O destino da ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner parece oscilar entre o retorno à política eleitoral ou a ida para a prisão. Na Província de Buenos Aires, o único lugar onde Cristina poderia poderia postular uma vaga como legisladora com certo êxito, a esperam eventuais candidaturas de mulheres fortes, arquitetas em grande parte de seu atual infortúnio judicial: Elisa Carrió e Margarita Stolbizer. Na Justiça, tropeçou em dois juízes acima de qualquer suspeita: Julián Ercolini e Claudio Bonadio. Deve ainda enfrentar a investigação de três procuradores implacáveis: Carlos Rívolo, Guillermo Marijuan e Gerardo Pollicita, responsáveis pela coleta de provas para aqueles juízes. É provável que a ex-presidente acabe presa. Ela sabe disso. A pergunta para a qual ninguém tem resposta (e ela menos ainda) é quando ocorrerá essa sentença. Antes ou depois de uma eventual candidatura sua ao Senado Nacional pela Província de Buenos Aires?
Fontes da Justiça Federal garantem que é iminente que o juiz Ercolini convoque Cristina para depor sobre a organização de um sistema de corrupção com obras públicas que transformaram Lázaro Báez em multimilionário. Os procuradores Pollicita e Ignacio Mahiques solicitaram o depoimento e a acusaram de fraude contra a administração pública e de negociações incompatíveis com a função pública. A novidade é que o juiz concordou com o pedido dos promotores para citar Cristina no inquérito. Ercolini, um juiz com fama de honesto, cumpre com o ritual de todos os juízes federais: jamais citam importantes figuras públicas em inquérito se antes não obtiverem o processo escrito. “Não se faz esse tipo de citação para depois resultar numa falta de mérito”, explicam os especialistas.
Ercolini tem as acusações mais graves que pesam sobre Cristina: conspiração, Hotesur e os gastos arbitrários na administração nacional de estradas. Estes últimos dois casos vinculam estreitamente a ex-presidente a Báez. Bonadio a investigou e a processou pela venda de dólares no mercado futuro e, agora, aperta o cerco sobre ela no caso da empresa Los Sauces. Carrió e Stolbizer foram as denunciantes.
Outro juiz que investiga o kirchnerismo, Sebastián Casanello, instrui o processo contra Lázaro Báez por lavagem de dinheiro. Há uma disputa surda entre este juiz e o único salão nobre da Câmara Federal (integrada pelos juízes Irurzun, Cattani e Farah). Casanello sustenta que a lavagem de dinheiro é um delito autônomo e que não é seu assunto, por ora, vasculhar o delito precedente. A Câmara já apelou ao “senso comum” para assinalar que a Justiça deve investigar como se gerou o dinheiro que foi lavado. Casanello replica que esta questão está nas mãos de Ercolini, que é quem efetivamente está investigando como Báez se converteu de pequeno empreendedor, que ganhava 3.500 pesos em 2003, em uma das principais fortunas do ramo da construção, 12 anos mais tarde.
A conclusão dos promotores Pollicita e Mahiques é que Báez recebeu nesses anos quase 80% das obras públicas de Santa Cruz. Neste período, o feudo dos Kirchner recebeu tantas obras públicas quanto oito províncias juntas no mesmo período (La Pampa, Tucumán, Tierra del Fuego, Jujuy, San Luis, Catamarca, Neuquén e Misiones). E obteve 11% mais em orçamento executado em obras públicas do que a Província de Buenos Aires, o distrito mais extenso e populoso do país.
Báez tinha, segundo a investigação em poder de Ercolini, um canal especial de pagamento preferencial. Seus contratos foram prorrogados e nunca se verificou o andamento das obras. Tampouco foi acionado por descumprimentos. Em síntese, o patrimônio de Báez cresceu 12.127% entre 2002 e 2014. Entre 2008 e 2013, Báez pagou aos Kirchner US$ 4 milhões e 12 milhões de pesos mediante o aluguel de residências que não usava nos hotéis de Hotesur. Clássica lavagem.
Algo semelhante ocorre com a empresa Los Sauces, propriedade da família Kirchner e dona de oito edifícios que eram alugados por Báez e Cristóbal López, outro empresário bem próximo ao regime anterior. A investigação realizada pelo juiz Bonadio e o fiscal Rívolo descobriu algumas irregularidades que os deixaram atônitos. Por exemplo, a casa de Río Gallegos onde Cristina Kirchner vive hoje, que está em nome de Los Sauces, foi comprada a princípio pelo empresário imobiliário Osvaldo Sanfelice, sócio de Máximo Kirchner e suspeito de gerir vários negócios da ex-família presidencial. Sanfelice comprou esta casa por 200 mil pesos e as vendeu aos Kirchner, quatro meses depois, por US$ 250 mil. A residência teve seu valor aumentado em 500%, de acordo com a taxa de câmbio da época, em apenas 120 dias. Nada se parece mais com lavagem.
Outra surpresa foi quando a empresa Los Sauces declarou que os livros contábeis da firma haviam desaparecidos. Uma investigação do procurador Rívolo os encontrou em um escritório ocupado por sua presidente, Romina Mercado, sobrinha de Cristina, em uma propriedade de Sanfelice. Nestes livros contábeis apareceram adiantamento de dividendos a seus acionistas (Cristina e seus filhos), mas nenhum desses movimentos contábeis apareceram na movimentação bancária da empresa. Poderia também se tratar de uma manobra para lavar dinheiro.
A prisão de uma pessoa por corrupção só é possível se houver risco de fuga ou se tiver poder de obstruir a investigação. Os juízes perceberam que Cristina cumpre religiosamente com suas obrigações judiciais. Com má vontade, mas as cumpre. Ercolini estaria disposto a enviar o quanto antes à audiência as corrupções de Vialidade e Hotesur. E o processo poderia condená-la à prisão. Terminará antes ou depois das eleições? Esta pergunta não teria sentido se os foros deixassem de proteger os políticos por delitos que estivessem sendo investigados antes de se tornarem candidatos.
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