domingo, setembro 18, 2016

Desconforto - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/09

SÃO PAULO - Nos anos 80, quando eu fazia a cadeira de grego clássico na USP, havia uma aluna evangélica. Numa prova, não lembro bem em qual semestre, nos foi dada a tarefa de traduzir para o português um texto que falava de Zeus, Hera e outros deuses pagãos. A estudante se recusou a fazer o teste, alegando que escrever aqueles nomes "nojentos" ia contra sua religião.

Nossa professora, a excelente Isis Borges da Fonseca, em seu estilo sempre sem papas na língua, disparou: "então, você vai tirar zero". A ideia aqui é que alguém que se dispõe a estudar o idioma e a civilização gregos não pode se negar a ser exposto à cultura helênica, que, obviamente, inclui os deuses olímpicos.

Esse episódio me veio à memória ao ler uma reportagem sobre a polêmica desencadeada pela Universidade de Chicago que enviou uma carta de boas-vindas aos calouros deste ano em que os advertiu de que não devem esperar um ambiente politicamente correto (PC).

A missiva, assinada pelo diretor Jay Ellison, afirma que a universidade não apoia os chamados "trigger-warnings", isto é, os alertas que precedem textos cujos conteúdos possam ser tidos como inadequados, não desconvida palestrantes que tratem de temas controversos e não está comprometida com a criação de "safe spaces", espaços seguros em que os estudantes podem isolar-se de ideias com as quais não concordam.

Como já escrevi aqui, não sou daqueles que têm horror ao PC, que eu considero o efeito colateral de um movimento civilizatório. É positivo que estejamos cada vez mais preocupados com direitos de minorias, mas isso não nos autoriza a censurar discursos que não partilhem desses valores nem a poupar estudantes do contraditório. Assim como, 30 anos atrás, dei razão a Isis, agora dou razão à Universidade de Chicago. O crescimento intelectual exige o confronto de ideias -o que inevitavelmente causa desconforto.

O império da mentira - LOURIVAL SANT’ANNA

ESTADÃO - 18/09

A onda de populismo que arrasta as democracias ocidentais está relacionada às transformações tecnológicas, que têm relegado a fatias importantes da sociedade trabalhos de pior qualidade, como é o caso no deslocamento do setor industrial para o de serviços. Nos países desenvolvidos, pela primeira vez desde a 2.ª Guerra, pais não se sentem reconfortados com o fato de que seus filhos terão uma vida melhor que a deles. Pelo contrário. Assim como ocorre dentro de sua própria geração, têm a sensação de que as coisas vão piorar, de que será mais difícil encontrar um bom trabalho.

No caso dos EUA, em que a renda familiar corrigida da classe média é a mesma dos anos 60, a simples estagnação já é percebida como retrocesso, já que as necessidades de hoje, com saúde, educação e o consumo em geral são infinitamente maiores que as de meio século atrás.

Tudo isso, por si, não seria suficiente para engendrar a onda de populismo. Se houvesse espaço para uma troca efetiva de informações e argumentos, os políticos apoiados por dados, diagnósticos e propostas coerentes venceriam com relativa facilidade os que oferecem soluções fantasiosas com base em descrições falsas da realidade. O problema é que esse espaço se estreitou nos últimos anos. E isso é resultado de outra transformação tecnológica, na comunicação.

Como argumenta a revista The Economist no editorial de capa da semana passada, intitulado “A arte da mentira”, as pessoas estão acreditando menos nas informações produzidas pelo jornalismo independente do que naquelas compartilhadas por seus amigos nas redes sociais. E, nesse ambiente, a “informação” que chega às pessoas é aquela que confirma e reforça as posições que elas já têm.

Quando alguma incômoda “verdade” escapar ao controle do algoritmo, que distribui os compartilhamentos segundo os gostos de cada um, com um clique o usuário exclui o intruso, para se manter, assim, protegido em sua bolha cognitiva.

Impacto. Vivemos, então, no mundo da “pós-verdade”, no qual fatos e invenções adquirem o mesmo peso e são escolhidos de acordo com a preferência ideológica. É uma inversão da ordem do conhecimento: em vez de tirarmos conclusões sobre o que observamos, criamos um material apropriado, uma verdade customizada, para sustentar nossas conclusões.

Essa abordagem do mundo é tão sedutora que até o jornalismo independente, observa a Economist, tem embarcado nisso, dando, em nome de um falso pluralismo, o mesmo espaço para fatos e invenções, como se tudo fosse uma questão de “opinião”.

Saímos de um extremo, no qual o jornalismo profissional tinha o monopólio sobre a informação, e nem sempre fazia o melhor uso dele, e caímos noutro extremo, em que as fontes de informação se dispersaram de tal maneira que se torna um desafio investigativo rastrear suas origens e intenções.

Quando trocou de guarda, recentemente, o Ministério do Planejamento divulgou as planilhas dos pagamentos que o governo anterior fazia a sites e blogs para disseminar suas versões com a embalagem de notícias, de produtos jornalísticos, avidamente consumidos por quem precisava dessa matéria-prima para provar suas teses. Isso é um retrocesso de um século e meio, quando os grandes jornais surgiram como panfletos sustentados por grupos econômicos e políticos para apoiar suas bandeiras, muitas delas meritórias.

Com o passar das décadas, eles avançaram para o modelo de negócios que agora está ameaçado: o de ampliar sua audiência, abraçar o pluralismo, conquistar credibilidade e vender espaços publicitários para empresas que queriam ter suas marcas associadas ao prestígio dessas publicações.

Enquanto o jornalismo independente luta para encontrar um novo modelo de negócios, a maioria dos cidadãos vive numa espécie de embriaguez informativa, sem fronteiras entre real e imaginário, tornando-se muito facilmente manipulável.

Quem se dá bem são mestres da prestidigitação, como Donald Trump, que é capaz de emparedar Hillary Clinton por não ser “transparente” sobre seu estado de saúde, quando ele é menos ainda. E substitui a apresentação de um relatório médico sério pela aparição em um programa de TV, o Dr. Oz Show, no qual entrega um pedaço de papel com algumas linhas falando de sua saúde, o que, no mundo midiático, vale muito mais do que páginas e páginas de informação verdadeira.

Esse é apenas um pequeno exemplo das inúmeras enganações de Trump, cuja plataforma está repleta de promessas irrealizáveis, por serem contra a Constituição e os tratados, porque jamais passariam pelo Congresso e pela Suprema Corte, e porque destruiriam a economia, como cancelar acordos comerciais, expulsar todos os imigrantes ilegais e assim por diante.

No Reino Unido, um pouco mais da metade dos eleitores aprovou a saída da União Europeia com base em dados falsos a respeito dos custos da participação no bloco, das regras comerciais e migratórias – mentiras disseminadas, entre outros, pelo ex-prefeito de Londres Boris Johnson, hoje chanceler.

Nesta semana, no Brasil, vimos como é fácil, divertido e proveitoso inventar uma mentira, como a frase “não temos provas, mas temos convicção”, que nunca foi dita pelos procuradores da Lava Jato. Quem mostrou que nunca foi dita? O jornalismo independente. Quem continua acreditando que foi? A massa que prefere acreditar nos “amigos”. Esse é um enorme desafio para a democracia, porque ela dá poder para o povo escolher com base na crença de que ele terá acesso à informação e optará pelo que é melhor para ele. Esse alicerce está profundamente abalado.

Oposição é direito dos partidos, mas é preciso que haja respeito a adversário - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 18/09

Está estabelecido no regime democrático que o partido derrotado nas eleições terá o direito de fazer oposição ao vencedor, tornado governo. Por isso mesmo, após perder a Presidência da República e tornar-se oposição, o pronunciamento de Dilma Rousseff, prometendo, ela e seu partido, oporem-se implacavelmente ao governo de Michel Temer, foi, sem dúvida, legítimo.

Pois, ao ouvi-la, lembrei-me da reação dela e do PT aos questionamentos feitos, após a eleições de 2014, pelo PSDB, alegando que Dilma Rousseff mentira durante a campanha eleitoral ao dizer que a situação econômica do país era ótima.

A reação dela e do PT, naquele momento, foi afirmar que o adversário queria um terceiro turno, ou seja, pretendia dar um golpe, muito embora fosse verdade o que alegara. O impeachment também foi considerado golpe, ainda que previsto na Constituição.

E, embora tenha obedecido às normas legais, continua sendo chamado de golpe por eles. A conclusão inevitável é que só o PT tem direito a exercer oposição; os adversários, não, estes são golpistas.

Agora mesmo isso se repetiu durante todo o processo do impeachment que, em sua etapa final, foi comandado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski.

A certa altura, um dos adversários de Dilma a interpelou: "A senhora está chamando de golpe um processo comandado pelo presidente do Supremo?" Tomada de surpresa, ela respondeu: "Até aqui não é golpe, mas se aprovarem o impeachment, será golpe".

Difícil de entender, não? De fato, ela acabara de admitir que o processo era legal, pois não é a sentença final, contra ou a favor, que tira a legitimidade de um processo.

Mas o PT é assim mesmo. Só vale o que lhe favorece; o contrário é coisa de gente safada ou vendida, de quem está a serviço dos exploradores do povo pobre.

