ESTADÃO - 08/09
A recuperação da Petrobrás está sendo encaminhada pela diretoria; depende agora de decisões do governo federal
A Petrobrás deverá fechar nesta semana a venda de até 90% de participação de uma de suas malhas de gasodutos, a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), para um fundo de capitais canadenses, o Brookfield. A operação deverá alcançar US$ 5,9 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões), que faz parte de seu plano de venda de ativos.
A NTS tem grande interesse econômico na medida em que é por seus mais de 2,5 mil quilômetros de gasodutos que se escoa a maior parte da produção de gás natural do Brasil.
A meta deste ano é desfazer-se de US$ 15,1 bilhões. Já foram vendidas participações na Argentina e no Chile e 66% dos direitos à exploração e produção do Campo de Carcará à estatal norueguesa Statoil, por US$ 4,6 bilhões. A Petrobrás também negocia a venda de sua participação na Companhia Petroquímica de Pernambuco para a mexicana Alpek.
A novidade indica que está andando o programa de ajuste da Petrobrás cujo objetivo é tornar sustentável a dívida líquida de R$ 332,4 bilhões (balanço de 30 de junho), a maior de uma empresa no mundo. Nas próximas etapas deve ser negociada a transferência dos ativos da malha Nordeste de gasodutos (Nova Transportadora do Nordeste), da Transpetro e da BR Distribuidora.
A gritaria dos sindicatos e associações corporativas contra essas vendas deve aumentar. Protestam contra o que chamam de privatização fatiada da Petrobrás, mas até agora não se opuseram nem sequer protestaram contra a megaoperação de corrupção e de saques dos ativos da Petrobrás montada e mantida ao longo dos governos do PT.
O saneamento das finanças da Petrobrás começou com o reconhecimento de perdas (impairments) de R$ 44,6 bilhões no balanço de 2014, que se estenderam nos balanços seguintes . A diretoria vem reescalonando o vencimento de parcelas da dívida, colocou em marcha o seu programa de desenvestimento e está negociando um amplo programa de demissões voluntárias que alcança 12 mil funcionários.
A recuperação da Petrobrás começou com a administração de Aldemir Bendine em 2015 e se aprofunda agora com a de Pedro Parente, que está fazendo sua parte. Depende agora de decisões do governo federal.
O projeto de lei de autoria do então senador José Serra, que flexibiliza a exigência de que a Petrobrás entre com pelo menos 30% dos recursos de exploração de áreas do pré-sal e seja a única operadora, tem agora de passar pela Câmara. Por meio dele será possível amealhar mais capitais para a produção do pré-sal.
O governo terá, também, de agilizar o leilão de novas áreas e fechar negociação de projetos de unitização (que englobam jazidas que avançam para além das áreas sob concessão). Para deixar a Petrobrás em condições operacionais plenas, a União terá também de fechar definitivamente os contratos de cessão onerosa que darão as condições para produção nas áreas concedidas em 2010 por ocasião do aumento de capital da empresa.
A solução de problemas do setor de petróleo é a chave para a retomada do crescimento econômico e para o aumento do emprego. O governo Temer não pode vacilar nesse campo.
CONFIRA:
Bora e Fora
Se não é fácil emplacar o Bora Temer, também é tremendamente complicado o Fora Temer. No caso do Fora Temer, o que contaria seriam as Diretas Já, ou seja, a escolha de um presidente por eleição direta. Mas, para isso, seria necessário que, até o fim deste ano, fosse convocada eleição.
Com que instrumento?
São apenas dois os instrumentos disponíveis: o plebiscito, que exigiria aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ou, ainda, outra PEC que decidisse a convocação de eleição direta. Uma PEC, já se sabe, teria tramitação complicada: aprovação pelas duas Casas do Congresso, em dois turnos, por 3/5 dos votos. Mais ainda, isso levaria tempo.
Indireta
Se for depois (a partir de janeiro), por dispositivo constitucional a eleição de um novo presidente teria de ser indireta pelos mesmos políticos que tiraram a Dilma. Mas, afinal, tanto contorcionismo político-eleitoral para escolher um novo presidente apenas para um mandato-tampão, de pouco mais um ano?
quinta-feira, setembro 08, 2016
Os erros de cada lado - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 08/09
A saída de Dilma resolve um problema do PT. É muito mais fácil fazer manifestação contra do que a favor, até porque é indefensável um governo como o de Dilma. A truculência da polícia paulista dá ao PT o argumento definitivo para sustentar a “narrativa” de que há no país uma luta entre democratas e golpistas. A atitude do governo Temer de subestimar os protestos completa a festa petista.
Os atos radicais dos black blocks não legitimam o comportamento da polícia paulista que, entra secretário, sai secretário, só consegue ir para a rua se for para, a certa altura, bater em quem vê pela frente. Em outros estados, também há relatos de violência policial desnecessária, mas em São Paulo são mais frequentes. São incontáveis os jornalistas que já sofreram nas mãos de policiais, mesmo exibindo os seus crachás de imprensa brasileira ou estrangeira. Haver um grupo desordeiro em um protesto não justifica a reação violenta contra todos. O Estado tem o poder de polícia para usá-lo na defesa do cidadão, e não o contrário. Um coronel achar engraçado uma jovem de 19 anos perder a visão de um dos olhos é revoltante.
O MST foi para a rua contra a reforma da Previdência afirmando que ela trará prejuízo para os trabalhadores e nada disse sobre o fato de que trabalhadores e aposentados das estatais estavam sendo roubados pelo governo que acaba de cair. É notável também o silêncio da CUT diante das revelações da Operação Greenfield. Que parte o MST e a CUT não entenderam? Vale talvez explicar de novo: dirigentes de fundos de pensão, nomeados pelo Partido dos Trabalhadores, em cumplicidade com grandes empresários, roubaram o patrimônio dos trabalhadores e dos aposentados das estatais. Simples assim.
Uma crise é uma crise é uma crise. Nela, o mau humor das pessoas fica em alta porque a compra mensal é mais cara a cada mês, os empregos somem, as empresas quebram, os empréstimos são negados, o lazer não cabe no orçamento, o futuro se torna sombrio. Neste ambiente, aumenta a raiva. Contra quem? O governo, ora. É disso que o PT escapou com a transformação de Dilma Rousseff em ex-presidente. Quando ela pegou seu avião e despachou seus quatro caminhões para o Rio Grande do Sul estava resolvendo um problema que parecia insolúvel. Seu governo criou uma crise de grandes dimensões, mas poderá agora dizer que tudo é culpa daqueles que supostamente usurparam o poder.
O governo Temer não é aquele pelo qual alguém se disponha a ir para a rua em defesa. Os milhões que se vestiram de verde e amarelo e cantaram o hino nacional nas ruas do Brasil várias vezes desde 2013 estavam contra o governo de então, o PT, a corrupção, a crise econômica. Não voltariam às ruas para gritar “Bora Temer”. Podem ser chamados a voltar apenas para mostrar mais uma vez que são contra o PT e suas práticas, mas agora, que o partido está fora do Planalto, há muito menos interesse.
O pior que o governo Temer pode fazer ele já fez: subestimar manifestação. A política ensina que simplesmente não se faz isso. Antes, a máquina governista, os sindicatos e movimentos financiados pelo governo tinham que ser mobilizados para defender Dilma. Agora é mais fácil conseguir a adesão de quem não tem nada com isso, apenas está irritado com o ambiente hostil da economia. Se o governo diz que só há 40 pessoas nos protestos, e a polícia paulista comete seus costumeiros excessos, fica ainda mais fácil convencer os jovens de que eles vivem uma luta de resistência heroica, como a do passado.
A recessão continuará colhendo suas vítimas nos próximos meses e a melhora será lenta porque a economia afundou demais durante o governo Dilma. Quem herda o governo, paga o preço. Adiantará pouco Temer dizer que está cortando em programas sociais porque o dinheiro do orçamento é curto e mostrar que os cortes haviam começado no tempo da sua antecessora. A verdade é a primeira vítima em época de radicalização.
Os petistas perderam, na saída do poder, as muitas sondas pelas quais extraíram dinheiro do Estado, das estatais, dos fundos de pensão para se financiar e encher muitos bolsos. Mas estão na confortável situação de jogar pedras contra as vidraças nas quais eles estavam até recentemente e criticar a crise que eles mesmos criaram.
A saída de Dilma resolve um problema do PT. É muito mais fácil fazer manifestação contra do que a favor, até porque é indefensável um governo como o de Dilma. A truculência da polícia paulista dá ao PT o argumento definitivo para sustentar a “narrativa” de que há no país uma luta entre democratas e golpistas. A atitude do governo Temer de subestimar os protestos completa a festa petista.
Os atos radicais dos black blocks não legitimam o comportamento da polícia paulista que, entra secretário, sai secretário, só consegue ir para a rua se for para, a certa altura, bater em quem vê pela frente. Em outros estados, também há relatos de violência policial desnecessária, mas em São Paulo são mais frequentes. São incontáveis os jornalistas que já sofreram nas mãos de policiais, mesmo exibindo os seus crachás de imprensa brasileira ou estrangeira. Haver um grupo desordeiro em um protesto não justifica a reação violenta contra todos. O Estado tem o poder de polícia para usá-lo na defesa do cidadão, e não o contrário. Um coronel achar engraçado uma jovem de 19 anos perder a visão de um dos olhos é revoltante.
O MST foi para a rua contra a reforma da Previdência afirmando que ela trará prejuízo para os trabalhadores e nada disse sobre o fato de que trabalhadores e aposentados das estatais estavam sendo roubados pelo governo que acaba de cair. É notável também o silêncio da CUT diante das revelações da Operação Greenfield. Que parte o MST e a CUT não entenderam? Vale talvez explicar de novo: dirigentes de fundos de pensão, nomeados pelo Partido dos Trabalhadores, em cumplicidade com grandes empresários, roubaram o patrimônio dos trabalhadores e dos aposentados das estatais. Simples assim.
Uma crise é uma crise é uma crise. Nela, o mau humor das pessoas fica em alta porque a compra mensal é mais cara a cada mês, os empregos somem, as empresas quebram, os empréstimos são negados, o lazer não cabe no orçamento, o futuro se torna sombrio. Neste ambiente, aumenta a raiva. Contra quem? O governo, ora. É disso que o PT escapou com a transformação de Dilma Rousseff em ex-presidente. Quando ela pegou seu avião e despachou seus quatro caminhões para o Rio Grande do Sul estava resolvendo um problema que parecia insolúvel. Seu governo criou uma crise de grandes dimensões, mas poderá agora dizer que tudo é culpa daqueles que supostamente usurparam o poder.
