ZERO HORA - 03/08
Meu fascínio pelo M começou muito cedo, praticamente no dia em que registraram meu nascimento. Meu nome completo é Martha Mattos de Medeiros, o que tornou inevitável o protagonismo que a 13ª letra do alfabeto (incluindo o K) passou a exercer sobre mim. E não parou por aí. Passei a desenvolver simpatia também pelas portadoras de duplo M, como Marilyn Monroe, Malu Mader, Marisa Monte, Monica Martelli, Mallu Magalhães. E Madonna, lógico, com seu M único, mas que potência.
Não demorou até eu expandir a atenção que dava aos nomes próprios: um dia percebi que o mundo feminino era quase todo regido pela mesma letra. Me acompanhe: mulher, moça, menina, mãe, maternidade, menstruação, menopausa, miss, modelo, manequim, musa, madrasta, madame, madre, mama, mana, matriarca, meretriz, mina. Sem falar em Maria, nossa Senhora. Ou a Maria que trabalha em nossa casa, santa também.
Foi quando, na virada dos anos 2000, resolvi escrever um livro salientando todos os emes (e por que não, as emes) que norteavam minha vida, porém comecei o trabalho de um jeito e terminei de outro: virou um romance chamado Divã, que escapou da minha intenção inicial e acabou virando uma história de ficção, ainda que com forte interferência da maneira como vejo o mundo. Agora você sabe: o fato de a protagonista se chamar Mercedes e a melhor amiga dela, Monica, não veio do nada.
Foi só um descaminho, não uma desistência. Continuei com a ideia fixa de colocar meus emes para trabalhar, e hoje não tenho dúvida de que a internet é o canal mais adequado. O mundo se virtualizou de uma forma que não tem volta, e mesmo pouco familiarizada com todos os recursos tecnológicos disponíveis, está mais do que na hora de me aventurar. Então, é essa a novidade que trago: estou lançando meu primeiro site oficial.
Ele não apresentará nada de extravagante: apenas minha agenda de compromissos profissionais, meu currículo até aqui, algumas opiniões que não merecem mais do que três linhas, compartilhamentos de músicas, livros e demais preferências particulares. E os emes que me fizeram ser quem sou. M de Mochila, M de Movimento, M de Monareta, M de Marrocos, M de Maverick, M de Medo, M de Máquina de Escrever e tantos outros. Uma biografia em cápsulas. Não vai faltar assunto, espero.
Tudo curto e rápido, mas certamente M de Meu.
Como já disse, não sou a melhor representante desse mundo dinâmico, então não haverá atualizações num piscar de olhos e o conteúdo será M de Modesto, mas se ainda assim você achar que vale a pena dar uma olhada, gratíssima. Anote aí: martha-medeiros.com
A partir de amanhã. Misericórdia.
domingo, agosto 03, 2014
A culpa é das nuvens - FABRÍCIO CARPINEJAR
ZERO HORA - 03/08
Sou partidário de não chorar no cinema.
Não choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.
É muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair. Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.
É um dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino militar.
Faço questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o convite na hora.
Choro com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.
Eu fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.
Aprendi a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a primeira lágrima.
Além de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de plásticas no futuro.
Tampouco teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é desmerecer o trabalho de uma profissional.
Começaria também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).
Você deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo, perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.
Deixe a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja abusado.
Não tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios simpáticos para a atração física.
Não tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição hormonal.
A Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário. Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.
Vá lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.
Sou partidário de não chorar no cinema.
Não choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.
É muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair. Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.
É um dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino militar.
Faço questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o convite na hora.
Choro com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.
Eu fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.
Aprendi a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a primeira lágrima.
Além de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de plásticas no futuro.
Tampouco teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é desmerecer o trabalho de uma profissional.
Começaria também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).
Você deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo, perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.
Deixe a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja abusado.
Não tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios simpáticos para a atração física.
Não tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição hormonal.
A Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário. Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.
Vá lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.
Um caso de polícia - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 03/08
A divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio deixou-me chocado
Não faz muito tempo, escrevi aqui uma crônica em que procurava mostrar que a desmoralização da polícia não ajuda os cidadãos e, sim, ao contrário, ajuda os criminosos.
Dizia, portanto, apenas o óbvio, uma vez que a polícia é um órgão do Estado, criado e mantido por ele, para garantir a segurança dos cidadãos. Admitia, claro, que muitos policiais abusam da autoridade que lhes é delegada por nós e chegam mesmo a agir como bandidos.
Mas não é assim que age a maioria dos policiais. Esses merecem nosso respeito e nosso reconhecimento, já que a sua função implica frequentemente em pôr a própria vida em risco.
Isso afirmei naquela ocasião e o mantenho, porque é essencialmente verdade. Não obstante, a divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio de Janeiro deixou-me chocado e revoltado. Não tenho dúvida de que essa terá sido a reação de todas as pessoas que o viram.
No carro estavam dois cabos da PM que haviam prendido três garotos suspeitos de praticarem furtos no centro da cidade.
Puseram os garotos na mala do carro e rumaram para o morro do Sumaré, que fica acima da floresta da Tijuca, local habitualmente deserto.
Enquanto viajavam para lá, estavam sendo filmados por um equipamento de vídeo instalado no veículo, com o propósito de controlar a ação dos seus ocupantes.
Os soldados pareciam se divertir com aquela tarefa e conversavam: "Vamos descarregar a arma neles?...", disse um deles, e o outro: "Jogar eles lá de cima". Conversavam e riam, como se falassem de coisas engraçadas.
Finalmente, chegaram ao alto do Sumaré. Fizeram o terceiro garoto descer e seguiram até o ponto em que estacionaram e um deles saiu para tirar os garotos do porta-malas. Em seguida, o outro guarda também saiu do carro. Dava para ver o momento em que abriram a mala, mas a partir daí a gravação parou.
Não se viu nem ouviu o que aconteceu, para onde os levaram, o que fizeram com eles.
Depois de um tempo, retornam e a gravação recomeça. Dão a volta no carro e, mais adiante, pegam o garoto que haviam deixado na estrada. Por que o deixaram ali e agora o pegam de volta? Para que não visse o que iam fazer com os outros dois?
Fazem-no sentar no banco traseiro e um dos guardas diz a ele que, se souberem que alguém andou falando do que ocorreu ali, a coisa vai engrossar.
Avisam-lhe que deve ficar de bico calado, não sabe de nada, não aconteceu nada. Mais tarde, quando certamente já estão de volta à cidade, fazem o garoto descer e seguem seu caminho, sorridentes, felizes da tarefa realizada. Mas que tarefa foi essa: matar os dois pivetes?
Inacreditável, pensei comigo mesmo. Que há policiais que matam bandidos, todo mundo sabe. Mas, neste caso, havia uma coisa surpreendente: aqueles dois cabos da PM disseram o que disseram, dando a entender que iam executar os garotos, sabendo que estavam sendo gravados pelas duas câmeras instaladas no carro.
As câmeras não são postas ali sem o conhecimento de quem usa o veículo; são postas ali para que eles saibam que estão sendo vigiados. E sabem também que as gravações são depois levadas para a sede da polícia e armazenadas para serem posteriormente analisadas por oficiais da corporação.