Aí você pergunta: e Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro, amigos de Lula, são por acaso defensores dos pobres? Disso os defensores do populismo não falam.

Nas ruas, o pessoal da CUT, do MST, entre outros, clama pela expulsão de Temer e pela volta de Dilma. Ninguém fala do desastre que foi seu governo. Voltar Dilma, para quê, se ela já não governava, enquanto o desemprego atingia a casa dos 12 milhões, a inflação crescia, a indústria e o comércio fechavam as portas. Foi Dilma cair, as coisas começaram a melhorar. Ainda pouco e lentamente, pois o desastre que ela provocou está entre os piores de nossa história. E ainda assim, há quem grite: "Volta Dilma". Parece piada, porque a verdade é que nem o PT deseja isso; aliás, nem ela mesma, já que, antes do impeachment, propunha um plebiscito e novas eleições.

Como dissemos no começo desta crônica, oposição a qualquer governo é um direito dos partidos. No entanto, esse direito está essencialmente vinculado ao respeito ao direito do adversário e submetido a um fator decisivo, que é o interesse nacional.

Os partidos existem para zelar por ele, para cuidar dele, para preservá-lo e ampliá-lo. Nisso está compreendido o crescimento econômico e cultural, a preservação e melhoria das condições de vida dos cidadãos, o que implica no aumento qualitativo da renda familiar mas também no respeito à liberdade de opinião e de ação política.

Logo, tanto esteja o partido no governo ou na oposição, a sua função é cuidar do interesse de todos, não apenas do interesse partidário.

Digo isso porque está se criando uma situação preocupante, que leva as pessoas a temerem por sua segurança pessoal, particularmente aqueles que, pela atuação profissional, manifestaram opinião a favor do impeachment.

Nas universidades, nas reuniões culturais e esportivas, essas pessoas se sentem ameaçadas. Por outro lado, ao que tudo indica, os petistas se dispõem a inviabilizar o governo Temer, o que seria de fato impedir a superação da crise econômica criada por Dilma, que levou o país à situação em que está.

Não se trata, no entanto, de não fazer oposição, mas sim de fazê-la, visando o interesse nacional.


Liderança no agronegócio - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO - 18/09

E, para o agronegócio, qual é a grande estratégia? A meu juízo deveria ser a de tornar o País, nos próximos dez anos, o maior player do comércio internacional do mundo, sem detrimento do abastecimento doméstico bem feito, como já é hoje

Vivemos a transição para um país melhor, mas que tem de ser penosamente construída. É um grande desafio para todos, mas, especialmente, para as lideranças, que terão de se reinventar. Isso porque a situação atual não se traduz pela troca de presidentes, apenas. O que temos é a mudança de um sistema de poder em meio a uma crise sem precedentes (basta lembrar que o PIB só caiu dois anos seguidos em 1930/31).

A saída do grupo que nos governou desde 2003 implica na troca do modelo de desenvolvimento: de uma concepção de economia fechada e de um Estado que pretendia comandar todas as decisões nacionais, iremos para um país mais aberto, mas com um Estado menos concentrador das decisões e invasivo. A economia aberta se coloca como um grande problema para boa parte da indústria, mas não é novidade para a agricultura, que desde sempre compete lá fora. Entretanto, a redefinição do Estado é desafiadora para todos os segmentos de nossa economia.

Isso porque perdemos um pouco da inteligência e da visão de um projeto de país, inclusive pelo fato de que muitos órgãos pensantes foram meio que destruídos ou tornados mais fracos pela militância política: é o caso do Ipea do sr. Marcio Pochmann, do BNDES (no qual mais de 800 profissionais experientes foram aposentados precocemente e trocados por um número maior de jovens no início de carreira), da destruição das agências reguladoras, da captura de parte das universidades por grupelhos de esquerda radical, que estão destruindo centros de ensino e pesquisa.

Também não temos muitos projetos pensados e discutidos mais extensivamente em áreas fundamentais como Previdência, sistema tributário, reforma trabalhista, áreas relevantes da infraestrutura, uma visão da indústria, etc.

Não temos narrativas para enfrentar o debate político. Por exemplo, ainda prevalece a ideia de que terceirização significa precarização do trabalho, o que é falso (bastando que a lei responsabilize solidariamente a empresa que terceiriza pelo recolhimento dos encargos sociais) e joga contra a eficiência e a produtividade (por exemplo, empresas pequenas não comportam um departamento de informática, embora ninguém viva mais sem desenvolvimento de sistemas). Ademais, a separação entre atividades meio e fim é bastante imprecisa e não faz sentido num sistema de produção moderno.

Nossas lideranças ainda trabalham basicamente com listas de demandas restritas, defensivas ou setoriais, evitando as questões mais sistêmicas.

Entretanto, estamos na hora das estratégias.

E, para o agronegócio, qual é a grande estratégia? A meu juízo deveria ser a de tornar o País, nos próximos dez anos, o maior player do comércio internacional do mundo, sem detrimento do abastecimento doméstico bem feito, como já é hoje. Menciono pelo menos seis pontos a considerar: 1) Resolver a pauta do século passado: melhoria mínima na infraestrutura, na questão tributária, trabalhista, etc. 2) Pensar em cadeias produtivas de insumos a serviços, indústrias e distribuidores. Essa é a tendência inexorável no mundo moderno. A separação entre setores primário, secundário e terciário não faz mais sentido. Os conflitos na cadeia têm de ser resolvidos por ela mesma. 3) Entrar firme na nova pauta da agricultura de precisão.

4) Enfrentar a questão da exportação de commodities (naturalmente sem proibi-las), ao ampliar a oferta de novos produtos agroindustriais, como biocombustíveis avançados. Produtos verdes voltaram a ser valorizados, mesmo com o petróleo em baixa, devido ao aquecimento global. 5) Avançar na questão da sustentabilidade ambiental, inclusive pela expansão dos sistemas de integração lavoura/pecuária/florestas. 6) Acabar com a dicotomia falsa da pequena/grande produção. A reforma agrária não é mais pauta do País. Entretanto, é preciso olhar e enfrentar a questão dos agricultores que ficaram para trás, especialmente na região Nordeste.

Enfrentar a crise brasileira e construir uma nova visão estratégica vai exigir da liderança do setor sua reinvenção. Não será fácil, mas está ao nosso alcance.

*economista e sócio da MB Associados. Escreve quinzenalmente

O preço da paz - MARIO VARGAS LLOSA

ESTADÃO - 18/09

Gosto de bons artigos tanto quanto de bons livros. Sei que não são muito frequentes, mas não acontece o mesmo com os livros? É preciso ler muitos até encontrar, de repente, aquela obra-prima que ficará gravada na memória, onde crescerá com o tempo. O artigo que Héctor Abad Faciolince publicou em El País no dia 3 – “Já Não me Sinto Vítima” –, explicando as razões pelas quais votará “sim” no plebiscito em que os colombianos decidirão se aceitam ou rechaçam o acordo de paz do governo de Juan Manuel Santos com as Farc, é uma dessas raridades que ajudam a enxergar claramente onde tudo parecia nebuloso. A impressão que me causou vai me acompanhar por muito tempo.

Abad Faciolince conta uma trágica história familiar. Seu pai foi assassinado por paramilitares (ele narra o drama num livro memorável: El Olvido que Seremos e o marido de sua irmã foi sequestrado duas vezes pelas Farc, para extorsão de dinheiro. Na segunda vez, os compreensivos sequestradores até lhe permitiram pagar o resgate em cômodas prestações mensais durante três anos. Compreensivelmente, esse senhor votará “não” no plebiscito – “não estou contra a paz”, explicou a Héctor, “mas quero que esses caras cumpram pelo menos dois anos de prisão”. Ele lamenta que o custo da paz seja a impunidade para os que cometeram crimes horrendos dos quais foram vítimas centenas de milhares de famílias colombianas.

Héctor, por outro lado, votará sim. Acredita que, por mais alto que pareça, é preciso pagar esse preço para que, após meio século, os colombianos possam enfim viver como gente civilizada, sem continuar se matando uns aos outros. Do contrário, a guerra continuará indefinidamente, ensanguentando o país, corrompendo suas autoridades, semeando a insegurança e a desesperança por toda parte. Porque para ele ficou claro que, após mais de meio século de tentativas, é um sonho acreditar que o Estado possa derrotar totalmente os insurgentes e levá-los aos tribunais e à prisão.

O governo de Álvaro Uribe fez o impossível para conseguir derrotar a guerrilha e, embora tenha reduzido os efetivos das Farc à metade (de 20 mil homens de armas em punho para 10 mil), o grupo continua ali, vivo e pulsando, assassinando, sequestrando, alimentando-se do narcotráfico e alimentando-o, e, sobretudo, frustrando o futuro do país. É preciso acabar de uma vez com isso.