O governo Temer não é aquele pelo qual alguém se disponha a ir para a rua em defesa. Os milhões que se vestiram de verde e amarelo e cantaram o hino nacional nas ruas do Brasil várias vezes desde 2013 estavam contra o governo de então, o PT, a corrupção, a crise econômica. Não voltariam às ruas para gritar “Bora Temer”. Podem ser chamados a voltar apenas para mostrar mais uma vez que são contra o PT e suas práticas, mas agora, que o partido está fora do Planalto, há muito menos interesse.
O pior que o governo Temer pode fazer ele já fez: subestimar manifestação. A política ensina que simplesmente não se faz isso. Antes, a máquina governista, os sindicatos e movimentos financiados pelo governo tinham que ser mobilizados para defender Dilma. Agora é mais fácil conseguir a adesão de quem não tem nada com isso, apenas está irritado com o ambiente hostil da economia. Se o governo diz que só há 40 pessoas nos protestos, e a polícia paulista comete seus costumeiros excessos, fica ainda mais fácil convencer os jovens de que eles vivem uma luta de resistência heroica, como a do passado.
A recessão continuará colhendo suas vítimas nos próximos meses e a melhora será lenta porque a economia afundou demais durante o governo Dilma. Quem herda o governo, paga o preço. Adiantará pouco Temer dizer que está cortando em programas sociais porque o dinheiro do orçamento é curto e mostrar que os cortes haviam começado no tempo da sua antecessora. A verdade é a primeira vítima em época de radicalização.
Os petistas perderam, na saída do poder, as muitas sondas pelas quais extraíram dinheiro do Estado, das estatais, dos fundos de pensão para se financiar e encher muitos bolsos. Mas estão na confortável situação de jogar pedras contra as vidraças nas quais eles estavam até recentemente e criticar a crise que eles mesmos criaram.
Frio de morte nas importações - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/09
Frio de morte nas importações indica ainda recessão profunda; para piorar, real sobe
Despioras mínimas à parte, a economia brasileira ainda está em coma, apesar das piscadelas recentes, sinais de uma possível volta à vida. Pelo termômetro do comércio exterior, faz um frio de morte, o mais gelado de que se tem registro comparável, em cerca de 60 anos.
Para piorar, o custo dos produtos brasileiros "em dólar" cresce desde o início do ano, graças à combinação de real em alta e inflação, o que prejudica as exportações. Quando elas crescem mais do que as importações, o PIB cresce algo mais.
O real se valoriza na mesma onda das moedas de países sujeitos de modo semelhante às andanças do dinheiro grosso do mundo. Desde junho, uns 80% da valorização parecem se dever a fatores externos, digamos. No ano, uns 50%.
A fim de contrabalançar essa maré, seria preciso baixar juros, o que depende de ajuste fiscal, o de sempre. O Banco Central se desfaz rapidamente das intervenções (swaps) excessivas para conter a alta do dólar em anos passados. Deve zerá-las até o final do ano. Faz coceira no câmbio.
O comércio exterior vinha dando mãozinha considerável à economia. Evitava queda maior. Mas o estrago não se deve apenas à alta do real. O exportador lida com uma taxa de câmbio maluca, que vai de R$ 4 para R$ 3,20 em oito meses.
Alguns economistas fazem troça do lobby dos empresários em favor de um real desvalorizado. Para o industrial brasileiro, diz a piada, o real está sempre 30% mais caro do que deveria.
Decerto é uma solução mais fácil e rápida para ganhar competitividade do que aumento de eficiência. Mas é besteira não se preocupar com esse preço, óbvio, e suas variações excessivas –com a volatilidade da taxa de câmbio.
Quando o real se desvaloriza, empresários podem dar desconto para ganhar clientes e mercados no exterior. Mas, se a moeda volta a se valorizar rápido demais, a empresa perde rentabilidade. O exportador se retrai, desiste de organizar o empreendimento para vender mais no exterior. Difícil trabalhar assim.
Seja qual for o problema, preços, câmbio, produtividade ou qualidade, vai caindo a participação do país no comércio mundial, que tem crescido muito devagar, mas cresce.
O comércio exterior do Brasil ainda está em colapso. O valor das exportações cai ainda mais de 9% ao ano (chegou a cair quase 18%, em setembro de 2015). Mas é nas importações que se nota o quanto a economia ainda vegeta no sono das profundas das recessões.
O valor total das importações cai em ritmo acelerado: baixou mais de 30% nos últimos 12 meses. Apesar de tímida melhora no início do ano, a queda na importação de bens de capital (máquinas, equipamentos etc.) é de 27%. Matérias-primas e bens de capital levam 70% do valor das compras: importamos para produzir mais e melhor. Colapso na importação é, claro, sinal de desgraça.
De colapso se trata, tanto em termos de volume como do valor das importações. Houve outros, em geral associados a desgraças ou traumas políticos e econômicos: 1964-65, início da ditadura militar; 1981-85, grandes desvalorizações e recessões do final da ditadura; na desvalorização do real de 1999; na transição de 2002-2003.
Nada, porém, se compara ao choque de agora nas importações.
Frio de morte nas importações indica ainda recessão profunda; para piorar, real sobe
Despioras mínimas à parte, a economia brasileira ainda está em coma, apesar das piscadelas recentes, sinais de uma possível volta à vida. Pelo termômetro do comércio exterior, faz um frio de morte, o mais gelado de que se tem registro comparável, em cerca de 60 anos.
Para piorar, o custo dos produtos brasileiros "em dólar" cresce desde o início do ano, graças à combinação de real em alta e inflação, o que prejudica as exportações. Quando elas crescem mais do que as importações, o PIB cresce algo mais.
O real se valoriza na mesma onda das moedas de países sujeitos de modo semelhante às andanças do dinheiro grosso do mundo. Desde junho, uns 80% da valorização parecem se dever a fatores externos, digamos. No ano, uns 50%.
A fim de contrabalançar essa maré, seria preciso baixar juros, o que depende de ajuste fiscal, o de sempre. O Banco Central se desfaz rapidamente das intervenções (swaps) excessivas para conter a alta do dólar em anos passados. Deve zerá-las até o final do ano. Faz coceira no câmbio.
O comércio exterior vinha dando mãozinha considerável à economia. Evitava queda maior. Mas o estrago não se deve apenas à alta do real. O exportador lida com uma taxa de câmbio maluca, que vai de R$ 4 para R$ 3,20 em oito meses.
Alguns economistas fazem troça do lobby dos empresários em favor de um real desvalorizado. Para o industrial brasileiro, diz a piada, o real está sempre 30% mais caro do que deveria.
Decerto é uma solução mais fácil e rápida para ganhar competitividade do que aumento de eficiência. Mas é besteira não se preocupar com esse preço, óbvio, e suas variações excessivas –com a volatilidade da taxa de câmbio.
Quando o real se desvaloriza, empresários podem dar desconto para ganhar clientes e mercados no exterior. Mas, se a moeda volta a se valorizar rápido demais, a empresa perde rentabilidade. O exportador se retrai, desiste de organizar o empreendimento para vender mais no exterior. Difícil trabalhar assim.
Seja qual for o problema, preços, câmbio, produtividade ou qualidade, vai caindo a participação do país no comércio mundial, que tem crescido muito devagar, mas cresce.
O comércio exterior do Brasil ainda está em colapso. O valor das exportações cai ainda mais de 9% ao ano (chegou a cair quase 18%, em setembro de 2015). Mas é nas importações que se nota o quanto a economia ainda vegeta no sono das profundas das recessões.
O valor total das importações cai em ritmo acelerado: baixou mais de 30% nos últimos 12 meses. Apesar de tímida melhora no início do ano, a queda na importação de bens de capital (máquinas, equipamentos etc.) é de 27%. Matérias-primas e bens de capital levam 70% do valor das compras: importamos para produzir mais e melhor. Colapso na importação é, claro, sinal de desgraça.
De colapso se trata, tanto em termos de volume como do valor das importações. Houve outros, em geral associados a desgraças ou traumas políticos e econômicos: 1964-65, início da ditadura militar; 1981-85, grandes desvalorizações e recessões do final da ditadura; na desvalorização do real de 1999; na transição de 2002-2003.
Nada, porém, se compara ao choque de agora nas importações.
Corrupção miúda, roubo graúdo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 08/09
No governo em geral e nas estatais, soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma
Havia desde muito uma desconfiança de que era exagerado o gasto do INSS com auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A direção do órgão resolveu fazer um teste em Jundiaí, cidade no interior de São Paulo. Resultado: metade desses benefícios foi cancelada. Os beneficiários podiam, sim, trabalhar. Estavam apenas “encostados na caixa”, como se dizia antigamente.
Essa notícia saiu no mesmo dia em que a Polícia Federal e o Ministério Público desfechavam a Operação Greenfield, para apurar roubos nos quatro maiores fundos de pensão de estatais. Neste caso, há suspeita inicial de desvio de R$ 8 bilhões
Já no caso do INSS, parece dinheiro pequeno. Benefícios de um salário mínimo, dois, três mil reais mensais, se tanto.
Nos dois casos, porém, nos pequenos e nos grandes desvios de dinheiro público, a história tem a mesma origem: uma combinação de fraudes e má gestão. Foi assim também no caso da Petrobras e das demais estatais quebradas, como a Eletrobras: roubo e pouco caso com o dinheiro dos outros.
A gente até pode entender o dilema pessoal de um médico-perito do INSS, bem intencionado. Ele sabe que a pessoa pode trabalhar, mas, caramba, são apenas R$ 800, nada para o governo, uma baita ajuda para o beneficiário.
Mas, guardadas as proporções, enormes, e ainda no campo das boas intenções, é parecida a situação do gestor de um fundo de pensão que arrisca um bilhão de reais numa ação de rentabilidade duvidosa.
O que há por trás disso, antes de se falar em corrupção? A falta do “sentido da coisa pública”. O cliente do INSS acha que não tem nada demais cavar um auxílio-doença. O médico, apressado, com uma fila enorme para atender, vacila, mas, vá lá.
O operador do mercado financeiro acha que não tem nada demais cavar um bilhãozinho com o colega gestor de um fundo estatal para turbinar uma ação de terceira. O gestor vacila — mas quem sabe dá certo, não é mesmo?
Está aí o ambiente perfeito para o desenvolvimento da corrupção. Se não tem responsabilidade pública, se a gestão é frouxa, se parece que ninguém está ligando a mínima, por que não botar a mão na grana de verdade? Tudo considerado, dá numa enorme subtração de dinheiro público.
