terça-feira, agosto 02, 2016

O epílogo - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 02/08

Sem dinheiro para viagens, Dilma rascunha carta com proposta ao Senado para comandar um inédito suicídio político coletivo


Acabou o dinheiro. Sem novas fontes de financiamento, Dilma Rousseff se vê obrigada a atropelar o plano feito antes do afastamento da Presidência, interrompendo sua agenda de campanha contra o impeachment.

Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.

Sendo possível, comandaria, então, um inédito suicídio político coletivo (um terço dos senadores, por exemplo, abandonaria os próximos cinco anos de legislatura garantidos em 2014).

Lideraria, também, um autêntico golpe, porque a proposta embute redução à metade — sem consulta prévia — dos mandatos de 513 deputados federais, de 27 governadores e de 1.030 deputados estaduais (desconhece-se o que planeja fazer com os suplentes).

A divulgação da carta está prevista para quarta-feira, 24. Por coincidência, nesse dia completam-se 62 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, como era biblicamente qualificado por sua seção de propaganda, em tentativa de recauchutar-lhe a imagem de ditador.

Se confirmadas as previsões, quando setembro chegar Dilma estará destituída do cargo de presidente. Numa ironia da história, vai à galeria presidencial ladeando Fernando Collor, cujo processo de impedimento (por corrupção) começou numa primavera de 24 anos atrás, embalado pelo PT de Lula que então se apresentava como único partido ético do país.

Há meses, ela alimenta a ilusão de que não poderia ser ser punida com o impeachment. Propaga a honestidade, em contraste, repetindo por onde passa: “Eu não recebi dinheiro de propina, eu não recebo dinheiro de corrupção”. Até agora, ninguém apresentou prova contrária.

A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua — foi dessa forma que o líder a impôs como sucessora. Por isso, entende o impeachment como “golpe”.

A legislação sob a qual está sendo julgada foi promulgada em abril de 1950, dois anos e quatro meses depois que Dilma saiu da Maternidade São Lucas, em Belo Horizonte. Ela prevê submissão de governantes a processo por crimes de responsabilidade — “ainda quando simplesmente tentados”, define —, em atos contra a Constituição “e especialmente contra (...) a lei orçamentária, a probidade na administração, a guarda e o legal emprego dos dinheiro públicos”.

Pode-se argumentar juridicamente sobre conceitos de orçamento, probidade e zelo pelo Erário, como fez na sua legítima defesa de mais de 500 páginas, que hoje devem ser refutadas pelo relator do processo no Senado.

O problema de Dilma continua sendo o fato de que, impondo-se na vida privada uma disciplina quase militar, só admite a hierarquia das próprias decisões. Aparentemente, escapou-lhe a compreensão de que no setor público só é permitido aos servidores fazer aquilo que a Constituição e as leis permitem expressamente.

No epílogo, seria carta fora do baralho até completar 73 anos, em 2022.


Fora das hipóteses legais... - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 02/08

O projeto de lei que busca coibir o abuso de autoridade por parte de juízes, promotores, policiais e outros servidores públicos tem dois problemas e algumas virtudes. O primeiro vício é de origem. A proposta passou pelo gabinete de Renan Calheiros, enroladíssimo com a Lava Jato. Não pega bem que investigados mexam em regras que podem afetar as investigações —mesmo que o PL seja no geral bom.

A segunda dificuldade é a mais grave. O artigo 9º do PL torna crime "ordenar ou executar a captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades". A redação é ligeiramente diferente da norma hoje em vigor, a lei nº 4.898/65, que considera abuso de autoridade a prisão "sem as formalidades legais ou com abuso de poder".

Se o diploma mais antigo não diz muita coisa —abuso de autoridade é definido como abuso de poder, que não recebe nenhuma definição—, a proposta atual avança demais. Ela permite que o magistrado responda criminalmente por interpretar a lei, caso a sua leitura seja diferente da hermenêutica do órgão hierarquicamente superior. Se o que está "fora das hipóteses legais" fosse assim tão óbvio, não precisaríamos de juízes humanos, que poderiam ser trocados por programas de computador.


Gostemos ou não, uma lei que diz que o magistrado precisa necessariamente acertar no mérito de suas decisões ou não será aplicada —hipótese mais provável—, ou inviabiliza as instâncias iniciais da Justiça. Lamentavelmente, é preciso restringir a regulação da atividade jurisdicional a seus aspectos mais formais.

De resto, o grosso do PL traz dispositivos bastante razoáveis e necessários para coibir abusos principalmente por parte de policiais, que, sabemos, ocorrem às pencas.