Tentativa. O acordo de paz vai funcionar? O único meio de saber é pondo-o em marcha, fazendo todo o possível para que o acertado em Havana, por mais difícil que seja para as vítimas e suas famílias, abra uma era de paz e convivência entre os colombianos. Assim ocorreu na Irlanda do Norte, por exemplo, e os antigos e ferozes inimigos de ontem agora, em vez de balas e bombas, trocam ideias e descobrem que, graças a essa convivência que parecia impossível, a vida tornou-se mais viável e, graças aos acordos de paz entre católicos e protestantes, abriu-se uma era de progresso material para o país, algo que, por desgraça, o estúpido Brexit ameaça mandar para o diabo. Aconteceu o mesmo em El Salvador e na Guatemala, e desde então salvadorenhos e guatemaltecos vivem em paz.

O tempo já não está para as aventuras guerrilheiras que, nos anos 1960, serviram apenas para encher a América Latina de ditaduras militares sanguinárias e corrompidas até a medula. O empenho em imitar o modelo cubano, a romântica revolução dos barbudos, fez com que milhares de jovens latino-americanos se sacrificassem inutilmente e a violência – e a pobreza, sem dúvida – se ampliasse e causasse mais estragos que aquela que os países arrastavam havia séculos.

Fomos aprendendo pouco a pouco a lição e a isso se deve que hoje exista, de um canto a outro da América Latina, um amplo consenso em favor da democracia, da coexistência pacífica e da legalidade, ou seja, um repúdio quase unânime às ditaduras, rebeliões armadas e utopias revolucionárias que afundam os países na corrupção, na opressão e na ruína – leia-se Venezuela.

A exceção é a Colômbia, onde as Farc mostraram – creio que, principalmente, devido ao narcotráfico, fonte inesgotável de recursos para provê-las de armas – uma notável capacidade de sobrevivência. Trata-se de um anacronismo flagrante, pois o modelo revolucionário, o paraíso marxista-leninista, é uma miragem na qual só acreditam grupúsculos de ideológicos obtusos, cegos e surdos ante o fracasso do coletivismo despótico, como atestam os dois últimos tenazes sobreviventes, Cuba e Coreia do Norte.

O surpreendente é que, apesar da violência política, a Colômbia continue sendo um país com uma das economias mais prósperas da América Latina e no qual a guerra civil não conseguiu desmantelar o Estado de Direito e a legalidade, pois as instituições civis, bem ou mal, continuam funcionando. E é certo que um incentivo importante para que os acordos de paz funcionem é o desenvolvimento econômico que, sem dúvida, trarão consigo, seguramente no curto prazo.

Esperança. Héctor Abad diz que essa perspectiva estimulante justifica que se pare de olhar para trás e se renuncie a uma justiça retrospectiva, pois, caso contrário, a insegurança e a sangria continuarão sem cessar. Basta que se saiba a verdade e os criminosos reconheçam seus crimes, de modo que o horror do passado não volte a se repetir e fique por lá, como um pesadelo que o tempo vá dissolvendo até fazer desaparecer.

Não há dúvida de que existem riscos, mas qual seria a alternativa? Ao cunhado, Héctor faz a pergunta: “Não é melhor um país em que seus sequestradores estejam livres fazendo política em vez de estarem perto de sua chácara, ameaçando seus filhos, meus sobrinhos, e os filhos de seus filhos, seus netos?”. A resposta é sim.

Para mim não estava tão claro antes de ler o artigo de Héctor Abad Faciolince, e muitas vezes me disse nas últimas semanas: que sorte não ter de votar nesse plebiscito, pois, na verdade, me sentia oscilando entre o sim e o não. Mas as razões desse magnífico escritor, que também é um cidadão sensato e completo, me convenceram. Se eu fosse colombiano e pudesse votar, também votaria sim./ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

* MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

O exemplo do velho Graça - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 18/09

Em 1929, o prefeito de Palmeira dos Índios enviou o seu relatório de prestação de contas para o governador das Alagoas. Os trabalhos realizados "não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o município se achava, muito me custaram".

"Dos funcionários que encontrei...restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior".

O relato surpreende pelo detalhamento da prestação de contas, pela escrita e pela indignação quando a coisa pública é tratada como subserviente a interesses indevidos.

"Certos indivíduos... imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos." "Não me entendi com esses."

"Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca." "Perdi vários amigos...Não me fizeram falta."

No relatório seguinte, comentou o ajuste das contas públicas: "E não empreguei rigores excessivos". Apenas "extingui favores largamente concedidos" a quem não precisava. Foram "indispensáveis alguns meses para corrigir irregularidades, muito sérias, prejudiciais à arrecadação".

Prestar contas é o que se espera de todo governo. As políticas devem ser avaliadas, discriminando custos e resultados, sem descuidar de esclarecer a quem beneficiam.

Na crise atual, seria útil saber das obrigações já assumidas para os próximos anos, como as decorrentes de subsídios e benefícios tributários, além do risco de inadimplência nos empréstimos com recursos públicos.

Preocupa que o descontrole fiscal tenha se iniciado sem que os dados oficiais refletissem a sua degradação. Como prevenir a reincidência do problema?

Contas precisas e transparentes colaboram com o debate sobre como enfrentar os problemas.

Gasta-se em demasia com servidores e aposentados públicos? Serão extintos favores como as desonerações ou as proteções setoriais?

Alguns preservam os seus amigos. Outros preferem a coisa pública.

Reza a lenda que, impressionado com os relatórios do prefeito, Augusto Frederico Schmidt pediu-lhe o romance que devia ter na gaveta. A lenda parece apenas tangenciar a verdade, mas é certo que a repercussão dos relatórios antecipou o escritor. Em 1933, Schmidt publicou "Caetés", de Graciliano Ramos.

Pura mitologia - DORA KRAMER

ESTADÃO - 18/09

Lula zombou do Ministério Público sem que isso sirva para ajudá-lo na Justiça. Mas deu motivos aos interessados em atrapalhar as investigações que, não por acaso, lhe deram toda razão.

João Santana captou de forma certeira a essência de Luiz Inácio da Silva quando contou como explorou para efeito de propaganda política a dupla personalidade do personagem: o fortão e o fraquinho. Ambos viventes do mesmo corpo entram em cena de acordo com a necessidade.

O forte atua para intimidar e se vangloriar; o fraco para fazer-se de mártir. O primeiro encarna o humilde que virou poderoso contra tudo e contra todos e o segundo faz o papel de vítima das elites, alvo de preconceito de classe, um injustiçado, mas resistente benfeitor dos pobres. Santana revelou o truque ao público há dez anos e até hoje ainda há quem se deixe iludir por essa artimanha.

E não se fala aqui do fiel depositário dos benefícios sociais, que não os vê como direito, mas como concessão paternal. Fala-se das camadas mais informadas, cientes de todos os fatos e atos que revelaram a mentira da bandeira do PT pela ética na política. Caíram no conto quando da condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal e voltaram a morder a isca quando da denúncia apresentada pela força-tarefa da Lava Jato, na semana passada.

Por ocasião da coercitiva, ato que já havia sido aplicado a vários investigados na operação, Lula encenou o fortão: agressivo, avisou que haviam tentado abater “jararaca”, mas não conseguiram matá-la.

Atingiu o objetivo de inocular desconfiança na atitude dos investigadores que, por essa versão, teriam cometido abusos, exagerado, montado um “circo”. Pois de lá para cá surgiram novos indícios, novas revelações contidas nos depoimentos das delações premiadas, que justificavam o ato. Lula deveria sim ser tratado como vários outros investigados também conduzidos da mesma forma a prestar esclarecimento sem que houvesse reação contra o “absurdo”.

A diferença é que o ex-presidente é o que resta ao PT e, nessa condição, precisa alimentar o mito do intocável. Naquela ocasião, recorreu ao fortão que mete medo. Nessa recente, subiu ao palco o fraquinho que produz necessidade de expiação de culpa e resgate da “dívida social”. Ambos cultivam terreno fértil à semeadura da enganação.

A contundente, adjetivada e detalhada exposição das razões pelas quais foi apresentada a denúncia contra Lula propiciou a propagação da ideia de que os procuradores extrapolaram, produziram um show e nada comprovaram que pudesse corroborar a convicção de que o ex-presidente esteve no topo do esquema de corrupção que sem seu conhecimento não teria como funcionar naquela dimensão.

Fizeram isso de maneira transparente, apresentando as evidências até agora recolhidas, respondendo depois às perguntas dos jornalistas. Obviamente não revelaram tudo. Quando o Ministério Público divulga resultados de investigações é porque detém muito mais informações para respaldar as afirmações.

Já Lula fez as coisas de forma nebulosa. Pronunciou-se sem abordar o mérito das acusações, protegido pelos aplausos da militância reunida no Diretório Nacional do PT. Deu a satisfação que quis, fugindo daquelas que seria instado a dar caso tivesse aberto espaço aos questionamentos da imprensa.

O ex-presidente acusou o golpe recebido com a denúncia. Disse que não estava “entendendo” o que se passava, mas compreendia perfeitamente o que daqui em diante pode lhe acontecer. Fosse de fato inexistente a substância do material na posse do MP, ele teria rebatido ponto a ponto sem o auxílio de recursos histriônicos nem teria precisado sustentar sua diatribe aos procuradores numa mentira: “Não temos provas, mas temos convicção”, a frase de impacto que nunca foi dita.