E mesmo assim aqueles dois cabos deixavam claro que iam dar fim aos meninos e ainda ameaçam o terceiro para que não conte nada do que houve?
Ou seja, se o menino não falar, nada se saberá. Mas e a gravação?
Pois, sim, se os policiais sabiam que tudo o que diziam estava sendo gravado, se deixaram claro que puseram os garotos na mala do carro, que depois os tiraram de lá e os executaram e o vídeo mostra isso, a pergunta inevitável é esta: eles estavam certos de que, ainda que o comando da PM viesse a saber do crime que praticaram, nada lhes aconteceria?
Ou seja, o comando da PM está de acordo com a execução de suspeitos?
Sinceramente, sem pretender fazer juízo antecipado de ninguém, acho que o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro deve uma explicação à opinião pública.
A divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio deixou-me chocado
Não faz muito tempo, escrevi aqui uma crônica em que procurava mostrar que a desmoralização da polícia não ajuda os cidadãos e, sim, ao contrário, ajuda os criminosos.
Dizia, portanto, apenas o óbvio, uma vez que a polícia é um órgão do Estado, criado e mantido por ele, para garantir a segurança dos cidadãos. Admitia, claro, que muitos policiais abusam da autoridade que lhes é delegada por nós e chegam mesmo a agir como bandidos.
Mas não é assim que age a maioria dos policiais. Esses merecem nosso respeito e nosso reconhecimento, já que a sua função implica frequentemente em pôr a própria vida em risco.
Isso afirmei naquela ocasião e o mantenho, porque é essencialmente verdade. Não obstante, a divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio de Janeiro deixou-me chocado e revoltado. Não tenho dúvida de que essa terá sido a reação de todas as pessoas que o viram.
No carro estavam dois cabos da PM que haviam prendido três garotos suspeitos de praticarem furtos no centro da cidade.
Puseram os garotos na mala do carro e rumaram para o morro do Sumaré, que fica acima da floresta da Tijuca, local habitualmente deserto.
Enquanto viajavam para lá, estavam sendo filmados por um equipamento de vídeo instalado no veículo, com o propósito de controlar a ação dos seus ocupantes.
Os soldados pareciam se divertir com aquela tarefa e conversavam: "Vamos descarregar a arma neles?...", disse um deles, e o outro: "Jogar eles lá de cima". Conversavam e riam, como se falassem de coisas engraçadas.
Finalmente, chegaram ao alto do Sumaré. Fizeram o terceiro garoto descer e seguiram até o ponto em que estacionaram e um deles saiu para tirar os garotos do porta-malas. Em seguida, o outro guarda também saiu do carro. Dava para ver o momento em que abriram a mala, mas a partir daí a gravação parou.
Não se viu nem ouviu o que aconteceu, para onde os levaram, o que fizeram com eles.
Depois de um tempo, retornam e a gravação recomeça. Dão a volta no carro e, mais adiante, pegam o garoto que haviam deixado na estrada. Por que o deixaram ali e agora o pegam de volta? Para que não visse o que iam fazer com os outros dois?
Fazem-no sentar no banco traseiro e um dos guardas diz a ele que, se souberem que alguém andou falando do que ocorreu ali, a coisa vai engrossar.
Avisam-lhe que deve ficar de bico calado, não sabe de nada, não aconteceu nada. Mais tarde, quando certamente já estão de volta à cidade, fazem o garoto descer e seguem seu caminho, sorridentes, felizes da tarefa realizada. Mas que tarefa foi essa: matar os dois pivetes?
Inacreditável, pensei comigo mesmo. Que há policiais que matam bandidos, todo mundo sabe. Mas, neste caso, havia uma coisa surpreendente: aqueles dois cabos da PM disseram o que disseram, dando a entender que iam executar os garotos, sabendo que estavam sendo gravados pelas duas câmeras instaladas no carro.
As câmeras não são postas ali sem o conhecimento de quem usa o veículo; são postas ali para que eles saibam que estão sendo vigiados. E sabem também que as gravações são depois levadas para a sede da polícia e armazenadas para serem posteriormente analisadas por oficiais da corporação.
E mesmo assim aqueles dois cabos deixavam claro que iam dar fim aos meninos e ainda ameaçam o terceiro para que não conte nada do que houve?
Ou seja, se o menino não falar, nada se saberá. Mas e a gravação?
Pois, sim, se os policiais sabiam que tudo o que diziam estava sendo gravado, se deixaram claro que puseram os garotos na mala do carro, que depois os tiraram de lá e os executaram e o vídeo mostra isso, a pergunta inevitável é esta: eles estavam certos de que, ainda que o comando da PM viesse a saber do crime que praticaram, nada lhes aconteceria?
Ou seja, o comando da PM está de acordo com a execução de suspeitos?
Sinceramente, sem pretender fazer juízo antecipado de ninguém, acho que o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro deve uma explicação à opinião pública.
Fiu-fiu - LUÍS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 03/08
Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha?
Lançaram agora um celular à prova d’água, que você pode usar no chuveiro. Ou em qualquer outro lugar embaixo d’água. No mar, por exemplo.
— Bem, não me espere para o jantar...
— Onde você está?
— Sabe a nossa pesca submarina?
— O que houve?
— Pensei que fosse uma garoupa e era um tubarão. E ele está vindo na minha direção.
— Você ainda está embaixo d’água?!
— Estou.
— E o seu arpão?
— O tubarão engoliu!
— Ligue para a Guarda Costeira!
São cada vez mais raros os lugares em que você pode se ver livre de celulares, e agora nem as piscinas estão seguras.
Os celulares são práticos e se tornaram indispensáveis, eu sei, mas empobreceram a vida social. Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha? Ou um casal em outra mesa, os dois mergulhados nos respectivos celulares sem nem se olharem, o que dirá se falarem — a não ser que estejam trocando mensagens silenciosas entre si, o que é ainda mais triste?
Os celulares podem ser perigosos de várias maneiras, mesmo que não derretam o cérebro, como se andou espalhando há algum tempo. Imagino uma velhinha que ganhou um celular dos netos sem que estes se dessem ao trabalho de explicar seu funcionamento para a vovó. Não contaram, por exemplo, que o celular dado assobia quando recebe uma mensagem. É um assovio humano, um nítido fiu-fiu avisando que alguém ligou, e que pode soar a qualquer hora do dia ou da noite. E imagino a vovó, que mora sozinha, dormindo e, de repente, acordando com o assovio. Um fiu-fiu no meio da noite! A vovó, se não morrer imediatamente do coração, pode ficar apavorada. Quem está lá? Um ladrão ou um fantasma assoviador? E o assovio tem algo de galante. A vovó pode muito bem sair da cama, sem saber se está acordada ou sonhando, e caminhar na direção do fiu-fiu sedutor, como se tivessem vindo buscá-la. Alguém pensou nas vovós solitárias quando inventou o assovio?
O fato é que não há mais refúgio. Nem castelos anti-smartphones com um fosso em volta. Eles agora podem atravessar o fosso.
Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha?
Lançaram agora um celular à prova d’água, que você pode usar no chuveiro. Ou em qualquer outro lugar embaixo d’água. No mar, por exemplo.
— Bem, não me espere para o jantar...
— Onde você está?