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PS - Lanço nesta terça (2), na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, o livro "Pensando bem...". Quem estiver à toa e quiser aparecer será bem-vindo.

Para inglês ler - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 02/08

Toda a solidariedade à delegação da Austrália, que enfrentou canos entupidos, tentativa de roubo de equipamentos de TV, roubo efetivo de laptops, ameaça de incêndio..., mas, se australianos, japoneses e marcianos têm lá seus motivos para botar a boca no mundo contra a Olimpíada e o Brasil, os brasileiros bem que podem tentar mostrar o outro lado, o que há de bom, correto e elogiável. Acreditem, há!

O Rio é maravilhoso, as imagens aéreas da Vila Olímpica são muito bonitas e as obras feitas são impressionantes: 150 km de BRT, 18 km de metrô, renovação do Porto Maravilha, todo o complexo de Marechal. Ok. Tem pia entupida, lâmpada queimada, limpeza a desejar numa unidade ou outra, mas daí a dizer que tudo é uma porcaria?

“É um legado extraordinário”, disse o prefeito Eduardo Paes à coluna, há duas semanas, quando nem a Olimpíada nem as reclamações das delegações haviam começado. A principal preocupação dele era evitar a qualquer custo uma comparação entre Copa e Olimpíada, com uma competição de sobrepreços, problemas, principalmente do legado.

Goste-se ou não dele (que é do tipo peixe, que morre pela boca), Eduardo Paes é um gestor determinado e incansável, que acorda cedo, vistoria tudo e vive uma cruzada para neutralizar as versões negativas. Dá entrevistas de manhã, à tarde, à noite e não para de, além de falar, também mostrar o lado positivo da realização do maior evento esportivo do planeta na “sua” cidade, a “Cidade maravilhosa”.

Segundo relatos de engenheiros do Complexo de Marechal, é raríssimo ver obras tão grandes concluídas a tempo e... sem aditivos. Em geral, a previsão do preço da obra é “x” e, no fim, depois de vários aditivos para garantir os desvios, ela sai por várias vezes “x”. Mas consta que, na Olimpíada, não tem sido assim. A ver, porque investigações não faltarão.

Paes diz que eram 17 projetos originalmente, mas ele está entregando 27, “mais do que o prometido, e não tem uma só obra que esteja fora do prazo, ou com suspeita de superfaturamento”. Isso, enfatiza, é “exclusivo”. E a indecente poluição da Baía de Guanabara, que tanto estrago causa na imagem do Brasil? Resposta dele: “Isso era com o governo do Estado”.

Uma coisa que deixa Eduardo Paes particularmente incomodado é a versão de que o Brasil está em crise e o Estado do Rio atrasa até salário, mas a Olimpíada consome fortunas e vai deixar vários esqueletos espalhados pela cidade. “Não tem elefante branco”, garante. Além disso, 60% das obras foram feitas com dinheiro privado, o que é um índice maior, por exemplo, do que o da Olimpíada de Londres, meca do capitalismo.

E sai enfileirando as obras e o que acontecerá com elas após os jogos: bem, o BRT, o metrô, os museus e o Porto Maravilha dispensam explicações; o estádio aquático pode ser desmontado, “como um lego”, e ser instalado em áreas e comunidades pobres; parte do Complexo de Marechal será destinado a treinamento das Forças Armadas. Mas essa dinheirama não faz falta para educação e saúde? Para o prefeito, essa discussão é “neurótica, histérica, burra” e ele rebate: “Nesses oito anos, a prefeitura gastou R$ 732 milhões em estádios e equipamentos e R$ 65 bilhões com educação e saúde. Dá 1%”.

Mais do que o prefeito falando, porém, há de se reconhecer que o Rio passou por uma revolução por causa da Olimpíada. Amigos e familiares cariocas dizem que a cidade está limpa, organizada, fiscalizada e... linda. Uma parente, aliás, estava indo do sul da Bahia para o Rio quando o carro quebrou no meio do nada. O jeito foi pegar um ônibus. E qual não foi a surpresa? O banheiro da Rodoviária Novo Rio estava um brinco, até cheiroso. Para gringo, isso não é nada, mas, para brasileiros em geral e cariocas em particular, já se trata de uma revolução e tanto!


Velhas perguntas e velhas respostas - ARNALDO JABOR

O GLOBO - 02/08

Não aguento mais falar de escândalos e punições. A política está tão despedaçada quanto nossas cabeças. A mutação dos últimos anos foi tão forte, a revolução digital foi tão completa no mundo pós-industrial, que dissolveu crenças e certezas. Caímos num vácuo de rotas. Não há uma clareza sobre a pós-modernidade – como viver sem esperanças?

