segunda-feira, maio 23, 2016

Sapiens x Abelhas - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de SP - 23/05
Quando estava na minha primeira faculdade, passamos por uma longa greve de estudantes. No início, ia às assembleias discutir a razão de achar aquela greve inútil. Entre elas, a mais evidente era: estudantes de uma universidade pública (ou não) em greve nada importam para o dia a dia da cidade, por isso podem ficar 30 anos em greve. O único dano é aos colegas que querem avançar na vida.

Mas o que mais chamava minha atenção era como alguns colegas em bloco esvaziavam a assembleia até que só eles estivessem nela e votassem pela continuidade da greve. Golpe? Isso sim é golpe.

Entretanto, outra coisa também me chamava atenção: como gritavam frases feitas como se fossem um coral furioso. Hoje sabemos o que aquilo era: o nascimento dessa nova moda e praga chamada "coletivo". Não me refiro a transporte coletivo, como quando se diz "aí vem o coletivo". Refiro-me a um conjunto de estudantes (mas pode também ser de artistas ou similares) que se autodenominam "coletivo".

A ideia é que formam um coletivo no qual todos são iguais. Pensam em coletivo, falam em coletivo, agem em coletivo, assinam em coletivo. Recentemente, um professor de uma importante universidade brasileira teve dificuldade de se comunicar com um "aluno" (vai saber o que ele ou ela era de fato) porque ele ou ela se recusava a se identificar na comunicação escrita, já que ele –ou ela– não era uma "pessoa", mas um coletivo.

Imagino que, em cem anos, essa modinha será incluída no conjunto de psicopatologias da virada do século 20 para o 21, época que será vista pela sociologia do futuro como uma era de ressentidos e mimados: a mania por coletivos será classificada como ódio patológico à individualidade, suas responsabilidades e contradições.

Freud classificaria como um estágio da pulsão de morte, seguramente. Para o criador da psicanálise, a pulsão busca sempre uma posição regressiva. No caso da pulsão de morte, ela busca o "repouso na pedra". Na matéria inorgânica.
No caso dos coletivos, ela busca o repouso na destruição do "eu". Na dissolução do "eu" na manada.

Elias Canetti, intelectual judeu búlgaro que estudou as multidões (além do próprio Freud, claro), já apontava a dissolução do "eu" na manada, na "mancha" disforme da multidão. Há um prazer mórbido em se sentir parte de um coletivo: a morte do sujeito moderno, esse atormentado.

O fenômeno dos coletivos é um traço regressivo no embate com a solidão do homem moderno. É uma tentativa, canhestra e primitiva, de "voltar ao útero materno" para ver se o ruído insuportável da realidade disforme do mundo se dissolve porque grito palavras de ordem ou faço coisas pelas quais eu mesmo não sou responsabilizado, mas o "coletivo", essa "pessoa" indiferenciada que não existe.

A indiferenciação num todo sempre foi uma forma de gozo regressivo, de algum modo. As políticas utópicas socialistas históricas carregaram essa marca nelas. Além do mesmo ódio pelo indivíduo, que tentaram matar a todo custo. No fenômeno místico, visto pelos olhos do "sentimento oceânico", como cita Freud, há também um gozo, que pode desaguar em terroristas islâmicos ou dervixes sufis maravilhosos.

O filósofo inglês do século 20 Michael Oakeshott escreveu sobre como ser indivíduo ("projeto" burguês que deu errado) é quase impossível para a maioria das pessoas, justamente pela sua solidão intrínseca e pelas suas contradições.
Oakeshott descreveu inclusive o surgimento de movimentos "anti-indivíduos", que seriam marcados por totens. Esses totens poderiam ser pessoas carismáticas ou ideias que reuniriam massas de pessoas indiferenciadas e furiosas contra os indivíduos vistos por elas como egoístas, sujos, metidos e arrogantes, por serem "contra o coletivo". Acertou em cheio.

Fosse eu escrever um argumento ou roteiro para um curta, escreveria sobre como abelhas evoluíram no seu amor à colmeia, chegando aos coletivos de hoje em dia. E na fúria que caracteriza as abelhas quando você se aproxima da colmeia e da sua rainha, essas abelhas evoluídas odiariam o sapiens, e suas contradições sem fim.

Ajuste ou reforma? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 23/05

É fundamental escapar do endividamento em bola de neve rumo à dinâmica de acumulação e democratização de capital


A equipe econômica de Temer avalia em 170,5 bilhões de reais o buraco fiscal herdado para 2016, estimando em 133 bilhões de reais o rombo da Previdência Social. Em busca do reequilíbrio das finanças públicas, o governo estuda como desarmar essa bomba-relógio de um regime previdenciário que já está quebrado antes mesmo do envelhecimento da população.

