terça-feira, outubro 04, 2016

A civilização só existe pela recusa da transparência totalitária - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 04/10

Li há tempos que já existem banheiros transparentes na via pública. Não brinco. Seria na Ásia? Na China? Talvez, talvez. Mas o meu ponto é outro: qual é o problema de termos um vaso sanitário para uso (nosso) e contemplação (dos outros)?

Os moralistas dirão: é falta de pudor. Ou, melhor ainda, é uma redução da nossa humanidade ao estado mais animalesco. Concordo. Mas os moralistas não entendem que vivemos na "sociedade da transparência"?

Uso essa expressão porque ela é o título de um ensaio –mais um, primoroso– do filósofo Byung-Chul Han. E, a páginas tantas, o professor Han cita Jean-Jacques Rousseau (quem mais?). Escrevia Rousseau as palavras que se seguem: "Só um mandamento da moral pode suplantar todos os outros, a saber, este: nunca faças nem digas seja o que for que o mundo inteiro não possa escutar."

E conclui o genebrino, em antecipação do banheiro transparente: "Eu, pelo meu lado, sempre considerei como sendo o mais digno de apreço de entre os homens esse romano cujo desejo era que a sua casa estivesse construída de maneira a poder ver-se tudo o que nela se passava."

As palavras de Rousseau fazem parte do seu particular programa filosófico: uma crítica radical às mentiras da "civilização" –e uma apologia da vida "autêntica" que existiria no estado da natureza.

Sim, eu sei: Rousseau nunca defendeu um regresso à selva. Mas as suas propostas transportam ainda o aroma selvático de um tempo em que o homem não precisava de "artifícios" (como portas opacas ou papel higiênico, imagino eu) para conhecer a felicidade pura.

Como relembra Byung-Chul Han, Rousseau tinha uma preferência por cidades pequenas, onde "cada um está sempre sob os olhos do público, o censor nato dos costumes dos outros" e onde "a polícia exerce uma vigilância fácil sobre todos".

Arrepiado, leitor? Não esteja. Se o banheiro transparente ainda é um exclusivo asiático, o Ocidente já cultiva há muito os seus próprios banheiros transparentes. Basta olhar para as "redes sociais", onde a maioria gosta de expor a intimidade com a mesma naturalidade com que um animal defeca no mato.

A esse respeito, recordo sempre um amigo que me dizia ter cortado relações com um cunhado porque ele publicara as fotos do filho bebê no Facebook. Fotos do bebê vestido, despido; brincando, dormindo, tomando banho; não sei se havia um penico no portfólio, mas você entende a ideia. O meu amigo considerava o gesto aberrante; o familiar discordava e, mais, nem percebia onde estava o erro.

O nosso mundo é o mundo sonhado por Rousseau. "A polícia exerce uma vigilância oficial sobre todos?" Afirmativo. Vivemos em democracia. Mas o Estado, pelos usos e abusos da tecnologia, sabe mais sobre os cidadãos do que em qualquer outra era histórica. Sabe quanto você ganha ou gasta; com quem vive, com quem fala; para onde viaja, onde fica; e, nas matérias mais íntimas, não é preciso uma polícia política. O cidadão revela voluntariamente o que sobra da sua existência.

Imagino um ex-agente da Pide portuguesa ou da KGB soviética a suspirar de nostalgia: "Tivemos tanto trabalho com vigilâncias, grampos, torturas –e agora tudo isso é grátis!"

Mas não é apenas o Estado que vive dentro do nosso banheiro transparente. "Cada um está sempre sob os olhos do público, o censor nato dos costumes dos outros"?

Afirmativo novamente. Como escreve Byung-Chul Han, a "sociedade da transparência" consegue a proeza de nos transformar em seres vigiados e vigilantes ao mesmo tempo. Não apenas por uma autoridade externa –um Big Brother clássico. Mas porque esse Big Brother, agora, somos nós.

"E qual é o problema?", pergunta o leitor que gosta de publicar fotos dos filhos no Facebook.

O problema é que a nossa civilização só existe pela recusa da transparência totalitária. "A arte é a natureza do homem", dizia Burke.

Traduzindo: aquilo que nos separa dos animais é o artifício, as convenções, até as repressões. É desse artifício que brota a arte, o conhecimento, a sedução, a paz possível.

E é também por causa dessa "cortina" que nos podemos retirar do mundo para dar descanso à vida: a vida que pensa, sente, imagina, planifica.

Rousseau escrevia que o luxo da civilização corrompia o homem.

A "sociedade da transparência" considera que a civilização já é um luxo. O futuro dos banheiros transparentes não terá nem civilização, nem luxo, nem homens.

A volta da caretice - ARNALDO JABOR

ESTADÃO - 04/10

Fala-se muito em esquerda e direita, mas nos esquecemos da ‘caretice’. Para além das posições políticas, se instala agora num mundo uma espécie de paralisia mental, um medo do novo em meio a uma infinita tempestade de informações que a revolução digital despeja sobre nós. Essa convivência ambígua angustia as pessoas e a tendência no ar é de um conformismo defensivo, uma recusa a uma escolha ideológica: é a caretice, o amor ao fixo, ao já conhecido.

Eu estava em Londres em 1967, quando saiu o Sargent Pepper dos Beatles. Havia em King’s Road uma espécie de comício nos olhares, uma palavra de ordem flutuando no vento, “blowing in the wind”, como cantava o Bob Dylan. O mundo careta tremia, ameaçado pelo perigo do comunismo e pela descrença alegre que os hippies traziam.

A revolta da caretice começou nos anos 1980. Seu prenúncio foi a morte de John Lennon, assassinado por um psicopata. Foi o sintoma inicial.

Depois, nos anos 1990, com o fim da Guerra Fria, pareceu-nos que os Estados Unidos iam derramar pelo mundo seu melhor lado: a democracia liberal – pois achávamos que a liberdade era inevitável, quase uma necessidade de mercado. Com o fim espantosamente súbito da União Soviética e com a chegada de Bill Clinton ao poder, tivemos realmente uma década de modernização e de entusiasmo com o futuro. Mas essa alegria se esvaiu aos poucos – os efeitos colaterais do fim da Guerra Fria estavam só começando, como, por exemplo, o advento terrorista.

Com a chegada dos republicanos ao poder com Bush, a caretice internacional se revigorou. Essa máfia de psicopatas queria se vingar do desprezo que sofreu nos anos 60, se vingar do vexame de Nixon e Watergate, se vingar dos Beatles, dos Rolling Stones, dos negros, da liberdade sexual que sempre odiaram. Imaginem Bush, Karl Rove ou Rumsfeld diante de um Picasso, ouvindo “free jazz”. Eles nos deixaram a “herança maldita”: o mercado global insensato, a destruição do Iraque, o Afeganistão, o Ocidente como cão infiel do Oriente.

Hoje, a política mundial virou um balé impotente, com a razão humilhada e ofendida, para desespero dos que acreditavam num futuro iluminado. Num primeiro momento, isso nos dá o pavor do descontrole racional sobre o mundo: “Ah... que horror... o humano está se extinguindo, a grande narrativa, o sentido geral das coisas...”.

Está se formando uma nova vida social, sem finalidade; no entanto, isso poderá ser muito interessante em sua estranheza. A velha ideia de harmonização da vida, uma visão abrangente do mundo ficou impossível. O mundo se fragmentou em arquipélagos. Tudo se passará aqui e agora, sempre. Há um enorme presente. O passado será chamado de “depreciação”. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Configurou-se o vazio do “sujeito”, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude, que sempre tentamos esquecer. Mas o que será considerado importante? Será que houve a morte da “importância”? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O “importante” seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é “importante”, nada o é. No entanto, a grande perda de Sentido pode ser “revolucionária”.

Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade nesse cafajestismo poético, enchendo a “web” de grafites delirantes. Talvez esse excesso de “irrelevâncias” esteja produzindo um acervo de conceitos “relevantes”, ainda despercebidos. Talvez esteja se formando uma nova força vital, uma nova produção de subjetividade, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal “futuro” chegou; grosso, mas chegou.

A rapidez dessas mutações nos dá frio no estômago, mas a vida mesma dará um jeito de prevalecer e talvez esse atual fantasma que assombra os metafísicos esteja nos libertando de antigos “sentidos” tirânicos, trazendo uma nova forma de aventura existencial e social, justamente por causa da desorganização da “ideia única”. Sistemas éticos ou racionais surgirão dos microchips, da tecnologia molecular e não o contrário. Essa é a caricatura: as orelhas vão tender para celulares; os olhos, para telas de cristal líquido; e os cérebros, para chips com bilhões de gigabytes, todos feitos no Silicon Valley.

A descrença na política aumentou, as religiões estão florescendo e o irracionalismo (mesmo disfarçado de sensatez) resistirá bravamente; mas talvez os avanços científicos possam um dia dissolver os fanatismos e as massas submissas a deuses. Sempre haverá o desumano; o pós-humano existirá? Creio que o “humano” vai prevalecer sempre, para além de uma ficção científica metafísica.

Os jovens de hoje querem alcançar uma forma de identidade alternativa e não almejam mais o “Poder”, que está em mil pedaços. Há uma aceitação do mundo como algo irremediável, mas sem conformismo. Antes, lutávamos contra uma realidade complexa, sonhando com utopias totalizantes. Era o “uno” contra o “múltiplo”. Hoje, é o contrario; a luta é para dissolver, não para unir; luta-se para defender o vazio, o ócio possível, luta-se para proteger o “inútil” da arte, o que não seja “mercável”. Desunificando-se em forma de uma grande esponja, em vazios, em avessos, em buracos brancos que vão se alargando, à medida que a ideia de o tecido da sociedade “como um todo” se esgarça. Não há mais “células de resistência”; apenas “buracos de desistência”. Agora, os novos combatentes não sonham com o absoluto; sonham com o relativo. E isso pode ser o novo rosto da humanidade se formando. Desculpem o “papo-cabeça”, mas creio que um tempo diferente de tudo que conhecemos já começou. Intelectuais deliram com tempo pós-humano. Mas a própria ideia de “pós” já é antiga. De qualquer forma, talvez o tal “pós-humano” seja interessantíssimo, até divertido. Será que vamos viver dentro de um videogame planetário? Não sei..., mas é mais estimulante do que o melancólico lamento pela razão que não chega nunca...

Não há nenhuma garantia ou demérito em ser empresário e político - RAUL JUSTE LORES

FOLHA DE SP - 04/10

No dia da eleição, Fernando Haddad declarou que estava "confrontando um projeto privatista, que vê a cidade como ponto de negócio". A frase ecoou o pior da era Dilma: demoniza privatizações, enquanto o próprio PT fazia concessões e vendia ativos da Petrobras na baixa.

Com desemprego nas alturas –a crise não era invenção da mídia–, o eleitorado, especialmente da periferia, abraçou o candidato com trejeitos de fazedor e que aparentava se importar com retomada econômica.

Entre as muitas promessas de Doria, estão um "Poupatempo Empreendedor", que simplificará processos de abertura e encerramento de empresas (Haddad promete algo assim há tempos).

Doria anuncia a privatização do Anhembi, enquanto a concessão privada de Haddad para a futura arena ali também atrasou. Os muitos Arcos (do Futuro, do Tietê) não saíram do papel.

Vivemos uma era de ressaca de estatismo desastrado, em que bilionários investimentos públicos em teles, navios sonda, refinarias e empreiteiras amigas deram perda total. O papo "ambiente de negócios" rende votos agora.

A musiquinha do Senna usada na vitória do novo prefeito e seu gosto por Romero Britto não indicam lá muito critério, mas não há nenhuma garantia ou demérito em ser empresário e político. Trump e Berlusconi são um vexame, mas algumas das maiores barbeiragens em Brasília foram obra de políticos de carreira e tecnocratas gerentões.

Já o magnata Michael Bloomberg, 770 vezes mais rico que Doria e filantropo comprometido, foi eleito e reeleito para três mandatos como prefeito de Nova York. O tucano já disse que quer seguir o exemplo dele (poderia aprender muito com o nova-iorquino, especialmente em mobilidade).

Progressista no social e pró-mercado na economia, Bloomberg foi eleito pouco depois do 11 de Setembro. Milhares de empregos tinham virado pó.

Sabendo que a tecnologia desafiava os setores econômicos tradicionais, fez de tudo para criar um "Vale do Silício" local.

Convocou um concurso internacional, oferecendo um enorme terreno na ilha Roosevelt para a universidade que topasse criar um campus tecnológico. Facilitou a criação de start-ups em antigas áreas industriais e portuárias no Brooklyn e cursos de programação nas escolas. Promoveu o rezoneamento de 40% de Nova York, permitindo mais adensamento, mas obrigando os incorporadores a investir em áreas públicas e parques.

Nomeou gente muito preparada, trabalhando com dados, tendo que provar resultados antes de estender programas. Nova York virou um laboratório urbanístico –80 mil metros quadrados de ruas foram transformados em áreas para pedestres. As imagens de desespero das crises de 2001 e 2008 ficaram para trás, e imigrantes não param de chegar lá.

Alckmin, o padrinho de Doria, promete um grande parque tecnológico há quase dez anos no Jaguaré, mas não se vê nenhum "acelera" por ali; Google, Itaú e Porto Seguro criaram incubadoras de start-ups em meses. As estações de metrô se arrastam. Se quiser fazer diferença, Doria precisará acelerar nas" pistas em que tucanos derrapam, pois ressacas sempre passam.

É a economia - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/10

SÃO PAULO - Foi uma eleição muito estranha, cheia de surpresas e reviravoltas. Não estamos, porém, desbravando um planeta desconhecido. Permanecem alguns pontos fixos no panorama político.

O mais sólido deles é que a economia importa. O partido cujo governo nos lançou na maior recessão da história, o PT, sofreu uma derrota contundente. No pleito de 2012, elegera 644 prefeitos. Agora, obteve 256 municipalidades e participará de sete segundos turnos. Se vencesse em todos, ficaria com 263 —queda de 59%. Passa de terceira maior legenda em número de prefeituras para décima. O PT também perde em total de votos recebidos, capitais governadas, vereadores e receita que administrará.

É verdade que o envolvimento do partido em escândalos de corrupção também ajuda a explicar a derrota, mas, como o desempenho de outras siglas tão ou mais comprometidas do que o PT na Lava Jato não piorou tanto, é lícito supor que a economia foi mais decisiva, como, aliás, já ensinavam James Carville e a maioria dos modelos de previsão eleitoral.

Com o encolhimento do PT, abriu-se um nicho ecológico a ser ocupado por outras forças. O maior beneficiado foram os tucanos, que poderão experimentar um crescimento de até 16% no número de prefeituras, sem mencionar que João Doria levou São Paulo no 1º turno. Partidos menores, notadamente PRB, PCdoB, PHS e PTN, também ganharam.

No momento, boa parte dos analistas aponta Geraldo Alckmin como grande vitorioso, por ter bancado a candidatura de Doria mesmo contra os baluartes do PSDB. É inegável que o governador paulista sai fortalecido, mas me parece precipitado projetar o hoje para 2018. A única coisa certa é que a situação política permanece instável e que será a economia que dará as cartas daqui a dois anos. Ou o processo de estabilização fiscal estará caminhando, o que lançará novos atores, ou terá fracassado, o que poderá, no limite, até redimir o PT.