Perdoem meu pobre “papo cabeça”, mas eu estou preparando um novo filme e vejo como é difícil criar sem finalidade alguma, pois todo pensamento tem o desejo de conclusão, um desejo de certeza.

Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett: que saudade “das velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... Tipo “something wicked this way comes”, ou “vem bode por ai...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.

Hoje, num mundo inexplicável, na impossibilidade de representação do real, surgem novas formas de linguagem dramática. No cinema brasileiro, já temos uma tendência mais documental sobre a vida, sobre quase nada, onde o enredo e os resquícios de sentido aparecem imperceptivelmente nas entrelinhas das cenas. São excelentes filmes que traçam um novo caminho autoral, como “Boi Neon” e “O Som ao Redor”. Eles sabem que a arte “não é o reflexo da realidade, mas a realidade do reflexo”, como falou Jean-Luc Godard, o primeiro a destroçar a caretice do cinema de Hollywood.

Mas, mesmo em filmes menores, na falta das grandes narrativas do passado, estamos a procurar irrelevâncias, porque podem ser as pistas para novas “verdades”.

Essa é a dificuldade: como falar de singularidades se sonhamos sempre com conceitos universais? Em geral, recorremos às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard: “não há mais universais; só o singular e o mundial”.

As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas. Por exemplo: “futuro”. Que quer dizer? Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da incerteza e do sofrimento. Antes, havia debates para ver quem “tinha razão”. Hoje, todos têm razão, e ai daquele que criticar tendências, em nome de paradigmas seculares da arte. As tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras diante da cachoeira de produções que navegam no ar. A busca da beleza é, muitas vezes, considerada um individualismo autoritário.

Com a libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente, a busca de profundidade foi substituída por um vale-tudo formal em que a inteligência é substituída pela sacralização das irrelevâncias massificadas. Também, por outro lado, cresce uma arte confessional que busca no inconsciente dos artistas alguma forma de verdade. Assim, a antiga aura deslizou da obra para o próprio autor – o assunto é ele mesmo. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o fluxo da consciência, “the stream of consciousness”, ou até o discurso psicótico, encerrava uma “sabedoria” insuspeitada.

Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas ou em euforia ingênua por um admirável mundo novo em que todos seriam autores e leitores. Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Repito que, talvez, esse excesso de irrelevâncias esteja produzindo um acervo de conceitos relevantes, ainda despercebidos.

Talvez esteja se formando uma nova força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal futuro chegou; grosso, mas chegou.

Estamos numa fase da exaltação da quantidade, como se a profusão de temas e criações substituísse a velha categoria da qualidade. Agora, não há futuro; temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura”, que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía de algum modo. Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Media.

Vivemos o pânico do presente. Configurou-se o vazio do sujeito, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude que sempre tentamos esquecer. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Mas, o que será considerado importante? Será que houve a morte da importância? Ou ela seria justamente essa explosão de conteúdos e autores? O importante seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é importante, nada o é.

O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas é o inicio de uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.


Temer numa encruzilhada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/08

Só há uma chance de o presidente interino, Michel Temer, ganhar condições de ser um candidato competitivo à reeleição em 2018: fazer um governo tão bom que leve os partidos da sua base política a apoiá-lo, forçados pelo clamor da sociedade.

Ele não conseguirá isso, no entanto, tornando o populismo barato a sustentação de seu governo, mas, ao contrário, sendo o presidente de que o país precisa neste momento: austero, rigoroso, adotando medidas até mesmo impopulares quando necessário, mas que serão reconhecidas no futuro como fundamentais para nosso desenvolvimento.

Só assim conseguirá convencer os investidores de que estamos no rumo certo, e dará o tom da campanha presidencial de 2018. Governando com os olhos na reeleição, Temer pode até tornar-se momentaneamente popular, criando condições até para se reeleger, mas estará legando a si próprio um país quebrado e ingovernável.

O exemplo mais evidente é o ex-presidente José Sarney, que teve momentos de glória nacional no Plano Cruzado, elegeu todos os governadores do PMDB, foi um garantidor da democracia num momento difícil, mas teve que lidar com as consequências da derrocada econômica ainda no seu governo.

Há sinais preocupantes de que o interino Temer pode continuar, confirmado no cargo, a fazer concessões ao corporativismo e às chantagens, explícitas ou não, de categorias profissionais com capacidade de pressão. Se até ser confirmado pode ser compreensível, embora criticável, essa leniência com os gastos públicos, depois será apenas uma confirmação de que Temer não tem visão de estadista, e representa mais do mesmo.