Apesar de uma população de idosos abaixo da média mundial, nossa Previdência é uma das mais caras e ineficientes do mundo. O Brasil gasta com seguridade social por pessoa idosa um múltiplo de sua renda per capita, enquanto os países de baixa renda gastam apenas uma fração. Os excessivos encargos sociais e trabalhistas são uma verdadeira arma de destruição em massa dos empregos. Como tais encargos quase duplicam o custo da mão de obra, o financiamento público da aposentadoria de cada trabalhador empregado exige o desemprego de outro.

Está tudo errado no sistema previdenciário brasileiro. Primeiro porque mistura assistência social com previdência. Segundo porque seus elevados encargos expulsam quase 50 milhões de pessoas do mercado de trabalho formal, potenciais contribuintes de um regime alternativo mais eficiente. Terceiro porque mantém privilégios da classe política e do funcionalismo público em relação aos trabalhadores do setor privado. Quarto porque dissipa recursos em ineficiente regime de repartição, em vez de acumular fundos para investimentos em regime de capitalização. Quinto porque impede a necessária reforma da legislação trabalhista.

Uma reforma da Previdência possibilitaria dramática redução dos encargos sociais e trabalhistas, ampliando a criação de empregos formais e expandindo a base de contribuintes do novo regime. Os trabalhadores viram capitalistas, com participação nos lucros das empresas por meio das ações adquiridas por seus fundos de capitalização. Prósperos, acumulam riqueza e financiam o progresso. Além dos milhões de postos de trabalho criados pela redução de encargos, a contínua geração de empregos seria assegurada pela dinâmica de acumulação da poupança popular e decorrentes ondas de investimentos. Cortar privilégios e ampliar a idade de aposentadoria são ajustes necessários, mas apenas ganham tempo. Seguimos de remendo em remendo ou faremos a reforma?


Houston, temos um problema! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 23/05

Dilma saiu, as Organizações Tabajara, não. Sua proeza recente foi a extinção do Ministério da Cultura, agora recriado


O Comitê Olímpico Internacional guarda em segredo o número de autoridades de países que virão ao Rio de Janeiro para a cerimônia de abertura, no próximo dia 5 de agosto, das Olimpíadas 2016, a ser assistida pela televisão por algo como 4,5 bilhões de pessoas no mundo todo. Sabe-se, porém, que será um mínimo de 70 chefes de Estado e um máximo de 170. A depender... A depender do quê mesmo?

DA SITUAÇÃO POLÍTICA interna do Brasil. Setenta chefes de Estado confirmaram sua vinda independentemente de qualquer coisa. Mas, pelo menos 100 condicionam sua presença no Rio à evolução do processo de impeachment de Dilma. Eles nada têm a ver com isso. Não estão interessados. E não se incomodariam em ser recebidos por Dilma ou pelo presidente interino Michel Temer.

APENAS NÃO SE SENTIRIAM à vontade em ter de cumprimentar em tal ocasião dois presidentes da República de um mesmo país – um afastado e à espera de ser julgado, e o outro na condição de interino. Entre os 100 que reservaram vagas em hotéis ainda sujeitas a confirmação, estão o presidente dos Estados Unidos e os primeiros-ministros da Alemanha, Inglaterra e Japão.

ANTES DE TROCAR A ADRENALINA do Palácio do Planalto pelo isolamento do Alvorada, Dilma reservou 35 apartamentos em hotéis do Rio para si e sua comitiva. Ex-ministros ouviram dela que está disposta a comparecer à cerimônia de abertura dos Jogos no Maracanã. Diz não temer vaias, quando nada, porque as provou no próprio Maracanã durante a Copa do Mundo.

NÃO PASSA PELA CABEÇA do presidente interino abrir mão de ser visto no Maracanã ao lado de autoridades máximas de outros países, de preferência as principais. Na prática, presidir a abertura dos Jogos Olímpicos seria para Temer uma espécie de ato de reconhecimento internacional do seu governo, não importa se provisório ou se já abençoado em definitivo pelo Senado.

QUANTO AO RISCO DE SER vaiado... Dilma já não foi? E Lula, também? Lula foi vaiado cinco vezes na festa de abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Maracanã, menos de um ano depois de ter sido reeleito. Faltou-lhe coragem para declarar os jogos abertos – quem o fez foi o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Nuzman. Lula referiu-se às vaias como “molecagens”.

DEPOIS, MAIS CALMO, GARANTIU: “Elas não refletiram o pensamento do Rio de Janeiro”. Temer sempre poderá dizer a mesma coisa. No caso dele, as vaias serão quase certas, seja porque seu governo carece de apoio popular, seja porque o PT e seus aliados darão um jeito de providenciá-las. O mais preocupado com que tudo saia bem é o comando do Comitê Olímpico Internacional.

ALGUNS DOS SEUS MEMBROS COGITAM fazer uma consulta informal ao ministro Ricardo Lewandowski. Como presidente do Supremo Tribunal Federal, cabe a ele presidir a última fase do processo de impeachment de Dilma que começou com o afastamento dela e será concluída em um prazo de até 180 dias. Quer dizer: poderá terminar antes se o Senado e Lewandowski concordarem.

