quarta-feira, setembro 07, 2016

A arte de fatiar - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/09

Um motivo pelo qual nunca me atrevi a cozinhar foi por me julgar incapaz de desempenhar uma das funções da especialidade: fatiar certos ingredientes. Se a culinária se resumisse a pratos com presunto, salaminho, pastrami, mortadela ou queijo-bola, seria fácil — bastaria pedir ao rapaz do açougue que tirasse 250 gramas de cada um na máquina de cortar frios. Mas ninguém será um cozinheiro de verdade se não dominar a fina arte de fatiar.

Vide o carpaccio. Como extrair de uma posta de filé ou lagarto aquelas lâminas diáfanas, quase transparentes? O truque é deixar a carne durante horas no congelador antes de seccioná-la. Já com os sashimis, o fatiamento é mais difícil, porque se dá com o peixe ao natural — o esmero estará na mão de quem corta e na precisão da faca, equivalente à das espadas dos samurais. Falando nisso, São Paulo perdeu há pouco o samurai dos sashimis: o inesquecível Tanji, que, em 50 anos de Liberdade, fatiou um oceano de salmões e atuns.

Fatiar uma pizza já não tem tanto mistério. Para dividi-la em oito pedaços, aplica-se uma carretilha em cruz à cobertura e à massa; depois, uma nova cruz em diagonal; e pronto — é só levantar as fatias com um garfo e servi-las. Mas, na única vez em que me aventurei a isto, devo ter aplicado muita força à carretilha, porque cortei também o fundo da caixa em que viera a pizza, com papel-manteiga e tudo.

Já cortar um bolo, torta ou pudim em fatias também exige "savoir faire", para que ele não se desfaça, despenque ou transborde da espátula até o prato. E, com isso, eu julgava ter esgotado o assunto.

Mas, agora, há um novo produto a ser fatiado. É a Constituição brasileira. Depois que Renan, Lewandowski e outros inauguraram esta prática, não há porque não continuar dividindo-a em fatias, a gosto do cliente.

Pelo fim da unicidade sindical - SÉRGIO AMAD COSTA

ESTADÃO - 07/09

Reforma trabalhista seria melhor ainda se viesse acompanhada de uma reforma na estrutura sindical


Caso a reforma trabalhista aconteça, ela será muito bem-vinda. Porém, melhor ainda será se ela vier acompanhada de uma reforma na estrutura sindical. Isso pelo fato de que dar prevalência ao acordado nas negociações coletivas, em relação a regras dispostas na legislação, é um grande avanço. Mas sua real eficácia acontecerá caso haja mudanças na sistemática que rege a organização dos órgãos de representação profissional.

Faz-se necessária a modernização do sindicalismo no Brasil, tornar os sindicatos mais representativos das reais aspirações de seus representados. Para isso é fundamental, além do fim dos tributos sindicais, dar cabo ao monopólio da negociação trabalhista, que é também uma viga mestra desta estrutura autoritária e pouco representativa.

Quanto aos tributos sindicais, já fiz minhas críticas em outras oportunidades. Vou me ater à questão do monopólio das negociações trabalhistas, garantido no País pelo princípio da unicidade sindical. Esse princípio é mais antigo no Brasil do que o malfadado “imposto” sindical. Essa regra surgiu com Getúlio Vargas, por intermédio do Decreto-lei n.º 19.770, de março de 1931, e está presente em todas as nossas Constituições, desde aquela época até os dias atuais. Com ela fica garantida a existência de apenas um sindicato, numa mesma base territorial, para uma determinada categoria de empregados, sustentando, assim, o monopólio da representação profissional.

O trabalhador, neste contexto, quando ingressa numa empresa como empregado, é automaticamenteenquadrado no sindicato da sua categoria profissional. Para a entidade, o profissional pagará os tributos sindicais sem saber, não raro, quem realmente o representa e como são negociadas as questões trabalhistas em seu nome. Portanto, esse princípio da unicidade sindical é uma afronta à liberdade de escolha dos representados.

Mas, além de tolher a liberdade de escolha, a unicidade sindical gera a ineficiência na maioria dos órgãos de representação profissional. Ela é provocada por um acomodamento dos sindicalistas, à medida que, prestando ou não um bom serviço aos seus representados, eles não têm de concorrer com outras entidades. Além disso, estão sustentados pelos tributos sindicais, que todos os empregados – gostando ou não do seu sindicato – são obrigados a pagar.

Há dirigentes trabalhistas que realmente acreditam que é importante manter o princípio da unicidade sindical, tendo como argumento a necessidade da unidade do movimento. Estão equivocados. Parecem confundir unicidade com unidade. Unicidade sindical é a obrigatoriedade de haver apenas um sindicato da categoria profissional na base territorial, enquanto unidade sindical é a possibilidade de haver um único órgão de representação profissional por vontade e livre escolha dos próprios representados. Ou seja, motivados por interesses de ações e procedimentos, a unidade é gerada pela fusão de vários sindicatos. É assim que ocorre nos países onde há o pluralismo sindical e que ratificaram a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Esse documento da OIT, denominado Convenção relativa à liberdade sindical e à proteção do direito de sindicalização, datado de 1948, não obriga a existência de mais de um sindicato por cada categoria profissional. O que ele garante é a possibilidade da existência da pluralidade de entidades quando for o desejo dos representados. Mais de 150 países ratificaram tal convenção, mas o Brasil, por pressão de sindicalistas que não querem perder o monopólio da representação, não é signatário dela.

Torcendo por uma reforma trabalhista que fortaleça as negociações coletivas, insisto também na necessidade da reforma sindical. Pois a possibilidade da existência do pluralismo dos órgãos de representação profissional trará uma sensível melhoria na qualidade das negociações. Este é o caminho para encontrar pontos de equilíbrio entre as reivindicações dos empregados e as reais possibilidades das empresas.

*É professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas da FGV-SP

Ueba! Dilma vira síndica! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 07/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Manchete do "Sensacionalista": "Vizinhos temem que Dilma vire síndica do prédio onde vai morar no Rio".

Imagine ela explicando uma cobrança de 30%: "Não se trata de 30%. É 27,5% de 12%. Portanto 30% não é 30%".


E o subsíndico não pode ser do PMDB, senão vai ter golpe!

Rarará!

"Piauí Herald": "Temer e Serra fazem escala na Transilvânia".

O Serra parece um zumbi! De vampiro virou zumbi, deu um upgrade no mundo do terror!

Rarará!

E hoje é Dia da Pátria! Dom Pedro 1º levantou a espada e gritou: "Fora, Temer".

Rarará!

E o chargista Fred: Dom Pedro 1º levantou a espada e gritou: "Vai Dar Merda!". Não deu outra. Aula de história: Dom Pedro 1º levantou a espada e comeu a marquesa de Santos!

E um amigo meu levantou a espada e gritou: " Sexo ou Morte".

E afanaram a carteira do Suplicy na passeata. Cem mil pessoas e vão afanar justo a carteira do Suplicy! Do Groselha! Foi um black bloc!

Rarará!

Eu acho que foi a carteira que roubaram na Virada e ele só percebeu agora! Rarará!

Quando ele não perde, dão um jeito de perder as coisas dele. Eu acho que ele esqueceu a carteira roubada em casa!

Rarará!

Protesto Kids!

Na Paulista tinha uma menininha segurando um cartaz: "Fora, Michelzinho". Sobrou pro Michelzinho.

E quando eu era pequeno tirei zero na aula de música porque não sabia cantar o Hino Nacional.

E tô vivo até hoje!

É mole? É mole, mas sobe!

A Galera Medonha! Candidatos!

De Volta Redonda (RJ): "DIBRUÇO! Mude de posição! Vote Dibruço". A melhor posição pra votar é dibruços mesmo, porque já sabe que vai levar ferro!

E de Marechal Deodoro, Alagoas: "Plinio, o Corno". Se todo corno do Brasil votasse nele em solidariedade, virava presidente!

Rarará!

E direto de Curitiba: "Pirulito Cowboy". Deve ser assistente do Moro! Caçar petista a cavalo!

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Roteiro para o fracasso - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 07/09

Se o governo de Michel Temer quiser fracassar, é fácil. O roteiro é: tirar qualquer direito de acesso ao FGTS em pleno mar de desemprego, dar novos aumentos ao topo do funcionalismo público, mandar mensagens ambíguas sobre o ajuste fiscal, adiar a reforma da Previdência e acreditar que a aprovação do teto para as despesas resolve todos os problemas fiscais.

Começando pelo mais perigoso: este jornal publicou no sábado que o governo pensa em mudar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para torná-lo de fato uma poupança de longo prazo. A questão é como fazer isso. Na equipe econômica, a explicação que se dá é que o Ministério da Fazenda vai abrir licitação para recolher opinião de especialistas que têm tratado do tema, para refletir sobre vantagens e desvantagens das propostas.

Isso não é hora nem tema de exercício acadêmico porque vai provocar muito ruído. Cada ideia enviada vai ser tratada como uma ameaça concreta e pode provocar aquilo que se tenta evitar, que é o excesso de rotatividade para se ter acesso ao fundo.