A crítica vale também para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com ambições políticas conhecidas, que tem sido muito compreensivo com as decisões excessivamente pragmáticas do governo que integra.

Se Meirelles abrir mão de representar a austeridade governamental em busca de popularidade, numa disputa surda com o presidente Michel Temer, o país estará em perigo. Sair de uma populista de esquerda para um populista de centro-direita não é a solução de nossos problemas.

A carreira política de Michel Temer tem seu ápice na Presidência de transição que lhe caiu no colo, o que deveria contentá-lo, e cabe a ele entrar para a História brasileira como um presidente visionário que preparou o país para o futuro, ou mais um populista que só tinha o objetivo de não largar o poder.

Por isso é completamente despropositado o debate sobre se Temer deve ou não competir em 2018. Como não foi ele quem lançou a ideia, mas o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ainda há uma margem de dúvida sobre a declaração: se foi apenas um erro político de Maia ou um balão de ensaio para ver a reação da opinião pública e, sobretudo, de seus aliados.

Não foi à toa, portanto, que o presidente interino telefonou para o senador Aécio Neves, presidente do PSDB e candidato potencial à sua sucessão em 2018. Entre os pontos que os tucanos destacaram para apoiar Temer, estão as reformas estruturais, muitas delas impopulares como a da Previdência e a trabalhista, e a garantia de que Temer não concorreria em 2018.

O desmentido verbal foi mais enfático do que o da nota oficial, em que Michel Temer diz apenas que não cogita ser candidato. Como ele mesmo destacou quando mandou uma carta queixosa à então presidente Dilma, as palavras voam, os escritos permanecem, e os indícios são de que não foi por acaso que o presidente interino escolheu uma fórmula mais nebulosa para negar por escrito sua intenção de concorrer à reeleição em 2018.

Temer, assim como Sarney e Itamar, ganhou a chance de presidir o país que normalmente não teria no decorrer de sua vida política. Se governar como se não houvesse reeleição, pode entrar para a História e, quem sabe, até mesmo, subsidiariamente, criar condições de se reeleger.


Temer virou vidraça - FERNANDO EXMAN

VALOR ECONÔMICO - 02/08

Mesmo que em menor número do que no passado recente, milhares de pessoas voltaram no domingo às ruas de diversas cidades do país para defender ou criticar o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Desta vez, com uma diferença significativa: nunca antes o nome de Michel Temer havia sido colocado, abertamente e por seus próprios aliados, como um presidente já pré-candidato à reeleição. Embora ainda no cargo de forma interina, Temer, a partir de agora, deve acostumar-se com o papel de vidraça.

Como era de se esperar, o pemedebista apressou-se a reafirmar que não tentará permanecer no cargo. Não só devido ao fato de que a eleição de 2018 está distante, mas porque declarações anteriores suas a respeito do assunto viabilizaram a construção de uma ampla base de apoio ao afastamento de Dilma da Presidência da República e à tramitação de medidas que certamente gerarão insatisfação em diversas parcelas da população. Mas o movimento causou tanto desconforto em alas da coalizão governista, sobretudo no PSDB, que Temer precisou voltar a agir em reunião com líderes partidários.

Até agora, o pemedebista tem conseguido descolar sua imagem da mal avaliada administração Dilma. Entre os manifestantes de domingo favoráveis à interrupção do mandato da petista, foram pontuais as menções a Temer. Ele é visto ora como um mal menor, mas necessário para tirar o PT do Palácio do Planalto, ora como mais um integrante da famigerada classe política. No entanto, os ataques ao presidente interino limitam-se à frente de esquerda contrária ao impeachment de Dilma Rousseff.

Sem as presenças da presidente afastada e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Olimpíada, Temer acabará tendo que dividir na sexta-feira as eventuais vaias dos espectadores apenas com as autoridades fluminenses. Fora do estádio do Maracanã, contudo, será o principal alvo da Central Únicas dos Trabalhadores (CUT) e outras entidades da frente que realizará protestos no Rio de Janeiro e em outras capitais.

A expectativa de dirigentes de movimentos sociais e sindicatos é que esse cenário mude de vez quando Temer levar adiante projetos que alterem as regras da Previdência Social ou a legislação trabalhista. Uma mobilização nacional em defesa do "emprego, direitos e da Previdência Social" foi marcada pelas principais centrais sindicais para o dia 16 de agosto, depois da sinalização do governo de que tais mudanças já estão sendo preparadas pela equipe econômica.

Além da reforma da Previdência, estão em elaboração propostas que regulamentam a terceirização, permitem a flexibilização dos contratos de trabalho, mudam normas de segurança na operação de máquinas e equipamentos e viabilizam acordos coletivos de propósito específico que se sobreponham à legislação - medidas que, na avaliação de autoridades do governo, teriam impactos positivos na produtividade e nos custos de produção no país.

