a discussão a questão econômica, sobretudo a inflação. À medida que se coloca o debate da inflação no centro da discussão política, da disputa eleitoral, ela se realimenta com a expectativa.

Além disso, a candidata não pode tomar medidas que a presidente precisa tomar no combate à inflação. A presidente passou a ser tratada como candidata e seu julgamento é nessa condição. O calendário eleitoral antecipado é uma abstração que neurotiza a política. Os políticos vivem um calendário que não é real.

O diálogo com os partidos da base é difícil porque a função do presidente da República é essencialmente política, e a existência do ministério de Relações Institucionais não pode substituir a relação direta do presidente com os políticos. Fernando Henrique e Lula traziam para eles a condução política. Depois da crise do mensalão, Lula viu que teria que tratar diretamente com os políticos.

Os políticos que faziam essa interlocução eram mais operacionais, ficavam com a barriga no balcão, como se diz na gíria política, mas quem decidia tudo eram os donos da loja, os presidentes. Hoje, não. Quem está com a barriga no balcão não tem experiência da militância política, e a presidente, como dona da loja, não tem prazer no exercício da política.

Quando entra na pauta a eleição, os deputados começam a pensar com antecedência nas bocas de urnas, nos trabalhos dos cabos eleitorais, que também começam a fazer exigências mais cedo. Só que estamos a um ano do outubro da eleição.

Quem não segue o Papa Francisco e não faz política com P maiúsculo, aproveita-se dessas ocasiões, mesmo que o resultado a médio prazo seja o enfraquecimento do próprio partido. Quem trabalha como saqueador quer é confusão, analisam os especialistas nas ações do baixo clero, utilizando-se da imagem dos vândalos em ação nas recentes manifestações populares.

A diferença entre a luta interna do PT e a atuação institucional do PMDB é exemplar da ação política nesses tempos de presidencialismo de coalizão. Setores do PT acusam o PMDB de estar tornando o governo seu refém e pressionam a presidente Dilma para romper a aliança "conservadora".

Ao mesmo tempo, o PMDB parece muito mais preocupado em preservar o governo Dilma do que o PT, pois agindo assim preserva sua própria presença no comando do país e os espaços políticos que ocupa. Ao contrário, o que acontece no PT é uma briga bruta pelo domínio político da máquina partidária, no momento em que os expoentes de uma geração partidária podem acabar na cadeia.

E quanto mais espaço o PMDB ocupar, menos espaço sobra para os grupos que atuam dentro do PT.

A educação no país do futebol - MARIA ALICE SETUBAL

FOLHA DE SP - 31/07

O acesso ao ensino fundamental é quase universal, mas defasagens curriculares e regionais impedem uma melhoria a longo prazo


O país do futebol ouviu milhares de cidadãos clamando nas ruas por uma "educação padrão Fifa".

Um primeiro olhar aos dados educacionais dos últimos dez anos nos permite comemorar o acesso ao ensino fundamental de 98% das crianças e adolescentes de 7 a 14 anos.

Sem dúvida, os dados mostram um enorme salto para uma educação de acesso quase universal.

No entanto, um olhar mais atento revela que ainda estamos longe de oferecer uma educação de qualidade. O esforço e o investimento do governo federal com o programa de alfabetização na idade certa é um indicador disso. Ou seja, ainda não resolvemos questões básicas para que nossa população esteja preparada para exercer sua cidadania.

De um lado, temos um maior acesso à educação, não só ao ensino fundamental, como também aos ensinos médio e superior. A maioria dos jovens que ingressaram na faculdade nos últimos anos consiste na primeira geração da família a estudar um curso superior. Além disso, pesquisas comprovam que quanto maior o grau de instrução, maior o nível salarial.

Por outro lado, as novas gerações querem protagonizar suas vidas, buscam mais autoria, diálogo e participação direta nos rumos da sociedade. Os jovens demandam novas estratégias de democracia direta.

Escutar o clamor das ruas por melhores condições de educação significa descortinar os vários entraves educacionais no Brasil, de modo que se possa superar o desafio de atender demandas de curto prazo, sem perder o contexto histórico e estrutural do país.

Nesse sentido, destaco dois aspectos que ainda entravam a melhoria da educação no Brasil.

Primeiro, as excludentes desigualdades educacionais: regionais (Norte/Nordeste de um lado e Sul/Sudeste de outro), entre a educação no campo e nas cidades e ainda as enormes diferenças entre as escolas situadas em regiões centrais e as da periferia das grandes cidades.

Segundo, a defasagem entre o currículo escolar e o mundo vivido cotidianamente pelas crianças, adolescentes e jovens.

O mundo contemporâneo exige uma educação que incorpore não apenas as novas tecnologias, mas também os temas da cidadania e que afetam o planeta. Sustentabilidade, equidade social, participação política, mobilidade urbana, empreendedorismo. Além de novos valores como cooperação, respeito, diálogo e cultura de paz.