Lula zombou do Ministério Público sem que isso sirva para ajudá-lo na Justiça. Mas deu motivos aos interessados em atrapalhar as investigações que, não por acaso, lhe deram toda razão.

Passagem para Curitiba - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 18/09
Fui ver a queda de Eduardo Cunha em Brasília. Nunca vi ninguém tão solitário no momento da cassação. Falei com ele duas vezes. Na primeira, perguntei por que ficava de costas para os oradores. Disse que preferia vê-los no telão. Depois de seu discurso, perguntei pela conta na Suíça e disse que não a tinha. Segundo ele, há uma diferença entre trust e conta: o Supremo o absolveria. Ele sabe como eu que o problema não é conta ou trust mas o dinheiro escondido no exterior. No dia seguinte, a imprensa internacional o apelidou de Mr. Trust, mostrando como uma das formas de ocultação de riqueza ilícitas.

Pensei que pudesse me dedicar um pouco ao governo Temer. Fernando Henrique o chamou de pinguela, nome talvez desconhecido das novas gerações. Mas é um tronco ou tábua separando as margens do rio ou córrego. A ideia de uma pinguela é inquietante pela sua precariedade diante das tensões e conflitos de um país continental. As coisas seriam mais fáceis para o governo se não fosse um desastre em comunicação. A ideia de expansão da jornada de trabalho para 12 horas é um alimento para os demagogos. A impressão que deu foi a de que a jornada obrigatória passaria para 12 horas. Além de ser adversário de si próprio, o governo concilia com a oposição na medida em que não revela o que realmente aconteceu quando o PT dominava o governo. O que houve no BNDES, por exemplo? Por que até agora não se conhece o que aconteceu nas transações do banco?

No meio da semana, a Lava-Jato apresentou sua denúncia contra Lula. Mostrou que era o comandante do Petrolão e se fixou no tríplex do Guarujá. Mostrou pagamento do depósito da mudança de Lula. Logo em seguida, vi uma entrevista da defesa. A rigor não havia contradição de fundo entre o defensor e os acusadores de Lula. Eles dizem que o ex-presidente era o dono oculto do tríplex. A defesa diz que os documentos mostram que Lula não é o dono do tríplex. Se os documentos legais indicassem Lula como o dono, para que então mobilizar uma força-tarefa de 300 homens e mulheres para investigar as relações Lula-OAS? Nesse caso sim, estariam malbaratando dinheiro público.

Lula foi apontado como comandante do Petrolão e de todo o sistema de propinocracia que dominou o país ao longo dos 13 anos. Na ausência de uma autocrítica, prevalece a tática da negação. Será uma longa jornada que, no meu entender, trará repercussões mais desastrosas ainda para o partido e seus apoiadores na esquerda. Mas as atribulações da esquerda não significam que pinguela se sustente sozinha até a margem de 2018. O governo terá de fazer sua parte. Não se trata apenas de aprovar projetos no Congresso. É preciso parar de dizer bobagens. Alguém deve lembrar aos ministros que as câmeras são sedutoras mas sempre encerram um perigo.

As confissões de bastidores, então, são terríveis. Estão sempre preocupados com as manifestações. Será que esperavam mesmo que a travessia da pinguela se faria sem gente pulando em protesto? Todos estamos vivendo momentos de imprevisão. Mas há coisas que uma análise racional pode prever. A queda de Eduardo Cunha, por exemplo, era líquida e certa. Voto aberto, proximidade de eleições, até os mais próximos se afastaram no momento final. Também era previsível que o papel de Lula fosse dissecado nessa fase pós-Dilma. Quase tudo que se apresentou ali já era conhecido, sobretudo de quem leu os jornais. Mas agora aparece de uma forma mais oficial. O desdobramento da Lava-Jato deverá ser o instrumento mais poderoso na revelação do subterrâneo político brasileiro.

O governo não faz sua parte na divulgação da história recente do Brasil talvez porque não compreenda a importância da tarefa. Ou talvez demore com os dados porque foi coadjuvante da trama e precisa selecioná-los. Quem dará o balanço do que se passou nos bancos oficiais, na política externa? Os historiadores? A versão do governo, certamente, não seria tida como verdade absoluta. Mas é muito raro nessa movimentada pinguela que a voz dos condutores não seja ouvida, ou pior ainda, só sejam ouvidos os ruídos que saem aos borbotões, desde o episódio da prisão de suspeitos de terrorismo, passando por declarações machistas e culminando na famosa jornada de 12 horas.

Desse jeito, é melhor abrir cursos de natação pois a pinguela pode ser levada pelas águas. Por ser estreita e precária, exige uma capacidade política muito maior do que simplesmente trânsito parlamentar. De resto, a conclusão que tiro para os personagens da semana é a mesma que expressei na segunda-feira, no momento da cassação de Cunha. A má notícia para ele é cair nas mãos do Sérgio Moro. A boa é que o inverno está acabando, e as temperaturas em Curitiba costumam ser mais amenas na primavera.

Governo se prepara para um outubro quente e decisivo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/09

A política deve entrar em ritmo municipal. Talvez o país preste atenção às eleições, daqui a menos de duas semanas.

O Congresso esvaziou-se de vez, em campanha nas cidades. Michel Temer viaja, depois de uma semana tentando arrumar a bagunça criada pelo seu próprio governo, como se antecipava aqui no domingo passado. O dia seguinte das eleições, outubro, porém, será quente.

Temer e seu círculo político se arranjam para vencer as votações e apaziguar conflitos. Disso depende a sobrevida útil do governo.

Não está em jogo apenas a aprovação do congelamento de gastos federais por 10 ou 20 anos, o "teto". Trata-se de satisfazer os governadores de Estados falidos ou alquebrados, dar milho ao Centrão, fiel da balança das votações, e reforçar pactos com os donos do dinheiro.

Temer "prestigiou" na semana passada os líderes do Centrão. Reforça explicitamente o poder de Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo, na distribuição de cargos, patentes e prebendas. Faz algo parecido com o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), expoente do Centrão. Lança um programa que gente no governo chama de "evangelização".

"Evangelizar" significa mandar pelotões avançados e poderosos do governo ao baixo clero, mas não só, a fim de convencê-los, com fatos e ideias, digamos, da necessidade de votar com o governo no outubro quente e "aprovar reformas". Recalcitrantes perderiam um lugar no céu do novo ministério, no ano que vem.

Em outubro ou novembro, vota-se, por exemplo, o projeto que permite aos governos a venda de dívidas que têm a receber (vendem os direitos, recebem algum, com desconto, mas recebem, de modo antecipado). É um modo de cobrir algum vazio dos caixas estaduais. Os governadores, muitos falidos, inevitavelmente, ora avançam com pedidos de dinheiro.

O governo espera também barrar as várias tentativas picaretas de mudar a já controversa lei de repatriação de dinheiro mandado para fora de modo ilegal. Parte desses recursos irá para os Estados. Mudanças na lei, afora o disparate de anistiar também políticos com dinheiro sujo no exterior, atrasariam o alívio do caixa de União e Estados.

Ficou para outubro a votação final da mudança na lei do pré-sal, que permite à Petrobras abrir mão de entrar em leilões de petróleo. Além de atrair investimentos, a aprovação faria a alegria do assim chamado, de modo meio tolo, "mercado".

Para completar um outubro de confraternização de governo e "mercado", espera-se ainda aprovar a lei da terceirização, agora que a "reforma trabalhista" ficou para as calendas.

Votar o Supersimples seria uma cereja nesse bolo. A atualização do programa permitiria a empresas com faturamentos maiores entrar nesse sistema de impostos menores, o que desagrada a economistas do governo, mas não ao governo.

No meio disso, pode haver acidentes: as grandes delações das empreiteiras, os conflitos da caçada a Lula, greves (a Petrobras vai enfrentar um conflito feio).

A aprovação do pacote do outubro quente, o bom início de tramitação do "teto" em particular, facilitaria o início da redução dos juros pelo BC. Seriam presentes de Dia da Criança (15 de outubro) para o governo. Derrotas antecipariam Finados.

A vez do saneamento básico - SUELY CALDAS

O Estado de São Paulo - 18/09
O programa de privatizações do governo Temer frustrou quem esperava algo mais potente e ambicioso direcionado a arrecadar uma bolada de receita extra orçamentária e derrubar boa parte dos R$ 139 bilhões de déficit fiscal esperado para 2017. Mas será que privatizações devem servir prioritariamente a essa finalidade? Há quem discorde e tenha bons argumentos. De qualquer forma, a relação de ativos e concessões ofertados quase não trouxe novidades em relação aos cogitados pelo governo anterior. São portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, ativos do setor elétrico e áreas de petróleo, que já figuravam nos escaninhos de Dilma Rousseff.