A voz do silêncio - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 04/10

Vinte e cinco milhões de brasileiros não compareceram para votar. Isso é uma população maior do que a da Austrália. Além disso, há os votos brancos e nulos, que só nas capitais somaram 3,7 milhões. O silêncio dos que não quiseram escolher nas eleições precisa ser ouvido. Sempre há eleitores que preferem ficar à parte, erram no momento do voto ou anulam, mas um dos recados de domingo foi o desalento.

O eleitor tem toda razão de estar descontente. Há muitos motivos para desilusão, e o país está no meio de uma crise entre representantes e representados. No mundo inteiro, há desencanto com os processos políticos tradicionais. O poder está encastelado, dominado por oligarquias partidárias, sem capacidade de entender a velocidade de transformação do mundo atual. No Brasil, há tudo isso e mais o que temos sabido nos últimos anos das tenebrosas transações dos políticos para financiar suas campanhas e, em muitos casos, enriquecer pessoalmente.

A democracia brasileira precisa ouvir esse silêncio. A alienação eleitoral formada por esses ausentes e pelos votos nulos e brancos chegou a 43,14% em Belo Horizonte. Minas sempre foi estado em que se debate política de forma acalorada. O desinteresse é preocupante. Os índices chegaram a 42% no Rio, 38% em São Paulo e Porto Alegre. Na média do Brasil, ficou em 30%.

As urnas deste fim de semana deram vários recados ao Brasil. Um deles foi endereçado ao PT. A derrota do partido foi enorme e foi nacional. Se sua direção continuar falando aos militantes com o mesmo discurso autocomplacente de que é vítima das elites, da mídia, do Ministério Público e do Juiz Sérgio Moro, não sairá do lugar. O militante pode se sentir muito confortado com a explicação persecutória, mas o mais eficiente do ponto de vista político-eleitoral é a análise sincera do problema. O PT precisa de autocrítica e de estratégia de superação e renovação. O risco é achar que basta terceirizar suas culpas, encontrando um inimigo externo, e esperar que uma nova candidatura de Lula resgate o partido da crise.

O PT foi o protagonista de vários escândalos políticos recentes, principalmente os maiores — Mensalão e Lava-Jato. Foram para a prisão três dos últimos tesoureiros e ex-ministros poderosos. O ex-líder no Senado do último governo foi preso por ordem do Supremo e fez uma devastadora delação premiada. Está evidente que culpar os inimigos não explica os fatos. Não é o único partido envolvido com os escândalos de corrupção, mas foi atingido em cheio.

Além disso, o partido que nos governou por mais de 13 anos levou o país à mais devastadora crise econômica das últimas décadas, com 12 milhões de desempregados. A soma dos escândalos políticos e da desorganização econômica é forte demais. Diante disso, o PT foi o grande derrotado nestas eleições. Não vai superar o momento culpando os outros por erros que cometeu.

Mas a crise entre eleitores e políticos vai além da decepção com um partido. O desalento é em relação aos políticos em geral. A sensação é de que estão todos envolvidos com os escândalos, de uma forma ou de outra. Além disso, há uma fadiga em relação a um sistema político ineficiente, com partidos demais, que pouco se diferenciam uns dos outros, e com a falta de prestação de contas ao eleitor do que os representantes fazem no exercício do mandato.

Não haverá uma única reforma que enfrente todos estes problemas, mas o Brasil deve se dedicar a aperfeiçoar o sistema político e melhorar a democracia. Deixá-la ser ameaçada pelo desinteresse dos cidadãos pode ser o mais perigoso dos caminhos.


Eleição enterra o golpe - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 04/10

Para o governo, derrota do PT é derrota da tese do ‘golpe’ e do ‘Fora, Temer’


Amanhã, três dias depois do primeiro turno da eleição municipal, o presidente Michel Temer cumprirá uma agenda discreta, mas cheia de significados: vai ao Supremo Tribunal Federal pouco antes das 14 horas, quando são abertas as sessões, para uma cerimônia sóbria e rápida em homenagem à Constituição de 1988, que completa 28 anos.

Como político experiente, três vezes presidente da Câmara, Temer tem o lombo curtido, suporta bem os ataques e costuma ter respostas curtas e diretas para elas. Mas, além de político, ele é professor de Direito Constitucional e, se algo o tira do sério, é a acusação recorrente da oposição e dos movimentos petistas de que o impeachment foi golpe e ele é golpista. A ida ao Supremo amanhã, portanto, será um ato de fé, uma reverência à Constituição.

Na avaliação governista, o pior do discurso do “golpe”, do “golpista” e do “Fora, Temer” passou junto com o primeiro turno, que não apenas ratificou o pleno funcionamento da democracia brasileira como deu a vitória a partidos da base de Temer – PSDB, PSD e PSB, por exemplo –, e imprimiu uma derrota acachapante aos que insistem nessas palavras de ordem e são os alvos mais vistosos da Lava Jato.

O PT perdeu a joia da coroa, São Paulo, perdeu os anéis em Belo Horizonte e perdeu os dedos no Rio, onde nem sequer apresentou candidato. Também não deslanchou em Salvador, acabou em terceiro em Porto Alegre, fez feio em praticamente todo o Nordeste, viu escorregar das mãos quase 60% das atuais prefeituras e ficou abaixo de 20% no País inteiro. As raras exceções foram Rio Branco, onde venceu no primeiro turno, e Recife, onde disputa o segundo contra o PSB.

Quem ainda perdeu tempo falando em “golpe” e apresentando-se como candidato do “Fora, Temer” foi Marcelo Freixo, do PSOL, ora, ora, do Rio, onde a elite endinheirada acha chiquérrimo se dizer de “esquerda” e conseguiu a proeza de um segundo turno entre dois extremos: um senador da Igreja Universal do Reino de Deus e um deputado estadual do PSOL que é professor, um cara bacana, de um partido cheio de boas intenções, mas... terá competência, conhecimento, experiência para driblar uma crise monumental?

O Rio não é só o bunker da tese do “golpe”, mas também um exemplo da crise econômica, a crise Dilma Rousseff, do estatismo e da folha de pagamentos impagável. Eduardo Paes, do PMDB, governou a cidade na Copa e na Olimpíada, deixa museus, uma melhor mobilidade urbana, um centro restaurado e equipamentos esportivos de ponta, mas sai com a popularidade baixa e não fez o sucessor. Aliás, nem emplacou Pedro Paulo no segundo turno.

Como a política é campo fértil para teorias conspiratórias, comenta-se em Brasília que não fazia sentido Paes insistir em um candidato acusado de bater em mulher e que, talvez, maquiavelicamente, ele quisesse sair de fininho, deixando uma bomba para explodir nas mãos de adversários como os dois Marcelos, Crivela e Freixo. Nessa análise, seja quem for o eleito no dia 30, as contas e o próprio Rio vão fatalmente explodir...

Raramente uma eleição municipal deixou tantas lições: a gritaria do “golpe” já deu o que tinha de dar, a crise engoliu atuais (Lula à frente) e futuros líderes petistas (Haddad, Fernando Pimentel, Jaques Wagner...), o PSDB é o principal beneficiário do desastre do PT e Geraldo Alckmin larga na frente para 2018, mas o grande vitorioso foram a abstenção e os votos branco e nulo.

Por fim, o perfil que emerge para 2018 é de empresário que se diz “não político”. Com a vitória espetacular de João Doria, deixou de ser crime, pecado e impopular ser rico. Lula até já poderia comprar triplex e sítio sem enganar ninguém e sem medo de perder a aura de “pobre” e de “homem do povo”. Agora, porém, é tarde demais.