As metodologias de ensino e aprendizagem precisam privilegiar o aprender fazendo, os games e as simulações. E, principalmente, demandam nova organização da escola aberta à comunidade e ao mundo.

Mudanças estruturais como essas dependem de se priorizar a educação como política pública nacional de fato e não somente nos discursos dos governantes.

A retórica dos políticos não convence mais os jovens que, assim como seus pais, sabem que é necessária uma educação de qualidade para alcançarem uma vida digna e bem-estar. Uma das conquistas dos milhares de jovens que foram às ruas é a instauração do debate político e social em torno da educação. As novas gerações estão colocando a questão como pauta na agenda política, econômica e social.

É melhor do que não envelhecer - RONALDO PONTES

O GLOBO - 31/07
Em recente entrevista ao GLOBO, a atriz francesa Jeanne Moreau deixou de lado a figura de mito do cinema e definiu-se como "apenas uma mulher".
E foi além, com a segurança de quem tem 85 anos: "Como qualquer mulher, aliás, como qualquer ser humano, vou morrer um dia." A clareza com que a atriz, uma das mais bonitas da história da França, lida com a finitude da vida chama a atenção.

Outras estrelas do cinema sempre cobradas por sua aparência física, como Catherine Deneuve, Isabella Rossellini e Juliette Binoche, declaram reiteradamente que o envelhecimento é um processo natural da vida.

Parece-me que a verdadeira questão proposta por estas mulheres é como queremos envelhecer. Esta é uma discussão premente em um mundo que hipervaloriza a juventude e cuja ciência apregoa que os recém-nascidos de hoje passarão com facilidade dos 100 anos de vida.

Da mitologia da Grécia Antiga às celebridades televisivas do século XXI, a Humanidade sempre foi deslumbrada pelo belo. Como preconiza o aristocrático e hedonista Lorde Henry Wotton, personagem do genial Oscar Wilde em "O Retrato de Dorian Gray", a beleza é tão efêmera quanto sedutora, "mais elevada que a inteligência, pois dispensa explicação".

Basta botar os olhos sobre uma imagem dos anos 60 de Elizabeth Taylor ou Marlon Brando para dar razão a Wotton.

Contraditoriamente - ou até por isto mesmo - caminhamos a passos largos para a sociedade mais idosa de nossos 500 anos. Segundo dados do IBGE, o número de brasileiros com mais de 60 anos dobrou nas últimas duas décadas.

Na busca por este bem viver que a idade exige, ganha espaço a fórmula que une alimentação saudável, exercícios físicos frequentes e acompanhamento médico. Arrisco completar esta lista com o maior acesso às cirurgias plásticas. O Brasil é próspero em talentos na cirurgia estética. Alguns dos melhores profissionais do mundo são brasileiros e nossa técnica é reproduzida em diversos países.

Pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, concluída recentemente, mostrou que o Brasil permanece em segundo lugar no ranking mundial em número de cirurgias, sejam reparadoras ou estéticas, atrás apenas dos Estados Unidos: 900 mil em um ano. Isso significa um crescimento de 25% desde 2007 e o dobro desde 2000.

Plásticas podem ajudar, mas não são respostas em si mesmas. Há que se manter o intelecto interessado e interessante.

Por ocasião de seus 80 anos, um jornalista perguntou à atriz Fernanda Montenegro como era envelhecer, ao que ela respondeu, sem titubear: "É melhor do que não envelhecer." Touché!

Francisco e os diletantes - ROBERTO ROMANO

ESTADÃO - 31/07

Sinto muito escrever algo que não entra na euforia pela visita do papa Francisco. No pânico ou arrebatamento, vale seguir Spinoza, para quem não devemos rir nem chorar com os fatos, mas compreender suas articulações, não raro despercebidas na hora. Qual lógica seguirá o simpático bispo de Roma na sua atuação mundial? Não erraremos em demasia ao retomar a História da Igreja nos últimos tempos.

"Toda nação europeia, sem a influência da Santa Sé, será levada invencivelmente à servidão ou à revolta" (De Maistre). O pensamento conservador do século 19 põe no pontífice a base da ordem social e política, premissas retomadas pelos líderes eclesiásticos em documentos e tratados diplomáticos. A síntese entre poder divino e secular permite entender os papas recentes. Em carta ao cardeal Gasparri (1929), Pio XI diz sobre o Tratado de Latrão: a Igreja e o poder civil formam uma "ordem necessariamente determinada pelos respectivos fins". Logo, "a dignidade objetiva dos fins determina necessariamente a absoluta superioridade da Igreja". O Vaticano sustentou poderes estatais, mesmo quando eles prometiam barbárie, como na Concordata (Reichskonkordat) com Hitler. O apoio ao Führer teve contrapartidas. O artigo 5.º do tratado indica: "No exercício de sua atividade sacerdotal, os eclesiásticos gozam da proteção do Estado, do mesmo modo que os funcionários do Estado". A Igreja proíbe atividades partidárias dos padres e movimentos leigos na Alemanha. Desarmados os católicos, o nazismo se fortifica. Hitler violou sistematicamente a Concordata.