A novidade está nos detalhes, na revogação de certas condições impostas pela ex-presidente que ou afugentavam investidores ou criavam encrencas futuras para os que se aventurassem a aceitá-las. Por exemplo, tabelar lucro e entregar uma rodovia a quem oferecesse tarifa de pedágio mais baixa. Resultado: com o caixa vazio, o concessionário não investia em obras de ampliação e melhorias da rodovia e ainda corria ao BNDES em busca de crédito subsidiado. Foi o mesmo princípio aplicado à queda forçada da tarifa de energia elétrica em 2013, que destroçou a Eletrobrás, desorganizou todo o setor elétrico e restou superada pelo grande tarifaço de 2015, com efeitos perversos para a inflação e o bolso dos brasileiros. Essas ideias nasciam da cabeça teimosa de Dilma Rousseff, resistente em aceitar regras básicas das leis de mercado, que ela deveria ter aprendido no curso de Economia.

Felizmente, o programa não ficou só na mesmice. Trouxe uma positiva surpresa, que promete pagar uma dívida social com mais da metade da população que sofre doenças ou morre por ficar exposta à água contaminada e esgoto a céu aberto. No sertão do Nordeste, na zona rural pobre da Amazônia ou nas palafitas de grandes cidades, pouco ou nada há de estrutura de saneamento básico. Dados oficiais mostram que só 44,5% da população do País está conectada com a rede de esgoto e, do esgoto coletado, só 40% são tratados. A situação é mais dramática nos Estados mais pobres. No Maranhão só 1,4% dos municípios faz tratamento de esgoto; no Piauí, 2,2%; e em Rondônia, 3,8%. Esses números mostram nosso vergonhoso atraso numa área tão fundamental para a saúde humana.

A presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos, anunciou que vai se reunir com governadores interessados em conceder direitos ou em privatizar suas empresas. Além de ser a única forma de levar investimentos para seus Estados nessa área, os governadores se sentem estimulados pela chance que têm de aliviar sua precária situação financeira com a receita das privatizações. Como aconteceu no governo FHC com as distribuidoras estaduais de energia elétrica. Três deles – Rio de Janeiro, Rondônia e Pará – já iniciaram entendimentos com o banco e suas empresas devem ir a leilão no primeiro semestre de 2018. Esperam-se outras adesões, e com elas o fantasma da privatização e sua exploração política oportunista vão se dissipando.

Sem a presença das grandes empreiteiras e dos maiores fundos de pensão das estatais, que desde FHC tiveram papel fundamental como investidores, o governo vai enfrentar agora um cenário novo e desconhecido na busca de novos empreendedores. Uma alternativa é buscá-los no exterior. É com esse fim que Michel Temer irá a Nova York, na quarta-feira, vender o programa de privatização para grandes players e investidores norte-americanos. Eles virão? Tal decisão não depende apenas da atratividade do negócio, da qualidade das regras de editais e licitações ou da firmeza dos contratos. Depende também – e muito – da percepção de confiança no governo e seus parceiros políticos no Congresso, da real disposição de levar adiante (e sem recuos) a agenda de reformas, do reequilíbrio fiscal e fazer das agências reguladoras instituições com qualidade técnica, despolitizadas, que atuem com autonomia, com respeito às decisões do governo, mas sem sua interferência para cumpri-las. E no campo da confiança o governo vem perdendo o jogo.

Mudanças no pré-sal são boas para o Brasil - JORGE M. T. CAMARGO

FOLHA DE SP - 18/09

A COP21, conferência do clima da ONU em Paris, deu uma sinalização inequívoca da transição do planeta para uma economia de baixo carbono. Os países participantes decidiram reduzir emissões de gases de efeito estufa para combater as mudanças climáticas.

O esforço terá efeito profundo na indústria global de energia por restringir o horizonte de tempo dos combustíveis fósseis. Neste cenário, o Brasil não pode mais perder tempo e desperdiçar a chance de aproveitar ao máximo os benefícios da extraordinária província petrolífera do pré-sal.

No caminho do desenvolvimento dessa imensa riqueza que jaz nas profundezas do subsolo marinho brasileiro existe um entrave: a exigência de que a Petrobras seja obrigatoriamente a operadora com participação mínima de 30% nos investimentos.

O plenário da Câmara dos Deputados deverá votar em breve o projeto de lei 131/2015, que libera a estatal dessa obrigação e oferece a ela uma opção preferencial.

A mudança é boa para a Petrobras, que poderá escolher os projetos em que queira participar, sem o dever de acompanhar ofertas feitas com base em avaliações com que não concorde ou premissas estratégicas e comerciais diferentes das suas. Uma opção será sempre melhor que uma obrigação.

A mudança é boa para o Brasil, pois poderá decidir, de forma soberana, sobre o ritmo de desenvolvimento do pré-sal que melhor atenda aos interesses do país, sem depender, e ter de aguardar, da recuperação da capacidade financeira de sua estatal.

A mudança é boa para a indústria nacional. Um operador único se torna cliente único, o que aumenta o risco das empresas fornecedoras locais -como sabem, dolorosamente, os milhares de desempregados pela crise que hoje enfrenta a Petrobras- e limita o desenvolvimento tecnológico e as oportunidades de internacionalização que um ambiente de maior diversidade de operadores propiciaria.

A mudança é boa para a saúde e a educação. Embora o projeto não trate da distribuição dos recursos oriundos do pré-sal, que continuam com o mesmo destino definido por lei, a aceleração dos investimentos trará um aumento significativo na arrecadação de impostos.

De acordo com estudos e projeções da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a obrigatoriedade do operador único a arrecadação do setor será de R$ 21,3 bilhões em 2030. Removendo essa restrição, passaria a R$ 205 bilhões.

A mudança é boa para a economia brasileira. Por subordinar-se a uma commodity internacional, o setor do petróleo é menos dependente da retomada do crescimento econômico do país, podendo, inclusive, dar considerável impulso a ele, pela dimensão de investimentos, empregos e tributos que é capaz de gerar.

Como sabemos, mudanças são as únicas certezas na vida. O Brasil fez no passado escolhas hoje vencidas pela força da realidade. Não mudaram, porém, os fundamentos do sucesso de nossa indústria de petróleo -o potencial geológico brasileiro e a capacidade tecnológica local.

A mudança na legislação do pré-sal é boa para a indústria de petróleo brasileira por torná-la ainda mais diversificada, competitiva e saudável. Até a realização da Rio Oil & Gás, maior evento do setor, entre 24 e 27 de outubro, aguardamos o anúncio de outras medidas importantes para destravar investimentos.

JORGE M. T. CAMARGO, 62, mestre em geofísica pela Universidade do Texas (EUA), é presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP)

Tumulto da travessia - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 18/09
A Lava-Jato vive mais um momento delicado, dos muitos que viveu. A força-tarefa está sendo criticada pela maneira como apresentou a denúncia contra o ex-presidente Lula. Ele reagiu em tom político e desafiou que provassem a acusação de receber benefícios de empreiteira e comandar o esquema da Petrobras. O MP o chamou de chefe máximo da “propinocracia". Lula disse que é um perseguido político.

A força-tarefa do MP precisa sustentar o que disse com tanta ênfase, sobre ele ser o chefe do esquema de corrupção. A delação de Delcídio divulgada na sexta-feira foi mais um elemento para fortalecer essa ideia. A retórica forte é o terreno de Lula, e não deve ser o do MP. O ex-presidente comparou-se a Tiradentes e disse que só perde no Brasil para Jesus Cristo, mas não explicou fatos bem mais atuais e terrenos, como os gastos da OAS para armazenar seus bens.

A semana foi vertiginosa. Eduardo Cunha foi cassado por um placar que prova que seu poder era efêmero. Só dez votaram com ele. O ex-advogadogeral da União saiu acusando o governo de querer abafar a Operação. Querer todos eles querem, de um lado e do outro da briga política nacional. Mas não está ao alcance deles. O governo tem vontade de livrar-se da operação, mas não tem esse poder. A troca do advogado-geral da União não para investigações. O movimento anticorrupção no Brasil já ganhou dinâmica e atravessou o ponto de não retorno. A cerimônia de posse da nova presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, foi um eloquente ato em defesa do combate à corrupção.

Existem ameaças à Lava-Jato. Elas vêm de projetos que tramitam no Congresso. Além disso, há dúvidas sobre como votará a nova composição da Segunda Turma do STF, e qual será o entendimento definitivo do Supremo sobre a prisão de condenados em segunda instância. Isso tudo tem mais reflexo no processo do que supostas conspirações do executivo ou bravatas de Lula.

Os criminosos sempre agiram em rede. A novidade agora é que os que combatem o crime também se associaram. Um exemplo veio da operação Greenfield. Na CPI dos fundos de pensão, juntaram-se para entender, desvendar e explicar os crimes financeiros vários órgãos, CVM, Previc, Banco Central, Receita Federal, TCU, Polícia Federal. Desta forma, foi mais fácil entender a engenharia financeira que tirou dinheiro dos fundos de pensão das estatais nos Fundos de Investimento em Participações. Os FIPs são uma modalidade de crédito do cada vez mais sofisticado mercado brasileiro. Não são eles que devem ser combatidos, mas sim as fraudes montadas em alguns deles. Foi preciso unir a expertise de vários órgãos para entender.

O Ministério Público atua em redes locais e internacionais, em contato com autoridades de outros países, nos quais os criminosos tentam esconder o resultado do furto. Toda essa tecnologia do combate ao crime não se desmonta pela vontade de um governo. Simplesmente está além das possibilidades do executivo parar as investigações no MP, neutralizar a ação da Polícia Federal, desfazer os laços que se formam entre instituições públicas.