O INSS gasta mensalmente pouco mais de R$ 1 bilhão com auxílio-doença pago há mais de dois anos e R$ 3,6 bilhões com aposentadoria por invalidez também por mais de dois anos. Ora, se metade disso está irregular, como se verificou em Jundiaí, pode-se chegar a uma economia de R$ 2,3 bilhões/mês. O déficit mensal do INSS, neste ano, está na casa dos R$ 10 bilhões, de maneira que seria expressivo o ganho com o cancelamento dos benefícios irregulares.
Na história dos grandes fundos de pensão (Petros, dos funcionários da Petrobras; Previ, do Banco do Brasil; Postalis, dos Correios; e Funcef, da Caixa), a fraude inicialmente estimada chega a R$ 8 bilhões. Mas o rombo dessas quatro instituições investigadas está em torno dos R$ 50 bilhões.
Aqui, como no governo em geral e nas estatais em particular, essa soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma. E não apenas o aparelhamento do PT, mas a entrega de pedaços da administração para os partidos aliados e para os capitalistas amigos.
O discurso do PT sustenta que as elites deram um golpe para acabar com os direitos do povão. Mas a LavaJato e seus similares estão apanhando expressivos representantes das elites antes amigas e beneficiárias do governo. E não se pode dizer que cancelar benefícios irregulares seja tirar direitos.
Por outro lado, entende-se por que tanta gente quer melar as investigações. A corrupção espalhou-se dos pequenos aos grandes negócios.
Ainda nesta semana, no mesmo pacote da avacalhação nacional, o Tribunal de Contas da União encontrou indícios de irregularidades em um terço das doações feitas por pessoas físicas para as eleições de outubro. Casos mais frequentes: mortos e beneficiários do Bolsa Família doando dinheiro vivo.
Costuma-se dizer pelo interior, a respeito de empreitadas que acertam todas: cada enxadada, uma minhoca. Pode-se dizer na era tecnológica: cada cruzamento de dados, uma corrupção.
Por isso que não é nem pouco exagerada a proposta de legislação anticorrupção apresentada pelo Ministério Público. Exagerada foi a roubalheira.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
No governo em geral e nas estatais, soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma
Havia desde muito uma desconfiança de que era exagerado o gasto do INSS com auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A direção do órgão resolveu fazer um teste em Jundiaí, cidade no interior de São Paulo. Resultado: metade desses benefícios foi cancelada. Os beneficiários podiam, sim, trabalhar. Estavam apenas “encostados na caixa”, como se dizia antigamente.
Essa notícia saiu no mesmo dia em que a Polícia Federal e o Ministério Público desfechavam a Operação Greenfield, para apurar roubos nos quatro maiores fundos de pensão de estatais. Neste caso, há suspeita inicial de desvio de R$ 8 bilhões
Já no caso do INSS, parece dinheiro pequeno. Benefícios de um salário mínimo, dois, três mil reais mensais, se tanto.
Nos dois casos, porém, nos pequenos e nos grandes desvios de dinheiro público, a história tem a mesma origem: uma combinação de fraudes e má gestão. Foi assim também no caso da Petrobras e das demais estatais quebradas, como a Eletrobras: roubo e pouco caso com o dinheiro dos outros.
A gente até pode entender o dilema pessoal de um médico-perito do INSS, bem intencionado. Ele sabe que a pessoa pode trabalhar, mas, caramba, são apenas R$ 800, nada para o governo, uma baita ajuda para o beneficiário.
Mas, guardadas as proporções, enormes, e ainda no campo das boas intenções, é parecida a situação do gestor de um fundo de pensão que arrisca um bilhão de reais numa ação de rentabilidade duvidosa.
O que há por trás disso, antes de se falar em corrupção? A falta do “sentido da coisa pública”. O cliente do INSS acha que não tem nada demais cavar um auxílio-doença. O médico, apressado, com uma fila enorme para atender, vacila, mas, vá lá.
O operador do mercado financeiro acha que não tem nada demais cavar um bilhãozinho com o colega gestor de um fundo estatal para turbinar uma ação de terceira. O gestor vacila — mas quem sabe dá certo, não é mesmo?
Está aí o ambiente perfeito para o desenvolvimento da corrupção. Se não tem responsabilidade pública, se a gestão é frouxa, se parece que ninguém está ligando a mínima, por que não botar a mão na grana de verdade? Tudo considerado, dá numa enorme subtração de dinheiro público.
O INSS gasta mensalmente pouco mais de R$ 1 bilhão com auxílio-doença pago há mais de dois anos e R$ 3,6 bilhões com aposentadoria por invalidez também por mais de dois anos. Ora, se metade disso está irregular, como se verificou em Jundiaí, pode-se chegar a uma economia de R$ 2,3 bilhões/mês. O déficit mensal do INSS, neste ano, está na casa dos R$ 10 bilhões, de maneira que seria expressivo o ganho com o cancelamento dos benefícios irregulares.
Na história dos grandes fundos de pensão (Petros, dos funcionários da Petrobras; Previ, do Banco do Brasil; Postalis, dos Correios; e Funcef, da Caixa), a fraude inicialmente estimada chega a R$ 8 bilhões. Mas o rombo dessas quatro instituições investigadas está em torno dos R$ 50 bilhões.
Aqui, como no governo em geral e nas estatais em particular, essa soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma. E não apenas o aparelhamento do PT, mas a entrega de pedaços da administração para os partidos aliados e para os capitalistas amigos.
O discurso do PT sustenta que as elites deram um golpe para acabar com os direitos do povão. Mas a LavaJato e seus similares estão apanhando expressivos representantes das elites antes amigas e beneficiárias do governo. E não se pode dizer que cancelar benefícios irregulares seja tirar direitos.
Por outro lado, entende-se por que tanta gente quer melar as investigações. A corrupção espalhou-se dos pequenos aos grandes negócios.
Ainda nesta semana, no mesmo pacote da avacalhação nacional, o Tribunal de Contas da União encontrou indícios de irregularidades em um terço das doações feitas por pessoas físicas para as eleições de outubro. Casos mais frequentes: mortos e beneficiários do Bolsa Família doando dinheiro vivo.
Costuma-se dizer pelo interior, a respeito de empreitadas que acertam todas: cada enxadada, uma minhoca. Pode-se dizer na era tecnológica: cada cruzamento de dados, uma corrupção.
Por isso que não é nem pouco exagerada a proposta de legislação anticorrupção apresentada pelo Ministério Público. Exagerada foi a roubalheira.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Contra vento e maré, as reformas prosseguem - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ
ESTADÃO - 08/09
O desmonte da era lulopetista completa-se com a efetivação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em que pesem os protestos da militância, que só revelam a sua capacidade de fazer barulho e de depredar bens públicos e privados, configurando um caso de polícia.
Mas a decisão está tomada e foi sacramentada conforme o rito prescrito pela legislação em vigor. Apesar da inoportuna e monocrática “pedalada togada” do ministro Ricardo Lewandowski – que presidiu a memorável sessão do Senado Federal em 31 de agosto. Que decerto será corrigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já provocado por várias ações que questionam o fatiamento hermenêutico do artigo 52 da Constituição, que reza: “Compete privativamente ao Senado Federal: I – Processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade (...). Parágrafo único. (...) funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que só será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública (...)”.
Consolida-se, assim, a nova etapa para o desenvolvimento da sociedade brasileira, que abarca duas exigências preliminares. Em primeiro lugar, o afastamento definitivo do governo e do Estado das práticas sistemáticas de corrupção, que tornaram inviável o governo de Dilma e a gestão petista em geral. Em segundo lugar, o abandono do modelo estatizante que foi posto em marcha pelo PT ao longo dos últimos anos e constituiu evidente retrocesso quanto à escolha do caminho que deveria ser seguido para o desenvolvimento do País.
O estatismo ao redor da hipertrofia do Executivo e da escolha de “campeões de bilheteria” entre os empresários que se chegaram à mesa do poder (que fora também a característica marcante do modelo econômico posto em marcha no governo do general Ernesto Geisel) era um caminho que já tinha sido abandonado quando o País efetivou, no final da administração de Itamar Franco e nos governos de Fernando Henrique Cardoso, o combate à inflação e o saneamento das contas públicas, medidas que foram postas em prática ao ensejo da adoção do Plano Real.
O PT pareceu dar continuidade, em 2003, a essa política, mas, como todos sabemos, o caminho assinalado pela Carta ao Povo Brasileiro foi sendo abandonado progressivamente a partir do mensalão, tendo-se agravado a índole estatizante do modelo nos governos de Dilma Rousseff, em decorrência das distorções criadas na economia pela prática sistemática da corrupção, desvendada e combatida pela Operação Lava Jato. O PT comprometeu a durabilidade das suas propostas de desenvolvimento ao adotar o esdrúxulo sistema de arrecadação de fundos proveniente do saque sistemático das empresas estatais, para financiar a hegemonia partidária e a permanência indefinida do partido do governo no poder, contrariando a prática sadia da alternância que parecia ter sido aceita quando da chegada de Lula ao poder.
As coisas tornaram-se insustentáveis com a série de decisões erráticas no terreno econômico e no plano político, dada a ausência de abertura de Dilma na tomada de decisões, o que a indispôs com sua base aliada e com o Congresso em geral. O impeachment, não apenas pelas “pedaladas fiscais”, mas também pelo que se denominou “conjunto da obra”, era questão de tempo.
O governo do presidente Michel Temer consolida-se, assim, como escolha adotada pelo povo brasileiro, a partir da decisão soberana e constitucional do Senado no passado dia 31. Agora é tempo de pôr em prática a rota traçada, que visa a sanear a economia dos entraves estatizantes colocados pela gestão petista e se dirige, também, a elevar a credibilidade do Brasil no plano internacional, a fim de atrair investidores. O País precisa avançar célere nas reformas propostas na fase de interinidade do atual governo, que se situam, no meu entender, ao redor de cinco grandes exigências: 1) Aprovação do limite para o gasto público; 2) adoção da reforma previdenciária; 3) efetivação da reforma trabalhista, com vista a destravar a economia e tornar possível a rápida geração de empregos; 4) avanço numa reforma política que garanta o aperfeiçoamento da representação e o aumento da credibilidade do nosso Legislativo; e 5) aceleração das reformas necessárias para melhorar a infraestrutura do País, seriamente comprometida por décadas de descaso. A retomada das privatizações apresenta-se, aqui, como medida essencial, que ajudará a financiar o atendimento à melhoria da infraestrutura.
O vento e a maré das manifestações dos insatisfeitos com a saída de Dilma da Presidência não poderão comprometer as expectativas dos brasileiros nesta importante quadra da nossa História. Compete ao PT se situar, dentro da legalidade, na sua condição de partido de oposição, renunciando à prática do anarquismo e da arruaça sistemática, que o empurrarão para a ilegalidade.