A ex-presidente Dilma acusou no plenário do Senado o governo Temer de querer impedir o acesso aos saques do FGTS. A resposta do Planalto foi uma miscelânea de negativas que não dava a devida ênfase à acusação mais grave. Qualquer movimento do governo Temer nessa área será entendido como a confirmação da acusação de Dilma e vai alimentar mais reação contra um governo que já não é popular. O governo Temer será ferido de morte se criar obstáculo ao acesso ao FGTS.

Com o Fundo, o único caminho é ampliar direitos e não diminuir. Direito de portabilidade e de maior remuneração. O detentor da poupança deve ter a liberdade de decidir em que banco seu dinheiro ficará aplicado, para que assim possa negociar uma rentabilidade mais alta do que os atuais TR mais 3%. Se for isso, e só isso, que seja explicado de forma bem clara. Não se aceitam ambiguidades e disse-me-disse quando o assunto é a poupança das pessoas. Em outros países em que existe poupança compulsória no estilo do FGTS não há um monopólio de banco público como gestor do dinheiro, como é a Caixa Econômica no Brasil, nem uma limitação da remuneração abaixo da inflação. Hoje o cotista do Fundo é sub-remunerado, e o dinheiro dele serve para subsidiar empresas. É um Robin Hood às avessas. O único caminho de mudar é o de aumentar direitos, e não tirar, de garantir maior remuneração para o capital do trabalhador.

A reforma da Previdência é um tema árido, mas necessário. Há fortes argumentos para defendê-la. A reação contra ela existe, mas o governo deve travar a batalha de mostrar que não podemos deixar tudo como está quando os benefícios previdenciários consomem 55% das receitas em um sistema que tem privilégios e aposentados precoces. O presidente já havia me adiantado que mandaria a reforma antes das eleições, mas a pressão da base é grande para que ela fique para depois. O adiamento seria a repetição do truque de deixar a má notícia para o fechamento das urnas. Será que alguns governistas não entenderam o caso recente? Dilma Rousseff deixou para depois das eleições o tarifaço de energia, o aumento da gasolina, e escondeu o rombo fiscal fazendo empréstimos em bancos públicos. Hoje ela é ex-presidente.

Este governo recebeu uma herança pesada na área econômica e terá muita dificuldade de tirar o país da crise. A situação é grave. Um dos erros que já cometeu foi o de ceder tão completamente às exigências do funcionalismo público e aprovar aumentos que contrariam a lógica. Uma pessoa no início da carreira de defensor público ganhará 85% do que recebe a pessoa que está no topo da carreira. Não é assim em lugar algum do mundo. É difícil consertar isso, mas o caminho fácil de ir aprovando os reajustes com medo das greves vai inviabilizar as contas públicas federais. O reajuste para os ministros do STF, se for concedido, vai acabar de quebrar os estados.

O teto para as despesas públicas é um dos projetos para deter o aumento constante dos gastos acima da inflação, mas não é a panaceia. Não há o remédio universal para uma situação tão difícil quanto a brasileira. Quem subestimar essa crise será derrotado por ela.

Desde 2005, salário médio de servidor sobe mais que no setor privado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 07/09

Os reajustes dos servidores federais vão custar uns R$ 62,7 bilhões para o governo nos anos de 2016, 2017 e 2018. Nessa conta, passa também o aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal —e seus impactos—, já aprovado na Câmara, mas não no Senado.

É muito? Em relação ao quê? A esta altura, o governo federal investe "em obras" R$ 48,3 bilhões por ano (despesas reais do PAC nos últimos 12 meses).

É um dinheiro considerável, em especial porque não existe. Os recursos sairão de outras despesas (dos investimentos?) ou virá mais dívida pública, que cresce sem limite.

No entanto, não é possível deixar o funcionalismo sem reajuste, sem mais.

Na exposição de motivos do Ministério do Planejamento, a despesa federal com os servidores não tem crescido muito: 0,8% ao ano além da inflação (ou seja, em termos reais) desde 2009. Nos Estados, essas despesas, ainda segundo o governo federal, cresceram 4,7% ao ano. Uma disparidade enorme, um fator da falência de muitos Estados.

Note-se de passagem que a variação da despesa não diz necessariamente nada sobre a variação dos salários dos servidores (pode ter havido variação do número total de servidores e dos salários de quem entrou e saiu, por exemplo).

Segundo o governo, os servidores dos Três Poderes federais receberam em média reajustes de 18% entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015, ante uma inflação de 40,6%. No período, os trabalhadores da iniciativa privada tiveram reajustes de 49,2%, diz o governo com base no Dieese.

É possível. É possível pensar também a evolução dos rendimentos de outro modo. As estatísticas de rendimentos do trabalho de série mais comprida eram as da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, encerradas em fevereiro de 2016. Referiam-se apenas às seis maiores metrópoles do país, mas eram bastante representativas.

De 2011 a 2015, o rendimento médio dos empregados do setor privado subiu 4%, para R$ 2.019 (muita gente pode ter tido reajustes maiores, mas, na vida real média, o salário subiu apenas 4%).

De 2011 a 2015, a despesa média do governo com servidor da ativa subiu 6,7%, para R$ 9.290 mensais (nas contas deste jornalista). Outra vez, pode haver muita gente que não teve reajuste. Ressalte-se, o "salário" médio pode ter subido porque mais gente entrou no serviço público ganhando mais, entre outras hipóteses apenas aritméticas.

De 2005, começo dos anos dourados lulianos, até 2016, em plena ruína dilmiana, o rendimento médio dos empregados do setor privado subiu 20,9% acima da inflação, segundo contas feitas com dados da PME. No setor público, o rendimento médio subiu 33,9%, na mesma pesquisa (a informação abrange salários de servidores federais, estaduais ou municipais).

É possível que mais servidores qualificados tenham sido contratados, difícil dizer agora. Mas a despesa média com servidor tem crescido, além da variação dos salários no setor privado.

Enfim, não é possível discutir reajustes, mais ou menos merecidos, sem repensar o conjunto da despesa, a estrutura das carreiras, a eficiência do trabalho e as aberrações previdenciárias do setor público, ainda mais neste momento de ruína do Estado, desemprego e quedas dos salários reais.

Infiltração - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 07/09

Há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer



Dia da Independência, feriado, teto furado? Transcorridos sete dias do impeachment de Dilma Rousseff e do impasse constitucional por ele criado, a votação fatiada do Artigo 52, há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer. A base aliada está rachada? Há problemas na articulação interna do PMDB? Por que Henrique Meirelles, depois de tanto propalar a importância da reforma da Previdência, disse que não há pressa? Quais os riscos para a proposta de emenda constitucional que prevê a criação do teto de gastos? Será o teto erguido com graves problemas de infiltração? Como as revelações de infiltrações abjetas nos principais fundos de pensão influenciará as perspectivas para a retomada do crescimento? A essa altura, já é possível imaginar escrever um artigo que contenha apenas perguntas.

Em meio à lista de intermináveis perguntas que o cenário pós-impeachment impôs, houve somente uma resposta. Ao contrário do que ainda pensam alguns analistas do mercado, o Banco Central não haverá de reduzir os juros tão cedo. Os 14,25% ao ano que aí estão, conosco permanecerão. O comunicado do Copom após a última decisão de política monetária – decisão tomada no dia fatídico de Dilma, e, portanto, por esse evento ofuscada – com a ata da reunião recém-divulgada detalham todos os fatores condicionantes para que o BC inicie a tão almejada redução dos juros.

É preciso que: “a persistência dos efeitos do choque de alimentos na inflação seja limitada; os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica indiquem desinflação em velocidade adequada; ocorra redução de incerteza sobre a aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia, incluindo a composição das medidas de ajuste fiscal, e seus respectivos impactos sobre a inflação”. Contudo, o documento ressalta que a alta dos preços dos alimentos persiste, que a velocidade do processo desinflacionário tem sido menor do que a desejada, que as projeções de inflação de curto prazo estão acima de níveis desejáveis.

O Copom também fez outra mudança importante em seu comunicado. Deixou de explicitar expectativas em relação às tendências futuras da inflação para enfocar os fatores econômicos que poderiam alterar suas decisões ao longo do tempo. Dito de outro modo, aquela história de falar em horizontes de convergência que a experiência recente mostrou jamais se confirmar cedeu ante o desgaste dessa estratégia e a necessidade de ser, de fato, mais eficaz explicar quais são os temas que fariam o Banco Central mudar de ideia em relação aos rumos futuros dos juros.

Vem em boa hora essa alteração na comunicação, ainda que sua tendência seja a de amarrar o Copom a determinados desfechos. O Copom diz que não, que seus fatores condicionantes não são nem necessários, nem suficientes para que comece a pensar na distensão da política monetária. Contudo, é difícil acreditar que farão cosquinha nas taxas de juros, caso as reformas necessárias não passem no Congresso, ou que demorem a passar.