Mesmo assim, o exemplo histórico da Itália mostra que a corrupção tem capacidade de autorregeneração. É por isso que estão tramitando propostas perigosas no Congresso. Foi por meio de novas leis que os corruptos italianos se protegeram.

Os políticos com prerrogativa de foro ainda não foram julgados, há muita decisão dependendo do Supremo Tribunal Federal e, neste momento, mudou a composição da Segunda Turma, a que julga a Lava-Jato. A ministra Cármen Lúcia saiu para ser a presidente e para o seu lugar foi o ministro Ricardo Lewandowsky. Muitas decisões foram tomadas por 3 x 2. Agora esse número pode se inverter em favor dos réus. Se a decisão do STF for de revogar o entendimento recente de que a partir da condenação em segunda instância o réu passa a cumprir a pena, os alvos da Lava-Jato respirarão aliviados.

Sim, riscos existem, mas não são os óbvios. Não basta a vontade do governo e não basta os petistas vestirem vermelho, como Lula convocou, para se interromper o círculo virtuoso no qual o país já entrou. O Brasil está decidido a combater a corrupção, e vivemos agora os tumultos dessa travessia.

Lula perdeu o controle - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 18/08

RIO DE JANEIRO - É uma das histórias mais conhecidas do folclore universal, foi até filmada por Walt Disney, com Mickey Mouse no papel principal. Cansado de limpar a casa, apelou para um feiticeiro, que lhe providenciou uma vassoura mágica que arrumava tudo. Lamentavelmente, ele esqueceu a fórmula mágica que fazia a vassoura parar de trabalhar. Resultado: a vassoura não apenas limpou a casa, mas a destruiu, levando em seus destroços o aprendiz de feiticeiro.

A história não é tão fantástica assim: o caso de Lula é uma versão amplificada do mesmo drama. Achando que o país estava desarrumado e sujo, invocou o feiticeiro, que lhe deu a vassoura mágica para arrumar o Brasil. Teve inicial sucesso, mas não aprendeu a dominar a vassoura, criando um partido (PT) e seus derivados, como a CUT, a militância das ruas e outros apetrechos que julgava mágicos.

Sem saber ou sem querer imobilizar a vassoura que criou, está vendo agora a feitiçaria fazer os estragos que estamos sofrendo, com a corrupção desvairada e um Brasil mais sujo do que antes.

Ele próprio, não sabendo como deter a feitiçaria, está ameaçado de ser varrido, dividindo a prisão com os aprendizes mais importantes que o ajudaram. Não lhe adianta acusar as elites, o imperialismo e os golpes que alega estar sofrendo.

Na sua primeira investida rumo ao poder, era um líder respeitável e pobre. Levado pelo seu primeiro secretário de imprensa, o elegante Ricardo Kotscho, cheguei a comprar uma camisa do PT para ajudar a sua eleição. Apesar da minha modesta contribuição, ele não se elegeu (votei em Brizola) e deixou de vender camisas, inaugurando uma corrupção que não soube parar e que agora o atinge pessoalmente. A pobre e solitária camisa, que lhe comprei e nunca vesti, não pode concorrer com o mensalão, o petrolão e a Lava Jato.

Por baixo dos panos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/09
É provável que seja apresentado amanhã um projeto de lei criminalizando o caixa dois nas campanhas eleitorais, com o apoio de todas as legendas atuantes no Congresso, com a possível exceção do PSOL e da Rede. Poucos deputados assumem que sabem o que está acontecendo nos bastidores.

A base do projeto é a medida 8 de combate à corrupção apresentada pelo Ministério Público de Curitiba sob o título “Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2”. Há duas versões do texto: uma que anistia explicitamente todos os crimes eleitorais cometidos anteriormente; e uma segunda, que tem mais chance de ter o consenso, que criminaliza o caixa dois para encerrar a discussão sobre se esse financiamento por fora da legislação eleitoral é ou não crime passível de punição mais rigorosa.

Os deputados consideram que não há clima político para uma anistia explícita, e estão em busca de um texto que represente uma espécie de “anistia moral” quando as delações premiadas das empreiteiras OAS e Odebrecht listarem cerca de cem parlamentares, de praticamente todos os partidos, que receberam financiamentos legalmente ou no caixa dois.

Como consideram que será difícil separar o joio do trigo, os parlamentares querem especificar na nova lei o que é caixa dois para financiamento de campanha, separando do que seja propina, para fins pessoais ou do partido. Na verdade, o objetivo da medida é livrar os parlamentares da acusação de primeira instância, pois eles consideram que os procuradores de Curitiba e o próprio juiz Sérgio Moro criminalizam a política.

Também se preocupam com a chegada da ministra Carmem Lucia à presidência do STF. Conhecida por sua severidade, a ministra disse, em 2012, no julgamento do mensalão, o seguinte: “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ na tribuna do tribunal supremo do país como se fosse algo banal, tranquilo, que se afirma com singeleza. Caixa dois é crime; caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira; caixa dois compromete, mesmo que tivesse sido isso, ou só isso; e isso não é só; e isso não é pouco! E dizer isto da tribuna do Supremo Tribunal, ou perante qualquer juiz, parece-me, realmente, grave, porque fica parecendo que ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e tudo bem. E não é tudo bem, tudo bem é estar num país, num Estado de Direito, quando todo mundo cumpre a lei”.

Há na Justiça Eleitoral uma disputa de entendimentos sobre se o caixa dois é crime ou apenas uma infração eleitoral. No artigo 350 do Código Eleitoral está dito que é crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”.

Muitos juízes interpretam esse texto como a definição do crime do caixa dois, mas outros consideram que não está tipificado aí o crime. Se o Congresso aprovar um projeto de lei sobre o assunto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ter que se definir sobre a questão, eé o que os parlamentares querem, pois a partir da nova lei, a punição não poderá retroceder.

A discussão sobre se o caixa dois é crime ou não tem base no Artigo 1º do Código Penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Se vencerem o debate sobre o artigo 350 do Código Eleitoral, os parlamentares estarão protegidos sem nem mesmo precisarem explicitar uma anistia.

Mas ficarão suspeitos de estarem agindo para proteção mútua, conforme conversa gravada do senador Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado:

Machado: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel (Temer).

Jucá: (concordando) Só o Renan que está contra essa p **** . Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, p **** .

Machado: É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. Jucá: Com o Supremo, com tudo. Machado: Com tudo, aí parava tudo. Jucá: É. Delimitava onde está, pronto. Machado: Parava tudo. Ou faz isso...

Dez anos depois... - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 18/09

Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT foi confrontado com o mensalão, em 2006



O cerco se fechou sobre Dilma Rousseff, depois sobre Eduardo Cunha e agora se fecha sobre Luiz Inácio Lula da Silva, num redemoinho que traga o PT e deixa o tabuleiro político de 2018 boiando. As peças estão soltas, ao sabor das ondas, da Lava Jato e do pavor do que ainda pode vir por aí.

Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT foi confrontado com o mensalão, em 2006: Compra de votos? O PT não é diferente? Naquele momento, era quase uma heresia admitir o que hoje parece óbvio: seria muito difícil tudo aquilo ser arquitetado e operacionalizado dentro do Planalto sem que o presidente mandasse ou, no mínimo, soubesse. Até porque os grandes beneficiários do mensalão eram o governo e o próprio Lula, apesar de ele jurar que não viu, não ouviu, não sabia...

Dez anos depois de um aparelhamento desenfreado do Estado e de várias prisões, o MP mostra por palavras, gestos e organogramas que José Dirceu saiu do governo, mas o mensalão ficou e evoluiu para o petrolão, maior esquema de corrupção da história brasileira, capaz de jogar no chão a Petrobrás. Logo, concluíram, Dirceu não era o “chefe da quadrilha”, como disseram na época o procurador-geral da República e ministros do Supremo. Era só o “braço-direito” do “comandante máximo” da corrupção: Lula.

Independente da desolação do “nós”, da comemoração do “eles” e das críticas ao tom e à forma dos procuradores, essa história vai avançar pelo caminho jurídico, causando sérias consequências políticas. Lula, seus processos, sua eventual candidatura em 2018 e o destino do PT estão nas mãos do juiz Sérgio Moro, que pode ou não acatar a denúncia do MP, enquanto o PT continua sendo chacoalhado por más notícias.

Moro condenou José Carlos Bumlai, amigo de Lula, a 9 anos e dez meses de prisão, e a Polícia Federal indiciou o governador Fernando Pimentel, de Minas, que é o único troféu petista no “Triângulo das Bermudas” da política, já que o partido não tem São Paulo nem Rio. E, aliás, corre o risco de perder a capital de São Paulo, onde Fernando Haddad patina no quarto lugar, e é traço no Rio (com Jandira Feghali, do PC do B) e em Belo Horizonte, com candidato próprio. Lula afunda, o PT afunda.