Desencanto - DENIS LERRER ROSENFIELD

ZERO HORA - RS - 04/10

As eleições mostram um profundo desencanto com a política. Poder-se-ia, mesmo, dizer que os decepcionados com a política foram os grandes vencedores. Os escândalos de corrupção, atingindo vários partidos e, mormente, o PT tiveram profunda influência sobre o processo eleitoral. Uma mensagem foi transmitida: os cidadãos das grandes capitais já não mais aguentam uma política que virou, para muitos, balcão de negócios.

Vejamos alguns números: os votos nulos, brancos e abstenções alcançaram a cifra de 38% em Porto Alegre. Cifra igual ocorreu em São Paulo, atingindo, no Rio de Janeiro, 42%. A votar nestes políticos, os cidadãos optaram por um não global a todos, repetindo, de outra maneira, a revolta que se expressou nas manifestações de rua dos últimos anos.

Seguindo esta lógica, o PT foi o maior derrotado, elegendo apenas um prefeito de capital, no Acre, cidade sem maior expressão nacional. O partido símbolo da corrupção foi duramente responsabilizado por suas práticas de desvio e apropriação de recursos públicos.

São Paulo e Porto Alegre foram cidades importantes para os petistas. São capitais fundadoras do partido, tendo fornecido seus quadros mais importantes e expressivos contingentes de eleitores.

Na capital paulista, o partido não conseguiu reeleger o seu prefeito, que perde em primeiro turno. O não ao petista foi inequívoco, apesar do apoio de Lula, que nada mais agrega em termos eleitorais. Está mais para a cela 13 do que para o paço municipal. Note-se que o PT, com Haddad, governou a cidade por 12 anos.

Em Porto Alegre, o partido não conseguiu colocar o seu candidato no segundo turno, amargando 16% dos votos válidos. Um fracasso e isto tendo já governado a cidade por 16 anos. Um bastião petista foi derrubado.

Note-se, ademais, que o candidato, que tinha sido um bom prefeito, não está em anda envolvido pela corrupção e foi tragado, literalmente, pela onda antipetista. O mesmo fenômeno ocorreu em Caxias, com o ex-ministro Pepe Vargas não tendo ido ao segundo turno, tendo sido ele também um bom prefeito, não envolvido pela corrupção. Foram responsabilizados pelo coletivo ao qual pertencem.

Observe-se, por último, que o novo foi apreciado pelos cidadãos, com João Dória vencendo no primeiro turno em São Paulo e Nelson Marchezan Junior indo ao segundo turno em primeira posição.

São eles assim percebidos por uma população que procurou dizer não aos que fizeram do bem público um objeto de transação partidária e privada.

Rever a relação - MERVAL PEREIRA

O Globo - 04/10

Marcelo Crivella e Marcelo Freixo concordam em ao menos um ponto: vão propor ao TRE que o tempo na TV seja de cinco e não de dez minutos. Houve dois recados principais nas urnas das eleições municipais: o não-voto (nulos, brancos e abstenções) foi maior em muitos casos que a votação do primeiro colocado, e até mesmo dos dois primeiros, caso de Rio de Janeiro e Belo Horizonte; e ficou claramente demonstrado que a tese do golpe, embora muito popular em certos meios intelectuais, e em diversos países, não foi comprada pelo eleitor brasileiro.

A humilhação nacional sofrida pelo PT, na definição perfeita do “Financial Times”, é a prova de que a ampla maioria dos cidadãos brasileiros rejeitou o partido que se diz vítima de perseguição política.

Uma coisa tem relação direta com a outra, o desencanto com a atividade política leva à atitude negativista diante do voto, ou à escolha de um declarado não-político, como João Doria.

E como no Brasil não temos a obrigatoriedade de votar, mas sim a de comparecer às urnas, crescem as abstenções, que refletem o descaso do cidadão pelo ato de votar (justificar a ausência é fácil), e os protestos com os votos brancos e nulos.

A cidade de São Paulo teve o maior percentual de abstenções e votos nulos das últimas eleições: 21,84% deixaram de votar e 11,35% anularam seus votos. E no Rio, votos nulos (12,76%) e brancos (5,50%) somaram 677 mil pessoas — mais do que os votos do candidato Marcelo Freixo, do PSOL, que foi para o segundo turno com Marcelo Crivella (553.424).

Incluídas as abstenções, o total do não-voto no Rio foi de 42,6% do eleitorado. O número de pessoas que não votaram em nenhum candidato a prefeito em São Paulo superou o total de votos obtido pelo candidato do PSDB, João Doria, eleito no primeiro turno.

Os votos em branco, nulos e as abstenções somaram 3.096.304. Doria obteve um total de 3.085.187 votos. De acordo com levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somadas, as abstenções, nulos e brancos foram maiores que o primeiro colocado em dez capitais: Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Curitiba (PR), São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Aracaju (SE) e Belém (PA).

Superaram o segundo colocado na votação de outras 11 capitais: Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Palmas (TO), Maceió (AL), Recife (PE), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Macapá (AP), Boa Vista (RO), e Salvador (BA).

A questão do golpe é interessante. Se a tese levantada pelos petistas tivesse vingado, o PT e seus aliados seriam compensados nas urnas com uma grande votação, um protesto cívico contra “os golpistas”. O que se viu, porém, é que o PT foi derrotado em seus mais importantes redutos — o “cinturão vermelho” em torno de São Paulo azulou, o enteado de Lula não se elegeu, os candidatos apoiados por ele e Dilma afundaram.

O PT deixou de ser a terceira força municipal para transformar-se em décimo partido com mais prefeitos, enquanto os partidos “golpistas” se reforçaram nas urnas. Mesmo o PMDB — que teve derrotas decisivas no Rio de Janeiro e em certa medida em São Paulo, onde o presidente Michel Temer tentou inventar uma Marta peemedebista e viu o projeto naufragar — o partido continuou tendo o maior número de prefeitos no país e manteve sua capilaridade, fundamental para seu projeto político de ser indispensável para dar estabilidade congressual a qualquer governo.

O Planalto somou todos os prefeitos eleitos pelos partidos que apoiam Temer e chegou a 4.930 das 5.570 prefeituras do país. Essa atuação dos partidos do “centrão”, que apoiam o governo, não significa, porém, que aprovar as reformas estruturais no Congresso será fácil. A prova dos nove será a tramitação do teto de gastos nos próximos dias.

Se o recado das urnas for entendido pelos políticos, eles tratarão de reciclar as maneiras de atuação. Vão ter que rever a relação com os eleitores.

Não foi por acaso, portanto, que o presidente Michel Temer declarou que o resultado, especialmente a alta abstenção, foi um recado para que a classe política reformule “hábitos inadequados”.

A começar por essa linguagem sibilina, que fala sem dizer.

A falácia dos partidos nacionais - MURILLO DE ARAGÃO

ESTADÃO - 04/10

O anacronismo é tal que aliados no nível federal podem ser adversários no estadual e municipal


Em quase 127 anos da proclamação da República, de acordo com pesquisa da cientista política Maria Tereza Sadek, o Brasil teve nada menos que oito sistemas partidários. Nenhum deles deu certo. Mais recentemente, a história política da redemocratização brasileira tem como ponto lamentável a crescente fragmentação do sistema partidário. No início de 2016 tínhamos 36 partidos registrados oficialmente na Justiça Eleitoral, 27 deles com representação no Congresso Nacional.

A fragilidade do nosso sistema partidário motivou comentários relevantes. Recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que os partidos existiam somente no Congresso, e não na sociedade. O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos líderes da Operação Lava Jato, foi além e afirmou, durante entrevista coletiva sobre a 28.ª fase da operação, que, tendo em vista as investigações, era possível concluir que o sistema partidário brasileiro se encontra “apodrecido”.