Para quem achava que a primeira queda da Selic poderia vir em outubro ou novembro, o sonho acaba de ficar mais distante. O ministro da Fazenda já sinalizou que a reforma da Previdência haverá de demorar mais, para consternação de alguns membros da base aliada, notadamente para o PSDB. Além disso, há dúvidas ponderáveis sobre em que consistirá o teto para os gastos e sobre se, como disse-me recentemente Luiz Roberto Cunha, estará repleto de goteiras.

Caso venhamos a ter um teto para os gastos com goteiras, o que fará o Banco Central? Continuará a segurar os juros em 14,25% ao ano? Tomará a iniciativa de reduzi-los, reconhecendo que a economia brasileira já não aguenta taxas de juros, descontadas as expectativas de inflação, de 8,5% ao ano? Ao que transparece da ata, provavelmente não, embora devessem considerá-lo. Diante dos mais recentes descalabros políticos, o cenário mais provável é de que as incertezas perdurem. Incertezas que infiltram as paredes e o teto, tornando o País um verdadeiro espetáculo de mofo e degradação.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

Reclamações de um fatiado - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 07/09


Julgamento confirmou como somos especialistas em fechar uma porta para abrir a porteira. Foi isso, não a exaltação da oposição, que transformou o Senado num hospício


O que dizer depois de assistir ininterruptamente ao julgamento da presidente da República, Dilma Vana Rousseff, ao vivo e em cores, comendo e dormindo mal, senão declarar que fui — junto com a Constituição — esfaqueado — ou, para ser juridicamente mais elegante, fatiado.

Depois de uma gestação, de um show de hierarquia e de lastimáveis rapapés, nasceu um aborto político-jurídico generoso para com quem manda. Graças a um brasileirismo chamado “fatiamento”, quem deixou de ser rainha por irresponsabilidade administrativa continua a “ser majestade”. E fica mais um problema para atormentar as nossas almas machadianas.

O julgamento confirmou como somos especialistas em fechar uma porta para abrir a porteira. Foi isso, não a exaltação da oposição, que transformou o Senado Federal num hospício. Eis que Renan Calheiros virou uma garrafa de Klein. Aquele recipiente sem boca ou fundo, pois, num primeiro ato, o senador defendeu aos berros o Senado, mas, no final, sua repulsa esvaiu-se no acordão que me acordou. Todos são companheiros e inimigos simultaneamente. O básico é que estão com a caneta do poder.

Consciente, enfrento o meu ceticismo antropológico. Ele me diz que, mesmo num mundo globalizado, cada sistema continua a fazer certas coisas a seu modo e jeito.

No nosso caso, a abundância de tribunais, de polícias e de leis testemunha os inúmeros espaços pelos quais as normas se contradizem e adormecem a sinceridade. Muitas leis têm como objetivo a ambiguidade, e lidar com o ambíguo não é apenas coisa para santo ou poeta, mas faz surgir o especialista em chicana e má-fé.

O paradoxal espaço carnavalesco precisa do malandro. Esse herói dominante, dramatizado por Mário de Andrade, em 1928, em “Macunaíma”. Retomei o tema no livro que você não deve ter lido “Carnavais, malandros e heróis”, em 1979, quando estudei Pedro Malazartes como o modelo de todos os “sabidos”. Não seria ele o fundador do nosso populismo qual permanente fábrica de otários e inocentes úteis?

Somos todos “legalistas”, sobretudo na ilegalidade — quando usamos uma lei contra outra, o que, como estamos vendo à exaustão, leva ao assassinato do senso comum, obrigando a duvidar do real, mesmo correndo o risco de erradicar a vergonha e a honra. Fatiamos tudo. Até mesmo as normas, empurrando suas sobras para um outro colo. O resultado é a institucionalização da dúvida e da mentira como sagacidade no campo politico-moral. Quem não mente de cara limpa, quem não defende o indefensável é um otário. Ser malandro é saber “arrumar-se” e realizar tudo o que temos visto mais contundentemente a partir do mensalão e do petrolão, culminando — graças à Lava-Jato e a uma crise desmedida — com o afastamento da presidente.

Seria pueril de parte de um velho praticante, por mais de 60 anos, do ofício de antropólogo ser contra o ambíguo e o paradoxal. O sombreado do mal-entendido é inevitável no mundo social. Caso contrário, não existiriam mitologias ou marginalidades, como ensinava Victor Turner. Sem diferentes pontos de vista, moinhos de vento não poderiam virar como gingantes como ocorre no “Dom Quixote”.

Do mesmo modo, eu vejo a canalhice disfarçada de marxismo vulgar justificando a criação de uma autêntica “nomenclatura” e de um projeto político autojustificável porque nele está enfiada a palavra “pobre” como um conceito cristão, e isso suspenderia todos os juízos morais e todas as boas normas de competência.

George Orwell nos ensinou que guerra pode ser paz e que a mentira vira verdade. No Brasil, o “superior” não apenas mente — como é da índole dos que estão por cima — ele deve mentir. Primeiro, porque isso faz parte da ética de dominação aristocrática, onde existem os companheiros e os outros; depois, porque todos tinham a mais absoluta certeza da impunidade. E, na punição, haveria um recurso. Para os inferiores, porém, não haveria nuance ou condescendência. Haveria apenas o fato e a realidade da pena. Mas, para os “especiais” que “obram”, e obram em abundância, “nada pegaria.”

Se isso não é hierarquia e um resíduo aristocrático do tamanho de um rinoceronte, eu não sei quem sou. Se não podemos acabar com a malandragem, podemos ao menos pensar como essa lógica dúplice pode liquidar o Brasil. Afinal, deve haver um limite para a autodestruição.


Respeito à teoria econômica - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/09

Respeito à teoria econômica é lição a tirar nestes 10 anos de coluna


São DEZ anos como colunista da Folha. Por termos dez dedos nas mãos, a data motivou uma visita ao que foi escrito no período, cerca de 220 mil palavras distribuídas ao longo de quase 650 páginas. Muita coisa, boa parte dela irremediavelmente datada, presa a debates que faziam muito sentido à época, mas, lidas hoje, não parecem ter relevância para entender o momento do país.

Algumas colunas, contudo, se não proféticas, ao menos servem para indicar que vários dos problemas que agora enfrentamos, da questão fiscal à inflação, passando pelo infindável debate sobre a taxa de câmbio, assim como a notável ineficiência microeconômica do país, não representam novidade nenhuma. Pelo contrário: eram nós a serem desatados já em 2006 e continuam a sê-lo em 2016, constatação triste para um país condenado à reforma.

Sintomaticamente, minha primeira coluna neste espaço tinha por título "Ajuste fiscal ou morte!", e desenvolvimentos posteriores deixam claro que optamos pela segunda alternativa. Na mesma linha, as dívidas estaduais e as contínuas tentativas (agora exitosas) dos Estados no sentido de obter favores do governo federal foram objeto de análise algumas vezes, todas alertando para os riscos de soltar as rédeas das finanças locais, o que também acabou se materializando.

Há ainda um conjunto de artigos explorando a frouxidão e a subserviência do Banco Central no período Alexandre Pombini, advertindo de forma muito clara que a contrapartida da posição servil do BC seria a inflação persistentemente acima da meta.

Erros ocorreram e não foram poucos (deixo aos interessados a tarefa de garimpá-los); ouso, porém, dizer que os acertos foram mais comuns ao longo destes dez anos. Não houve mágica, apenas a disposição de encarar a teoria econômica como um instrumento útil para interpretar tanto a realidade como as decisões de política econômica, que, na imensa maioria dos casos, se mostraram mais equivocadas do que corretas.

Concretamente, não era difícil concluir que o arranjo da Nova Matriz Econômica, pobre órfã, iria dar com os burros n'água. Bastava saber, como ensinado em qualquer curso decente de macroeconomia, que estímulos à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno emprego iriam se traduzir em inflação elevada e desequilíbrios externos.

A teoria econômica, assim como a história, também nos havia ensinado os efeitos de controles de preços, seja a perda de eficiência a eles associada, seja a inevitável explosão que se segue a um período de congelamento, tanto maior quanto mais extenso o intervalo de tempo.

Não havia, por fim, como escapar da conclusão de que desequilíbrios fiscais persistentes teriam consequências particularmente danosas para o país. Não era necessária clarividência: apenas conhecimento da nossa história, bem como a de outros países que haviam passado por processos semelhantes.

Se resta, assim, uma lição a tirar dos últimos dez anos, é que a boa teoria, aliada ao respeito pelos dados, é imprescindível à análise econômica e, mais importante, à formulação de política. Não tivesse sido abandonada com enorme sem-cerimônia, provavelmente estaríamos em situação bem melhor do que nos encontramos.

E eu teria de achar outros assuntos.

Obrigado pelos dez anos; que venham outros tantos.


À espera da ação penal contra Lula - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 07/09

Entendeu-se que há culpa em sua conduta e por isso deve responder perante a sociedade



Sempre se repete o velho ditado caipira segundo o qual a gente não deve brigar com quem usa saia, ou seja, mulher, padre e juiz. O ex-presidente Lula, com sua primariedade cultural e nada invejável educação, alguns meses atrás mandou o juiz Sergio Moro enfiar num determinado lugar o processo judicial no qual era investigado – e repetiu aquelas duas letras, tão conhecidas e sempre evitadas. Milhões de pessoas ouviram a frase, repetida várias vezes pelas rádios, televisões e pelos jornais.