Os seguidores de Lula repetem o que ele disse chorando: ele não é ladrão, não tem ambição, não é dono de triplex nem de sítio e está sendo vítima da direita enfurecida. O “golpe”, dizem, começou com o impeachment de Dilma para acabar com a prisão de Lula. Mas, longe dos microfones, há quem acrescente: o erro de Lula foi nunca ter comprado nada no nome dele e ter se acostumado a viver de favores de amigos, correligionários e, enfim, de empreiteiros que saqueavam a Petrobrás. Como se fosse um vício inocente: viver à custa dos outros. “Lula é assim”, perdoam.

Do outro lado, há entre os inimigos de Lula os que bradam pela eliminação do ex-presidente e do PT da face da terra, como se não tivessem direito a defesa nem tivessem dado importante contribuição, em diferentes momentos da história, para a construção de um país melhor. As redes sociais estão contaminadas pela irracionalidade, pela deturpação dos fatos e por linchamentos nada democráticos. Mas querer que Lula seja julgado e pague, se tiver culpa no cartório, não é uma questão de ódio, é de justiça.

A bem da verdade. Lula disse corretamente que em 2002 Fernando Henrique preferia sua vitória à do amigo tucano José Serra, mas concluiu maliciosamente: “A tese dele (FH) era que o operário (Lula) vai ganhar, vai ser um fracasso absoluto e vão gritar: ‘volta, volta’”. Foi uma injustiça e uma inverdade histórica. O presidente sociólogo apenas concluiu que havia chegado a hora da esquerda e do grande líder de massas - como milhões de pessoas que não eram e nunca seriam do PT.

A perfídia a ser combatida - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 18/09

Erra profundamente o governo da República em assumir postura olímpica e caracterizar como de grupelhos as movimentações do PT, PCdoB, sem tetos, MST, UNE, sindicatos, diretórios acadêmicos e mesmo os desocupados contratados a troco de pão com salame. Eles repetem palavras de ordem pelos brasis afora, como "Fora Temer", "Volta Dilma", "Diretas já" - atos impossíveis em face à Constituição. Como grande parte do povo é ignorante, as manifestações do PT são desagregadoras, por ilegitimar, atrapalhar e até influenciar o Congresso, a prejudicar o Governo e o PMDB nas eleições municipais de outubro.

É fundamental ter em mente a existência de uma mídia petista paga (o PT é riquíssimo) e tem grande quantidade de inocentes úteis na academia e na imprensa vista, lida e falada, a dar declarações com repercussão internacional negativa. Apenas para argumentar, os protestos incabíveis dos baderneiros obscureceram os negócios do PT, saqueando os fundos de pensão dos aposentados das empresas estatais, que eles tanto exploraram e prejudicaram: Banco do Brasil (Previ o maior fundo de pensão da América Latina), CEF (Funcef), Correios (Postalis) e Petrobras (Petrus). Estima-se que os prejuízos podem alcançar R$ 50 bilhões.

Ao que tudo indica, o PT não tem mesmo dó dos trabalhadores aposentados. Depois do ex-ministro Paulo Bernardo, casado com Gleisi Hoffmann, cobrar comissões indevidas deles e de pensionistas nos empréstimos consignados, vem agora essas trampas dos fundos fechados de complementação de aposentadorias das estatais. Como combaterão, os petistas, a reforma da previdência, esses ex-funcionários, mormente os que estão hoje na ativa, caminham para a miséria na velhice. O PT é pior do que Átila, rei dos hunos. Por onde passa, a terra fica arrasada.

Impõe-se criar um grupo de trabalho no governo Temer e partidos outros da situação para listar os crimes do PT na Lava-Jato, na Petrobras, na Eletrobras, nas refinarias, seus desvios de verbas, bem como dos dinheiros mandados de graça para Cuba, Angola, Nicarágua, Venezuela, Moçambique etc. (Há semanas, Temer anulou, sem alarde, a doação prestes a ser feita a Moçambique de três aviões supertucanos).

É indeclinável mostrar as relações promíscuas do PT, Lula e Dilma, com os grandes grupos empresariais, como OAS, Odebrecht, empreiteiras em geral, Eike Batista, grupo JBS, Sete Brasil, para engordar fundos partidários e pessoais mediante propinas e caixa dois, enfim, toda a safadeza antiética desses vendilhões da pátria e seus arruaceiros de plantão.

É urgente a Polícia Federal investigar quem financia os movimentos sociais e organizações não governamentais. O ex-governo do PT fazia isso. Agora é o próprio partido? Os chamados movimentos sociais, a instrumentalizar a violência e o desrespeito contínuo aos direitos fundamentais alheios, tais como a liberdade de ir e vir, de trabalhar, de expressão, de integridade física e de propriedade, não podem ficar impunes. Devem ser reprimidos. Não se trata de liberdade de expressão, mas de sedição política contra a Constituição.

Eu diria até que filmes e documentários se fazem necessários para inserções na TV. E também depoimentos radiofônicos de gente séria para avivar a memória do povo a respeito desses políticos demagogos e aproveitadores da boa fé do povo e dos que de verdade professam o socialismo.

A tática deles, agitadora, doravante é fazer greve, atrapalhar a vida alheia, caluniar, difamar e distorcer todas as políticas do governo legítimo da nação, nos termos da Constituição, destinados a soerguer o país destroçado pelo governicho deposto do PT.

Os ladravazes querem se fazer de vítimas para confundir a sociedade. Eles não querem o bem do povo nem o progresso do Brasil. Querem voltar ao poder para enganar a nossa gente, se unir aos corruptos e esganar a nação. Calcula-se que os tais 40 milhões de pessoas que o PT teria resgatado da pobreza para lá voltaram acompanhados de mais 10 milhões, segundo cálculos preliminares dos órgãos de estatística do governo brasileiro.

O discurso de pacificação de Temer é verdadeiro e deve continuar. Seu destino é colocar o país nos trilhos, sem pensar em reeleição. Deve mandar logo uma emenda constitucional nesse sentido. Mas não basta. É preciso bater com vontade no PT. Ele faz por merecer. Democracia é uma coisa, baderna igual à da Venezuela é outra, como é usual entre as facções do bolivarianismo ou dos partidos do foro de São Paulo, idealizado por Lula, para instaurar na América Latina o tal socialismo do século 21, ora em processo de desagregação no continente sul-americano e na América Central. Ainda bem.


Ex-presidente Lula revela que está em uma bolha ao beatificar os políticos - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 18/09

Dizem que lobo velho perde o pelo mas não perde a manha. Pois o Luiz Inácio Lula da Silva que se apresentou na quinta-feira (15) aos seus fiéis desmentiu o ditado.

Claro que foi um espetáculo, como quase sempre ocorre quando oferecem a Lula um palco. Mas pelo menos uma parte do espetáculo foi deplorável e revela que o ex-presidente perdeu a manha.

Não vou falar das acusações a ele e de sua resposta a elas. Sobre essa parte, remeto ao texto sempre brilhante de Marcelo Coelho.

O trecho que revela absurda falta de sintonia de Lula com a realidade é aquele em que diz que "a profissão mais honesta é a do político. Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem de ir pra rua encarar o povo e pedir voto".

Primeiro, política não é profissão. É (ou deveria ser) serviço público, com perdão por soltar essa tremenda ingenuidade nos tempos que correm.

Segundo, há uma contradição entre afirmar a honestidade de todo político e, em seguida, dizer "por mais ladrão que ele seja". Ou é honesto ou é ladrão, não há meio termo possível.

Terceiro, o fato de ter que ir para a rua e encarar o povo não é demonstração de honestidade.

Há uma penca impressionante de políticos que encararam o povo para se eleger e, não obstante, estão presos ou processados por desonestidade, como sabe todo o mundo, menos Lula, aparentemente.

O que é incrível é que o ex-presidente solte essas asneiras dias após a Câmara de Deputados ter cassado o mandato de Eduardo Cunha, uma espécie de príncipe nessa profissão tão honrada segundo Lula.

Não foi esse mesmo Lula quem disse, não faz tanto tempo assim, que o Congresso Nacional era formado por "300 picaretas"? Todos eles haviam encarado o povo para se eleger.

Não é à toa, pois, que Lula se autodefina como "metamorfose ambulante". Depois de eleito, ele governou de braço dado com muitos dos que, antes, ele definira como "picaretas".

Para explicar sua tese sobre a santidade dos políticos, Lula atacou quem faz concurso público, esse cidadão que "se forma na universidade, faz o concurso e tá com o emprego garantido pro resto da vida".

Comparação absolutamente sem sentido, para não dizer coisa pior. Fazer concurso público e ser aprovado qualifica quem o faz, em vez de torná-lo desonesto, como pretende Lula. O pior de tudo é que as considerações do ex-presidente sobre os políticos aparecem no momento em que, no mundo inteiro, há um repúdio maciço a eles.

É óbvio que toda generalização é injusta. Nem todo político é ladrão, coisa que escrevo faz anos e sempre provoca rechaço entre parte do leitorado. Mas a injustiça da generalização é culpa exclusiva dos próprios políticos, cujas ações ou omissões continuadas levaram a esse sentimento.