O primeiro passo nos novos tempos já foi dado pelos países que se fizeram presentes na reunião do G-20 na China, quando reconheceram a legitimidade do novo governo e passaram a negociar com o presidente Temer as urgentes medidas que alavancarão a economia mundial nos próximos anos.
O Supremo Tribunal Federal, ao abordar, nos próximos dias, a questão do fatiamento do artigo 52 da Constituição dará o segundo passo, ao garantir a segurança jurídica das nossas instituições e consolidar definitivamente a decisão do impeachment com as exigências legais que a acompanham. Os nossos magistrados saberão tomar a decisão correta, como, de fato, já tomaram no caso de outras de igual vulto em circunstâncias anteriores.
O desmonte da era lulopetista completa-se com a efetivação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em que pesem os protestos da militância, que só revelam a sua capacidade de fazer barulho e de depredar bens públicos e privados, configurando um caso de polícia.
Mas a decisão está tomada e foi sacramentada conforme o rito prescrito pela legislação em vigor. Apesar da inoportuna e monocrática “pedalada togada” do ministro Ricardo Lewandowski – que presidiu a memorável sessão do Senado Federal em 31 de agosto. Que decerto será corrigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já provocado por várias ações que questionam o fatiamento hermenêutico do artigo 52 da Constituição, que reza: “Compete privativamente ao Senado Federal: I – Processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade (...). Parágrafo único. (...) funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que só será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública (...)”.
Consolida-se, assim, a nova etapa para o desenvolvimento da sociedade brasileira, que abarca duas exigências preliminares. Em primeiro lugar, o afastamento definitivo do governo e do Estado das práticas sistemáticas de corrupção, que tornaram inviável o governo de Dilma e a gestão petista em geral. Em segundo lugar, o abandono do modelo estatizante que foi posto em marcha pelo PT ao longo dos últimos anos e constituiu evidente retrocesso quanto à escolha do caminho que deveria ser seguido para o desenvolvimento do País.
O estatismo ao redor da hipertrofia do Executivo e da escolha de “campeões de bilheteria” entre os empresários que se chegaram à mesa do poder (que fora também a característica marcante do modelo econômico posto em marcha no governo do general Ernesto Geisel) era um caminho que já tinha sido abandonado quando o País efetivou, no final da administração de Itamar Franco e nos governos de Fernando Henrique Cardoso, o combate à inflação e o saneamento das contas públicas, medidas que foram postas em prática ao ensejo da adoção do Plano Real.
O PT pareceu dar continuidade, em 2003, a essa política, mas, como todos sabemos, o caminho assinalado pela Carta ao Povo Brasileiro foi sendo abandonado progressivamente a partir do mensalão, tendo-se agravado a índole estatizante do modelo nos governos de Dilma Rousseff, em decorrência das distorções criadas na economia pela prática sistemática da corrupção, desvendada e combatida pela Operação Lava Jato. O PT comprometeu a durabilidade das suas propostas de desenvolvimento ao adotar o esdrúxulo sistema de arrecadação de fundos proveniente do saque sistemático das empresas estatais, para financiar a hegemonia partidária e a permanência indefinida do partido do governo no poder, contrariando a prática sadia da alternância que parecia ter sido aceita quando da chegada de Lula ao poder.
As coisas tornaram-se insustentáveis com a série de decisões erráticas no terreno econômico e no plano político, dada a ausência de abertura de Dilma na tomada de decisões, o que a indispôs com sua base aliada e com o Congresso em geral. O impeachment, não apenas pelas “pedaladas fiscais”, mas também pelo que se denominou “conjunto da obra”, era questão de tempo.
O governo do presidente Michel Temer consolida-se, assim, como escolha adotada pelo povo brasileiro, a partir da decisão soberana e constitucional do Senado no passado dia 31. Agora é tempo de pôr em prática a rota traçada, que visa a sanear a economia dos entraves estatizantes colocados pela gestão petista e se dirige, também, a elevar a credibilidade do Brasil no plano internacional, a fim de atrair investidores. O País precisa avançar célere nas reformas propostas na fase de interinidade do atual governo, que se situam, no meu entender, ao redor de cinco grandes exigências: 1) Aprovação do limite para o gasto público; 2) adoção da reforma previdenciária; 3) efetivação da reforma trabalhista, com vista a destravar a economia e tornar possível a rápida geração de empregos; 4) avanço numa reforma política que garanta o aperfeiçoamento da representação e o aumento da credibilidade do nosso Legislativo; e 5) aceleração das reformas necessárias para melhorar a infraestrutura do País, seriamente comprometida por décadas de descaso. A retomada das privatizações apresenta-se, aqui, como medida essencial, que ajudará a financiar o atendimento à melhoria da infraestrutura.
O vento e a maré das manifestações dos insatisfeitos com a saída de Dilma da Presidência não poderão comprometer as expectativas dos brasileiros nesta importante quadra da nossa História. Compete ao PT se situar, dentro da legalidade, na sua condição de partido de oposição, renunciando à prática do anarquismo e da arruaça sistemática, que o empurrarão para a ilegalidade.
O primeiro passo nos novos tempos já foi dado pelos países que se fizeram presentes na reunião do G-20 na China, quando reconheceram a legitimidade do novo governo e passaram a negociar com o presidente Temer as urgentes medidas que alavancarão a economia mundial nos próximos anos.
O Supremo Tribunal Federal, ao abordar, nos próximos dias, a questão do fatiamento do artigo 52 da Constituição dará o segundo passo, ao garantir a segurança jurídica das nossas instituições e consolidar definitivamente a decisão do impeachment com as exigências legais que a acompanham. Os nossos magistrados saberão tomar a decisão correta, como, de fato, já tomaram no caso de outras de igual vulto em circunstâncias anteriores.
Pela porta dos fundos - DEMÉTRIO MAGNOLI
O GLOBO - 08/09
A China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita
Na tarde de sábado passado, Barack Obama desembarcou pela porta dos fundos do Air Force One na capital provincial chinesa de Hangzhou para a reunião de cúpula do G-20. Logo circulou, a partir da imprensa americana, a narrativa de uma afronta milimetricamente calculada pelo governo chinês de Xi Jinping. Exceto em lugares sujeitos a prementes restrições de segurança, o presidente dos EUA costuma assomar pela porta da frente da aeronave, acenando de cima de uma escada móvel.
Desta vez, os chineses teriam recusado o aparato, impondo o uso da escada do próprio avião para reduzir o líder da superpotência à estatura de um visitante comum. A história verdadeira é um tanto nebulosa, muito menos brutal — mas, paradoxalmente, ainda mais reveladora da tensão que marca a ascensão da China numa ordem mundial edificada pelos EUA.
Em Hangzhou, as autoridades chinesas mantiveram os jornalistas credenciados pela Casa Branca distantes da aeronave presidencial. O gesto áspero foi interpretado pelos jornalistas no contexto do incomum desembarque de Obama — e, daí, surgiu a narrativa da afronta. De fato, os chineses rejeitaram a solicitação americana de que a operação da escada fosse supervisionada por oficiais militares da comitiva do presidente, entregando-a aos cuidados de aeroportuários que não entendem inglês. A segurança de Obama reagiu, decidindo que o presidente usaria a porta traseira. Tarde demais, após a aterrissagem, os chineses recuaram, admitindo a presença dos oficiais americanos.
“É o nosso aeroporto, no nosso país”, exclamou uma autoridade local. “Elegante como sempre, China”, replicou um tuíte irônico, devidamente eliminado em poucos minutos, no site do Departamento da Defesa. Obama reclamou do tratamento dispensado aos jornalistas, invocando os “valores americanos”, mas minimizou o incidente, reconhecendo a carga para o anfitrião representada por uma comitiva presidencial americana, com seus “diversos aviões, helicópteros, automóveis e seguranças”. No fim, sobrou a cena estranha, junto com as frases perdidas no ar, fragmentos de um mundo em desordem.
O Japão e a Alemanha do início do século XX eram potências insatisfeitas, que ingressavam no sistema internacional arrombando portões. Os mesmos Japão e Alemanha derrotados em 1945 ascenderam na ordem ocidental da Guerra Fria como potências satisfeitas, aceitando suas instituições e regras em troca de um lugar ao sol. O que é, nesse quadro de referências, a China da aurora do século XXI?
A China que celebrou nas ruas, em meio a fogos de artifício, sua admissão à Organização Mundial de Comércio, em 2001, parecia uma potência satisfeita. Já a China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita. Os rótulos polares simplificam uma equação complexa, pontilhada de ambiguidades. De um lado, o desenvolvimento chinês e sua estabilidade interna dependem da estrutura institucional que sustenta a globalização. De outro, o regime chinês não compartilha os valores das sociedades abertas e contesta aspectos relevantes do envelope geopolítico da “Pax Americana”.
O “nosso aeroporto”, no “nosso país”. O regime chinês apela ao curinga do nacionalismo desde que, na prática, descartou o maoísmo. Mas o recurso não é um expediente circunstancial, pois toca num nervo social profundo: a memória dos “tratados iníquos”, as intervenções estrangeiras que aceleraram o colapso do Império do Centro e se concluíram pela invasão japonesa. Ao contrário da antiga URSS, a China não tem um modelo político a exportar. Contudo, suas definições do interesse nacional transbordam do leito da economia, espraiando-se pelas várzeas estratégicas e militares. Na relação crucial com os EUA, a China toca as músicas contraditórias da parceria e da rivalidade. Xi Jinping pretendia estender um tapete vermelho para Obama, mas nos seus próprios termos.
Anos atrás, num seminário sobre segurança global, um alto funcionário australiano fez uma experiência com seus colegas americanos, pondo-lhes três questões sucessivas. “Os EUA devem tratar a China como uma potência igual se o poder chinês crescer até igualar-se ao dos EUA?”. Recebeu, invariavelmente, um “não” como réplica. “Nessa hipótese, a China aceitará algo menos que ser tratada como uma igual?”. Novamente, as respostas foram sempre “não”. “Então, como EUA e China conviverão?”. A terceira pergunta ficou sem respostas. O incidente menor na chegada de Obama a Hangzhou é uma evidência de que o sistema internacional navega por mares desconhecidos nessa transição sem precedentes históricos.
Há uma década, os dirigentes chineses cunharam a expressão “ascensão pacífica” para assegurar ao mundo que não contestam os fundamentos da ordem existente. Depois, a China engajou-se em programas de modernização militar, investindo em mísseis balísticos, no desenvolvimento de uma marinha oceânica e em tecnologias de comando, controle e comunicações. A reação do governo Obama veio sob a forma do “giro estratégico para a Ásia”, que abrange tanto a projetada Parceria Transpacífica (TPP), um mega-acordo de comércio e investimentos, quanto uma coleção de acordos de cooperação militar entre os EUA e os países da orla marítima chinesa.