Por essa ofensa, com certeza o exemplar magistrado não decairá de sua grandeza na hora de julgá-lo e sentenciá-lo, caso tenha havido descumprimento da lei. Mas, sem dúvida, Lula tem razões de sobra para estar com os nervos à flor da pele, pois bem sabe o tamanho da grosseria feita. Para sua sorte, o juiz não é igual a ele e por isso mesmo não se deve esperar um gesto de vingança, mas tão somente um julgamento como tantos outros.

Na relação processual entre o Estado e o réu, o juiz não é parte e por isso tem o dever de agir sempre com absoluta imparcialidade. As decisões de Sergio Moro às vezes podem mostrar-se por demais rigorosas, porém é necessário ter em conta que ele está submetido ao que dispõe a lei, ou seja, o juiz não deixa de ser a lei vivificada, que fala por sua pessoa.

Crimes de extrema gravidade praticados contra o Estado brasileiro e sua principal empresa, a Petrobrás, resultaram em decisões judiciais em favor da prisão de empresários e políticos extremamente rico e sem nenhum escrúpulo. Sempre se dizia que rico no Brasil não vai para a cadeia, e sim para Miami; mas agora, inaugurando uma fase bastante promissora de nossa história política e social, vê-se que dinheiro e poder não têm servido para retirar das grades os detentores de grandes fortunas.

Vê-se também que tanto faz para um juiz que o infrator seja a pessoa mais simples do planeta ou uma figura presunçosa e arrogante que se apresenta como o homem mais honesto do Brasil, ao mesmo tempo que não consegue explicar as razões de o dinheiro desviado da Petrobrás ter servido para reformar determinado apartamento no Guarujá e um sítio em Atibaia.

A relevância da conduta antijurídica pode estar não apenas na propriedade ou não desses dois imóveis, mas também na circunstância afrontosa de aceitar dinheiro sujo para reformá-los. Ainda que o imóvel possa ser de terceiros, se o nada educado ex-presidente usou tal dinheiro para reformar os imóveis, é claro que terá de responder por isso.

O pior para seu estado psicológico é que o juiz com competência e obrigação de julgá-lo poderá ser mesmo aquele a quem ofendeu grosseiramente, em público, numa torpe valentia. O inquérito policial que indiciou Lula por vários crimes corre pela Justiça Federal e está umbilicalmente vinculado à Operação Lava Jato.

O inconformismo do ex-presidente e o seu rancor contra Sergio Moro ganharam expressão quando foi coercitivamente levado para depor, no contexto da Operação Alethéia (24.ª fase da Lava Jato), acompanhado de policiais federais. Na verdade, tratava-se de um ato de rotina, porque quando o juiz pretende ouvir algum investigado, mas pressente que ele poderá fugir ao ser oficialmente intimado para depor em determinada data, é normal optar pelo comparecimento coercitivo.

Esse procedimento é frequente e, no caso de com Lula, repita-se, tratou-se de um ato de rotina, sem representar nenhuma afronta à sua vida de político e de ex-presidente da República, tampouco qualquer perseguição pessoal. Afinal, todos são iguais perante a lei, mesmo presidentes ou ex-presidentes da República, porque igualmente amam, sofrem, choram, têm dor de barriga.

O poder moral do juiz e seu senso de justiça estão assentados na segurança que advém da lei e das normas de direito presentes na vida de uma nação. Nessa linha, o poder coativo da lei não permite desigualar pessoas, ainda que ostentem títulos e fortuna.

Reitere-se: sem decair de sua grandeza, o juiz Sergio Moro não se sentirá impedido de julgar alguém que procurou ofendê-lo ou outros desses políticos que pensavam ser donos do Brasil e enriqueceram com dinheiro sujo, ao mesmo tempo que o grau de pobreza da população brasileira a cada dia se mostrava maior.

O ato agressivo de Lula contra o direito, quando mandou o juiz enfiar o processo naquele lugar, faz lembrar o fenômeno do ciúme no amor, que muitas vezes se volta contra si mesmo e acaba por destruir aquilo que pretendia resguardar.

Como se divulgou, em inquérito policial levado a efeito pela Polícia Federal Lula foi indiciado, ou seja, entendeu-se que há culpa envolvendo a sua conduta e que por isso deverá responder perante a sociedade. O indiciamento não é um ato discricionário da autoridade policial, para ter validade jurídica deve se basear em provas suficientes para tal.

O propósito do Estado ao investigar e apontar o autor do delito tem por base a segurança da ação da Justiça e do próprio acusado. Há, em verdade, uma instrução prévia, pela qual a polícia judiciária reúne as provas preliminares que sejam suficientes para apontar, com razoável segurança, a ocorrência de um delito e seu autor.

A pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada a contar do momento em que, no inquérito policial instaurado, são claras as possibilidades de ser ela o agente responsável pelo delito. Depois do indiciamento, ainda que possa vir a ser absolvida, em sua folha de antecedentes sempre figurará a informação constrangedora.

Os crimes imputados a Lula são de ação penal pública. Isso quer dizer que o Ministério Público, pela Lei n.º 8.038/90, tem o prazo de 15 dias para oferecer denúncia ou pedir o arquivamento do inquérito.

*Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário de justiça do Estado de São Paulo. 

Sangria na saúde - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/09

O Brasil parece estar finalmente acordando para o fato de que as despesas obrigatórias do Estado não podem (pelo menos não indefinidamente) crescer num ritmo superior ao do aumento do PIB. Se tomarmos as medidas necessárias para estancar a sangria, setores estratégicos como educação e saúde passarão por alguns anos de vacas ainda mais magras do que as habituais. Caberá aos administradores do sistema encontrar maneiras de aumentar a eficácia dos gastos para reduzir, na medida do possível, os prejuízos ao cidadão.

Nesse contexto, merece especial atenção a chamada judicialização da saúde. Uma interpretação exótica do artigo 196 da Carta, que afirma que "a saúde é direito de todos e dever do Estado", tem feito com que um grande número de juízes conceda liminares que obrigam o SUS a bancar toda espécie de tratamento, mesmo que custem os olhos da cara e não tenham comprovação científica.

O resultado se mede em bilhões de reais. A mais recente estimativa do Ministério da Saúde fala em R$ 7 bilhões ao ano. Juízes precisam ter em mente que os orçamentos são finitos. Se determinam que um único paciente receberá um quinhão grande da verba, estão tirando recursos que poderiam beneficiar outros doentes. Nossa tendência é sempre valorizar casos que têm nome e história, em detrimento de estatísticas sem rosto, mas esse é um viés humano incompatível com a lógica da administração pública, para a qual o sujeito que pede uma liminar não deveria ter nenhum tipo de preferência sobre os milhares que não vão à Justiça.

Como ocorre em qualquer sistema de saúde pública pautado pela racionalidade, o SUS só deveria pagar tratamentos definidos previamente pelo administrador, segundo um cálculo que leve em conta custos e benefícios. A lista, é claro, precisa acompanhar os desenvolvimentos da medicina. Seguir essa cartilha às vezes é cruel, mas não vejo outra saída.

Cristina Kirchner oscila entre o Congresso e a prisão - JOAQUÍN MORALES SOLÁ

O Globo - 07/09

O destino da ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner parece oscilar entre o retorno à política eleitoral ou a ida para a prisão. Na Província de Buenos Aires, o único lugar onde Cristina poderia poderia postular uma vaga como legisladora com certo êxito, a esperam eventuais candidaturas de mulheres fortes, arquitetas em grande parte de seu atual infortúnio judicial: Elisa Carrió e Margarita Stolbizer. Na Justiça, tropeçou em dois juízes acima de qualquer suspeita: Julián Ercolini e Claudio Bonadio. Deve ainda enfrentar a investigação de três procuradores implacáveis: Carlos Rívolo, Guillermo Marijuan e Gerardo Pollicita, responsáveis pela coleta de provas para aqueles juízes. É provável que a ex-presidente acabe presa. Ela sabe disso. A pergunta para a qual ninguém tem resposta (e ela menos ainda) é quando ocorrerá essa sentença. Antes ou depois de uma eventual candidatura sua ao Senado Nacional pela Província de Buenos Aires?

Fontes da Justiça Federal garantem que é iminente que o juiz Ercolini convoque Cristina para depor sobre a organização de um sistema de corrupção com obras públicas que transformaram Lázaro Báez em multimilionário. Os procuradores Pollicita e Ignacio Mahiques solicitaram o depoimento e a acusaram de fraude contra a administração pública e de negociações incompatíveis com a função pública. A novidade é que o juiz concordou com o pedido dos promotores para citar Cristina no inquérito. Ercolini, um juiz com fama de honesto, cumpre com o ritual de todos os juízes federais: jamais citam importantes figuras públicas em inquérito se antes não obtiverem o processo escrito. “Não se faz esse tipo de citação para depois resultar numa falta de mérito”, explicam os especialistas.