TEMER AGE PARA LIVRAR-SE RÁPIDO da sombra de Dilma. Em setembro, Lewandowski transferirá a presidência do Supremo para a ministra Cármen Lúcia e, por isso não tem pressa. A não ser que surja um eventual convite para ser embaixador do Brasil na Europa... E Dilma? Contra o desejo de Lula, do PT e da maioria dos brasileiros, ela sonha em voltar à Presidência.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

GOVERNO DO PT APARELHOU ESTATAL COM AMIGOS

A estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Brasil, foi transformada em cabide de boquinhas para amigos de Dilma, do antecessor Lula e do PT. Milhões de reais dos contribuintes foram desperdiçados em programas de amigos petistas. Um deles, o diretor de teatro Aderbal Freire Jr, casado com a atriz Marieta Severo, recebia R$ 91 mil por mês, cinco vezes mais que o presidente da própria EBC.

ASSIM É FÁCIL
Sócia da FBL, produtora do “ABZ do Ziraldo” levava R$ 717 mil/ano, Rozane Braga assinou manifesto “anti-golpe”. Inútil: foi cancelado.

CANCELADO
O programa “Papo de Mãe”, de Mariana Kotscho, filha de ex-assessor de Lula, custava ao contribuinte R$ 2,4 milhões/ano. Foi cancelado.

CARO PROGRAMA
O programa “Observatório da Imprensa”, comandado por Alberto Dines, faturava R$ 233 mil por mês e R$ 2,8 milhões ao ano na estatal EBC.

CORTADO À METADE
O programa “Expedições”, produzido pela empresa Roberto Werneck Produções, teve o contrato de R$ 1,6 milhão cortado pela metade.

DILMA DEU R$1 BILHÃO PARA MTST & CIA ‘FAZER CASAS’
O ministro Bruno Araújo (Cidades) cancelou sem demora o programa “Minha Casa Minha Vida Entidades”, que fez o governo Dilma Rousseff distribuir mais de R$ 1,03 bilhão a “entidades” como o MTST para construir 60,1 mil casas. Isso não poderia dar certo, e não deu: apenas cerca de 7 mil foram concluídas. Não admira que sobre tanto dinheiro público para pagar cachês a “mortadelas” que defendem Dilma e o PT.

CADÊ A GRANA?
Dilma previa gastar R$ 2,3 bilhões com 60 mil casas aos movimentos. Deu R$1 bilhão, mas só entregaram 6,6 mil unidades habitacionais.

CADÊ O DINHEIRO
Para as 6,6 mil unidades entregues, as entidades deveriam gastar no máximo R$ 256 milhões, mas torraram quatro vezes mais.

EMPREITEIRA SEM-TERRA
Só o MTST iria receber mais R$ 32 milhões do MCMV para organizar a construção e entrega de 594 casas e apartamentos em São Paulo.

SÓ FALTA ROSE
Rosemary Noronha sumiu do noticiário nos últimos meses do governo Dilma. Ré por formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e tráfico de influência em segredo de Justiça mal-explicado, Rose era a chefe de gabinete de Lula em São Paulo, e “amiga íntima” do ex-presidente.

FOCO NO CONGRESSO
O ministério de Michel Temer tem representantes de 11 partidos, com 357 votos na Câmara e 60 no Senado. Dos 23 ministros, 19 são ou foram deputados, senadores ou presidentes de partidos.

PÉ NO ACELERADOR
O roteiro de prioridades que o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), recebeu de Michel Temer prevê agilizar a votação da DRU, a revisão da Meta Fiscal e as Medidas Provisórias do governo.

GAVETA
Estacionou no Senado o projeto de Romero Jucá, então senador pelo PMDB-RR, para dar autonomia ao Banco Central. Só deve voltar a andar se tiver a benção do ministro Henrique Meirelles (Fazenda).

PROBLEMA PARA O GOVERNO
Deputados tucanos prometem não seguir orientação do líder do governo, André Moura (PSC-SE). “Não reconheço a liderança de André Moura”, sentencia o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).

O MOTIVO É OUTRO
Alguns petistas garantem que a tristeza de Lula pouco tem a ver com o afastamento de Dilma do cargo. Claramente abatido, o ex-presidente está deprimido com a suspeita de prisão iminente dele e de familiares.

GUINADA À ESQUERDA
O PT decidiu radicalizar o discurso e fazer um giro à esquerda. Enfraquecido no Congresso, o partido busca uma reaproximação com movimentos sociais, para “infernizar a vida de Michel Temer”.

DISSE BEM, CHICO
O genial Chico Anysio disse certa vez que nossa elite política “sabe empregar bem os pronomes e melhor ainda os parentes”. E ele nem imaginaria o que a dupla Lula-Dilma seria capaz de fazer, criando 23 mil boquinhas às nossas custas e “assassinando” os pronomes.

PERGUNTA NO COMÍCIO
Não era cultura o que faziam artistas, atores, cantores, diretores e produtores antes de 1985, quando foi criado o Ministério da Cultura?