ESTADÃO - 18/09
E, para o agronegócio, qual é a grande estratégia? A meu juízo deveria ser a de tornar o País, nos próximos dez anos, o maior player do comércio internacional do mundo, sem detrimento do abastecimento doméstico bem feito, como já é hoje
Vivemos a transição para um país melhor, mas que tem de ser penosamente construída. É um grande desafio para todos, mas, especialmente, para as lideranças, que terão de se reinventar. Isso porque a situação atual não se traduz pela troca de presidentes, apenas. O que temos é a mudança de um sistema de poder em meio a uma crise sem precedentes (basta lembrar que o PIB só caiu dois anos seguidos em 1930/31).
A saída do grupo que nos governou desde 2003 implica na troca do modelo de desenvolvimento: de uma concepção de economia fechada e de um Estado que pretendia comandar todas as decisões nacionais, iremos para um país mais aberto, mas com um Estado menos concentrador das decisões e invasivo. A economia aberta se coloca como um grande problema para boa parte da indústria, mas não é novidade para a agricultura, que desde sempre compete lá fora. Entretanto, a redefinição do Estado é desafiadora para todos os segmentos de nossa economia.
Isso porque perdemos um pouco da inteligência e da visão de um projeto de país, inclusive pelo fato de que muitos órgãos pensantes foram meio que destruídos ou tornados mais fracos pela militância política: é o caso do Ipea do sr. Marcio Pochmann, do BNDES (no qual mais de 800 profissionais experientes foram aposentados precocemente e trocados por um número maior de jovens no início de carreira), da destruição das agências reguladoras, da captura de parte das universidades por grupelhos de esquerda radical, que estão destruindo centros de ensino e pesquisa.
Também não temos muitos projetos pensados e discutidos mais extensivamente em áreas fundamentais como Previdência, sistema tributário, reforma trabalhista, áreas relevantes da infraestrutura, uma visão da indústria, etc.
Não temos narrativas para enfrentar o debate político. Por exemplo, ainda prevalece a ideia de que terceirização significa precarização do trabalho, o que é falso (bastando que a lei responsabilize solidariamente a empresa que terceiriza pelo recolhimento dos encargos sociais) e joga contra a eficiência e a produtividade (por exemplo, empresas pequenas não comportam um departamento de informática, embora ninguém viva mais sem desenvolvimento de sistemas). Ademais, a separação entre atividades meio e fim é bastante imprecisa e não faz sentido num sistema de produção moderno.
Nossas lideranças ainda trabalham basicamente com listas de demandas restritas, defensivas ou setoriais, evitando as questões mais sistêmicas.
Entretanto, estamos na hora das estratégias.
E, para o agronegócio, qual é a grande estratégia? A meu juízo deveria ser a de tornar o País, nos próximos dez anos, o maior player do comércio internacional do mundo, sem detrimento do abastecimento doméstico bem feito, como já é hoje. Menciono pelo menos seis pontos a considerar: 1) Resolver a pauta do século passado: melhoria mínima na infraestrutura, na questão tributária, trabalhista, etc. 2) Pensar em cadeias produtivas de insumos a serviços, indústrias e distribuidores. Essa é a tendência inexorável no mundo moderno. A separação entre setores primário, secundário e terciário não faz mais sentido. Os conflitos na cadeia têm de ser resolvidos por ela mesma. 3) Entrar firme na nova pauta da agricultura de precisão.
4) Enfrentar a questão da exportação de commodities (naturalmente sem proibi-las), ao ampliar a oferta de novos produtos agroindustriais, como biocombustíveis avançados. Produtos verdes voltaram a ser valorizados, mesmo com o petróleo em baixa, devido ao aquecimento global. 5) Avançar na questão da sustentabilidade ambiental, inclusive pela expansão dos sistemas de integração lavoura/pecuária/florestas. 6) Acabar com a dicotomia falsa da pequena/grande produção. A reforma agrária não é mais pauta do País. Entretanto, é preciso olhar e enfrentar a questão dos agricultores que ficaram para trás, especialmente na região Nordeste.
Enfrentar a crise brasileira e construir uma nova visão estratégica vai exigir da liderança do setor sua reinvenção. Não será fácil, mas está ao nosso alcance.
*economista e sócio da MB Associados. Escreve quinzenalmente
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