Ercolini tem as acusações mais graves que pesam sobre Cristina: conspiração, Hotesur e os gastos arbitrários na administração nacional de estradas. Estes últimos dois casos vinculam estreitamente a ex-presidente a Báez. Bonadio a investigou e a processou pela venda de dólares no mercado futuro e, agora, aperta o cerco sobre ela no caso da empresa Los Sauces. Carrió e Stolbizer foram as denunciantes.

Outro juiz que investiga o kirchnerismo, Sebastián Casanello, instrui o processo contra Lázaro Báez por lavagem de dinheiro. Há uma disputa surda entre este juiz e o único salão nobre da Câmara Federal (integrada pelos juízes Irurzun, Cattani e Farah). Casanello sustenta que a lavagem de dinheiro é um delito autônomo e que não é seu assunto, por ora, vasculhar o delito precedente. A Câmara já apelou ao “senso comum” para assinalar que a Justiça deve investigar como se gerou o dinheiro que foi lavado. Casanello replica que esta questão está nas mãos de Ercolini, que é quem efetivamente está investigando como Báez se converteu de pequeno empreendedor, que ganhava 3.500 pesos em 2003, em uma das principais fortunas do ramo da construção, 12 anos mais tarde.

A conclusão dos promotores Pollicita e Mahiques é que Báez recebeu nesses anos quase 80% das obras públicas de Santa Cruz. Neste período, o feudo dos Kirchner recebeu tantas obras públicas quanto oito províncias juntas no mesmo período (La Pampa, Tucumán, Tierra del Fuego, Jujuy, San Luis, Catamarca, Neuquén e Misiones). E obteve 11% mais em orçamento executado em obras públicas do que a Província de Buenos Aires, o distrito mais extenso e populoso do país.

Báez tinha, segundo a investigação em poder de Ercolini, um canal especial de pagamento preferencial. Seus contratos foram prorrogados e nunca se verificou o andamento das obras. Tampouco foi acionado por descumprimentos. Em síntese, o patrimônio de Báez cresceu 12.127% entre 2002 e 2014. Entre 2008 e 2013, Báez pagou aos Kirchner US$ 4 milhões e 12 milhões de pesos mediante o aluguel de residências que não usava nos hotéis de Hotesur. Clássica lavagem.

Algo semelhante ocorre com a empresa Los Sauces, propriedade da família Kirchner e dona de oito edifícios que eram alugados por Báez e Cristóbal López, outro empresário bem próximo ao regime anterior. A investigação realizada pelo juiz Bonadio e o fiscal Rívolo descobriu algumas irregularidades que os deixaram atônitos. Por exemplo, a casa de Río Gallegos onde Cristina Kirchner vive hoje, que está em nome de Los Sauces, foi comprada a princípio pelo empresário imobiliário Osvaldo Sanfelice, sócio de Máximo Kirchner e suspeito de gerir vários negócios da ex-família presidencial. Sanfelice comprou esta casa por 200 mil pesos e as vendeu aos Kirchner, quatro meses depois, por US$ 250 mil. A residência teve seu valor aumentado em 500%, de acordo com a taxa de câmbio da época, em apenas 120 dias. Nada se parece mais com lavagem.

Outra surpresa foi quando a empresa Los Sauces declarou que os livros contábeis da firma haviam desaparecidos. Uma investigação do procurador Rívolo os encontrou em um escritório ocupado por sua presidente, Romina Mercado, sobrinha de Cristina, em uma propriedade de Sanfelice. Nestes livros contábeis apareceram adiantamento de dividendos a seus acionistas (Cristina e seus filhos), mas nenhum desses movimentos contábeis apareceram na movimentação bancária da empresa. Poderia também se tratar de uma manobra para lavar dinheiro.

A prisão de uma pessoa por corrupção só é possível se houver risco de fuga ou se tiver poder de obstruir a investigação. Os juízes perceberam que Cristina cumpre religiosamente com suas obrigações judiciais. Com má vontade, mas as cumpre. Ercolini estaria disposto a enviar o quanto antes à audiência as corrupções de Vialidade e Hotesur. E o processo poderia condená-la à prisão. Terminará antes ou depois das eleições? Esta pergunta não teria sentido se os foros deixassem de proteger os políticos por delitos que estivessem sendo investigados antes de se tornarem candidatos.

Golpe nos fundos de pensão - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 07/09

Muito mais amplas do que as já conhecidas devem ter sido também as vantagens indevidas – para dizer o mínimo – que o esquema propiciou a seus operadores e sócios



Ao expor graves evidências de “gestão temerária e fraudulenta” que resultou no desvio criminoso de R$ 8 bilhões nos quatro maiores fundos de pensão das estatais, a Operação Greenfield, lançada na segunda-feira passada pela Polícia Federal, mostrou também que pode ser muito maior o alcance do aparelhamento da administração pública federal e de suas empresas pelo PT e por seus aliados. Muito mais amplas do que as já conhecidas devem ter sido também as vantagens indevidas – para dizer o mínimo – que o esquema propiciou a seus operadores e sócios.

A operação atinge os fundos Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica), Previ (Banco do Brasil) e Postalis (Correios). Autorizada pelo juiz titular da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal a pedido do Ministério Público, a operação envolveu a prisão de 5 suspeitos, a condução coercitiva para prestar depoimentos de cerca de outros 30 e o bloqueio de bens dos investigados no montante equivalente ao total dos desvios estimados. Essas medidas atingiram ex-dirigentes de empreiteiras como OAS e Engevix, ex-administradores dos fundos e proprietários de grandes empresas como J&F, Gradiente e WTorre.

O objeto das investigações é um grande esquema de corrupção baseado na realização, pelos fundos de pensão, de investimentos temerários ou simplesmente ilícitos em benefício de grandes empresas, em troca do pagamento de propina a gestores desses fundos e a políticos. Como se trata de investigação no âmbito da primeira instância, a operação não alcança políticos com mandato eleitoral, que têm direito a foro privilegiado. Mas as investigações devem produzir indícios de envolvimento de figurões da política. O fato de um dos investigados ser o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, já condenado no processo do petrolão, coloca o próprio PT no centro das investigações.

Na gestão petista, os fundos de pensão se tornaram o segundo maior financiador dos projetos de infraestrutura do governo, atrás apenas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É lícito e necessário que esses fundos invistam seus bilionários recursos em benefício de seus mutuários, de modo que possam cumprir seu objetivo de oferecer aposentadoria e pensão complementares aos empregados das empresas estatais. Mas sindicalistas filiados ao PT e protegidos do PMDB, as duas maiores legendas que controlavam esses fundos, transformaram os investimentos – que deveriam ser decididos de acordo com critérios técnicos, de modo a reduzir os riscos e propiciar melhor rentabilidade – em generosa fonte de enriquecimento pessoal e de financiamento do projeto de poder do partido dominante.

A prática petista de meter a mão no dinheiro de trabalhadores em benefício do partido ou para enriquecimento pessoal de seus prepostos já se evidenciara, em proporções muitos menores, quando o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo foi denunciado pelo Ministério Público Federal como um dos responsáveis pelo esquema criminoso por meio do qual era cobrado um “pedágio” de aposentados que contraíam empréstimos consignados. Não por coincidência, o ex-tesoureiro Vaccari Neto também está envolvido naquelas investigações. Mas o golpe do crédito consignado, cujo montante é estimado em cerca de R$ 100 milhões, é brincadeira de criança perto do desvio de dinheiro dos fundos de pensão das estatais.

De acordo com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), os fundos Petros, Previ, Funcef e Postalis juntos foram responsáveis por um prejuízo de R$ 48,7 bilhões, equivalente a 62,6%, ou dois terços, do rombo acumulado em todo o sistema em 2015. O desvio de recursos que beneficiou dirigentes dos fundos, partidos políticos e empresas é parte desse prejuízo.

O escândalo dos fundos é mais uma demonstração do jeito petista de governar, do modus operandi do populismo irresponsável que pretendia se perpetuar no poder iludindo a boa-fé de milhões de brasileiros.

Reencontro marcado - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 07/09

A Polícia Federal e o Ministério Público começaram a abrir a caixa-preta dos fundos de pensão. Os investigadores terão muito trabalho pela frente. Pelas estimativas iniciais, o rombo deixado pelo esquema pode alcançar os R$ 50 bilhões.

O dinheiro pertencia a servidores de estatais como Petrobras e Correios. Por anos a fio, eles fizeram depósitos para garantir uma aposentadoria tranquila. Agora descobrem que as economias foram torradas em negócios "temerários" ou "fraudulentos", segundo os investigadores.

À primeira vista, a Operação Greenfield ameaça rivalizar com a Lava Jato. Na estreia, bloqueou R$ 8 bilhões e listou 78 investigados. Alguns personagens do petrolão ressurgem no novo escândalo, como o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro petista João Vaccari.