Todas são esperadas pelos empresários, mas devem enfrentar resistência dos sindicatos. Restará a Temer e sua equipe tentar reduzir os obstáculos impostos pelas entidades que consideram legítimo e estão abertas ao diálogo com o seu governo. Essa investida deve começar pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Força Sindical, duas das maiores centrais brasileiras e que têm ligações diretas com partidos da base de Temer - PSD e SD, respectivamente. Até agora, elas não dão sinais públicos de que aceitarão as propostas do Executivo sem briga.

O embate entre políticos citados em denúncias de corrupção, investigadores e juízes não é novo. Tampouco uma singularidade do Brasil.

Na Catalunha, por exemplo, há cerca de duas semanas um integrante do Ministério Público local foi às manchetes dos jornais depois de cobrar, numa comissão parlamentar que discutia medidas de combate à corrupção, que os políticos implicados em denúncias deveriam renunciar em vez de se esconderem atrás de processos judiciais. "Neste país temos que aprender a renunciar, apesar que se possa, ao final, ser injusto, porque ninguém disse que a política tem que ser justa", afirmou Emilio Sánchez Ulled, também conhecido por combater irregularidades no mundo do futebol.

A um oceano de distância da dramaticidade das palavras do fiscal anticorrupção catalão, promotores, procuradores, juízes e policiais federais brasileiros tentam evitar que avance no Congresso o projeto de lei que visa coibir o abuso de autoridade. É um tema que, se tratado de forma genérica e teórica, dificilmente encontrará opositores - uma vez que o cidadão comum convive cotidianamente com casos do tipo. Os detalhes do projeto, no entanto, preocupam quem está na linha de frente no confronto com corruptos e corruptores.

Um dos pontos criticados é o trecho que permite um investigado processar, no privado, quem tenta esclarecer fatos. Ele é visto como um potencial instrumento para intimidações.

Um dos principais entusiastas do projeto é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relatório está a cargo do senador Romero Jucá (PMDB-RR). O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal(STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também apoia a iniciativa.

A proposta remete ao pacto republicano fechado em 2009, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando Gilmar Mendes estava à frente do STF. A principal operação policial do país era a ruidosa Satiagraha. José Sarney comandava o Senado e o hoje presidente interino Michel Temer, a Câmara.

Os anos se passaram, os personagens de então assumiram diferentes papéis e o projeto continua a tramitar no Congresso. A recente decisão do ex-presidente Lula de ir às Nações Unidas contra os responsáveis pela Operação Lava-Jato dá uma ideia das possíveis consequências da proposta - um prato cheio para quem eventualmente quiser, como disse o promotor catalão, esconder-se atrás de processos judiciais.


O PLP 257 e o resgate de conceitos básicos - ANA CARLA ABRÃO COSTA

ESTADÃO - 02/08

É preciso definir prioridades e exigir eficiência na gestão dos recursos públicos


Ouvi recentemente a definição de que o governo Michel Temer é um governo “vintage”. Nada mais adequado se considerarmos que isso significa a volta aos conceitos básicos, aqueles que são atemporais e definem os alicerces e as práticas que sobrevivem a modismos e experimentos nem sempre bem-sucedidos.

Podemos colocar na categoria “vintage” o realismo fiscal e as ações de controle de gastos; a volta a uma política econômica liberal e o abandono do desastre que foi a “nova matriz econômica”; a agenda de privatizações, que tomou o lugar das “desestatizações” envergonhadas do governo afastado; o resgate da responsabilidade fiscal e, no campo político, a relação com o Congresso Nacional, em que governo é governo e projeto de governo tem apoio da base do governo. Básico, não? Pois não era assim até pouquíssimo tempo atrás.

Ainda nesse conjunto, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 257 surge também como uma volta ao básico. Embora tenha sido alçado ao conhecimento público como o projeto que perdoa a dívida dos Estados com a União, ele vai muito além.