— Sabe a nossa pesca submarina?
— O que houve?
— Pensei que fosse uma garoupa e era um tubarão. E ele está vindo na minha direção.
— Você ainda está embaixo d’água?!
— Estou.
— E o seu arpão?
— O tubarão engoliu!
— Ligue para a Guarda Costeira!
São cada vez mais raros os lugares em que você pode se ver livre de celulares, e agora nem as piscinas estão seguras.
Os celulares são práticos e se tornaram indispensáveis, eu sei, mas empobreceram a vida social. Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha? Ou um casal em outra mesa, os dois mergulhados nos respectivos celulares sem nem se olharem, o que dirá se falarem — a não ser que estejam trocando mensagens silenciosas entre si, o que é ainda mais triste?
Os celulares podem ser perigosos de várias maneiras, mesmo que não derretam o cérebro, como se andou espalhando há algum tempo. Imagino uma velhinha que ganhou um celular dos netos sem que estes se dessem ao trabalho de explicar seu funcionamento para a vovó. Não contaram, por exemplo, que o celular dado assobia quando recebe uma mensagem. É um assovio humano, um nítido fiu-fiu avisando que alguém ligou, e que pode soar a qualquer hora do dia ou da noite. E imagino a vovó, que mora sozinha, dormindo e, de repente, acordando com o assovio. Um fiu-fiu no meio da noite! A vovó, se não morrer imediatamente do coração, pode ficar apavorada. Quem está lá? Um ladrão ou um fantasma assoviador? E o assovio tem algo de galante. A vovó pode muito bem sair da cama, sem saber se está acordada ou sonhando, e caminhar na direção do fiu-fiu sedutor, como se tivessem vindo buscá-la. Alguém pensou nas vovós solitárias quando inventou o assovio?
O fato é que não há mais refúgio. Nem castelos anti-smartphones com um fosso em volta. Eles agora podem atravessar o fosso.
Blanquette de veau - LUÍS FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 03/08
– Mmm. Blanquette de veau...
– Gosta? – É meu prato preferido.
– Eu sei. – Sou um especialista em blanquettes de veau.
– Eu sei. – Acho que o teste de um bom cozinheiro, ou de uma boa cozinheira, é a blanquette de veau. E não tenho paciência com quem se mete a fazer blanquettes de veau sem saber como. Certa vez, fechei um restaurante com a minha crítica ao seu blanquette de veau. O dono leu a minha crítica e fechou o restaurante no mesmo dia. Ouvi dizer que ele se suicidou.
– É verdade. – Um crítico gastronômico precisa ser implacável. Senão os incompetentes – ou, pior, os pretensiosos – tomam conta.
– Espero que o senhor aprove a minha blanquette.
– A senhorita sabe, claro, que eu não deveria estar aqui. Como crítico gastronômico, não posso aceitar convites como o que me fez. Mas não pude resistir.
– Talvez o meu decote o tenha convencido.
– Certamente ajudou.
– Mas coma, coma... Quero ver se o seu paladar é mesmo aguçado como dizem. Minha blanquette tem alguns ingredientes incomuns...
– Mmmm... Vamos ver. Não posso fazer feio. Detecto o vinho branco seco de qualidade, como convém... A vitela e o creme no ponto... Manteiga, farinha, perfeito. E um certo gosto forte de... sal do Himalaia?
– Cinza. – Cinza?!
– As cinzas do meu pai, que foi cremado depois de se suicidar por causa da sua crítica.
– Cinza. Interessante. Mas há algo mais... Eu diria...Tomilho?
– Não. – Estragão? – Veneno.
– Veneno. Claro. Esta não é uma blanquette de veau, é uma vingança.
– Acertou. – Eu deveria ter desconfiado do decote...
– Mmm. Blanquette de veau...
– Gosta? – É meu prato preferido.
– Eu sei. – Sou um especialista em blanquettes de veau.
– Eu sei. – Acho que o teste de um bom cozinheiro, ou de uma boa cozinheira, é a blanquette de veau. E não tenho paciência com quem se mete a fazer blanquettes de veau sem saber como. Certa vez, fechei um restaurante com a minha crítica ao seu blanquette de veau. O dono leu a minha crítica e fechou o restaurante no mesmo dia. Ouvi dizer que ele se suicidou.
– É verdade. – Um crítico gastronômico precisa ser implacável. Senão os incompetentes – ou, pior, os pretensiosos – tomam conta.
– Espero que o senhor aprove a minha blanquette.
– A senhorita sabe, claro, que eu não deveria estar aqui. Como crítico gastronômico, não posso aceitar convites como o que me fez. Mas não pude resistir.
– Talvez o meu decote o tenha convencido.
– Certamente ajudou.
– Mas coma, coma... Quero ver se o seu paladar é mesmo aguçado como dizem. Minha blanquette tem alguns ingredientes incomuns...
– Mmmm... Vamos ver. Não posso fazer feio. Detecto o vinho branco seco de qualidade, como convém... A vitela e o creme no ponto... Manteiga, farinha, perfeito. E um certo gosto forte de... sal do Himalaia?
– Cinza. – Cinza?!
– As cinzas do meu pai, que foi cremado depois de se suicidar por causa da sua crítica.
– Cinza. Interessante. Mas há algo mais... Eu diria...Tomilho?
– Não. – Estragão? – Veneno.
– Veneno. Claro. Esta não é uma blanquette de veau, é uma vingança.
– Acertou. – Eu deveria ter desconfiado do decote...
Otimistas e pessimistas - SUELY CALDAS
O ESTADÃO - 03/08
Entre os otimistas e pessimistas, onde se encaixam os realistas?
Em tom de campanha eleitoral, nos últimos dias o governo partiu para o ataque: tentou desqualificar os que criticam sua gestão econômica e atribuiu os males e fracassos que aparecem em pesquisas de indicadores econômicos a um suposto "pessimismo artificial" desses críticos contra o governo Dilma. Nos discursos diários da presidente e em entrevistas do ministro Guido Mantega, o "pessimismo" desponta como o grande culpado.
Se o resultado das contas públicas é o pior dos últimos 14 anos, cai a arrecadação de impostos, aumentam as despesas do governo e a meta fiscal ameaça não ser cumprida, a culpa é dos pessimistas, que não enxergam um futuro fantástico e promissor que se desenha para o segundo semestre. Para Mantega, não existe represamento das tarifas de combustíveis, insistentemente reclamadas pela Petrobrás, nem da de energia elétrica, que levou o governo a repassar às empresas elétricas R$ 9,8 bilhões em 2013 e R$ 17,7 bilhões de dois empréstimos este ano, além de R$ 9 bilhões previstos no Orçamento de 2014, tudo para evitar o aumento da tarifa, que poderia tirar votos da candidata do PT. Essa história de socorro às elétricas e um tarifaço em 2015, previsto pelo próprio governo para pagar os empréstimos, são "conversa pra boi dormir", na interpretação de Mantega.