Entre as 38 empresas sob suspeita aparecem grandes bancos e a holding da JBS, a maior financiadora de campanhas políticas em 2014. Até quatro meses atrás, seu conselho de administração era presidido pelo doutor Henrique Meirelles. Nesta terça, o ministro evitou comentar a operação e disse que "ainda vai se informar do que está acontecendo".

Quem buscou se informar nos últimos anos sabe que os fundos sofreram forte interferência política nos governos petistas. O PT dominava a Petros (Petrobras) e a Funcef (Caixa Econômica Federal), e o PMDB dava as cartas no Postalis (Correios).

O primeiro relatório da operação descreve a existência de um "núcleo político" que atuava "de forma mais obscura e, em geral, sem deixar muitos rastros". Quando seus protagonistas forem identificados oficialmente, o caso deverá subir ao Supremo Tribunal Federal.

"Investigação é fio de novelo, vai puxando e vamos ver o que vem", disse nesta terça (6) o procurador Rodrigo Janot. Quando este novelo for puxado, teremos uma situação curiosa: separados pelo impeachment, políticos do PT e do PMDB devem se reencontrar no banco dos réus.

A violência é petista - FLAVIO MORGENSTEM

GAETA DO POVO - PR - 07/09
Um protesto que seja violento, perigoso para o povo, que dê medo em quem nada tem a ver com a causa é certamente um protesto de esquerda

Um roteiro tem se repetido tão tediosamente que até as notas denunciando sua repetição já amolaram o sobejante: as manifestações pacíficas que são tomadas por uma minoria de vândalos. A expressão pegou no noticiário, enquanto a população em geral, que jornalistas julgam defender e representar, tem cada vez mais asco de qualquer um que caiba no rótulo eufemístico de “manifestante”.

Todavia, aquilo que o jornalismo teme e teima em não noticiar já foi fisgado, ainda que inconscientemente, pela população em geral: manifestações contrárias ao PT, como os protestos pelo impeachment que se sabe terem sido muito mais cheios do que institutos de pesquisa ousaram contar, conseguiram colocar milhões de pessoas das mais variadas cores e classes sociais nas ruas sem praticamente nenhum incidente digno de nota. Por outro lado, basta arrolar meia dúzia de “manifestantes” pró-PT ou qualquer causa esquerdista para um rastro de lixo queimado, carros e ônibus incendiados, pontos de ônibus pichados, vidraças destruídas e gente ferida marcar de longe qual a ideologia que está sendo defendida naquela arruaça.

Os fatos são claros como o fogo na noite, por mais que quase todo o vocabulário jornalístico inventado desde 2013 para descrever protestos contorne a questão sem nunca tocá-la: manifestações violentas são as de esquerda. Tão somente as de esquerda. Um protesto que seja violento, perigoso para o povo, que dê medo em quem nada tem a ver com a causa é certamente um protesto de esquerda.

Se o PT é o partido-metrópole, os partidos-colônias cada vez disfarçam menos seu caráter de sub-PT, sob um obsequioso silêncio das redações de jornais. Na propaganda eleitoral, tais partidos nem mais tentam dizer algo além de ir contra “o golpe”. Não servem para mais nada, além de serem os acólitos, rábulas e beleguins do Grande Partido.

São esses partidos nanicos, disfarçados de “coletivos” (sub-categorias do partido), que aterrorizam as cidades. Quase ninguém na mídia afirma que a bandeira amarela “Juntos!”, vista em 100% dos protestos, é de um coletivo do PSol. Que a UNE é apenas uma forma de o PCdoB aterrorizar, sem ser responsabilizado e perder seus cargos federais. Que a “Anel”, uma “UNE do B”, é um organismo estudantil do PSTU. Até PCO e PCB possuem seus “coletivos”.

O jornalismo, que deveria noticiar quem, o quê, como, quando e quanto nos assuntos de interesse público, parece sempre preferir a cortina de fumaça dos conceitos vaporosos para não pegar mal. A população não se sente cada vez mais distanciada da mídia à toa: o povo fala a língua real; as redações, a língua de gabinete dos acadêmicos empolados, envernizada em fortes cores politicamente corretas.

A esquerda e sua “distribuição de renda” implica o uso da força por si: a potestas, o poder físico do Estado. Destituída a presidente por crimes que nem os acadêmicos entendem (e envidam seus melhores esforços para continuar sem entender), resta a ação direta de Bakunin e Proudhon: a tomada ou destruição dos bens alheios pelas próprias mãos. Não é uma revolução, é um ataque. É coerente, porque é o que a esquerda sempre pregou. Também por isso nunca há violência em protestos contra o PT.

Só se for a pau, Juvenal - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 07/09
Ao permitir suprimirem a pena da condenada Dilma, Lewandowski rasurou a Constituição

Coube a presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) comandar os julgamentos de impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff por um motivo que não tem mais nenhuma razão de ser. O afastamento definitivo de um chefe do Executivo que viole a Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo cometido, portanto, um crime funcional (contra a sociedade, e não contra pessoa ou patrimônio individual), é feito conforme lei de 1950, aprovada sob a égide da Constituição de 1946, que tomou emprestado um princípio do ordenamento jurídico dos EUA. Isso porque o maior beneficiário do processo, o vice-presidente que assume o posto vago, presidia o Senado. Se não houve nos últimos 38 anos nenhuma razão para reformular o dispositivo, pois não existe mais esse tipo de suspeição, agora há.

Não pairam dúvidas sobre as decisões tomadas por Sydney Sanches, presidente do STF em 1992, no primeiro impeachment. Mas não dá para dizer o mesmo de Ricardo Lewandowski nos 101 dias que se passaram do afastamento da presidente Dilma Rousseff, em 12 de maio, a 31 de agosto último, quando a ré foi condenada à perda definitiva do cargo. Ao contrário do julgamento de 24 anos atrás, o mais recente foi pródigo em decisões parciais de seu presidente, manifestadas em pequenos gestos que passaram despercebidos por sua inutilidade. Mas vieram à tona por ter ele permitido riscarem o texto constitucional na sessão final do processo.

Entre várias demonstrações públicas de preferência pela defesa, o juiz supremo qualificou o advogado da presidente, José Eduardo Martins Cardozo, como “nosso”, aparentemente um ato falho, definido por Sigmund Freud como lapsus linguae em sua obra clássica Psicopatologia da Vida Cotidiana. Quem quiser saber o que causa o lapso está convidado a ler o belo texto do pai da psicanálise. O mesmo descuido não pode, contudo, atenuar o agradecimento ao senador Aécio “Néscio” (estúpido, incapaz, inepto), que parece não ter percebido a graçola ofensiva.

A ágil desqualificação dos testemunhos do procurador Júlio Marcelo de Oliveira e do auditor Antônio Carlos Costa Dávila Carvalho, do Tribunal de Contas da União (TCU), foi outra interferência vã de Lewandowski, cuja inutilidade não o abrigará sob o cobertor da imparcialidade. O rebaixamento de testemunhas a informantes por motivos fúteis não bastou para desqualificar a evidência do dolo da ré em seu enquadramento na violação dos preceitos legais, pela qual foi acusada e condenada. A permissividade gozada pela “bancada do chororô” e pelo deputado José Nobre Guimarães, que se manifestaram histericamente contra posições adversas, foi negada a Magno Malta, pelo “crime” de cantarolar.

Nada disso, contudo, impediu que fossem negados ao ministro atributos de excelência imparcial e serena de poderoso chefão da Corte por senadores insuspeitos de serem beneficiados por suas farpas venenosas. Como o próprio Aécio, que é Neves, como de conhecimento geral, sendo como é neto de Tancredo Neves, e não “Néscio”, e o líder do PSDB na Casa, Cássio Cunha Lima.

Este protagonizou com o chefe do julgamento debate sobre a canetada inesperada que alterou a Constituição, mercê da qual o presidente do Supremo (até segunda-feira, dia 12, quando passará o cargo à ministra Cármen Lúcia) permitiu a um terço dos senadores dispensar a condenada de cumprir pena. Quando Lewandowski acolheu o destaque proposto por um representante do Rede de Marina Silva, Randolfe Rodrigues, para aleijar o parágrafo único do artigo 52 da Constituição, Cássio Cunha Lima advertiu que os líderes haviam combinado que a votação não seria “fatiada”. Reza o artigo: “(...) limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Há dúvidas?

Ao fazê-lo, Lewandowski rasgou o acordo com as lideranças e permitiu-se ler um longo arrazoado previamente preparado, em que cometeu a heresia de sobrepor à Constituição artigos de uma lei anterior a ela e os regimentos do Senado e da Câmara – e o papel desta no impeachment terminou quando autorizou aquele a cumprir sua função julgadora. Nunca antes na História o guardião-mor da Carta Magna a rasurou de forma tão cabal. Com isso mudou o sentido da preposição com, definida na página 765 do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa como algo que “relaciona por subordinação”.