Os entes subnacionais entraram em colapso, informação que deixou de ser novidade depois que as mazelas de Estados emblemáticos como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul ficaram conhecidas em rede nacional. Dentre as medidas de socorro surgiu um acordo entre União e Estados, em que a renegociação das dívidas ganhou relevância, mas o que de fato importa, que é a necessidade de um ajuste estrutural nas contas dos Estados, passou quase que despercebido. Afinal, todos se concentraram em criticar (mais ou menos acertadamente) a irresponsabilidade fiscal dos governos estaduais, sem se aprofundar no que o projeto tem de mais relevante, que são as contrapartidas de ajuste e as correções no conceito de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Parte-se da constatação de que o problema dos Estados não é de endividamento, e sim do atual patamar de gastos correntes. Estes crescem historicamente acima da inflação e, mais grave, acima da taxa de crescimento das receitas. A conta é simples: se os gastos – em particular os de pessoal – aumentam acima do crescimento das receitas e se, adicionalmente, as receitas param de crescer, é natural que, mais cedo ou mais tarde, as despesas superem as receitas. Estamos no mais tarde, isso já aconteceu há muito na maioria dos Estados brasileiros e ficou mais evidente a partir da frustração de receitas extraordinárias e ordinárias que passamos a enfrentar desde o início de 2015.

Voltemos, então, aos conceitos. Os Estados sofreram colapso semelhante na década de 1990, quando então se partiu para a renegociação das dívidas com a União, culminando na Lei de Responsabilidade Fiscal, editada em 2000. Um dos objetivos da LRF era evitar uma nova crise fiscal dos entes subnacionais e para isso um dos pilares foi a definição de um teto para o comprometimento da receita com despesas de pessoal. A ideia é simples: há que limitar os gastos com pessoal para que sobrem recursos para investimentos e custeio da máquina pública.

Afinal, de que servem médicos se não há remédios ou hospitais minimamente equipados? Ou policiais sem viaturas ou equipamentos de segurança e armas? Ou professores sem escolas, ou dando aulas para alunos sem merenda, ou sem alunos por falta de transporte?

Não foi, portanto, por arbitrariedade do legislador, ou pura e simples maldade ou malquerença em relação aos servidores públicos – e menos ainda para evitar o desenvolvimento de instituições fundamentais como o Judiciário, o Ministério Público ou a Defensoria Pública – que se definiu um teto para as despesas de pessoal. Ao contrário, foi para que se exigisse uma gestão eficiente de recursos que são escassos (sim, os recursos públicos também o são!). Esse teto foi então estipulado em 60% para o caso dos Estados e distribuído entre os diversos Poderes de forma a que cada um tenha de atender a seu limite máximo.

Ao longo do tempo, contudo, o que se observa é que os Estados, legitimados pelos Tribunais de Contas, têm driblado esse teto ao criar despesas de pessoal fora dos conceitos da LRF. Auxílios de toda sorte, verbas indenizatórias e até mesmo despesas com pensionistas e o Imposto de Renda sobre a folha de pessoal têm sido considerados como “outras despesas”, sendo excluídas dos limites da LRF.

O que o PLP 257 faz é aprimorar o conceito e incluir essas despesas dentro dos limites, dando aos Estados – e a todos os Poderes – o prazo de dez anos para se reenquadrarem nos limites originais. Adicionalmente, esse projeto estabelece um controle para o aumento das despesas correntes, a exemplo do que faz a proposta de emenda constitucional (PEC) dos gastos. O objetivo é garantir que, passados os 24 meses de carência, os Estados consigam arcar com o serviço das dívidas – e não tenham consumido esse espaço com novas despesas obrigatórias, o que invariavelmente nos levará novamente à mesa de negociação em 2018.

Logo, é descabido o argumento de que haverá um desmonte da Lava Jato ou demissões em massa nos Poderes autônomos como consequência da aprovação do PLP 257. Há que voltar ao básico e levantar a questão da forma certa – com base nos números corretos: se estamos gastando, 75%, 80%, 85% das nossas receitas com despesas de pessoal e não têm sobrado recursos para garantir condições de trabalho aos milhares de servidores públicos, tampouco para investimentos básicos, é preciso refazer o debate.

E esse debate passa pela definição de prioridades e por exigir eficiência na gestão dos recursos públicos, inclusive no que se refere a recursos humanos. Essa é a única forma de garantir a sustentabilidade dos direitos adquiridos pelos servidores e a solidez institucional dos diversos Poderes. Há aí uma agenda que precisa ser aberta. Mas não será escamoteando os números e fingindo que o problema não existe que conseguiremos reverter o desequilíbrio atual e fazer o debate necessário.

* ANA CARLA ABRÃO COSTA É DOUTORA EM ECONOMIA PELA FEA-USP, SECRETÁRIA DE ESTADO DA FAZENDA DE GOIÁS

Lula réu - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 02/08

Para um ator político tão celebrado —em outros tempos— por sua argúcia e senso de oportunidade, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem colecionado série estonteante de erros e reveses. Com tantos tropeços, será surpresa se chegar a 2018 com sua candidatura de pé, como deseja.