“A diplomacia do sorriso chegou ao fim”, diagnosticou Richard Armitage, vice-secretário de Estado no governo de George W. Bush, um neoconservador americano que enxerga na China uma potência insatisfeita. Não é bem assim: o Obama que desembarcou pela porta dos fundos foi fotografado junto com um sorridente Xi Jinping quando ambos anunciaram a adesão simultânea dos EUA e da China ao Acordo do Clima de Paris. A única nota positiva de uma cúpula do G-20 marcada por tensões e discórdias resultou da ação daquilo que já vem sendo denominado G-2: a parceria entre a superpotência global e a potência asiática ascendente.
Demétrio Magnoli é sociólogo
A China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita
Na tarde de sábado passado, Barack Obama desembarcou pela porta dos fundos do Air Force One na capital provincial chinesa de Hangzhou para a reunião de cúpula do G-20. Logo circulou, a partir da imprensa americana, a narrativa de uma afronta milimetricamente calculada pelo governo chinês de Xi Jinping. Exceto em lugares sujeitos a prementes restrições de segurança, o presidente dos EUA costuma assomar pela porta da frente da aeronave, acenando de cima de uma escada móvel.
Desta vez, os chineses teriam recusado o aparato, impondo o uso da escada do próprio avião para reduzir o líder da superpotência à estatura de um visitante comum. A história verdadeira é um tanto nebulosa, muito menos brutal — mas, paradoxalmente, ainda mais reveladora da tensão que marca a ascensão da China numa ordem mundial edificada pelos EUA.
Em Hangzhou, as autoridades chinesas mantiveram os jornalistas credenciados pela Casa Branca distantes da aeronave presidencial. O gesto áspero foi interpretado pelos jornalistas no contexto do incomum desembarque de Obama — e, daí, surgiu a narrativa da afronta. De fato, os chineses rejeitaram a solicitação americana de que a operação da escada fosse supervisionada por oficiais militares da comitiva do presidente, entregando-a aos cuidados de aeroportuários que não entendem inglês. A segurança de Obama reagiu, decidindo que o presidente usaria a porta traseira. Tarde demais, após a aterrissagem, os chineses recuaram, admitindo a presença dos oficiais americanos.
“É o nosso aeroporto, no nosso país”, exclamou uma autoridade local. “Elegante como sempre, China”, replicou um tuíte irônico, devidamente eliminado em poucos minutos, no site do Departamento da Defesa. Obama reclamou do tratamento dispensado aos jornalistas, invocando os “valores americanos”, mas minimizou o incidente, reconhecendo a carga para o anfitrião representada por uma comitiva presidencial americana, com seus “diversos aviões, helicópteros, automóveis e seguranças”. No fim, sobrou a cena estranha, junto com as frases perdidas no ar, fragmentos de um mundo em desordem.
O Japão e a Alemanha do início do século XX eram potências insatisfeitas, que ingressavam no sistema internacional arrombando portões. Os mesmos Japão e Alemanha derrotados em 1945 ascenderam na ordem ocidental da Guerra Fria como potências satisfeitas, aceitando suas instituições e regras em troca de um lugar ao sol. O que é, nesse quadro de referências, a China da aurora do século XXI?
A China que celebrou nas ruas, em meio a fogos de artifício, sua admissão à Organização Mundial de Comércio, em 2001, parecia uma potência satisfeita. Já a China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita. Os rótulos polares simplificam uma equação complexa, pontilhada de ambiguidades. De um lado, o desenvolvimento chinês e sua estabilidade interna dependem da estrutura institucional que sustenta a globalização. De outro, o regime chinês não compartilha os valores das sociedades abertas e contesta aspectos relevantes do envelope geopolítico da “Pax Americana”.
O “nosso aeroporto”, no “nosso país”. O regime chinês apela ao curinga do nacionalismo desde que, na prática, descartou o maoísmo. Mas o recurso não é um expediente circunstancial, pois toca num nervo social profundo: a memória dos “tratados iníquos”, as intervenções estrangeiras que aceleraram o colapso do Império do Centro e se concluíram pela invasão japonesa. Ao contrário da antiga URSS, a China não tem um modelo político a exportar. Contudo, suas definições do interesse nacional transbordam do leito da economia, espraiando-se pelas várzeas estratégicas e militares. Na relação crucial com os EUA, a China toca as músicas contraditórias da parceria e da rivalidade. Xi Jinping pretendia estender um tapete vermelho para Obama, mas nos seus próprios termos.
Anos atrás, num seminário sobre segurança global, um alto funcionário australiano fez uma experiência com seus colegas americanos, pondo-lhes três questões sucessivas. “Os EUA devem tratar a China como uma potência igual se o poder chinês crescer até igualar-se ao dos EUA?”. Recebeu, invariavelmente, um “não” como réplica. “Nessa hipótese, a China aceitará algo menos que ser tratada como uma igual?”. Novamente, as respostas foram sempre “não”. “Então, como EUA e China conviverão?”. A terceira pergunta ficou sem respostas. O incidente menor na chegada de Obama a Hangzhou é uma evidência de que o sistema internacional navega por mares desconhecidos nessa transição sem precedentes históricos.
Há uma década, os dirigentes chineses cunharam a expressão “ascensão pacífica” para assegurar ao mundo que não contestam os fundamentos da ordem existente. Depois, a China engajou-se em programas de modernização militar, investindo em mísseis balísticos, no desenvolvimento de uma marinha oceânica e em tecnologias de comando, controle e comunicações. A reação do governo Obama veio sob a forma do “giro estratégico para a Ásia”, que abrange tanto a projetada Parceria Transpacífica (TPP), um mega-acordo de comércio e investimentos, quanto uma coleção de acordos de cooperação militar entre os EUA e os países da orla marítima chinesa.
“A diplomacia do sorriso chegou ao fim”, diagnosticou Richard Armitage, vice-secretário de Estado no governo de George W. Bush, um neoconservador americano que enxerga na China uma potência insatisfeita. Não é bem assim: o Obama que desembarcou pela porta dos fundos foi fotografado junto com um sorridente Xi Jinping quando ambos anunciaram a adesão simultânea dos EUA e da China ao Acordo do Clima de Paris. A única nota positiva de uma cúpula do G-20 marcada por tensões e discórdias resultou da ação daquilo que já vem sendo denominado G-2: a parceria entre a superpotência global e a potência asiática ascendente.
Demétrio Magnoli é sociólogo
Tudo pela negociação - CIDA DAMASCO
ESTADÃO - 08/09
O presidente Michel Temer desembarcou no Brasil, depois do encontro do G-20, no meio de um cabo de guerra em relação ao calendário mais indicado para pôr em marcha as reformas da Previdência e trabalhista, eleitas pelos empresários como prioritárias para destravar a economia. Uns querem que Temer se apresse, enquanto outros preferem que ele vá mais devagar. Tudo isso dentro de um cenário de turbulências ampliadas pela volta da oposição às ruas.
A decisão de encaminhar a proposta da Previdência antes das eleições, anunciada por Temer nesta semana, é resultado de pressões do PSDB, mercado financeiro e setor produtivo. Mas está sendo vista como algo mais simbólico do que efetivo, já que, durante a campanha, os parlamentares costumam fugir de temas polêmicos para não espantar eleitores. Não há nenhuma segurança de que a outra banda dos aliados, do próprio PMDB e do DEM, se empenhará para discutir e votar as reformas no menor tempo possível.
Nesse puxa-estica, fica encoberto o debate essencial sobre quais as mudanças que atendem a necessidades mais permanentes do País, e não apenas imposições do momento econômico. No caso da reforma trabalhista, essas nuances ficam ainda mais visíveis. É óbvio que a CLT, dos anos 40, não responde mais à realidade do mercado, sacudido pela revolução tecnológica. A questão é o que pôr no lugar da velha senhora CLT. O governo já se manifestou a favor de uma reforma que privilegie a livre negociação entre empregados e empregadores em lugar da rigidez da legislação. Mas essa premissa é muito pouco para definir como vão funcionar, na prática, as novas diretrizes. Ainda mais quando se leva em conta o desequilíbrio de forças entre empresas e trabalhadores, em tempos de recessão.
A própria Constituição já permite flexibilizar itens como jornada de trabalho, banco de horas e redução de salário - e isso tem aparecido, por exemplo, em acordos fechados pelas grandes montadoras com os sindicatos de metalúrgicos. Se vingar a proposta que circula no Planalto, a negociação poderia ir bem além, alcançando também benefícios como 13.º salário e férias, além do próprio FGTS. Há ainda a intenção de criar novas modalidades de contrato para jornadas parciais ou temporárias, com salários proporcionais.
Enquanto esse debate continua disperso, o governo decidiu acelerar a tramitação do projeto de terceirização, aprovado pela Câmara no início de 2015 e estacionado no Senado. O objetivo é entregar alguma coisa aos empresários, que insistem na urgência da redução dos custos trabalhistas. O projeto prevê a terceirização para qualquer tipo de atividade profissional - da chamada atividade-meio à atividade-fim.
Quem defende o projeto argumenta que as mudanças tecnológicas tornaram praticamente impossível separar atividade-fim de atividade-meio. Quem ataca diz que tudo vai acabar na precarização das relações de trabalho. Os dois lados têm suas razões, até porque o que importa não é se o trabalhador é ou não terceirizado, mas qual é o padrão de contratação da mão de obra.
Mais complexa fica a situação, diante da aparente insegurança do governo em assumir o alcance das mudanças. O próprio Temer prefere escapar da questão “manter ou não os direitos trabalhistas”, insistindo em que o objetivo da reforma é “criar empregos”. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, já garantiu que os direitos não serão eliminados, mas “aprimorados”.
É inegável que ser mais explícito nesses temas pode incendiar o debate logo de saída. Afinal, enquanto fala em flexibilizar direitos trabalhistas, o governo continua enredado no imbróglio dos reajustes salariais prometidos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, visto por muitos como mais um privilégio para o topo da pirâmide. Sempre resta o argumento de que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A conferir se Temer e sua equipe terão condições de baixar a temperatura e organizar as negociações.
O presidente Michel Temer desembarcou no Brasil, depois do encontro do G-20, no meio de um cabo de guerra em relação ao calendário mais indicado para pôr em marcha as reformas da Previdência e trabalhista, eleitas pelos empresários como prioritárias para destravar a economia. Uns querem que Temer se apresse, enquanto outros preferem que ele vá mais devagar. Tudo isso dentro de um cenário de turbulências ampliadas pela volta da oposição às ruas.