Com a fragmentação, o presidencialismo de coalizão busca estabilidade e governabilidade construindo coalizões no Congresso que, pela amplitude e diversidade de interesses, criam dificuldades adicionais de gerência no relacionamento. Na atualidade, o maior partido da Câmara não tem 66 deputados num total de 513; e apenas três partidos, incluindo o PMDB, têm mais de 50 deputados em suas bancadas. São muitos os partidos disputando posições e verbas. A base de Michel Temer na Câmara tem, pelo menos, 14!

Além da fragmentação partidária, que corrói o sistema político, temos a falácia do caráter nacional dos partidos. O anacronismo é tanto que legendas aliadas no nível federal podem ser – e muitas vezes o são – adversárias no âmbito estadual e municipal. Tal fato revela grave incongruência constitucional. De acordo com a Constituição federal, os partidos devem ter caráter nacional, o que pressupõe que sua orientação política, ideológica e programática deve ser igualmente nacional. Não há sentido em exigir que o partido tenha caráter nacional se ele pode, em suas representações estaduais e municipais, adotar orientação contraditória à tendência nacional.

Em outras palavras: se um partido se coliga a outro para disputar as eleições presidenciais, não é razoável admitir que se coligue, em nível estadual, a partido adversário do coligado nacional. Tal situação ocorreu diversas vezes nas eleições de 2014. Por exemplo, PT e PMDB estavam coligados nacionalmente. Mesmo assim, enfrentaram-se no nível estadual. E não raro estiveram coligados a partidos que tinham outro candidato presidencial. Houve situação específica em que o PMDB do Rio de Janeiro apoiou Aécio Neves, do PSDB, em desfavor de Dilma Rousseff, do PT, e de Michel Temer, do PMDB!

Para dar ampla e total liberdade aos partidos políticos no âmbito estadual e transformar em letra morta o seu caráter nacional o Congresso aprovou, em 2006, emenda constitucional que permitiu ampla liberdade de coalizão a partir dos interesses partidários estaduais. Tal entendimento, não tenho dúvida, contraria a Constituição quando esta atribui, de forma claramente preferencial, caráter nacional aos partidos políticos.

Ora, sem querer ser exaustivo em matéria de Direito Constitucional, é sabido que existem normas constitucionais que são inconstitucionais, ainda que não vulnerem cláusulas pétreas. Vários juristas, entre eles Otto Bachoff, trataram da existência paradoxal de normas constitucionais que seriam inconstitucionais. É o caso em tela. A ampla liberdade de coligação em nível estadual contraria o desejo expresso pelo constituinte em favor dos partidos nacionais. A liberdade dos partidos, prevista no artigo 17, deve ser interpretada tanto a partir do aspecto nacional dos partidos quanto do resguardo do regime democrático.

É de estranhar que a Ordem dos Advogados do Brasil, assistindo à completa deterioração do sistema partidário nacional, tanto pela fragmentação abusiva quanto pela inconstitucional liberdade de coligação, não assuma essa bandeira nem busque reparar tal anomalia mediante uma ação de declaração de inconstitucionalidade. Acredito que teria pleno êxito no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista o reconhecimento tácito da completa bagunça do sistema partidário, da omissão do Legislativo em organizá-lo e da confusão que coligações partidárias nas eleições municipais e estaduais promovem na cabeça do eleitor.

Caso o dispositivo constitucional que liberou as coligações fosse declarado inconstitucional, o caráter nacional dos partidos seria preservado e as coligações eleitorais passariam a ser verticalizadas a partir da decisão do diretório nacional. Poderiam existir coligações entre partidos, mas elas teriam de se repetir em todo o País, criando um padrão de unidade programática. Não deveria haver mais coligações contraditórias entre as disputas estaduais e a disputa federal, resolvendo-se um dos mais graves problemas do sistema partidário nacional. Seria uma intervenção, mais do que bem-vinda, do STF no sistema político, com excepcionais consequências para as eleições no País.

O fortalecimento dos partidos políticos deveria começar pelo cumprimento do que dispôs o constituinte ao determinar o seu caráter nacional. Reformas constitucionais, como a emenda em discussão, não podem mudar conceitos fundamentais estabelecidos. Apenas o reconhecimento dessa evidente inconstitucionalidade já representaria um passo decisivo para o aperfeiçoamento do sistema partidário brasileiro com vista às eleições gerais de 2018. Outros avanços devem ser perseguidos, como a cláusula de desempenho e a proibição de coligações para eleições proporcionais. Porém, ao dar um padrão às coligações, estaremos fortalecendo a instituição partidária e buscando dar o devido caráter nacional que os partidos políticos devem ter.

*Advogado, consultor, mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UNB, é autor do livro ‘Reforma

Política – O Debate Inadiável’

Um recado nas urnas - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 04/10

Arrisca-se ao papel de tolo quem ver nos resultados de domingo a morte da política. Generosos, os eleitores deram ao Congresso uma nova chance para mudanças


No país do voto obrigatório, o protesto dos eleitores contra o sistema político-partidário que está aí ficou explícito ontem naquilo que se convencionou chamar de não voto.

A soma do absenteísmo com votos nulos e brancos pode ser considerada uma fotografia da grave crise de representatividade. Ficou acima de 25% em 11 das 26 capitais.

O recorde foi em Belo Horizonte e no Rio: 43% dos eleitores da capital mineira e 42,4% dos cariocas negaram seu voto. O “não” também prevaleceu em Aracaju (38,9%), São Paulo e Porto Alegre (38,3%), Natal (36,7%) e Porto Velho (36,6%).

No Rio, a negativa do eleitorado (42,4%) ficou próxima da soma de votos (45,9%) dos candidatos Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), que vão ao segundo turno.

A fuga dos eleitores, medida pela abstenção, cresceu 39,7% em São Paulo, 38% em Porto Alegre e 35% no Rio, em relação à eleição de 2012.

Os resultados aceleraram a liquefação partidária. O PMDB foi derrubado no Rio e em São Paulo. A maioria paulistana rejeitou Marta Suplicy, uma escolha do presidente Michel Temer.

O PMDB fluminense mergulhou numa luta fratricida. Alguns anunciam que, em público, não pretendem apoiar ninguém, mas já discutem vantagens de uma discreta “ajuda” ao candidato do PSOL no segundo turno.

É jogo de alto risco. A premissa é a de que, ganhando, o PSOL precisaria renegar promessas e compromissos para conseguir governar a cidade do Rio, sob risco de falência municipal em quatro anos.

Assim, acham, seria possível usufruir de efeitos colaterais no médio prazo. Num deles, a neutralização da aliança do senador Marcelo Crivella e do ex-governador Anthony Garotinho para a futura disputa pelo governo estadual. Outro seria a exposição da atual administração municipal ao desgaste das “devassas” do PSOL, fragilizando o prefeito Eduardo Paes na pré-campanha para 2018.

Os aliados de Paes discutem alternativas, entre elas a migração para o PSDB.

A múltipla dissolução de projetos nas urnas abala, também, alicerces do PT, da Rede e do PCdoB.

No PT o alvo é Lula, que sequer conseguiu reeleger o enteado como vereador no seu bunker eleitoral, São Bernardo (SP). A contestação está inflada desde domingo.

Rede e PCdoB amargam uma crise de identidade. Tem origem comum: a persistência de alguns parlamentares em caracterizar seus partidos como uma espécie de “puxadinho” do PT no Congresso e submeter essa aliança ao crivo das urnas, numa temporada marcada por investigações sobre corrupção em governos do PT.

Ontem, houve renúncias nos diretórios da Rede no Rio e em Porto Alegre. Numa ironia, a dissidência debitou a derrota eleitoral na conta de Marina Silva, embora ela não fosse responsável por candidaturas e alianças, e tivesse apoiado o impeachment de Dilma.