Alguns dirão que a sucessão de embaraços nada mais é que o corolário de sua manobra mais desastrada, a escolha do "poste" Dilma Rousseff para concorrer a sucedê-lo no Planalto. Com a presidente afastada a ponto de sofrer a confirmação do impeachment, Lula estaria a debater-se para lustrar a própria biografia, ao menos perante a minguada torcida petista.

Isso explicaria, talvez, a retomada de peregrinações saudosistas a remanescentes de popularidade lulista, como o Nordeste. Bem mais difícil seria aplicar tal racionalização à canhestra iniciativa de denunciar o juiz Sergio Moro ao Comitê de Direitos Humanos da ONU por suposta violação de direitos.

A eficácia jurídica do gesto teatral é zero. Mesmo que o comitê desse razão a Lula, algo para lá de improvável, expediria quando muito recomendações inócuas ao Judiciário brasileiro. De certo, colheria só a antipatia da corporação de magistrados nacionais —o proverbial tiro no próprio pé.

Coincidência ou não, as labaredas produzidas pelo recurso internacional logo arrefeceram sob uma enxurrada de água fria com a elevação de Lula à categoria de réu. Não em Curitiba nem pelo algoz indigitado (Moro), mas por um juiz federal de Brasília, que considerou suficientes os indícios de tentativa de obstrução da Justiça no petrolão.

Recebimento de denúncia por um juiz não implica que haverá condenação, verdade; no plano político e eleitoral, contudo, não é fardo leve para se carregar. E Lula já conta com farta bagagem a onerá-lo no trajeto até 2018, do mensalão às nebulosas transações imobiliárias em Guarujá e Atibaia.

Por essas e outras, o ex-presidente amarga um índice de rejeição de 46% em pesquisa Datafolha realizada em meados de julho. É o pior desempenho entre possíveis candidatos na eleição presidencial.

O prestígio declinante de Lula ainda o levaria ao segundo turno, hoje. Mas, com tantos eleitores recusando-se a votar nele, para uma derrota quase certa, a prevalecerem as intenções ora indicadas.

Ele sai atrás em vários cenários sondados. Em dois deles, com desvantagem fora da margem de erro.

Mesmo revelando-se, ao final, um estrategista desajeitado, Lula nunca perderá o vezo do cálculo político. Não será surpresa se, acossado pela Justiça, o ex-presidente chegar à conclusão de que seu crédito eleitoral se esgotou.


Riscos globais tornam mais urgentes reformas no país - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/08

Ameaças à integração econômica alimentam a desconfiança corporativa. Brasil precisa encarar de uma vez por todas os dilemas que travam sua modernização

A divulgação na sexta-feira passada do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre do ano evidenciou sinais contraditórios sobre a recuperação da maior economia do mundo, que ainda sofre os efeitos da crise financeira global de 2008. Pelo lado positivo, os dados mostraram um crescimento robusto (4,2%) no consumo das famílias americanas — item que representa dois terços do cálculo do PIB —, sugerindo aumento na geração de emprego, maior acesso ao crédito, aumento salarial e do patrimônio.

Mas nem tudo são flores. O relatório mostra igualmente que as empresas permanecem tímidas em seus investimentos, e com estoques acumulados, fator preocupante, a ponto de ofuscar o peso do consumo das famílias no cálculo do PIB. A desconfiança do setor corporativo, que se traduz na ausência de investimentos em contratação de pessoal e em novas fábricas e equipamentos, representa atualmente talvez o maior desafio à recuperação econômica — dos EUA e do mundo.

Ela se alimenta de temores que extrapolam o campo financeiro. Antes de decidir investir, os empresários olham não só para a solidez fiscal da economia, a segurança jurídica e os níveis de corrupção, mas também para aspectos geopolíticos, como a instabilidade provocada pela violência extremista, crise política e a crescente retórica populista de ultranacionalistas, cujo exemplo mais grave foi a decisão do Reino Unido de abandonar a União Europeia, o Brexit.

No caso americano, a previsão média entre os investidores indicava que o PIB alcançaria algo em torno de 2% no período e não o índice de 1,2% registrado, permanecendo ainda perto do tíbio crescimento do primeiro trimestre, de 0,8%. Diante da desconfiança dos empresários, os analistas concluíram que o Federal Reserve (Fed) acertou ao manter a taxa básica de juros da economia inalterada em sua última reunião.

O banco central americano tem a difícil tarefa de calibrar, com sua política monetária, os estímulos à economia sem precipitar pressões inflacionárias. Mas, com a economia mundial integrada, uma decisão do BC americano tem efeitos que não se restringem à economia do país. A decisão do Fed, assim, representou mais tempo para que os países emergentes reorganizem as finanças para estimular e atrair investimentos, financeiros e empresariais. Um medida urgente, pois o ciclo de aumento de juros pode ser retomado pelo Fed a qualquer momento.