E o que dizer da queda das exportações e do crescente déficit externo? E da espantosa combinação de inflação alta com crescimento econômico estagnado? E juros nas alturas para empresas e pessoas físicas? E a persistente queda na produção industrial? E a crise de confiança dos empresários, que freia investimentos? E o dinheiro público subsidiando usinas elétricas paradas por falta de linhas de transmissão? Para Dilma e seu ministro da Fazenda tudo isso não existe, não passa de invenção de renitentes pessimistas - que, teimosos desde o início do governo Dilma, não enxergam que o futuro vai melhorar, a economia vai acelerar nos próximos meses, o cenário ruim será superado e o País será só sorrisos. Afinal, não custa ser otimista, não é mesmo? O negócio é que a realidade não tem confirmado esse otimismo: passados quase quatro anos de Dilma, o futuro promissor não chegou e o PIB foi caindo ano a ano (cresceu 2,7% em 2011, 0,9% em 2012, 2,3% em 2013 e em 2014 deve crescer 0,97%), segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Distante de outros emergentes, como Chile, Colômbia e Peru, que têm crescido a uma média de 4% a 6% nesses anos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também entrou no rol dos pessimistas, por ter divulgado relatório apontando o Brasil como um dos emergentes mais vulneráveis às mudanças da economia mundial. De 1996 a 2001 o Brasil sofreu seguidas crises influenciadas por mudanças da economia mundial. As crises da Ásia e da Rússia, em 1997/1998, a moratória da Argentina e o ataque às Torres Gêmeas nos EUA, em 2001, encontraram um Brasil frágil em seus fundamentos econômicos, e o Plano Real ameaçou naufragar. Passados 13 anos, o País estaria vivendo novamente situação parecida?
Certamente não, porque os dois momentos são diferentes. Naquele passado, o País começava sua reconstrução, iniciada em 1994 com a derrubada da hiperinflação e o real em circulação. Os fundamentos econômicos ainda eram frágeis e entre eles despontava o câmbio, que, por servir de moeda de troca com o resto do mundo, era o mais sensível às mudanças externas. As fracas reservas cambiais não conseguiram barrar as crises que vieram de fora. Introduzido no segundo mandato de FHC, o tripé (câmbio flutuante, superávit primário e meta de inflação) foi fundamental para FHC e Lula começarem a construir paredões contra ataques externos. Os bons ventos que sopravam de fora no primeiro mandato de Lula fizeram o resto, e o Brasil acumula hoje US$ 380 bilhões de reservas cambiais. Suficientes para neutralizar efeitos de mudanças externas? Não deixam de ser um anteparo. Só que no governo Dilma o setor externo da economia tem enfraquecido de forma acelerada, deixando o País vulnerável, como alerta o FMI. Infelizmente.
Entre os otimistas e pessimistas, onde se encaixam os realistas?
Em tom de campanha eleitoral, nos últimos dias o governo partiu para o ataque: tentou desqualificar os que criticam sua gestão econômica e atribuiu os males e fracassos que aparecem em pesquisas de indicadores econômicos a um suposto "pessimismo artificial" desses críticos contra o governo Dilma. Nos discursos diários da presidente e em entrevistas do ministro Guido Mantega, o "pessimismo" desponta como o grande culpado.
Se o resultado das contas públicas é o pior dos últimos 14 anos, cai a arrecadação de impostos, aumentam as despesas do governo e a meta fiscal ameaça não ser cumprida, a culpa é dos pessimistas, que não enxergam um futuro fantástico e promissor que se desenha para o segundo semestre. Para Mantega, não existe represamento das tarifas de combustíveis, insistentemente reclamadas pela Petrobrás, nem da de energia elétrica, que levou o governo a repassar às empresas elétricas R$ 9,8 bilhões em 2013 e R$ 17,7 bilhões de dois empréstimos este ano, além de R$ 9 bilhões previstos no Orçamento de 2014, tudo para evitar o aumento da tarifa, que poderia tirar votos da candidata do PT. Essa história de socorro às elétricas e um tarifaço em 2015, previsto pelo próprio governo para pagar os empréstimos, são "conversa pra boi dormir", na interpretação de Mantega.
E o que dizer da queda das exportações e do crescente déficit externo? E da espantosa combinação de inflação alta com crescimento econômico estagnado? E juros nas alturas para empresas e pessoas físicas? E a persistente queda na produção industrial? E a crise de confiança dos empresários, que freia investimentos? E o dinheiro público subsidiando usinas elétricas paradas por falta de linhas de transmissão? Para Dilma e seu ministro da Fazenda tudo isso não existe, não passa de invenção de renitentes pessimistas - que, teimosos desde o início do governo Dilma, não enxergam que o futuro vai melhorar, a economia vai acelerar nos próximos meses, o cenário ruim será superado e o País será só sorrisos. Afinal, não custa ser otimista, não é mesmo? O negócio é que a realidade não tem confirmado esse otimismo: passados quase quatro anos de Dilma, o futuro promissor não chegou e o PIB foi caindo ano a ano (cresceu 2,7% em 2011, 0,9% em 2012, 2,3% em 2013 e em 2014 deve crescer 0,97%), segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Distante de outros emergentes, como Chile, Colômbia e Peru, que têm crescido a uma média de 4% a 6% nesses anos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também entrou no rol dos pessimistas, por ter divulgado relatório apontando o Brasil como um dos emergentes mais vulneráveis às mudanças da economia mundial. De 1996 a 2001 o Brasil sofreu seguidas crises influenciadas por mudanças da economia mundial. As crises da Ásia e da Rússia, em 1997/1998, a moratória da Argentina e o ataque às Torres Gêmeas nos EUA, em 2001, encontraram um Brasil frágil em seus fundamentos econômicos, e o Plano Real ameaçou naufragar. Passados 13 anos, o País estaria vivendo novamente situação parecida?
Certamente não, porque os dois momentos são diferentes. Naquele passado, o País começava sua reconstrução, iniciada em 1994 com a derrubada da hiperinflação e o real em circulação. Os fundamentos econômicos ainda eram frágeis e entre eles despontava o câmbio, que, por servir de moeda de troca com o resto do mundo, era o mais sensível às mudanças externas. As fracas reservas cambiais não conseguiram barrar as crises que vieram de fora. Introduzido no segundo mandato de FHC, o tripé (câmbio flutuante, superávit primário e meta de inflação) foi fundamental para FHC e Lula começarem a construir paredões contra ataques externos. Os bons ventos que sopravam de fora no primeiro mandato de Lula fizeram o resto, e o Brasil acumula hoje US$ 380 bilhões de reservas cambiais. Suficientes para neutralizar efeitos de mudanças externas? Não deixam de ser um anteparo. Só que no governo Dilma o setor externo da economia tem enfraquecido de forma acelerada, deixando o País vulnerável, como alerta o FMI. Infelizmente.
Recessão "técnica" e mental - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/08
No meio da campanha, resultados do PIB podem levar debate eleitoral para picuinhas numéricas
NO MEIO DA campanha eleitoral sai o resultado do crescimento da economia na primeira metade do ano. No próximo dia 29, vamos saber do andar da carroça do PIB no segundo trimestre, o que deve dar pano para a manga oposicionista ou, com muita sorte, para o governo, caso não venha o resultado previsto pelos "pessimistas".
Pode ser que se ouça a conversa da "recessão técnica". E daí? Daí, nada. "Recessão técnica" é um apelido dado a dois trimestres de crescimento abaixo de zero, de encolhimento da renda nacional por um semestre. Pode ser que o PIB do tumultuado segundo trimestre decresça algo em torno de 0,2% e, nada improvável, se revise o crescimento do primeiro trimestre para algo abaixo de zero também.