Arrisca-se ao papel de tolo quem quiser ver nos resultados de domingo a morte da política. Abatidos nas urnas foram o voto obrigatório e a fragmentação partidária. Generosos, como sempre, os eleitores deram ao Congresso uma nova chance para mudanças.

O antipetismo - CAROLINA BAHIA

ZERO HORA - RS - 04/10

Movimento contra o Partido dos Trabalhadores definiu o primeiro turno


Embora o PMDB de Michel Temer tenha liderado o processo do impeachment de Dilma Rousseff no Congresso, o eleitor ainda enxerga o PSDB como o grande opositor do PT. O primeiro turno das eleições municipais é marcado pelo antipetismo e, ao mesmo tempo, pelo crescimento importante das candidaturas tucanas. Enquanto o PSDB consegue aumentar em 15% o número de prefeituras – e conquista São Paulo –, o PT perde em torno de 59%. Uma tragédia para o partido da estrela, que só vai conseguir juntar os caquinhos se reconhecer os próprios erros e se reorganizar. O sonho da cúpula do PMDB é romper essa polarização para ser uma opção viável na próxima eleição presidencial. Com exceção de Estados onde PMDB e PT são tradicionais adversários, como o Rio Grande do Sul, essa ainda não é uma realidade. Até 2018, há um longo caminho pela frente. Uma candidatura peemedebista está ligada ao sucesso do governo Temer. Mas, por enquanto, o antipetismo nacional tem pena e bico de tucano.

ZAP-ZAP
Deputados da base de apoio do governo no Congresso estão sendo bombardeados por mensagens no WhatsApp sobre a PEC do teto de gastos. Essa é uma das maneiras encontradas para convencer quem ainda resiste à aprovação da medida.

BOM DIA!
Um grupo de deputados indecisos sobre a votação da PEC do teto dos gastos também foi convidado para um café hoje pela manhã, na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) e o relator da proposta, Darcísio Perondi (PMDB-RS), estarão no encontro.

DESEMBARQUE
Se depender do ex-deputado Beto Albuquerque, o PSB aproveita o resultado das eleições e anuncia o desembarque do governo Temer. Integrante da executiva nacional da sigla, Beto argumenta que o partido precisa ser oposição para consolidar a candidatura própria para 2018. O PSB, hoje, está no Ministério de Minas e Energia.

CARONA
O ex-ministro Ciro Gomes deve desembarcar em Porto Alegre para participar da campanha da chapa Sebastião Melo (PMDB) - Juliana Brizola (PDT) à prefeitura da Capital. Ele pretende se candidatar à Presidência da República pelo PDT e aproveita a eleição municipal para consolidar a imagem.


O duelo do Rio - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 04/10

BRASÍLIA - O fim da eleição em São Paulo voltou os olhos do mundo político para o outro lado da ponte aérea. O Rio promete ter o segundo turno mais animado das eleições municipais. Depois de enxotar o PMDB do prefeito Eduardo Paes, os cariocas decidirão entre Marcelo Crivella, do PRB, e Marcelo Freixo, do PSOL.

Os candidatos têm pouco em comum. De um lado, um bispo da Igreja Universal que virou senador. Do outro, um professor de história que se elegeu deputado estadual. Os dois começaram a nova fase da campanha com estratégias opostas. Freixo recebeu apoios da esquerda e criticou o governo Temer. Crivella foi atrás de partidos aliados ao Planalto.

O candidato do PSOL apostou na nacionalização do debate. Suas primeiras palavras na festa da apuração foram de ataque ao governo federal. "Derrotamos o PMDB em homenagem à democracia brasileira. É a resposta a um partido golpista", afirmou Freixo. A militância, é claro, reagiu com o coro "Fora Temer".

Crivella foi a Brasília para negociar com Aécio Neves, do PSDB, e Gilberto Kassab, do PSD. Também fez acenos à ultradireita. "Podemos criar uma aliança ética, de princípios, ideais e valores", disse, referindo-se à família Bolsonaro.

O movimento de Freixo preocupou alguns aliados, que temem seu isolamento político. Os outros dois candidatos de esquerda, Jandira Feghali (PC do B) e Alesandro Molon (Rede), não somaram 5% dos votos. A eleição será decidida por quem votou em outros quatro candidatos de centro-direita. Juntos, Pedro Paulo (PMDB), Flávio Bolsonaro (PSC), Indio da Costa (PSD) e Osorio (PSDB) ultrapassaram 47% dos válidos.

Se insistir no discurso do golpe, Freixo corre o risco de afugentar parte desse eleitorado sem ganhar nenhum voto novo. Por outro lado, o flerte com Bolsonaro ameaça aumentar a rejeição a Crivella. O senador já carregava o peso da Universal. Agora, parece disposto a posar com radicais que exaltam a ditadura militar.


Depois da surra, tudo é velório para o petismo - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA - 04/10

Desde que trocou o tino político pelos confortos de sua ex-presidência, Lula passou a ser movido por uma desastrosa autoconfiança. Na véspera da eleição, ele fez a defesa inconsciente do voto útil. Parecia decidido a convencer o eleitor a tomar qualquer decisão, desde que desse uma surra no PT. Lula foi a um comício do candidato petista à prefeitura de São Bernardo do Campo. E declarou o seguinte:

“Você que ouviu tantas vezes nos últimos anos a Rede Globo de Televisão agredir o PT, a imprensa criminalizar o PT, eu queria fazer um apelo pra vocês, homens de bem, mulheres de bem, trabalhadores e trabalharadoras: amanhã, na hora de votar, é importante vocês saberem que urna não é lugar pra depositar ódio ou preconceito. Urna é lugar pra depositar esperanças e sonhos…”

O contrário do antipetismo que Lula supõe existir no noticiário é o pró-petismo reivindicado por ele —um sentimento inocente, que aceita todas as presunções do PT a seu próprio respeito. Isso inclui concordar com a tese segundo a qual os petistas têm uma missão especial no mundo, de inspiração divina e, portanto, inquestionável.

Como qualquer religião, o petismo pode cultivar seus dogmas. Mas o desembaraço autocrático de Lula tem limites. Discurso que agride a realidade, trata a plateia como imbecil. E se a surra de domingo ensinou alguma coisa é que o brasileiro já não está disposto a avalizar a pretensão petista de ser uma potência ética, que só deve contas à sua própria noção de superioridade e ao seu destino evangelizador.

À beira da urna, Lula escancarou a impostura. Alguém que acaba de se transformar em réu por corrupção e lavagem de dinheiro, depois de 13 anos em que o Estado foi saqueado pelo seu partido e pelos esquemas que o acompanharam no poder, e ainda consegue ostentar a pose de vítima da imprensa ou é um cínico ou é um distraído. Em nenhum dos casos é um líder político que mereça respeito. Levou o PT à derrota até em São Bernardo, seu berço político.

A declaração de Lula —“Urna não é lugar pra depositar ódio ou preconceito. Urna é lugar pra depositar esperanças e sonhos”— talvez seja citada no futuro como um resumo da ópera petista, como uma apoteose da incapacidade do PT de compreender o vexame em que se converteu. A reação das urnas foi compatível com a dimensão da ofensa.

Em certos momentos, o desalento pode ser justificável. O que ninguém aguenta mais é a esperança sem causa. O eleitorado ensinou a Lula que urna é lugar para depositar consciência. No Brasil, a eleição é loteria sem prêmio, é a ilusão de que é possível começar tudo de novo, do zero, para ver se finalmente dá certo. O voto vem se revelando um equívoco renovado a cada quatro anos. O eleitor pelo menos decidiu cometer erros novos.