A decisão de encaminhar a proposta da Previdência antes das eleições, anunciada por Temer nesta semana, é resultado de pressões do PSDB, mercado financeiro e setor produtivo. Mas está sendo vista como algo mais simbólico do que efetivo, já que, durante a campanha, os parlamentares costumam fugir de temas polêmicos para não espantar eleitores. Não há nenhuma segurança de que a outra banda dos aliados, do próprio PMDB e do DEM, se empenhará para discutir e votar as reformas no menor tempo possível.
Nesse puxa-estica, fica encoberto o debate essencial sobre quais as mudanças que atendem a necessidades mais permanentes do País, e não apenas imposições do momento econômico. No caso da reforma trabalhista, essas nuances ficam ainda mais visíveis. É óbvio que a CLT, dos anos 40, não responde mais à realidade do mercado, sacudido pela revolução tecnológica. A questão é o que pôr no lugar da velha senhora CLT. O governo já se manifestou a favor de uma reforma que privilegie a livre negociação entre empregados e empregadores em lugar da rigidez da legislação. Mas essa premissa é muito pouco para definir como vão funcionar, na prática, as novas diretrizes. Ainda mais quando se leva em conta o desequilíbrio de forças entre empresas e trabalhadores, em tempos de recessão.
A própria Constituição já permite flexibilizar itens como jornada de trabalho, banco de horas e redução de salário - e isso tem aparecido, por exemplo, em acordos fechados pelas grandes montadoras com os sindicatos de metalúrgicos. Se vingar a proposta que circula no Planalto, a negociação poderia ir bem além, alcançando também benefícios como 13.º salário e férias, além do próprio FGTS. Há ainda a intenção de criar novas modalidades de contrato para jornadas parciais ou temporárias, com salários proporcionais.
Enquanto esse debate continua disperso, o governo decidiu acelerar a tramitação do projeto de terceirização, aprovado pela Câmara no início de 2015 e estacionado no Senado. O objetivo é entregar alguma coisa aos empresários, que insistem na urgência da redução dos custos trabalhistas. O projeto prevê a terceirização para qualquer tipo de atividade profissional - da chamada atividade-meio à atividade-fim.
Quem defende o projeto argumenta que as mudanças tecnológicas tornaram praticamente impossível separar atividade-fim de atividade-meio. Quem ataca diz que tudo vai acabar na precarização das relações de trabalho. Os dois lados têm suas razões, até porque o que importa não é se o trabalhador é ou não terceirizado, mas qual é o padrão de contratação da mão de obra.
Mais complexa fica a situação, diante da aparente insegurança do governo em assumir o alcance das mudanças. O próprio Temer prefere escapar da questão “manter ou não os direitos trabalhistas”, insistindo em que o objetivo da reforma é “criar empregos”. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, já garantiu que os direitos não serão eliminados, mas “aprimorados”.
É inegável que ser mais explícito nesses temas pode incendiar o debate logo de saída. Afinal, enquanto fala em flexibilizar direitos trabalhistas, o governo continua enredado no imbróglio dos reajustes salariais prometidos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, visto por muitos como mais um privilégio para o topo da pirâmide. Sempre resta o argumento de que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A conferir se Temer e sua equipe terão condições de baixar a temperatura e organizar as negociações.
Próximo da cassação - MERVAL PEREIRA
O Globo - 08/09
Com 260 deputados federais declarando o voto pela cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, três a mais do que o número mínimo necessário, sua sorte parece estar selada inapelavelmente. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que, ao contrário do que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, vai deixar que o plenário decida sobre eventuais destaques ou emendas ao parecer favorável à cassação, tudo indica que não haverá espaço para que os defensores de Cunha encontrem uma brecha para alterar esse veredito.
Mas, como vimos na decisão de Lewandowski, nunca se sabe o que está para sair do bolso do colete de nossos representantes. A explicação repetida por assessores do STF e do Senado de que o presidente do Supremo apenas seguiu o que já havia feito na etapa anterior, isto é, acatar destaques, um direito de todo parlamentar ao analisar uma proposição, serve apenas para dar um ar de legalidade ao que foi uma manobra de bastidores combinada com bastante antecedência.
Se foram aceitos destaques no parecer do relator Antonio Anastasia na ocasião da pronúncia, não quer dizer que o presidente Lewandowski fosse obrigado a aceitá-los na fase final do julgamento, até mesmo porque ali se tratava de um texto da Constituição, e não de um parecer ou de uma proposição.
O raciocínio de Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário‐geral da Mesa Diretora do Senado, explicitado no programa “Entre Aspas” de Mônica Waldvogel na GloboNews, de que a Lei do Impeachment de 1950 falava em duas penas, e não em uma como diz o artigo 52 da Constituição de 1988, é de um contorcionismo jurídico espantoso, pois nenhuma lei ou regimento interno está acima da Constituição. Essa parte da lei simplesmente não foi recepcionada pela Constituição.
Em seu parágrafo único, está expresso no artigo 52: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Ele alega que esse “limitando-se a condenação” dá margem a que os juízes, ou seja, os senadores, fizessem uma dosimetria, aplicando apenas a perda do cargo, e não a inabilitação. Mas não é isso o que está escrito no artigo 52, pois a preposição “com”, como bem define o professor Evanildo Bechara da Academia Brasileira de Letras, um dos maiores gramáticos do país, estabelece uma relação de conjunto que não pode ser separada.
Seu sentido é fixado pela conjunção de todos os elementos que ela une. Como exemplo, ele lembra que a preposição “com” é mais forte do que “e” na ligação de dois elementos, coisas ou pessoas, e indica ação: corta-se o bolo com a faca. Sem a faca, o bolo não pode ser cortado, assim como a perda do cargo prevista na Constituição não pode se dar sem a inabilitação para a função pública.
No caso da cassação do mandato de um deputado, não existe a possibilidade, por maior que seja o contorcionismo, que seja aplicada uma pena mais branda, como querem seus defensores. A pena mais branda de suspensão, em vez da perda do mandato, simplesmente não está prevista no regimento, mas sempre é possível que, através de uma emenda ao parecer do relator, se tente a amenização do castigo.
A consequência da perda de mandato é tornar-se inelegível devido à Lei da Ficha Limpa. Já a pena de suspensão dará a Eduardo Cunha a chance de se candidatar novamente em 2018. O clima político não parece favorável a uma benevolência como essa, e o fato de que a maioria dos deputados federais consultados pelos jornais demonstrou disposição de estar em Brasília na próxima segunda-feira para cassar o mandato de Cunha indica que eles já sentiram em suas bases que qualquer outra atitude não será bem aceita pela sociedade.
Correção
Na coluna de ontem escrevi que uma maioria simples derrubou a inabilitação para função pública da presidente cassada Dilma Rousseff. Na verdade, a maioria votou pela inabilitação, como mandava a Constituição, mas como não foi alcançado o quórum de 2/3 de votos, Dilma foi liberada.
Com 260 deputados federais declarando o voto pela cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, três a mais do que o número mínimo necessário, sua sorte parece estar selada inapelavelmente. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que, ao contrário do que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, vai deixar que o plenário decida sobre eventuais destaques ou emendas ao parecer favorável à cassação, tudo indica que não haverá espaço para que os defensores de Cunha encontrem uma brecha para alterar esse veredito.
Mas, como vimos na decisão de Lewandowski, nunca se sabe o que está para sair do bolso do colete de nossos representantes. A explicação repetida por assessores do STF e do Senado de que o presidente do Supremo apenas seguiu o que já havia feito na etapa anterior, isto é, acatar destaques, um direito de todo parlamentar ao analisar uma proposição, serve apenas para dar um ar de legalidade ao que foi uma manobra de bastidores combinada com bastante antecedência.
Se foram aceitos destaques no parecer do relator Antonio Anastasia na ocasião da pronúncia, não quer dizer que o presidente Lewandowski fosse obrigado a aceitá-los na fase final do julgamento, até mesmo porque ali se tratava de um texto da Constituição, e não de um parecer ou de uma proposição.
O raciocínio de Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário‐geral da Mesa Diretora do Senado, explicitado no programa “Entre Aspas” de Mônica Waldvogel na GloboNews, de que a Lei do Impeachment de 1950 falava em duas penas, e não em uma como diz o artigo 52 da Constituição de 1988, é de um contorcionismo jurídico espantoso, pois nenhuma lei ou regimento interno está acima da Constituição. Essa parte da lei simplesmente não foi recepcionada pela Constituição.
Em seu parágrafo único, está expresso no artigo 52: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Ele alega que esse “limitando-se a condenação” dá margem a que os juízes, ou seja, os senadores, fizessem uma dosimetria, aplicando apenas a perda do cargo, e não a inabilitação. Mas não é isso o que está escrito no artigo 52, pois a preposição “com”, como bem define o professor Evanildo Bechara da Academia Brasileira de Letras, um dos maiores gramáticos do país, estabelece uma relação de conjunto que não pode ser separada.
Seu sentido é fixado pela conjunção de todos os elementos que ela une. Como exemplo, ele lembra que a preposição “com” é mais forte do que “e” na ligação de dois elementos, coisas ou pessoas, e indica ação: corta-se o bolo com a faca. Sem a faca, o bolo não pode ser cortado, assim como a perda do cargo prevista na Constituição não pode se dar sem a inabilitação para a função pública.
No caso da cassação do mandato de um deputado, não existe a possibilidade, por maior que seja o contorcionismo, que seja aplicada uma pena mais branda, como querem seus defensores. A pena mais branda de suspensão, em vez da perda do mandato, simplesmente não está prevista no regimento, mas sempre é possível que, através de uma emenda ao parecer do relator, se tente a amenização do castigo.
A consequência da perda de mandato é tornar-se inelegível devido à Lei da Ficha Limpa. Já a pena de suspensão dará a Eduardo Cunha a chance de se candidatar novamente em 2018. O clima político não parece favorável a uma benevolência como essa, e o fato de que a maioria dos deputados federais consultados pelos jornais demonstrou disposição de estar em Brasília na próxima segunda-feira para cassar o mandato de Cunha indica que eles já sentiram em suas bases que qualquer outra atitude não será bem aceita pela sociedade.
Correção
Na coluna de ontem escrevi que uma maioria simples derrubou a inabilitação para função pública da presidente cassada Dilma Rousseff. Na verdade, a maioria votou pela inabilitação, como mandava a Constituição, mas como não foi alcançado o quórum de 2/3 de votos, Dilma foi liberada.
Os excessos do MPF - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 08/09
Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem
Na terça-feira, dia 6, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, informou aos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, que vai monitorar as próximas manifestações contra o governo de Michel Temer para averiguar a ocorrência de possíveis excessos na ação das polícias estaduais.