A desconfiança do setor corporativo, portanto, atinge a economia global como um todo. E no Brasil, apesar do colchão das reservas internacionais, há agravantes que tornam ainda mais urgente que o país encare seus dilemas e faça o dever de casa. Isto significa aprovar de uma vez por todas as reformas estruturais da economia, em especial a da Previdência, a trabalhista e o teto das despesas, desarmando a bomba-relógio cuja explosão atingirá as futuras gerações.

O perseguido vira réu - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 02/08

Pelo andar da carruagem, Lula pode ir preparando novos habeas corpus preventivos



Na quinta-feira passada Lula da Silva foi se queixar à ONU de que está sendo perseguido no Brasil pelo juiz Sérgio Moro. Se tivesse esperado mais algumas horas, poderia ter incluído na reclamação o juiz substituto da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, Ricardo Leite, que teve a ousadia de, na sexta-feira, transformá-lo em réu por tentativa de obstruir investigação da Lava Jato. O chefão do PT perdeu, assim, uma excelente oportunidade de enriquecer a fabulação apresentada à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e ao mundo, de que está sendo vítima de uma conspiração da Justiça brasileira e outras forças do mal para impedir seu retorno à Presidência da República em 2018. O ex-presidente que logrou a proeza de conciliar a condição de protetor universal dos fracos e oprimidos com a de amigo do peito de banqueiros, empreiteiros e oportunistas de outras extrações, foi pego de surpresa por sua estreia na condição de réu, mas tentou disfarçar fazendo troça: “Se o objetivo é me tirar de 2018, isso não era necessário. A gente poderia escolher outro candidato”.

Pelo andar da carruagem, Lula pode ir preparando novoshabeas corpus preventivos como o que tentou criar à custa da ONU, bem como outras tiradas de pretenso humor para mostrar que nada o faz perder a pose, porque a denúncia do juiz de Brasília que o tornou réu pode ser a primeira de uma série que faria jus a sua bem-sucedida carreira de chefão da quadrilha que nos últimos anos se dedicou a assaltar os cofres públicos como nunca antes na história deste país.

O exemplar trabalho de investigação criminal simbolizado pela Operação Lava Jato está na iminência de corrigir a enorme injustiça cometida pelo julgamento do mensalão. Naquela época, colocou-se na cadeia apenas o estado-maior do escândalo de corrupção, poupando-se o verdadeiro chefe da quadrilha, que passou a dedicar-se a projetos mais ambiciosos, como o petrolão.

Se existe hoje alguma unanimidade entre os brasileiros, é a de que a corrupção é o maior problema do País, até porque está na raiz do descontrole das contas públicas que precipitou a recessão econômica com todas as nefastas consequências sociais. A corrupção, que era renitente, mas episódica, atingiu nos governos petistas nível sem precedentes. A Lava Jato o comprova.

Mas é a corrupção dos valores políticos, imposta pelo populismo irresponsável do lulopetismo, a razão principal do desastre que o País vive. Com seu verbo fácil e sedutor embalado pelo marketing social de programas de grande apelo popular, mas, como restou provado, sem sustentabilidade econômica, Lula conseguiu por alguns anos manter a pose de campeão das causas populares e vender no exterior a versão de que tinha acabado com a fome e as desigualdades no Brasil.

Megalômano e, como tal, apegado às aparências – marca inconfundível do populismo –, Lula dedicou-se à construção de um país à sua imagem e semelhança: um gigante com pés de barro. Avesso ao estudo, ao qual jamais se dedicou, guiou seus passos pela intuição e sensibilidade, que deram substância a sua condição de político esperto, e transferiu para seus principais programas de governo os valores que cultivou ao longo de sua formação.

Como líder sindical, aprendeu que não é o entendimento, mas o confronto, que garante conquistas. E passou a aplicar esse princípio vida afora, dividindo o País entre “nós” e “eles”.

Como presidente, enquanto tecia uma teia de relacionamentos que viriam a pavimentar sua própria escalada social, Lula tratou de oferecer aos brasileiros de baixo poder aquisitivo aquilo que entendia que eles mais precisavam: crédito farto e fácil. Quando a farra acabou, os “milhões de brasileiros que ascenderam à classe média” se deram conta de que haviam comido todo o peixe e não sabiam como pescá-lo.

Por esse crime Lula já está pagando com a vertiginosa queda de seu prestígio popular. Pelos previstos na lei penal, terá que se haver com a Lava Jato.