Convém ainda lembrar que Sua Excelência empreendeu essa desmoralização do Estado de Direito e da gramática após advertir que qualquer decisão dependia dos senadores, e não dele. Só que para configurar isso teria de ter posto em votação (por maioria simples) se a maior parte deles seria ou não cúmplice dele no “fatiamento” do presunto jurídico. Assim, a maioria qualificada de dois terços passou a ser exigida dos julgadores que lutavam para manter íntegra a norma máxima, que só pode ser mudada por três quintos dos congressistas. Isso não foi discutido, embora Cássio tenha lembrado que a Constituição seria reformada por apenas um terço dos senadores. O resultado – 42 a 36 – incluiu na matemática das reformas da Lei Suprema a paródia pelo avesso do anúncio de uma marca de embutidos: “só se for a pau, Juvenal”.

A adoção do lema com que Jarbas Passarinho saudou o AI-5 no auge autoritário da ditadura civil-militar de 1964 – “às favas com os escrúpulos”, título de comédia de Juca de Oliveira – foi reprovada pelo decano do STF, Celso de Mello, e pelo ministro Gilmar Mendes, que a chamou de “bizarra”. O capitão do time constrangeu seus dez colegas a confirmarem seu deslize, esclarecendo que o pressuposto da condenação só vale para impeachment de presidente, sob pena de criarem precedente que beneficiaria astutos inspiradores dessa manobra espertinha. Ou jogarão o País no pré-sal da crise fatal.

*Jornalista, poeta e escritor

Momento de decisão - MERVAL PEREIRA

O Globo - 07/09
A decisão de enviar ao Congresso a proposta de reforma da Previdência antes do 1º turno das eleições municipais tem um simbolismo importante. Mesmo sabendo que o tema é espinhoso, o presidente Michel Temer não quis tratá-lo com o populismo com que seus adversários políticos tratarão, e seus aliados pagarão um preço por isso.

Durante a campanha eleitoral, terão de enfrentar ataques irresponsáveis dos que procuram os votos às custas da ignorância ou da ingenuidade dos eleitores. Dirão que as medidas são injustas, não são necessárias, e outros tipos de atitudes que só nos levarão à beira da insolvência caso não ataquemos a questão com seriedade.

Temos exemplos recentes pelo mundo de países como a Grécia, que acabou na bancarrota devido ao desperdício que patrocinou durante anos com o funcionalismo público, e com as aposentadorias. E temos exemplos mais recentes ainda, como a França de um governo socialista, que enfrentou uma campanha radicalizada contra mudanças na legislação trabalhista, e levou-a a cabo.

É claro que o debate da reforma da Previdência se tornará tema central da campanha municipal, e ajudará a oposição irresponsável, que vive de prometer benesses aos eleitores que não podem ser cumpridas. Mas o governo será obrigado a defender seus pontos de vista com números e empenho redobrado, pois de nada adiantará vencer eleições para em seguida fazer tudo aquilo que prometeu não fazer.

Temos o exemplo da presidente demitida Dilma Rousseff para lembrar aos eleitores, e temos, sobretudo, que implantar um sistema de negociação no Congresso que não se transforme em um “toma lá, dá cá” que não traz benefícios para a população.

O projeto político de Temer até agora deu certo pela metade, talvez a metade mais importante, que o levou a assumir a Presidência da República depois de um longo processo de impeachment, que ele esperava que normalizaria o país e daria condições para que as reformas estruturais fossem apresentadas como uma solução para o país em crise.

Como a política é dinâmica, o movimento que levou irresponsavelmente a palavra “golpe” aos 4 cantos do mundo não dá condições para a pacificação da sociedade, pelo menos por enquanto. O impeachment acabou maculado por decisão incompreensível (ou compreensível até demais) de recortar um texto constitucional, aprovando só o que convinha a grupos distintos.

Assim, houve uma maioria avassaladora para cassar o mandato de Dilma por crime de responsabilidade — mais de 2/3 dos senadores se pronunciaram nesse sentido —, mas outra maioria, esta simples, formou-se com negociação nos bastidores entre alas do PMDB capitaneadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e o PT, para impedir que Dilma ficasse inabilitada para a vida pública.

O que parecia impossível aconteceu: a presidente cassada revelou nos últimos dias uma capacidade política de ação, não de negociação, que lhe deu a chance de sair da cena de maneira a poder vislumbrar um futuro, que parecia não existir.

Mas essa possibilidade abriu também uma nova fase no processo de impeachment, impedindo que o superássemos para partir em busca de uma reconciliação. O presidente de fato e de direito é Temer, mas ele está tendo que enfrentar reações que, embora minoritárias, não abrem espaço para reconciliação.

Mesmo depois que o Supremo decidir a questão, a pacificação não existirá, pois a oposição, mesmo atolada até o pescoço nas acusações de corrupção que surgem a cada dia, encontrou uma brecha para continuar tentando inverter os fatos e levar para a campanha municipal uma mensagem que salve o PT e aliados do ostracismo político a que pareciam destinados.

Teremos ainda muitos embates políticos até que consigamos estabelecer pontes de negociações razoáveis, deixando para trás esse período de violências físicas, verbais e psicológicas que marcam os dias recentes. Temer terá de mostrar a que veio, trazendo para si o apoio da população que permitirá aprovar as reformas de que o país precisa. Caso contrário, permaneceremos nessa disputa sem fim que inviabilizará o país.

Consultoria
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, liga para dizer que sua atuação no grupo JBS sempre foi o de consultoria, sem nenhuma ingerência na gestão, inclusive com um contrato bastante específico sobre suas funções.

Fundos e fraudes - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/09

Ninguém, para ser rigoroso, pode alegar surpresa diante da Operação Greenfield deflagrada pela Polícia Federal para apurar desvios nos fundos de pensão de empresas estatais. Há muito se conhecem a baixa qualidade e os indícios de corrupção nas decisões de investimento dessas entidades capturadas por interesses políticos.

O terreno para fraudes, cobiçado em decorrência dos recursos bilionários dos maiores fundos de pensão, vicejou sob a tradição brasileira de misturar interesses públicos e privados num capitalismo de compadrio revoltante para os que lutam no cotidiano da economia para manter negócios e empregos.

A investigação tem como alvos Funcef (fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal), Previ (Banco do Brasil), Postalis (Correios) e Petros (Petrobras), além de dezenas de empresas e pessoas físicas. Na mira se acham investimentos fraudulentos em troca de propina, com prejuízos estimados em R$ 8 bilhões, de início.

Ao aportar recursos em projetos com valores superestimados, o esquema na prática seria a reprodução do superfaturamento de contratos e serviços identificados pela Operação Lava Jato na Petrobras, não por acaso aplicações em energia, petróleo e infraestrutura.

O caso traz à luz o que nunca se deixou de suspeitar. Fundos de pensão de estatais sempre foram usados como alavanca do capitalismo nacional, participando de grandes projetos na companhia de segmentos escolhidos da elite empresarial.

Nesse ambiente promíscuo, é enorme o espaço para tráfico de influência com os recursos dos beneficiários dos fundos —e, em última instância, do contribuinte, uma vez que o erário também lhes faz generosos aportes.

A tendência em ocasiões assim é pedir regras mais duras. Tramita na Câmara dos Deputados, por exemplo, projeto para modernizar a gestão dos fundos, exigindo-se experiência de dirigentes e proibindo-lhes vinculação partidária.

Não faltam regras, contudo, para que decisões de investimento sejam prudentes e isentas. O problema é que não são respeitadas.

Os fundos são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários e pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar. É o caso de perguntar onde ambas estavam, nos últimos anos, enquanto os fundos estatais acumularam rombos da ordem de R$ 50 bilhões.

Urge separar por completo os interesses dos participantes dos fundos de pensão daqueles dos políticos e das empresas que recebem recursos. O escrutínio policial é bem-vindo, mas cabe ir mais longe e incluir nele também os fundos que gerenciam recursos de servidores públicos estaduais e municipais.

A base aliada e os juros altos - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 07/09
Políticos da base aliada parecem gostar de juros altos e de baixo crescimento econômico. Esse deve ser o caso pelo menos do grupo empenhado em retardar as medidas de ajuste. Pressionando o presidente Michel Temer para adiar ações indispensáveis ao conserto das contas públicas, esses parlamentares dão sólido motivo ao Comitê de Política Monetária (Copom) para manter a taxa básica de juros em 14,25% ao ano. O governo, recomendam, deveria deixar para depois das eleições municipais assuntos desagradáveis como a reforma da Previdência. Se adotar essa orientação, o Executivo cometerá vários erros ao mesmo tempo. Manterá a insegurança quanto ao rumo de sua política e, portanto, da economia, desperdiçará a confiança inicial de empresários e investidores, deixará de marcar a diferença em relação à equipe anterior e contribuirá para a preservação de um aperto monetário prejudicial ao crescimento da produção e à saúde financeira do Tesouro.

Na semana passada, o Copom, formado por diretores do Banco Central (BC), manteve mais uma vez os juros básicos de 14,25%. Condições para uma redução, de acordo com o comitê, surgirão quando houver maior confiança na convergência da inflação para a meta oficial de 4,5%. A autoridade monetária comprometeu-se a conseguir esse resultado até o fim do próximo ano e, portanto, manterá as condições de crédito apertadas enquanto isso parecer necessário.