O ofício ao governador de São Paulo informa que “servidores e membros do Ministério Público Federal estarão coletando informações, imagens e áudios das manifestações e da conduta das forças policiais, com o objetivo de analisar se a atuação do Poder Público atende aos parâmetros nacionais e internacionais de uso moderado e proporcional da força pelo Estado, assim como estão sendo observadas as normas do devido processo legal pela polícia judiciária”.
Chama a atenção o fato de que o MPF admita apenas a existência de possíveis excessos na atuação da polícia. Por que não agir da mesma forma com os manifestantes? Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem. Na semana passada, por exemplo, manifestantes contrários ao impeachment de Dilma Rousseff depredaram patrimônio público e privado, destruíram uma viatura da PM e bloquearam avenidas, transtornando o trânsito em amplas áreas da cidade. Nada disso, porém, parece importar ao MPF. Estaria ele interessado apenas nos direitos de uma das partes?
Os manifestantes parecem merecer do MPF ampla compreensão, como se as ações destes sempre se pautassem pelo respeito à ordem jurídica, o que não é exatamente o que ocorre, tendo em vista o histórico de violência de muitos deles. Já em relação à polícia, o MPF admite que pode haver excessos em sua atuação, o que o levou a propor um monitoramento preventivo para evitar abusos.
Essa desigualdade no tratamento do caso pelo MPF sugere a existência de preconceito incompatível com sua missão constitucional. O art. 127 da Carta Magna é expresso: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Como se vê, o MPF existe para defender a ordem jurídica e o regime democrático. Sua atuação deve primar, portanto, pela mais absoluta isenção. Toda vez que o Ministério Público assume previamente um posicionamento favorável a um dos lados, ele se põe fora de seus limites institucionais.
É o que pode estar acontecendo com a anunciada atuação preventiva do MPF nesse caso. Mais do que ninguém, o MPF deve saber que a lei e a democracia existem para a defesa dos direitos de todos os cidadãos, indistintamente. Vige no País o princípio da igualdade. Não se pode privilegiar a atuação de alguns em detrimento de outros. Tal modo de proceder é especialmente grave quando feito justamente por quem deveria zelar pela igualdade de todos perante a lei.
Ao pressupor que apenas os órgãos de segurança pública podem estar cometendo excessos, o MPF corre o risco de alimentar uma grave discriminação em relação a essas instituições públicas. Além de injusto – pois a imensa maioria dos policiais tem tão somente a meritória disposição de que a lei seja cumprida e se mantenha a paz –, esse comportamento pode levar à conclusão de que a violência praticada por alguns manifestantes é tolerável, como se ela fosse simplesmente uma proporcional reação a abusos policiais. Seria lastimável que a iniciativa do MPF tivesse como consequência conferir certo ar de legitimidade à violência de black blocs e companhia.
É mais que hora de agir com prudência, serenidade e isenção, dentro dos estritos limites da lei. Isso vale para todos – para a polícia, para os manifestantes e para o Ministério Público Federal.
Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem
Na terça-feira, dia 6, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, informou aos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, que vai monitorar as próximas manifestações contra o governo de Michel Temer para averiguar a ocorrência de possíveis excessos na ação das polícias estaduais.
O ofício ao governador de São Paulo informa que “servidores e membros do Ministério Público Federal estarão coletando informações, imagens e áudios das manifestações e da conduta das forças policiais, com o objetivo de analisar se a atuação do Poder Público atende aos parâmetros nacionais e internacionais de uso moderado e proporcional da força pelo Estado, assim como estão sendo observadas as normas do devido processo legal pela polícia judiciária”.
Chama a atenção o fato de que o MPF admita apenas a existência de possíveis excessos na atuação da polícia. Por que não agir da mesma forma com os manifestantes? Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem. Na semana passada, por exemplo, manifestantes contrários ao impeachment de Dilma Rousseff depredaram patrimônio público e privado, destruíram uma viatura da PM e bloquearam avenidas, transtornando o trânsito em amplas áreas da cidade. Nada disso, porém, parece importar ao MPF. Estaria ele interessado apenas nos direitos de uma das partes?
Os manifestantes parecem merecer do MPF ampla compreensão, como se as ações destes sempre se pautassem pelo respeito à ordem jurídica, o que não é exatamente o que ocorre, tendo em vista o histórico de violência de muitos deles. Já em relação à polícia, o MPF admite que pode haver excessos em sua atuação, o que o levou a propor um monitoramento preventivo para evitar abusos.
Essa desigualdade no tratamento do caso pelo MPF sugere a existência de preconceito incompatível com sua missão constitucional. O art. 127 da Carta Magna é expresso: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Como se vê, o MPF existe para defender a ordem jurídica e o regime democrático. Sua atuação deve primar, portanto, pela mais absoluta isenção. Toda vez que o Ministério Público assume previamente um posicionamento favorável a um dos lados, ele se põe fora de seus limites institucionais.
É o que pode estar acontecendo com a anunciada atuação preventiva do MPF nesse caso. Mais do que ninguém, o MPF deve saber que a lei e a democracia existem para a defesa dos direitos de todos os cidadãos, indistintamente. Vige no País o princípio da igualdade. Não se pode privilegiar a atuação de alguns em detrimento de outros. Tal modo de proceder é especialmente grave quando feito justamente por quem deveria zelar pela igualdade de todos perante a lei.
Ao pressupor que apenas os órgãos de segurança pública podem estar cometendo excessos, o MPF corre o risco de alimentar uma grave discriminação em relação a essas instituições públicas. Além de injusto – pois a imensa maioria dos policiais tem tão somente a meritória disposição de que a lei seja cumprida e se mantenha a paz –, esse comportamento pode levar à conclusão de que a violência praticada por alguns manifestantes é tolerável, como se ela fosse simplesmente uma proporcional reação a abusos policiais. Seria lastimável que a iniciativa do MPF tivesse como consequência conferir certo ar de legitimidade à violência de black blocs e companhia.
É mais que hora de agir com prudência, serenidade e isenção, dentro dos estritos limites da lei. Isso vale para todos – para a polícia, para os manifestantes e para o Ministério Público Federal.
Reformas impopulares - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - RS - 08/09
Mesmo contrariando parte de sua base parlamentar e até companheiros de governo, o presidente Michel Temer optou por encaminhar ao Congresso o projeto de reforma da Previdência até o final deste mês, resistindo à pressão de políticos e partidos que preferiam deixar a discussão do polêmico tema para depois das eleições municipais. Ainda que tenha tomado a decisão por exigência do PSDB e depois de sua assessoria de comunicação ter lembrado que ele próprio prometera encaminhar a PEC da Previdência antes das eleições, a decisão não deixa de ser acertada. O país já não suporta estelionatos eleitorais de candidatos que mudam de ideia depois de eleitos, ou de assumirem outros cargos, como é o caso do vice-presidente levado à Presidência pelo impeachment da antecessora.
Será um grande desafio para o governo Temer fazer passarem no Congresso duas medidas impopulares que vem anunciando como essenciais para o reequilíbrio das contas públicas: a PEC do Teto de Gastos e a reforma da Previdência. Ambas já vêm sofrendo críticas e boicotes por parte tanto dos opositores do novo governo, que torcem contra tudo o que for proposto por ele, quanto por parte de apoiadores temerosos de enfrentar o desgaste com suas bases eleitorais e também daqueles que serão diretamente atingidos pelas mudanças.
Agora mesmo, no momento em que anuncia o envio do projeto da Previdência, o governo provoca surpresa e contrariedade de um aliado importante, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que preferia deixar o exame do assunto para depois do pleito — e tem poderes para estabelecer o cronograma de tramitação da matéria.
Significa que o governo só conseguirá implementar as reformas de que o país necessita se conjugar diálogo e firmeza, pois certamente não conseguirá agradar a todos.
Mesmo contrariando parte de sua base parlamentar e até companheiros de governo, o presidente Michel Temer optou por encaminhar ao Congresso o projeto de reforma da Previdência até o final deste mês, resistindo à pressão de políticos e partidos que preferiam deixar a discussão do polêmico tema para depois das eleições municipais. Ainda que tenha tomado a decisão por exigência do PSDB e depois de sua assessoria de comunicação ter lembrado que ele próprio prometera encaminhar a PEC da Previdência antes das eleições, a decisão não deixa de ser acertada. O país já não suporta estelionatos eleitorais de candidatos que mudam de ideia depois de eleitos, ou de assumirem outros cargos, como é o caso do vice-presidente levado à Presidência pelo impeachment da antecessora.
Será um grande desafio para o governo Temer fazer passarem no Congresso duas medidas impopulares que vem anunciando como essenciais para o reequilíbrio das contas públicas: a PEC do Teto de Gastos e a reforma da Previdência. Ambas já vêm sofrendo críticas e boicotes por parte tanto dos opositores do novo governo, que torcem contra tudo o que for proposto por ele, quanto por parte de apoiadores temerosos de enfrentar o desgaste com suas bases eleitorais e também daqueles que serão diretamente atingidos pelas mudanças.
Agora mesmo, no momento em que anuncia o envio do projeto da Previdência, o governo provoca surpresa e contrariedade de um aliado importante, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que preferia deixar o exame do assunto para depois do pleito — e tem poderes para estabelecer o cronograma de tramitação da matéria.
Significa que o governo só conseguirá implementar as reformas de que o país necessita se conjugar diálogo e firmeza, pois certamente não conseguirá agradar a todos.
As elites do governo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 08/09
Não se questiona o direito dos funcionários públicos de lutar por reajustes, mas o governo age de forma irresponsável ao conceder aumentos como se tudo estivesse bem
A palavra “elite” – que nos dicionários significa “o que é mais valorizado e de melhor qualidade” – entrou para o imaginário popular pela boca de Lula e do PT com conotação negativa, em referência a grupos sociais detentores de privilégios e vantagens. É uma contrafação semântica, que serve a interesses eleitorais, mas não à realidade dos fatos. No sentido original da palavra, os atletas que ganharam medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são a elite de seus respectivos esportes – ou seja, são os melhores.
Considerando a distribuição da renda nacional por classe, os ganhos salariais, a estabilidade do emprego e o valor das aposentadorias, as elites – no sentido dado por Lula e o PT – estão fortemente presentes em alguns segmentos do setor público. Segundo o IBGE, o desemprego atinge atualmente 11,5 milhões de pessoas, contra 5,1 milhões no fim de 2014. Sobre a cabeça de todo brasileiro que trabalha no setor privado paira a ameaça do desemprego, como provam os 6,4 milhões de pessoas que perderam o emprego nos últimos 18 meses e foram se juntar aos 5,1 milhões que já estavam sem trabalho um ano e meio atrás.