"Técnico" é um adjetivo que parece conferir seriedade a um substantivo. A reportagem sobre governos, por exemplo, costuma dizer que a nomeação de fulana ou sicrano para um cargo foi "técnica" quando a pessoa estudou alguma coisa, em tese não tem inclinação para negócios público-privados ou não é francamente ladra. Pode ser uma besta, mas é "técnica".
Por que a recessão é "técnica"? Porque, talvez, um trimestre apenas de encolhimento do PIB seja acidental. Com dois trimestres de crescimento abaixo de zero, a coisa fica com mais cheiro de queimado, mas vai pouco além a tecnicidade da definição. Qual a dife- rença de um ritmo de crescime- nto de -0,2% seguido de 0,2% de outro, digamos, de -0,1% e -0,1%? Neres de nada, picuinhas, políticas em especial. Em si mesmo, o número assim diz pouco sobre o andamento e a qualidade do estado da economia.
Muita gente que se dedica ao assunto não define recessões apenas pelo andar do PIB, nem há definição incontroversa do conceito. Além do mais, em termos práticos e eleitorais, o PIB é uma abstração real, digamos, de modo irônico.
Pode acontecer, como no Brasil recente, de o crescimento ir de mal a pior e o estado geral da economia prenunciar dias ainda piores, mas a população ainda não sentir na carne os problemas.
Por exemplo, é provável que o PIB da segunda metade do ano seja melhorzinho que o do primeiro semestre, mas, no dia a dia, a sensação térmica vai ser pior, com o mercado de trabalho esfriando mais.
Recessão "técnica", espiritual, mental, estagnação, ou seja lá o que aparecer na roleta de agosto, o fato é que o Brasil cresce muito pouco enquanto apresenta sintomas de uma economia que cresce excessivamente (inflação e deficit ex- terno relativamente altos, para ser breve).
Trata-se do pior de dois mundos. Sem dar conta disso, de desarranjos econômicos elementares, não se pode passar a discutir coisa mais séria, alternativas de desenvolvimento econômico, que se prestam a muita controvérsia (coisas como inflação e gasto público se prestam a pouca controvérsia).
Se todos os candidatos relevantes a presidente disserem coi- sas sensatas a respeito, em vez de bobagens, picuinhas e sujida- des eleitorais, pode ser que a recuperação econômica comece até um tico antes.
É o que o colunista tem a esperança de ver quando voltar de férias, em setembro.
No meio da campanha, resultados do PIB podem levar debate eleitoral para picuinhas numéricas
NO MEIO DA campanha eleitoral sai o resultado do crescimento da economia na primeira metade do ano. No próximo dia 29, vamos saber do andar da carroça do PIB no segundo trimestre, o que deve dar pano para a manga oposicionista ou, com muita sorte, para o governo, caso não venha o resultado previsto pelos "pessimistas".
Pode ser que se ouça a conversa da "recessão técnica". E daí? Daí, nada. "Recessão técnica" é um apelido dado a dois trimestres de crescimento abaixo de zero, de encolhimento da renda nacional por um semestre. Pode ser que o PIB do tumultuado segundo trimestre decresça algo em torno de 0,2% e, nada improvável, se revise o crescimento do primeiro trimestre para algo abaixo de zero também.
"Técnico" é um adjetivo que parece conferir seriedade a um substantivo. A reportagem sobre governos, por exemplo, costuma dizer que a nomeação de fulana ou sicrano para um cargo foi "técnica" quando a pessoa estudou alguma coisa, em tese não tem inclinação para negócios público-privados ou não é francamente ladra. Pode ser uma besta, mas é "técnica".
Por que a recessão é "técnica"? Porque, talvez, um trimestre apenas de encolhimento do PIB seja acidental. Com dois trimestres de crescimento abaixo de zero, a coisa fica com mais cheiro de queimado, mas vai pouco além a tecnicidade da definição. Qual a dife- rença de um ritmo de crescime- nto de -0,2% seguido de 0,2% de outro, digamos, de -0,1% e -0,1%? Neres de nada, picuinhas, políticas em especial. Em si mesmo, o número assim diz pouco sobre o andamento e a qualidade do estado da economia.
Muita gente que se dedica ao assunto não define recessões apenas pelo andar do PIB, nem há definição incontroversa do conceito. Além do mais, em termos práticos e eleitorais, o PIB é uma abstração real, digamos, de modo irônico.
Pode acontecer, como no Brasil recente, de o crescimento ir de mal a pior e o estado geral da economia prenunciar dias ainda piores, mas a população ainda não sentir na carne os problemas.
Por exemplo, é provável que o PIB da segunda metade do ano seja melhorzinho que o do primeiro semestre, mas, no dia a dia, a sensação térmica vai ser pior, com o mercado de trabalho esfriando mais.
Recessão "técnica", espiritual, mental, estagnação, ou seja lá o que aparecer na roleta de agosto, o fato é que o Brasil cresce muito pouco enquanto apresenta sintomas de uma economia que cresce excessivamente (inflação e deficit ex- terno relativamente altos, para ser breve).
Trata-se do pior de dois mundos. Sem dar conta disso, de desarranjos econômicos elementares, não se pode passar a discutir coisa mais séria, alternativas de desenvolvimento econômico, que se prestam a muita controvérsia (coisas como inflação e gasto público se prestam a pouca controvérsia).
Se todos os candidatos relevantes a presidente disserem coi- sas sensatas a respeito, em vez de bobagens, picuinhas e sujida- des eleitorais, pode ser que a recuperação econômica comece até um tico antes.
É o que o colunista tem a esperança de ver quando voltar de férias, em setembro.
Leilão polêmico - RENATO CRUZ
O ESTADÃO - 03/08
O governo sente urgência em fazer o leilão de novas frequências para a quarta geração da telefonia celular (4G), previsto para o mês que vem. O edital deve receber o sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira e ser publicado no dia seguinte pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O dinheiro da venda da faixa de 700 MHz para uso na 4G é visto como essencial para fechar as contas públicas neste ano. "Estou contando com os R$ 8 bilhões", disse, na semana passada, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Mas as operadoras de telecomunicações não parecem tão animadas assim.
Como foi noticiado pelo Estado, a Telefônica (dona da Vivo) e a Oi defendem um adiamento. A Claro não se manifestou, mas Daniel Hajj, presidente da América Móvil (controladora da Claro), já havia dito há alguns meses, em entrevista de divulgação de resultados, que não via necessidade de mais espectro para a 4G no Brasil atualmente.
Acontece, no entanto, que essa faixa de 700 MHz não é para hoje. Atualmente, ela é ocupada pelos canais analógicos de TV aberta, e o governo quer receber agora por frequências que só vai conseguir entregar a partir de 2016.
O cronograma de desligamento da TV analógica prevê que os canais vão sair do ar no Distrito Federal em abril de 2015, em São Paulo em maio, em Belo Horizonte em junho, e assim sucessivamente, até a última cidade em 2018.