No Vaticano II ocorre importante mudança na política acima. O apoio a Mussolini e a Hitler supunha extirpar liberais, socialistas e outros. A Gaudium et Spes proclama que "muitos e vários são os homens que integram a comunidade política e podem legitimamente seguir opiniões diversas (...) o exercício da autoridade política, seja na comunidade como tal, seja nos órgãos representativos do Estado, sempre deve ser realizado nos limites da ordem moral (...) de acordo com a ordem jurídica legitimamente estabelecida ou por estabelecer". Cautela diante dos líderes autoritários: "Os cidadãos (...) evitem atribuir demasiado poder à autoridade pública e não exijam dela inoportunamente privilégios e proveitos exagerados, de tal modo que diminuam a responsabilidade das pessoas, das famílias e dos grupos sociais".

Depois de Paulo VI a política vaticana vai do Concílio à Realpolitik. João Paulo II colabora para o enterro da URSS, o que libera forças democráticas. Mas, como provam M. Politi e C. Bernstein (Sua Santidade), ele foi silente em face de regimes como o de Pinochet, aliando-se a Reagan em feitos pouco defensáveis. Wojtyla/Ratzinger lançam o Termidor. "É preciso", proclama o Concílio, "reconhecer que a cidade terrena, a quem são confiados os cuidados temporais, se rege por princípios próprios". A maioridade foi reconhecida aos leigos. João Paulo II tutela os fiéis na vida pública e na Igreja. À hierarquia foi atribuído poder inaudito. Logo, a direção da Igreja gira em torno de si mesma, tolera descalabros éticos e políticos que levam à renúncia de Bento XVI. Nada foi deixado aos padres e leigos. Aumenta o êxodo rumo à indiferença religiosa, ao ateísmo.

Segundo K. Mannheim, "a Igreja Católica é a grande instituição que, pela primeira vez, planificou o lado social da cultura. Ela exibe muito saber deixando que seus integrantes externos façam experimentos na sua periferia. Quando eles fracassam a Igreja os desaprova ou excomunga; mas formas bem-sucedidas de ajuste e mudança fazem por vezes suas organizações lutarem pela própria Igreja. Assim ocorreu com as ordens monásticas e grupos missionários como Cluny e os Jesuítas". Francisco ressuscita esperanças dos que seguem a Teologia da Libertação. Mas os altares simultâneos para João XXIII e João Paulo II sinalizam uma complexa abertura pontifícia para várias saídas. Francisco mostra que não assume um discurso fechado, nem favorece a via progressista. O contentamento por seus gestos deve ser moderado pela prudência. Entusiastas não operam com a razão, mas com a vontade e o dogma, acolhidos como inquestionáveis. Quando publiquei meu doutoramento, defendido na França em 1978, João Paulo II era a esperança. Em Brasil, Igreja contra Estado, apresento análises, documentos à vista, nas quais mostro a lógica que move a Igreja moderna: afirmar sua soberania espiritual acima de Estados e sociedades, como na tese de Pio XI. O livro alerta os que imaginavam uma Igreja catequizada pelo socialismo.

Como resposta alguém proclamou, baseado apenas no desejo, "uma inegável tendência da Igreja na direção do projeto socialista, como o verificou o insuspeito historiador da Igreja R. Aubert, e outros analistas sérios" (Clodovis Boff, A Igreja da Esperança). O dito socialismo baseava-se no equívoco de identificar a tese marxista (a socialização dos meios de produção) e a Doutrina Social da Igreja (a propriedade social). Jogo semântico, para ser caridoso, o "socialismo" eclesiástico era desprovido de base histórica.

Na vida social, política, econômica ou religiosa, nada é "inegável", salvo para quem, em vez de pesquisar tendo a dúvida como corretivo, decreta, como o camarada Lyssenko, certezas catastróficas. A repressão de João Paulo II/ Bento XVI foi atenuada, mas nada indica que Francisco, que segue a Doutrina Social da Igreja, chegue ao socialismo ou prescreva heterodoxias morais ou místicas. Os governos também se acautelem: a Igreja apoia a ordem civil, mas busca acima de tudo preservar sua missão e defender seus espaços. Como diz Elias Canetti, perto dela "todos os poderosos dão a impressão de serem modestos diletantes". E diletantes enxameiam nos palácios brasileiros.