A confiança necessária ao corte de juros dependerá pelo menos de três fatores, listados na ata da última reunião do Copom: 1) a persistência limitada dos efeitos do choque de preços dos alimentos; 2) sinais de desinflação “em velocidade adequada”; 3) redução da incerteza quanto à aprovação e à implementação dos ajustes necessários, incluída a composição das medidas de ajuste fiscal.

A referência a este último item havia aparecido com ênfase igual na ata da reunião precedente, realizada um mês e meio antes. Em linguagem mais suave, a cobrança de ações para arrumação das contas públicas havia sido apresentada várias vezes durante a gestão de Alexandre Tombini na presidência do BC. A exigência tornou-se mais enfática depois da posse do atual presidente, Ilan Goldfajn.

Não há como desconhecer esse requisito. Não haverá condições seguras de estabilização e de reativação da economia brasileira sem uma ampla reparação das finanças públicas. Esse conserto apenas começou. Sem ações mais ambiciosas, firmes e de maior alcance, será impossível a retomada segura do crescimento, porque as contas governamentais estarão condenadas a novas crises.

Além disso, sem uma forte redução do desequilíbrio entre receitas e despesas fiscais será inútil qualquer tentativa de corte dos juros. O Tesouro só conseguirá rolar seus compromissos e financiar-se com juros menores quando o governo brasileiro houver reconstruído sua credibilidade. As três principais agências de avaliação de risco, ninguém deveria esquecer, cortaram duas vezes a nota do Brasil, desde o ano passado, e passaram a classificá-lo dois degraus abaixo do grau de investimento.

A condição fiscal indicada pelo Copom – maior segurança quanto à aprovação e à implementação dos ajustes necessários – está longe de ser um capricho ou mera manifestação de uma tendência neoliberal. A credibilidade da política oficial é um componente real das condições de financiamento do setor público. Enfim, a gestão responsável e eficiente das finanças governamentais é um importante fator de estabilidade de preços e de dinamização da economia.

Que o grupo formado pelo PT e por seus associados se oponha ao conserto das contas públicas é compreensível. É uma atitude compatível com a irresponsabilidade e a incompetência exibidas durante boa parte de seu período de governo. Que políticos da atual base aliada menosprezem a seriedade administrativa e desconheçam, ou finjam desconhecer, a urgência das medidas de ajuste é escandaloso. O presidente Michel Temer e sua equipe errarão muito perigosamente se aceitarem esse jogo.

A lição do impeachment - GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 07/09

Presidentes, governadores e prefeitos devem saber que não podem tratar o orçamento e a situação das contas públicas como peça de ficção



Não há sombra de dúvida de que a decretação do impeachment da presidente Dilma Rousseff é fato já inscrito como uma das páginas mais importantes da história brasileira. Esta página não pode ser lida, agora ou no futuro, como se ela representasse o ponto final de um período. Não pode ser vista apenas como um capítulo que não guarde relação de continuidade com o seguinte ou com as páginas seguintes – pelo contrário, o afastamento definitivo de Dilma deve servir como lição sobre como não devem se comportar todos os governantes que vierem a ocupar não apenas a chefia suprema da República, mas também o comando dos estados e dos municípios.

Há fatos muito objetivos que conduziram ao desfecho traumático do impeachment: a presidente não obedeceu a Constituição – embora tenha jurado, em suas duas posses consecutivas, defendê-la rigidamente. Fez o que a Constituição lhe proibia fazer, ponto final. Foi processada e levada a julgamento por esta única razão, de caráter absolutamente jurídico, reconhecido pelos tribunais e sob rito que seguiu rigorosamente os ditames legais.

Esta é a lição que precisa ser aprendida por presidentes, governadores e prefeitos. Para sempre, devem saber que não podem tratar o orçamento e a situação das contas públicas como peça de ficção, sujeitando-os, portanto, a destino igual ao que interrompeu precocemente o mandato conferido a Dilma Rousseff, ainda que pela expressiva soma de 54 milhões de votos. Assim como foi democrática a sua eleição, democrática também foi a decisão de tirá-la do poder, pois assim prevê a Carta Magna em casos que configurem a desobediência aos seus preceitos fundamentais.

Inspirada pelos métodos lulopestistas, Dilma sucumbiu ao falseamento de realidades que já comprometiam a saúde econômica e social do país com o único fim de se reeleger em 2014 e de manter o projeto de poder do seu grupo político – projeto, aliás, também mantido pelos mais escandalosos esquemas de corrupção de que se tem notícia na história. A bonança que propagava na campanha até às vésperas da eleição não condizia com os sinais evidentes da deterioração das contas públicas, e muito menos com as promessas de futuro brilhante que prometia aos brasileiros. O choque de realidade emergiu logo em seguida ao pleito, quando foi obrigada a tomar tardiamente medidas que, se preventivamente utilizadas, não teriam provocado o estrago que se escancarou: aprofundamento da recessão, inflação em alta, desemprego maciço, perda de renda da população, cortes de investimentos em infraestrutura e em serviços e programas sociais essenciais, dentre os quais a educação da “Pátria Educadora”.

Logo, meditar sobre os crimes de responsabilidade de Dilma, de tal modo que não se repitam a irresponsabilidade administrativa e a imoralidade sistemática, deve ser obrigação de tantos quantos recebam, a partir de agora, delegação popular para bem gerir a coisa pública.

Ser a primeira mulher a governar o país, ter sido vítima da ditadura, ter recebido dezenas de milhões de votos – nada disso deve representar habeas corpus preventivo para o cometimento de infrações claramente prejudiciais à nação, especialmente no que diz respeito ao orçamento e às contas públicas. Postulantes que hoje fazem campanha para elegerem-se vereadores ou prefeitos no próximo mês de outubro precisam levar em conta os acontecimentos que o país viveu nos últimos meses e que culminaram com o remédio extremo, mas necessário, do impeachment.

A inevitável devassa em fundos de pensão de estatais - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/09
A chegada de Lula ao poder, com a CUT, levou a que o PT aumentasse sua influência nas instituições de seguridade das companhias públicas. Nascia o escândalo


Uma investigação séria sobre fundos de pensão de empresas estatais é algo que se encontra no radar há muito tempo. Ela chegou agora, com a Operação Greenfield, da PF — termo tirado do jargão dos negócios que designa projetos novos, ainda em fase inicial de formulação —, lançada para aprofundar investigações de negócios suspeitos envolvendo a Previ, a Funcef (Caixa), a Petros e o Postalis (Correios).

Na ponta empresarial, foram alcançados pela operação os empresários Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, maior produtor de proteína animal do mundo, e o indefectível Léo Pinheiro, da empreiteira OAS, já conhecido da movimentada crônica da Lava-Jato. Acaba inclusive de ser preso mais uma vez.

Dirigentes na ativa e ex-diretores de fundos foram presos. São 40 os investigados. Apenas em dez casos analisados, estimam-se R$ 8 bilhões em fraudes, para desvios do dinheiro. Nos fundos, teria restado um buraco de R$ 50 bilhões. O lado perverso do golpe é que os lesados estão no universo de 1,3 milhão de funcionários das estatais. E também os contribuintes, porque o Tesouro arcará com parte das perdas. Para tapar esses buracos, nem todos abertos pela corrupção, filiados a alguns fundos já são obrigados a dar uma contribuição adicional.

Desfechada a partir de mandados do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, a operação trata, na verdade, de uma grande conexão com a Lava-Jato. Por isso, foram feitas buscas na casa de José Vaccari Neto, tesoureiro do PT ainda preso em Curitiba. E caiu na malha o Léo Pinheiro. O esquema lulopetista que saqueou a Petrobras não se esqueceu da Petros, é claro. Vaccari era visitante frequente de sedes de fundos. Esse escândalo era previsto desde que, com a chegada de Lula ao poder, em 2003, o braço sindical do PT, a CUT, ampliou seu espaço na gestão dos maiores fundos de pensão de estatais.

Assim como as próprias estatais, os fundos foram colocados a serviço de negócios mirabolantes emanados do Planalto. O mais emblemático e causa de perdas bilionárias é a Sete Brasil, do projeto megalomaníaco, nacional-estatista, de construção de sondas para o pré-sal a serem alugadas à Petrobras.

Também com a contribuição do que foi apurado na CPI dos Fundos, a Greenfield vasculha operações danosas aos segurados feitas no investimento em projetos de empresas companheiras, de forma superfaturada, a fim de desviar dinheiro das instituições. Esses negócios costumam se realizados por meio da aquisição de cotas de fundos de investimentos em participações (FIP). Foi assim que os irmãos Joesley e Wesley capturaram recursos da Funcef e Petros para suas empresas Florestal e Eldorado. Com prejuízo para funcionários da Caixa e Petrobras.

A presença dos dois no escândalo chama atenção para a ajuda do Planalto a empresas “campeãs nacionais”, como frigoríficos da J&F, amamentadas no BNDES com dinheiro público. Empresas tratadas como companheiras em Brasília, pelos polpudos aportes a campanhas. A Greenfield tem potencial para rivalizar em importância com a própria Lava-Jato.