E as regras da Anatel preveem que as operadoras só poderão usar os canais depois de 12 meses da desocupação. Rodrigo Abreu, presidente da TIM (a única empresa que se mostrou interessada num leilão agora), disse considerar um exagero ter de esperar um ano pela limpeza da faixa depois do desligamento do sinal de TV.
Segundo dados da Anatel, em junho, somente 1% dos 275 milhões de celulares brasileiros eram 4G. Atualmente, a quarta geração opera em 2,5 GHz. Por questões físicas, essa faixa tem algumas desvantagens em relação à de 700 MHz. O raio de alcance das antenas em 2,5 GHz é menor, o que significa gastar mais dinheiro para conseguir uma boa cobertura. Além disso, o sinal em 2,5 GHz tem mais dificuldade de atravessar paredes e garantir uma boa recepção em ambientes fechados.
Na verdade, as operadoras têm muito interesse na faixa de 700 MHz. Só não querem pagar agora por alguma coisa que só vão receber entre 2016 e 2019. Também estão preocupadas com o preço. Os R$ 8 bilhões que o Tesouro quer receber não incluem obrigações que as empresas de telefonia terão de assumir para financiar uma transição sem interferências para a TV digital, que podem chegar a R$ 3,5 bilhões.
Para comparar, em 2012, quando fez o leilão da faixa de 2,5 GHz para a 4G, o governo arrecadou R$ 2,9 bilhões.
O governo sente urgência em fazer o leilão de novas frequências para a quarta geração da telefonia celular (4G), previsto para o mês que vem. O edital deve receber o sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira e ser publicado no dia seguinte pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O dinheiro da venda da faixa de 700 MHz para uso na 4G é visto como essencial para fechar as contas públicas neste ano. "Estou contando com os R$ 8 bilhões", disse, na semana passada, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Mas as operadoras de telecomunicações não parecem tão animadas assim.
Como foi noticiado pelo Estado, a Telefônica (dona da Vivo) e a Oi defendem um adiamento. A Claro não se manifestou, mas Daniel Hajj, presidente da América Móvil (controladora da Claro), já havia dito há alguns meses, em entrevista de divulgação de resultados, que não via necessidade de mais espectro para a 4G no Brasil atualmente.
Acontece, no entanto, que essa faixa de 700 MHz não é para hoje. Atualmente, ela é ocupada pelos canais analógicos de TV aberta, e o governo quer receber agora por frequências que só vai conseguir entregar a partir de 2016.
O cronograma de desligamento da TV analógica prevê que os canais vão sair do ar no Distrito Federal em abril de 2015, em São Paulo em maio, em Belo Horizonte em junho, e assim sucessivamente, até a última cidade em 2018.
E as regras da Anatel preveem que as operadoras só poderão usar os canais depois de 12 meses da desocupação. Rodrigo Abreu, presidente da TIM (a única empresa que se mostrou interessada num leilão agora), disse considerar um exagero ter de esperar um ano pela limpeza da faixa depois do desligamento do sinal de TV.
Segundo dados da Anatel, em junho, somente 1% dos 275 milhões de celulares brasileiros eram 4G. Atualmente, a quarta geração opera em 2,5 GHz. Por questões físicas, essa faixa tem algumas desvantagens em relação à de 700 MHz. O raio de alcance das antenas em 2,5 GHz é menor, o que significa gastar mais dinheiro para conseguir uma boa cobertura. Além disso, o sinal em 2,5 GHz tem mais dificuldade de atravessar paredes e garantir uma boa recepção em ambientes fechados.
Na verdade, as operadoras têm muito interesse na faixa de 700 MHz. Só não querem pagar agora por alguma coisa que só vão receber entre 2016 e 2019. Também estão preocupadas com o preço. Os R$ 8 bilhões que o Tesouro quer receber não incluem obrigações que as empresas de telefonia terão de assumir para financiar uma transição sem interferências para a TV digital, que podem chegar a R$ 3,5 bilhões.
Para comparar, em 2012, quando fez o leilão da faixa de 2,5 GHz para a 4G, o governo arrecadou R$ 2,9 bilhões.
Sofisma nas licitações - HAROLDO PINHEIRO
O GLOBO - 03/08
O mais provável é que o poder público pague mais caro que o correto
São unânimes dentro do poder público brasileiro as críticas à Lei Geral de Licitações. A 8666/93 é a “Geni” dos governantes, feita para apanhar por “engessar” a máquina administrativa com procedimentos ultrapassados, não abranger serviços inexistentes há duas décadas e se mostrar inócua no combate às práticas ilícitas.
Corroborando a visão do jurista Márcio Pestana quanto à “inapetência legislativa” do Brasil sobre contratações públicas, só agora entra na reta final a revisão da lei, com a inclusão do projeto de lei 559/2013 na pauta da sessão do Senado de 5 de agosto.
O projeto, porém, erra ao prever a perpetuação da “contratação integrada” de obras públicas. Nessa modalidade, o poder público — União, estados, Distrito Federal e municípios — licita uma obra apenas com um anteprojeto de arquitetura ou urbanismo. A empreiteira contratada fica com a responsabilidade de elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, as obras em si, os testes e demais operações necessárias para a conclusão do empreendimento.
No marco legislativo atual, a “contratação integrada” só pode ser usada em obras licitadas sob o polêmico Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), criado para as contratações de obras e serviços relacionados da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, depois utilizado nos empreendimentos do PAC e vários outros.
Os dispositivos gerais do PLS 559/2013 revogam a lei que implantou o RDC, mas, paradoxalmente, institucionalizam de vez e ampliam o uso da ferramenta instituída justamente para viabilizar o regime. Em outras palavras, o fim do RDC é um sofisma.
Sem um projeto completo elaborado de forma antecipada e independente da contratação da obra, a administração não tem parâmetros para especificar orçamentos justos, determinar a qualidade do empreendimento, controlar prazos e saber o quanto gastará em sua manutenção.
Os defensores do projeto 559/2013 argumentam que também o construtor assumirá riscos, esquecendo-se que ele naturalmente irá embutir isso na matriz de custos de sua proposta. E, como o poder público não sabe qual é orçamento justo, o mais provável é que pague mais caro que o correto. E sem que se exclua de vez qualquer possibilidade de aditivos no decorrer da obra.
Uma das hipóteses é outro sofisma. Permitem-se reajustes “por necessidade de alteração de projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação”. Ora, como quem faz o projeto é o próprio construtor, será ele o maior interessado em propor mudanças, que o poder público terá que engolir a seco.
Não se trata apenas de discutir a ampliação do potencial de corrupção. O principal aspecto a ser enfatizado é que, com a “contratação integrada”, o poder público abdica de seu papel de planejador da infraestrutura do país, dos espaços e das edificações públicas das cidades, delegando para as empreiteiras a definição da qualidade do meio ambiente construído brasileiro. Será o reconhecimento da “inapetência do Estado” pelo planejamento. É isso que a sociedade quer?
O mais provável é que o poder público pague mais caro que o correto
São unânimes dentro do poder público brasileiro as críticas à Lei Geral de Licitações. A 8666/93 é a “Geni” dos governantes, feita para apanhar por “engessar” a máquina administrativa com procedimentos ultrapassados, não abranger serviços inexistentes há duas décadas e se mostrar inócua no combate às práticas ilícitas.