Os trabalhadores que perderam seu emprego ou são obrigados a aceitar recolocação com salários menores, pois a lei da oferta e da procura é implacável, ou passam a amargar a angústia do salário zero e as consequências dessa que é uma tragédia social: o desemprego prolongado. Ademais, aqueles que estão na faixa de salários mais altos têm de enfrentar as agruras de brutal queda de renda quando se aposentam, em face do teto do INSS.
Nos momentos de crise aguda em que também a receita tributária do governo despenca, os funcionários públicos – especialmente aqueles que já recebem vencimentos bem acima da média de mercado – poderiam dar um mínimo de contribuição para evitar a falência financeira do governo e ajudar o país a sair da crise. Mas, infelizmente, Executivos e Legislativos Brasil afora colaboram para que ocorra o contrário, concedendo ao funcionalismo mais aumentos salariais e benefícios.
No momento em que a meta do déficit primário do governo federal em 2017 (receitas menos gastos, antes do pagamento dos juros da dívida), em fase de aprovação no Congresso Nacional, é anunciada em R$ 139 bilhões, uma avalanche de aumentos salariais é concedida a funcionários públicos como se o Tesouro Nacional não estivesse quebrado. Apenas os aumentos já sancionados pelo presidente da República para militares e mais 40 categorias do Executivo e do Legislativo devem custar R$ 69 bilhões de 2016 a 2018, além de mais R$ 22 bilhões em aumentos dados ao Poder Judiciário e Ministério Público. E ainda está no Senado o reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que terá efeito cascata em todo o país.
Buscar aumentos salariais é um direito legítimo de qualquer trabalhador, seja do setor público ou privado. E é preciso reconhecer que há categorias do funcionalismo público que têm aguardado por um reajuste há alguns anos. Não é isso que está em questão, e sim a irresponsabilidade de um governo que, sem dinheiro em caixa, concede aos funcionários públicos, que já não correm o risco do desemprego, aumentos de seus ganhos como se tudo estivesse bem, enquanto o trabalhador privado paga pela recessão com demissões, redução de salários e aposentadorias insuficientes.
Um preço dessas medidas pode ser a incapacidade da economia em sair da recessão por causa da explosão dos déficits públicos e do descontrole da dívida do governo, situação que pode ter outro efeito deletério para a sociedade: a volta da inflação.
Não se questiona o direito dos funcionários públicos de lutar por reajustes, mas o governo age de forma irresponsável ao conceder aumentos como se tudo estivesse bem
A palavra “elite” – que nos dicionários significa “o que é mais valorizado e de melhor qualidade” – entrou para o imaginário popular pela boca de Lula e do PT com conotação negativa, em referência a grupos sociais detentores de privilégios e vantagens. É uma contrafação semântica, que serve a interesses eleitorais, mas não à realidade dos fatos. No sentido original da palavra, os atletas que ganharam medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são a elite de seus respectivos esportes – ou seja, são os melhores.
Considerando a distribuição da renda nacional por classe, os ganhos salariais, a estabilidade do emprego e o valor das aposentadorias, as elites – no sentido dado por Lula e o PT – estão fortemente presentes em alguns segmentos do setor público. Segundo o IBGE, o desemprego atinge atualmente 11,5 milhões de pessoas, contra 5,1 milhões no fim de 2014. Sobre a cabeça de todo brasileiro que trabalha no setor privado paira a ameaça do desemprego, como provam os 6,4 milhões de pessoas que perderam o emprego nos últimos 18 meses e foram se juntar aos 5,1 milhões que já estavam sem trabalho um ano e meio atrás.
Os trabalhadores que perderam seu emprego ou são obrigados a aceitar recolocação com salários menores, pois a lei da oferta e da procura é implacável, ou passam a amargar a angústia do salário zero e as consequências dessa que é uma tragédia social: o desemprego prolongado. Ademais, aqueles que estão na faixa de salários mais altos têm de enfrentar as agruras de brutal queda de renda quando se aposentam, em face do teto do INSS.
Nos momentos de crise aguda em que também a receita tributária do governo despenca, os funcionários públicos – especialmente aqueles que já recebem vencimentos bem acima da média de mercado – poderiam dar um mínimo de contribuição para evitar a falência financeira do governo e ajudar o país a sair da crise. Mas, infelizmente, Executivos e Legislativos Brasil afora colaboram para que ocorra o contrário, concedendo ao funcionalismo mais aumentos salariais e benefícios.
No momento em que a meta do déficit primário do governo federal em 2017 (receitas menos gastos, antes do pagamento dos juros da dívida), em fase de aprovação no Congresso Nacional, é anunciada em R$ 139 bilhões, uma avalanche de aumentos salariais é concedida a funcionários públicos como se o Tesouro Nacional não estivesse quebrado. Apenas os aumentos já sancionados pelo presidente da República para militares e mais 40 categorias do Executivo e do Legislativo devem custar R$ 69 bilhões de 2016 a 2018, além de mais R$ 22 bilhões em aumentos dados ao Poder Judiciário e Ministério Público. E ainda está no Senado o reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que terá efeito cascata em todo o país.
Buscar aumentos salariais é um direito legítimo de qualquer trabalhador, seja do setor público ou privado. E é preciso reconhecer que há categorias do funcionalismo público que têm aguardado por um reajuste há alguns anos. Não é isso que está em questão, e sim a irresponsabilidade de um governo que, sem dinheiro em caixa, concede aos funcionários públicos, que já não correm o risco do desemprego, aumentos de seus ganhos como se tudo estivesse bem, enquanto o trabalhador privado paga pela recessão com demissões, redução de salários e aposentadorias insuficientes.
Um preço dessas medidas pode ser a incapacidade da economia em sair da recessão por causa da explosão dos déficits públicos e do descontrole da dívida do governo, situação que pode ter outro efeito deletério para a sociedade: a volta da inflação.
Maduro encurralado - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 08/09
No Brasil, a crise resultou em contração do PIB de 3,8% em 2015, e se espera queda de 3,5% neste ano. Isso contribuiu para remover Dilma Rousseff (PT) do poder, na forma da lei e de modo relativamente pacífico. Já a Venezuela não deve seguir o mesmo roteiro, embora os protestos dos últimos dias tenham ocorrido sem distúrbios.
Ali, a economia encolheu 10% em 2015 e deve diminuir mais 8% neste 2016, mas não há sinais de que o presidente Nicolás Maduro esteja prestes a perder o cargo. A inflação deve bater em 720% neste ano, e o deficit fiscal, em 20%.
Mais que abstrações, esses números se traduzem em pobreza crescente e desabastecimento generalizado, que se fizeram acompanhar do aumento na violência. Só no ano passado, os salários reais caíram em torno de 35%.
A redução da miséria, uma das principais bandeiras do chavismo, virou história. Estima-se que 76% da população esteja abaixo da linha da pobreza hoje, contra 55% em 1998, antes de o socialismo bolivariano entrar em cena.
Além de itens básicos de higiene e alimentação, já não se encontram remédios no comércio. Água e eletricidade também são um problema, o que obrigou o governo a encurtar a semana do funcionalismo público para dois dias. Boa parte das companhias aéreas deixou de operar no país, pela dificuldade de comprar combustível.
É verdade que a queda do preço do petróleo contribuiu para o colapso, mas o maior responsável por ele foi o populismo econômico. Nos anos de bonança, Chávez distribuiu riqueza dentro e fora da Venezuela, mas nada fez para tornar a economia menos dependente da commodity. Para piorar, o aparelhamento da PDVSA, estatal de petróleo, a transformou num poço de ineficiência.
Como a resposta do governo à inflação que disparava foi controlar preços e taxa de câmbio, chegou uma hora em que empresas não conseguiam mais produzir —daí mais desabastecimento e inflação.
Maduro aferra-se a um discurso delirante que atribui o descalabro à "guerra econômica" por empresários desleais e potências estrangeiras. A população deu à oposição eloquente vitória no pleito parlamentar de dezembro.
O mandato de Maduro vai até 2019, e o chavismo foi hábil em aparelhar estruturas de Estado. O presidente vem conseguindo frustrar as iniciativas legais da oposição para reduzir-lhe o poder e o mandato, como um referendo popular.
Maduro não parece disposto a ceder, e não se podem descartar desfechos violentos para a crise.
No Brasil, a crise resultou em contração do PIB de 3,8% em 2015, e se espera queda de 3,5% neste ano. Isso contribuiu para remover Dilma Rousseff (PT) do poder, na forma da lei e de modo relativamente pacífico. Já a Venezuela não deve seguir o mesmo roteiro, embora os protestos dos últimos dias tenham ocorrido sem distúrbios.
Ali, a economia encolheu 10% em 2015 e deve diminuir mais 8% neste 2016, mas não há sinais de que o presidente Nicolás Maduro esteja prestes a perder o cargo. A inflação deve bater em 720% neste ano, e o deficit fiscal, em 20%.
Mais que abstrações, esses números se traduzem em pobreza crescente e desabastecimento generalizado, que se fizeram acompanhar do aumento na violência. Só no ano passado, os salários reais caíram em torno de 35%.
A redução da miséria, uma das principais bandeiras do chavismo, virou história. Estima-se que 76% da população esteja abaixo da linha da pobreza hoje, contra 55% em 1998, antes de o socialismo bolivariano entrar em cena.
Além de itens básicos de higiene e alimentação, já não se encontram remédios no comércio. Água e eletricidade também são um problema, o que obrigou o governo a encurtar a semana do funcionalismo público para dois dias. Boa parte das companhias aéreas deixou de operar no país, pela dificuldade de comprar combustível.
É verdade que a queda do preço do petróleo contribuiu para o colapso, mas o maior responsável por ele foi o populismo econômico. Nos anos de bonança, Chávez distribuiu riqueza dentro e fora da Venezuela, mas nada fez para tornar a economia menos dependente da commodity. Para piorar, o aparelhamento da PDVSA, estatal de petróleo, a transformou num poço de ineficiência.
Como a resposta do governo à inflação que disparava foi controlar preços e taxa de câmbio, chegou uma hora em que empresas não conseguiam mais produzir —daí mais desabastecimento e inflação.
Maduro aferra-se a um discurso delirante que atribui o descalabro à "guerra econômica" por empresários desleais e potências estrangeiras. A população deu à oposição eloquente vitória no pleito parlamentar de dezembro.
O mandato de Maduro vai até 2019, e o chavismo foi hábil em aparelhar estruturas de Estado. O presidente vem conseguindo frustrar as iniciativas legais da oposição para reduzir-lhe o poder e o mandato, como um referendo popular.
Maduro não parece disposto a ceder, e não se podem descartar desfechos violentos para a crise.
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