Depois da surra de domingo, tudo é velório para o petismo. Aquele partido imaculado de outrora cometeu suicídio. O cadáver do ex-PT pode inspirar o surgimento de outro PT. Mas isso depende da disposição de Lula e de seus discípulos de protagonizar um gesto de contrição.

Uma expiação mais rápida teria feito bem ao PT. Mas o partido ainda não se deu conta de que o arrependimento é a última serventia do crime. A julgar pelo silêncio pós-eleitoral de Lula e do resto da seita, o PT talvez só descubra os prazeres do remorso depois que a autocrítica não adiantar mais nada


Depois do lulopetismo - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 04/10

O PT descobriu da forma mais dolorosa quem é “sem voto” no País


O PT descobriu da forma mais dolorosa quem é “sem voto” no País. A devastadora derrota em escala nacional do lulopetismo no pleito municipal constituiu mais um aval político ao impeachment de Dilma Rousseff – se isso ainda era necessário – e joga definitivamente por terra a teoria do “golpe” contra as instituições democráticas. O resultado das urnas demonstra, da forma mais democrática possível, a vigorosa rejeição dos brasileiros a um projeto de poder que jogou o País na profunda crise que hoje enfrenta. Seria imprudente, no entanto, tentar extrair da voz das urnas mais do que ela contém. Ela não sinaliza muito mais do que o repúdio ao passado e não aponta claramente um novo rumo político, perspectiva embaralhada pela enorme fragmentação político-partidária refletida no resultado geral das eleições de domingo.

O pleito municipal tende a concentrar o debate eleitoral em questões locais, o que efetivamente ocorreu em todo o País. Mas as circunstâncias especialíssimas em que essas eleições se realizaram abriram espaço para um viés de nacionalização da disputa que, ironicamente, foi imposto exatamente por aqueles que se tornariam os grandes derrotados.

Sem nenhuma credibilidade para obter votos por meio da apresentação de propostas concretas de gestão das cidades, o PT e seus caudatários da esquerda decidiram recorrer, na reta final da campanha, ao apelativo discurso do “golpe” e do “Fora Temer”, um presidente, segundo eles, “sem voto” – além, é claro, dos 54 milhões que o elegeram vice na chapa de Dilma Rousseff. E é claro que repercutiu também no pleito municipal o fato de a Operação Lava Jato estar chegando, depois de dois anos e meio de investigações, aos principais responsáveis pelo maior surto de corrupção no governo de que o País tem noticia. Cenário em que se anuncia o protagonismo de Luiz Inácio Lula da Silva em tenebrosas transações.

O Brasil sai das eleições municipais, portanto, demonstrando muito bem o que não quer, mas também sem deixar claros os caminhos que vislumbra daqui para a frente. Isso talvez se explique em parte pelo fato de que os dramáticos eventos dos últimos dois anos tiveram o efeito de provocar um sentimento geral de perplexidade.

Do ponto de vista político-partidário essas eleições oferecem indícios de que pode estar em curso uma nova configuração. De modo geral, como desdobramento inevitável da derrocada petista, percebe-se o debilitamento da esquerda em benefício da centro-direita, fenômeno para o qual a habitual imprevisibilidade do comportamento do eleitor do Rio de Janeiro abriu uma exceção.

O PMDB, maior partido brasileiro e atualmente no poder, elegeu o maior número de prefeitos, colhendo os frutos da enorme capilaridade que lhe é proporcionada por sua condição peculiar de federação de grupos de interesses diversos e frequentemente conflitantes. Mas teve que enfrentar o ônus da compreensível impopularidade do presidente Michel Temer, o que manteve o partido fora da disputa em metrópoles maiores e mais politizadas como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O crescimento do PMDB em todo o País, contudo, foi proporcionalmente menor do que o do PSDB e do PSD.

O PSD de Gilberto Kassab, partido que “não é de esquerda, nem de direita, nem de centro”, na célebre definição de seu criador, foi a legenda que elegeu o terceiro maior número de prefeitos. Beneficiou-se, assim, da falta de compromisso de seus candidatos com tudo o que não signifique voto certo, característica populista das velhas raposas da política brasileira. Tornar-se um PMDB é a grande ambição do PSD e de outras legendas populistas que se aglutinam no novo Centrão do Congresso Nacional.

A contundente vitória de João Doria no primeiro turno em São Paulo e o bom desempenho dos tucanos nas principais cidades do interior paulista e em outros Estados sinalizam o potencial fortalecimento do PSDB para as eleições presidenciais de 2018. Até o próximo pleito presidencial, porém, há no caminho dois anos cruciais em que o desempenho da economia vai ditar o comportamento do eleitor brasileiro. A este, no momento, interessa apenas saber quem terá ou não competência para botar ordem no caos criado pelo finado PT.

A derrocada do PT - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/10

Seja devido ao impacto devastador que a Operação Lava Jato tem provocado em figuras proeminentes do petismo —a começar do ex-presidente Lula—, seja por causa do desastroso governo Dilma Rousseff, nada marcou mais as eleições municipais deste ano do que a derrota acachapante do PT.

Partido mais sufragado em 2012, com 17,3 milhões de votos para prefeito, o PT caiu para a quinta posição nesse quesito, com 6,8 milhões, atrás de PSDB, PMDB, PSB e PSD.

Generalizada, a perda de apoio se traduziu em expressiva redução no número de cidades lideradas por petistas. Se a legenda saíra do ciclo de 2012 com 644 prefeituras, atrás apenas de PMDB e PSDB, agora despencou para 256, desempenho pior que o de nove siglas.

Com isso, o eleitorado governado pelo PT na esfera municipal encolheu de 27,6 milhões para 4,4 milhões. Nem se imagine que o segundo turno modificará substancialmente esse quadro. Embora a agremiação esteja em 7 das 55 disputas em aberto, seu candidato mal tem chances na principal, Recife.

Para completar a derrocada, pela primeira vez o partido ficou de fora do segundo turno na eleição paulistana. E mais: com os 16,7% do prefeito Fernando Haddad, o PT teve seu pior resultado ao disputar o comando de São Paulo —até então a marca pertencia a Eduardo Suplicy, com 19,7% em 1985.

Se na maior cidade do país registrou-se o fracasso mais eloquente do PT, aqui também se deu o maior êxito de seu rival. A vitória surpreendente de João Doria Jr, com 53,3% dos votos, simbolizou o sucesso do PSDB na disputa de 2016.

O fortalecimento tucano, contudo, foi muito além do quintal do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sem dúvida o nome que ganhou maior projeção nacional.

Nenhuma legenda conquistou mais votos para prefeito do que o PSDB. Foram 17,6 milhões de sufrágios (ante 13,9 milhões em 2012), com boa margem sobre os 14,9 milhões do segundo colocado nesse quesito, o PMDB (que tivera 16,7 milhões há quatro anos).

O número de municípios comandados pelo PSDB também cresceu, passando de 701 para 793 e podendo chegar a 812.

Embora nesse ponto a liderança do PMDB permaneça inconteste, com 1.029 prefeituras (1.017 em 2012), o partido do presidente Michel Temer pouco aproveitou o vácuo deixado pelo PT. Não apenas isso, a agremiação fracassou em São Paulo e Rio de Janeiro, o que indica os limites do Planalto.

Num cenário de descrédito dos políticos em geral, não surpreendem nem as altas taxas de abstenção verificadas em algumas localidades nem o avanço das siglas nanicas. Pelo que o desfecho das disputas municipais projeta para 2018, quase todos os partidos tradicionais têm bons motivos para rever práticas e costumes.

Nenhum, porém, tem mais motivos do que o PT, justamente aquele que mais se recusa a fazer verdadeira autocrítica —e aquele que, como mostrou a população, mais continuará definhando se não mudar.