Corroborando a visão do jurista Márcio Pestana quanto à “inapetência legislativa” do Brasil sobre contratações públicas, só agora entra na reta final a revisão da lei, com a inclusão do projeto de lei 559/2013 na pauta da sessão do Senado de 5 de agosto.
O projeto, porém, erra ao prever a perpetuação da “contratação integrada” de obras públicas. Nessa modalidade, o poder público — União, estados, Distrito Federal e municípios — licita uma obra apenas com um anteprojeto de arquitetura ou urbanismo. A empreiteira contratada fica com a responsabilidade de elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, as obras em si, os testes e demais operações necessárias para a conclusão do empreendimento.
No marco legislativo atual, a “contratação integrada” só pode ser usada em obras licitadas sob o polêmico Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), criado para as contratações de obras e serviços relacionados da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, depois utilizado nos empreendimentos do PAC e vários outros.
Os dispositivos gerais do PLS 559/2013 revogam a lei que implantou o RDC, mas, paradoxalmente, institucionalizam de vez e ampliam o uso da ferramenta instituída justamente para viabilizar o regime. Em outras palavras, o fim do RDC é um sofisma.
Sem um projeto completo elaborado de forma antecipada e independente da contratação da obra, a administração não tem parâmetros para especificar orçamentos justos, determinar a qualidade do empreendimento, controlar prazos e saber o quanto gastará em sua manutenção.
Os defensores do projeto 559/2013 argumentam que também o construtor assumirá riscos, esquecendo-se que ele naturalmente irá embutir isso na matriz de custos de sua proposta. E, como o poder público não sabe qual é orçamento justo, o mais provável é que pague mais caro que o correto. E sem que se exclua de vez qualquer possibilidade de aditivos no decorrer da obra.
Uma das hipóteses é outro sofisma. Permitem-se reajustes “por necessidade de alteração de projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação”. Ora, como quem faz o projeto é o próprio construtor, será ele o maior interessado em propor mudanças, que o poder público terá que engolir a seco.
Não se trata apenas de discutir a ampliação do potencial de corrupção. O principal aspecto a ser enfatizado é que, com a “contratação integrada”, o poder público abdica de seu papel de planejador da infraestrutura do país, dos espaços e das edificações públicas das cidades, delegando para as empreiteiras a definição da qualidade do meio ambiente construído brasileiro. Será o reconhecimento da “inapetência do Estado” pelo planejamento. É isso que a sociedade quer?
Crise e ajustes nas empresas - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O ESTADÃO - 03/08
A indústria enfrenta uma situação cada vez mais difícil, apesar do ativismo governamental. Neste caso, o passado recente ilustra bem o que não deve ser feito: colocar na rua uma saraivada de medidas pontuais e localizadas, que não produzem efeitos perceptíveis e que custam recursos públicos.
Do ponto de vista do segmento, uma melhora da situação certamente depende de três coisas: um avanço no arranjo macroeconômico, a retomada de reformas (na qual a tributária vem, claramente, adiante) e a solução de algumas questões específicas, notadamente na problemática área de energia elétrica e de combustíveis. Também é indispensável um conjunto de regras claras e estáveis que possam permitir um avanço substancial na questão da infraestrutura.
O ajuste macroeconômico permitiria dar um horizonte para uma queda sustentada da taxa de juros, que, e sem intervenções artificiais no mercado de câmbio como as atuais, levaria a uma desvalorização cambial. Mais racionalidade na tarifação de energia completaria a primeira fase de rearranjo de preços relativos, atualmente tão fora do lugar. A partir daí, muitos investimentos poderão ser retomados.
Em paralelo, as empresas, industriais e outras, que vêm enfrentando situações e mercados difíceis já há algum tempo, têm de responder com estratégias de ajustes. Estas podem ser diversas. Sem pretender ser exaustivo, e utilizando a experiência de mais de 35 anos da MB, vejo que várias rotas têm sido utilizadas. São elas as seguintes:
- Ajuste defensivo via redução de custos
- Ajuste via consolidação e ganho de escala
- Ajuste via diferenciação de produtos e nichos
- Ajuste via mudança no modelo de negócios
- Ajustes via avanço tecnológico
O chamado ajuste defensivo é a primeira reação a uma queda nos mercados e se concentra na redução de custos e de pessoal. Inclui, normalmente, uma revisão na linha de produtos oferecidos, muitas vezes reduzindo ou encerrando a produção de itens de menor margem ou de margem negativa. Neste contexto, novos investimentos e projetos são postergados. Revisões periódicas de custos são sempre bem-vindas e úteis para as companhias, uma vez que com o tempo muitas despesas se tornam desnecessárias; a imagem usual é que custos crescem como cabelo e têm, portanto, de ser periodicamente desbastados. Entretanto, o ajuste defensivo é aquele que realmente reduz o tamanho da companhia, para enfrentar uma situação mais difícil.
Se isso ocorre por um certo tempo, não existe um problema mais grave, uma vez que a empresa pode voltar a acelerar quando o mercado melhorar. Entretanto, é preciso atenção, pois a redução de tamanho da empresa pode levar a que ela acabe por ser ultrapassada pela concorrência, perdendo valor que dificilmente será recuperado. Em casos mais radicais a empresa acaba por desaparecer do mercado.
Para os leitores com alguma quilometragem, quero lembrar que esse foi o caso da G Aronson, que chegou a ser o maior revendedor de utilidades domésticas de São Paulo (devo a lembrança a Marcel Solimeo).
O ajuste via consolidação e ganho de escala é o oposto do caso descrito acima. Em muitos mercados, frente a uma situação difícil, algumas empresas mais capitalizadas ou mais ágeis vão absorvendo alguns concorrentes, ganhando escala e, com isso, a liderança dos mercados. No setor de açúcar e álcool, esse foi o caso da Cosan, hoje Raízen. A consolidação é sempre facilitada por uma crise, mas ela pode ocorrer simplesmente como resultado de um sistema mais eficiente, de produção ou de gestão, que pode resultar numa vantagem de custos. Um caso conhecido, recente, é o que ocorreu com as farmácias (Drogasil, Pharma, etc.): a constituição de uma rede permite fazer compras com menores preços, manter um estoque central menor e outras vantagens, de sorte a gerar mais resultado do que unidades isoladas.
A mesma coisa vem ocorrendo na área de laboratórios de análises clínicas, como a Dasa. Os três outros modelos de ajustes são mais sofisticados. Encolher ou consolidar implica, essencialmente, numa atividade de gestão, adequação, integração de sistemas, etc. Os mercados são os mesmos, assim como a produção.
Os outros ajustes têm desafios e riscos maiores, porque também mexem com os processos produtivos e suprimentos; além disso, os mercados podem ser diferentes, assim como os canais de comercialização. Consideremos, por exemplo, a questão dos alimentos orgânicos e sustentáveis que se contrapõem aos alimentos mais tradicionais. As exigências para a produção e certificação são enormes, necessitando de tempo, investimentos e esforço no processo de aprendizado. Os consumidores serão algo diferentes e quase que certamente, os custos e riscos serão mais elevados. Como consequência, a própria empresa muitas vezes tem de ser redesenhada. O açúcar Native é um exemplo de sucesso nesse modelo, no qual muitas tentativas não têm sido muito bem-sucedidas.