Se todos os políticos fossem honestos, não teria havido, em 2013, um movimento de protesto cuja essência era o "fora, todos". Tudo somado, tem-se que Lula parece ter se instalado em uma bolha em que seus problemas pessoais levam a raciocínios sem pé nem cabeça.


Os 14 contêineres de Lula - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 18/09

De acordo com os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ao menos R$ 3,7 milhões a título de propina da OAS. Segundo a denúncia apresentada, está incluído nesse valor, além das benesses referentes ao triplex do Guarujá, o montante de R$ 1,3 milhão que a empreiteira teria pago pela armazenagem, entre 2011 e 2016, de 14 contêineres de Lula.

Não há dúvida a respeito de quem bancou o custeio dessa armazenagem. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – que também foi denunciado pela Operação Lava Jato por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro –, admitiu ter recorrido à generosa empreiteira para que ela pagasse a conta da manutenção do acervo do ex-presidente.

Segundo Okamotto, ele não tinha alternativa. “É que não tínhamos dinheiro. Quando fizemos o contrato não tinha recursos. Como vai pagar um aluguel de R$ 25 mil? Não tinha outro jeito. Como é que ia fazer? Onde iria guardar 14 contêineres?”

Dizendo não se tratar de um crime, Okamotto afirma que não se arrepende da decisão de pedir ajuda para a empreiteira. “Eu realmente pedi para a OAS, se isso for um crime então você me diga qual é a pena que sou obrigado a cumprir. Eu sempre disse que pedi apoio à OAS”, reconheceu o diligente Okamotto, que soube com precisão onde buscar os recursos de que tanto necessitava.

O presidente do Instituto Lula disse ainda que o conteúdo dos 14 contêineres – bens que, segundo ele, “integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público” – justificaria que a empreiteira recorresse aos benefícios fiscais concedidos pela Lei Rouanet. “A OAS para mim deveria inclusive reivindicar Lei Rouanet porque está fazendo um pagamento para manter um bem cultural do povo brasileiro”, opinou.

Antes de discutir se é razoável gastar dinheiro público para manter o acervo de Lula, é necessário investigar detalhadamente o conteúdo dos 14 contêineres, coisa que até agora não se fez. Fala-se simplesmente que ele é composto de milhares de cartas e presentes ao ex-presidente Lula.

Ora, existe um Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos (Decreto 4.081/2002), que proíbe o recebimento de presentes. O art. 10 é claro: “É vedado ao agente público, na relação com parte interessada não pertencente à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou de organismo internacional de que o Brasil participe, receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais”.

No caso de ser impossível ou inconveniente rejeitar o presente oferecido, o parágrafo 2.º do mesmo artigo do Código de Ética define o destino a ser dado: “Os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico, na forma regulada pela Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e Vice-Presidência da República”.

Como se vê, não basta esclarecer a que título a OAS pagou a conta da armazenagem dos 14 contêineres de Lula. Também é de interesse público que seja investigado o conteúdo exato do que consta nesse acervo, já que, como preceitua o Código de Ética, presente recebido no exercício de cargo público federal não se incorpora ao patrimônio pessoal do funcionário.

Pode ser que tudo não passe de um mal-entendido e os 14 contêineres estejam lotados de bugigangas – regalos de até R$ 100, que não entram na proibição do Código de Ética. De toda forma, é importante investigar o conteúdo do acervo de Lula. Afinal, não fica bem pairar sobre o homem que se diz o mais honesto do País dúvidas sobre sua adesão ao Código de Ética.

Não há via legal para antecipação de eleições - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/09

Ao discurso do ‘golpe’ segue-se a ressurreição das ‘diretas já’, uma bandeira política inexequível, a não ser na ruptura institucional de um golpe de estado


Quando a guerra do impeachment começou a ser perdida, o entorno de Dilma e o lulopetismo trataram de lapidar uma versão, ou “narrativa”, política para a derrota, numa tentativa de volta por cima. Construíram a tese do “golpe”, risível, mas que chegou a ser tratada no exterior, junto a simpatizantes petistas no mundo acadêmico e na imprensa, como algo sério.

Não só o impedimento em si da presidente, garantidos todos os direitos de defesa, mas o fato de ela ter participado de longa sessão no Senado, perante o qual proferiu discurso sem interrupção e respondeu a perguntas sem direito a réplica, esvaziaram o balão do “golpe”.

Mas como o PT e aliados se movem voltados para o calendário eleitoral deste ano e de 2018, outras “lutas” ganharam fôlego.

A do plebiscito para a antecipação do pleito presidencial de 2018 não animou sequer Rui Falcão, presidente do partido. Com a cara de Dilma, a ideia era de difícil execução: precisava de aprovação do Congresso, além da própria realização da consulta. Na ponta do lápis, o tempo não compensaria. Melhor, portanto, esperar 2018.

Mas a militância precisa de combustível. Foi, então, exumado o slogan “Diretas já”. Simpático, mas inadequado, por inexequível. Não apenas pelas fundadas diferenças entre os momentos históricos — em 1984, a ditadura militar resistia a permitir o retorno do voto popular, enquanto hoje cumpre-se o que estabelece a Constituição promulgada em 1988 e a Lei 1.079, do impeachment, de 1949, atualizada em 2000 para incorporar preceitos da responsabilidade fiscal, atropelados por Dilma e por isso cassada.

Não há alternativa legal para se antecipar eleições. Até 31 de dezembro, quando vence a primeira metade do mandado presidencial em curso, se Michel Temer sair, assume o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e convoca-se eleição direta. A partir de 1º de janeiro, eleição indireta pelo Congresso.

Não existe na Carta a possibilidade de emenda antecipar o pleito, porque a periodicidade com que se vai às urnas é cláusula pétrea, incluída no artigo 60 da Constituição. Tem, ainda, o mesmo status jurídico o direito adquirido pelo vice de governar, com o impedimento do presidente (artigo 79). Nada disso pode ser mudado, nem pelo quórum exigido para proposta de emenda à Constituição, de três quintos dos votos (60%), em dois turnos de votação, em cada Casa. O projeto petista de “diretas já" só poderia ser realizado num golpe de estado, numa ruptura institucional, algo que os brasileiros pactuaram deixar no passado de vez.

Há por trás dessa obsessão de petistas e aliados em mudar a Carta um aspecto da ideologia bolivariana, absorvida pelo nacional-populismo brasileiro. O chavismo produziu a maior tragédia da história da Venezuela com mudanças feitas na Carta pela manipulação das ruas, estopim de crises institucionais e causa de grande insegurança jurídica, em todo país que adota o ardil.

Veio daí a bandeira lulopetista da “Constituinte exclusiva”, para fazer a reforma política. Não é bom caminho, até porque também é uma ilegalidade. Se o Congresso não consegue formar maiorias de três quintos dos votos de deputados e senadores para executar mudanças pontuais na Carta, é porque a emenda em discussão não deve mesmo ser acolhida. Lógico. De novo: “Constituinte”, só depois de rupturas. Deriva desta mesma visão torta a volta das “diretas já”. Este, sim, o verdadeiro golpe.

Menos distorção - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/09

Avança no Senado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que ataca dois importantes problemas do sistema político brasileiro: a excessiva fragmentação partidária e as coligações nas disputas para deputado e vereador.

De autoria de Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e com relatoria de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), a PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e logo será apreciada pelo plenário da Casa.

Propõe-se que o Brasil adote, a partir de 2018, uma bem-vinda cláusula de desempenho eleitoral.

O pleno direito a funcionamento parlamentar, a participação no fundo partidário e o acesso gratuito a rádio e TV estariam reservados às legendas que atingissem, na disputa para a Câmara dos Deputados, no mínimo 2% de todos os votos válidos, distribuídos em pelo menos 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas.

A partir de 2022, seriam necessários pelo menos 3% dos votos válidos registrados nacionalmente.

Políticos filiados a agremiações que não atinjam esse patamar preservarão seus mandatos e, se quiserem, poderão migrar para uma sigla com melhor desempenho, sem risco de terminarem enquadrados nas regras de fidelidade partidária.

Ademais, a PEC proíbe, a partir de 2020, coligações nos pleitos proporcionais. Pelo sistema em vigor, quem vota no vereador, deputado estadual ou deputado federal de uma legenda quase sempre ajuda a eleger um nome de outra sigla —alguém que, com frequência, não tem afinidade ideológica com o candidato de fato escolhido.

A fim de preservar alianças programáticas, a proposta autoriza a criação de federações de partidos —na legislatura, seus membros deverão se comportar quase como se integrassem a mesma agremiação.

Com essas normas, será inevitável diminuir o número de partidos políticos no Brasil. Estima-se que, passadas duas disputas, o total caia de 35 -28 dos quais com representação no Congresso- para perto de dez.

Seria um grande avanço, e não apenas por diminuir o grau de engano a que se submete o eleitor. O modelo atual estimula a criação de siglas nanicas, interessadas em abocanhar nacos do fundo partidário e negociar tempo de TV. Além disso, a fragmentação excessiva, quando não impede, dificulta ou torna muito custosa a racionalização do Legislativo.

A boa notícia é que a maioria dos senadores parece sensível a tais argumentos; a má é que não será fácil convencer os deputados, que também precisarão dar seu aval à PEC.