Eleitorado pune lulopetismo e políticos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/10

Os esquemas de corrupção montados pelo PT atraíram a ira dos eleitores, e o alto índice de abstenções, votos nulos e brancos é sinal de uma irritação mais ampla



Nas inevitáveis listas de “vitoriosos” e “derrotados” nas eleições de domingo, conquistaram, com louvor, lugar de destaque o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, na coluna dos “ganhadores”, por ter emplacado a sua criação, João Doria, na prefeitura da capital, logo no primeiro turno, e, na turma dos “derrotados”, a dupla Lula-PT, atropelada pelas urnas. O feito de Alckmin não é pequeno. Retirou do bolso o nome de João Doria, empresário bem-sucedido do ramo de eventos, com passagem no longínquo governo do tucano Mário Covas na prefeitura paulista, e o impôs a caciques da legenda. No racha, o vereador Andrea Matarazzo, de longa quilometragem no PSDB, aspirante a candidato, perdeu a disputa interna para Doria, desfiliou-se, foi para o PSD e compôs chapa com a ex-petista Marta Suplicy, no PMDB.

O resultado da vitória retumbante de João Doria (53,3%) é que Alckmin ganha musculatura para disputar o Planalto em 2018. Pelo PSDB ou não. Contra o projeto do presidente do partido, Aécio Neves, cujo candidato à prefeitura de Belo Horizonte, João Leite, foi para o segundo turno. Uma vitória, porém menos vistosa.

A derrota do lulopetismo foi assombrosa, para a legenda e seu carismático líder. No primeiro turno, o PT ganhou apenas uma prefeitura de cidade com mais de 200 mil habitantes, Rio Branco, Acre, com Marcus Alexandre. Até sábado à noite — falta a rodada do segundo turno —, o PT era o décimo partido no ranking do número de prefeituras. Havia ganhado em 256 cidades, tendo perdido o controle de 374 que conquistara em 2012.

Uma derrota avassaladora, agravada pelo fato de o principal adversário, o PSDB, neste primeiro turno, ter praticamente mantido seu peso entre as cidades com mais de 200 mil habitantes — de 15 em 2012, passou para 14. Ao todo, os tucanos ganharam 791 prefeituras, 105 a mais que em 2012. Perdeu apenas para o PMDB.

O lulopetismo foi, além da capital, também varrido do chamado “cinturão vermelho” da Grande São Paulo, marca do PT. Esperava-se, e de fato veio, o troco do eleitorado à legenda, devido à desfaçatez com que o lulopetismo, em nome da “causa”, assaltou o Tesouro por meio da dilapidação de estatais (Petrobras, Eletrobras) e fundos de pensão de funcionários de companhias públicas. Com o inevitável enriquecimento de companheiros. O próprio Lula está enredado na Lava-Jato.

Outro alvo do eleitorado foi o próprio político. Por isso, Doria avançou no eleitorado paulistano como fogo morro acima, e pela primeira vez desde a redemocratização alguém ganhou na maior cidade brasileira no primeiro turno. Era invariável a maneira do candidato se apresentar: “Não sou político, sou gestor”.

Sintonizou-se com o movimento de rejeição da classe política, refletida em elevados índices de abstenções, votos brancos e nulos. No Rio, o bloco dos três foi de 42,5%, quase a soma do vitorioso Crivella e Freixo, a dupla do segundo turno. Ainda no Rio, a abstenção foi a maior desde 1996. Em números absolutos ultrapassou a votação de Crivella. Já os nulos e brancos ganharam dos eleitores do Freixo.

Outro resultado dos números de domingo é que, enquanto a crise na representação política torna o eleitor cada vez menos interessado em votar, ficam mais urgentes mudanças que reduzam a pulverização de legendas.


A enrascada da Colômbia - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 04/10

Apesar das declarações apaziguadoras de ambos os lados, será muito difícil superar a situação criada, pela qual todos, oposição e governo, de uma maneira ou outra, são responsáveis


A vitória do não no plebiscito sobre o acordo de paz assinado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) – conseguido a duras penas e que, apesar de suas imperfeições, abriu as portas para a reconciliação nacional – mergulha o país num clima de incerteza, principalmente porque não se pode excluir a possibilidade de retomada dos combates. Apesar das declarações apaziguadoras de ambos os lados, será muito difícil superar a situação criada, pela qual todos, oposição e governo, de uma maneira ou outra, são responsáveis.

O presidente Juan Manuel Santos assegurou que o cessar-fogo bilateral continuará valendo e que entrará em entendimentos com a oposição que comandou a campanha pelo não: “Todos querem a paz. Convocarei todas as forças políticas para determinarmos o caminho a seguir”. As Farc declaram sua vontade de chegar à paz e “usar somente a palavra como arma”. E a oposição, a começar pelo ex-presidente Álvaro Uribe, o mais obstinado defensor do não, também procura deixar aberta uma porta para a conciliação.

É como se todos, agora que aconteceu o pior, quisessem pôr panos quentes, em vez de reconhecer corajosamente os erros que cometeram. O presidente Santos tem a seu favor a coragem e a sensibilidade de ter percebido tanto que havia chegado a hora de negociar com a guerrilha como que, realisticamente, um acordo perfeito era impossível. Mas cometeu um grave engano ao submeter o acordo – de forma ingênua e bisonha – a um plebiscito, cedendo à tentação politicamente correta de que o povo deve se manifestar diretamente sobre determinadas questões, como se o regime representativo não fosse suficientemente democrático.

Por esse caminho equivocado enveredaram as Farc – compreensivelmente porque de democracia não entendem grande coisa –, mas também a oposição liderada por Uribe. Os observadores mais atentos nunca se deixaram iludir pelas pesquisas de opinião que indicavam vitória ainda que apertada do sim. Saltava aos olhos que, tendo em vista as profundas marcas deixadas por mais de 50 anos de conflito, ao qual não faltaram episódios cruéis protagonizados pelos guerrilheiros, não era sensato exigir de uma maioria ocasional da população – como acontece com as consultas plebiscitárias – uma decisão equilibrada, e sobre questão tão importante.

Apenas 37,4% dos eleitores habilitados votaram, o que significa que os 50,2% que recusaram o acordo representam apenas 18,8% do total dos eleitores colombianos. Um rematado desatino. Como formalmente as regras desse jogo foram respeitadas, o mal está feito e não há como deixar de respeitar o resultado.

Agora não adianta Uribe afirmar, em tom conciliador, estar disposto a conversar com o governo para chegar a um “acordo nacional”. Até porque insiste – com maior força ainda, é claro – em sua proposta de renegociar o acordo “para que não haja impunidade”. Para ele, impunidade é o entendimento a que se chegou de submeter os guerrilheiros culpados de crimes a tribunais especiais, que poderão aplicar penas alternativas à de prisão.

Nesse e em outros pontos não se chegou, é verdade, à solução ideal, mais justa, para quem cometeu ou ordenou crimes graves. Mas é da natureza dos acordos de paz fazer apenas o possível. O que vale é saber se o balanço dos ganhos e perdas compensa. Uribe carrega uma pesada responsabilidade pela complicada situação em que o resultado do plebiscito jogou seu país, como se tivesse se guiado mais pelo ressentimento – seu pai foi uma dos milhares de vítimas das Farc – do que pela razão. Ele soube fazer a guerra – seu governo foi o principal responsável pelas derrotas infligidas às Farc e que as obrigaram a negociar –, mas não a paz.

Todos querem agora tirar a Colômbia da enrascada em que essa sucessão de erros a meteu. Até o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, assustado com a possibilidade de reinício da guerra, promete ajudar. Mas tudo indica que dias difíceis esperam o país.