No próximo artigo trataremos das mudanças no modelo de negócios e nas questões de avanço tecnológico.
A indústria enfrenta uma situação cada vez mais difícil, apesar do ativismo governamental. Neste caso, o passado recente ilustra bem o que não deve ser feito: colocar na rua uma saraivada de medidas pontuais e localizadas, que não produzem efeitos perceptíveis e que custam recursos públicos.
Do ponto de vista do segmento, uma melhora da situação certamente depende de três coisas: um avanço no arranjo macroeconômico, a retomada de reformas (na qual a tributária vem, claramente, adiante) e a solução de algumas questões específicas, notadamente na problemática área de energia elétrica e de combustíveis. Também é indispensável um conjunto de regras claras e estáveis que possam permitir um avanço substancial na questão da infraestrutura.
O ajuste macroeconômico permitiria dar um horizonte para uma queda sustentada da taxa de juros, que, e sem intervenções artificiais no mercado de câmbio como as atuais, levaria a uma desvalorização cambial. Mais racionalidade na tarifação de energia completaria a primeira fase de rearranjo de preços relativos, atualmente tão fora do lugar. A partir daí, muitos investimentos poderão ser retomados.
Em paralelo, as empresas, industriais e outras, que vêm enfrentando situações e mercados difíceis já há algum tempo, têm de responder com estratégias de ajustes. Estas podem ser diversas. Sem pretender ser exaustivo, e utilizando a experiência de mais de 35 anos da MB, vejo que várias rotas têm sido utilizadas. São elas as seguintes:
- Ajuste defensivo via redução de custos
- Ajuste via consolidação e ganho de escala
- Ajuste via diferenciação de produtos e nichos
- Ajuste via mudança no modelo de negócios
- Ajustes via avanço tecnológico
O chamado ajuste defensivo é a primeira reação a uma queda nos mercados e se concentra na redução de custos e de pessoal. Inclui, normalmente, uma revisão na linha de produtos oferecidos, muitas vezes reduzindo ou encerrando a produção de itens de menor margem ou de margem negativa. Neste contexto, novos investimentos e projetos são postergados. Revisões periódicas de custos são sempre bem-vindas e úteis para as companhias, uma vez que com o tempo muitas despesas se tornam desnecessárias; a imagem usual é que custos crescem como cabelo e têm, portanto, de ser periodicamente desbastados. Entretanto, o ajuste defensivo é aquele que realmente reduz o tamanho da companhia, para enfrentar uma situação mais difícil.
Se isso ocorre por um certo tempo, não existe um problema mais grave, uma vez que a empresa pode voltar a acelerar quando o mercado melhorar. Entretanto, é preciso atenção, pois a redução de tamanho da empresa pode levar a que ela acabe por ser ultrapassada pela concorrência, perdendo valor que dificilmente será recuperado. Em casos mais radicais a empresa acaba por desaparecer do mercado.
Para os leitores com alguma quilometragem, quero lembrar que esse foi o caso da G Aronson, que chegou a ser o maior revendedor de utilidades domésticas de São Paulo (devo a lembrança a Marcel Solimeo).
O ajuste via consolidação e ganho de escala é o oposto do caso descrito acima. Em muitos mercados, frente a uma situação difícil, algumas empresas mais capitalizadas ou mais ágeis vão absorvendo alguns concorrentes, ganhando escala e, com isso, a liderança dos mercados. No setor de açúcar e álcool, esse foi o caso da Cosan, hoje Raízen. A consolidação é sempre facilitada por uma crise, mas ela pode ocorrer simplesmente como resultado de um sistema mais eficiente, de produção ou de gestão, que pode resultar numa vantagem de custos. Um caso conhecido, recente, é o que ocorreu com as farmácias (Drogasil, Pharma, etc.): a constituição de uma rede permite fazer compras com menores preços, manter um estoque central menor e outras vantagens, de sorte a gerar mais resultado do que unidades isoladas.
A mesma coisa vem ocorrendo na área de laboratórios de análises clínicas, como a Dasa. Os três outros modelos de ajustes são mais sofisticados. Encolher ou consolidar implica, essencialmente, numa atividade de gestão, adequação, integração de sistemas, etc. Os mercados são os mesmos, assim como a produção.
Os outros ajustes têm desafios e riscos maiores, porque também mexem com os processos produtivos e suprimentos; além disso, os mercados podem ser diferentes, assim como os canais de comercialização. Consideremos, por exemplo, a questão dos alimentos orgânicos e sustentáveis que se contrapõem aos alimentos mais tradicionais. As exigências para a produção e certificação são enormes, necessitando de tempo, investimentos e esforço no processo de aprendizado. Os consumidores serão algo diferentes e quase que certamente, os custos e riscos serão mais elevados. Como consequência, a própria empresa muitas vezes tem de ser redesenhada. O açúcar Native é um exemplo de sucesso nesse modelo, no qual muitas tentativas não têm sido muito bem-sucedidas.
No próximo artigo trataremos das mudanças no modelo de negócios e nas questões de avanço tecnológico.
Não é Griesa, é o gasto público - ROBERTO CACHANOSKY
O GLOBO - 03/08
Desde a criação do Banco Central, em 1935, a Argentina já destruiu cinco símbolos monetários corroídos pela inflação
O calote não é inédito para a economia argentina. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país interrompeu pagamentos mais de 50% do tempo em quatro períodos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, desde que foi criado o banco central (BCRA), em 1935, a Argentina destruiu cinco signos monetários. O peso moeda nacional, o peso lei 18.188, o peso argentino, o austral e este que está agonizando.
A pergunta é: por que tantos calotes e destruições monetárias? A resposta é muito simples: o gasto público não parou de crescer durante todo o século XX e no XXI até agora, e por isso o aumento da pressão fiscal a níveis de confisco é insuficiente para financiá-lo. Dito de outra maneira, o populismo imperante na Argentina há décadas fez disparar o gasto público a tal ponto que o déficit fiscal requereu o endividamento público externo (por isso a dívida pública e os frequentes calotes) para financiar o desequilíbrio das contas públicas.
E por que a dívida em moeda estrangeira? Porque as diferentes moedas que tivemos nunca o foram no sentido estrito da palavra, já que não foram reserva de valor. A inflação as assemelha a barras de gelo que se derretem. Mas, o mais importante, os ataques persistentes à propriedade privada, fundamentalmente via sistema impositivo, fizeram com que a poupança dos argentinos fugisse para o exterior em busca de segurança jurídica, razão pela qual o mercado interno de capitais sempre foi muito reduzido.
Há pouca oferta de poupança interna porque os que poupam preferem fazê-lo no exterior, em busca de segurança jurídica. Recordemos que a poupança é a contrapartida do crédito: sem aquela, que é a renda não consumida, não existe crédito. De forma que um país como a Argentina, submetida a décadas de populismo, gerou escassa riqueza, isto é, renda. Como esta é reduzida, a poupança também, e boa parte foge para o exterior.
Portanto, a oferta de poupança interna é tão reduzida que, se o Estado entrar no mercado para tomar créditos para financiar o gasto público, deslocará rapidamente o setor privado, elevará os juros e vai gerar recessão. Um exemplo simples pode nos dar ideia de quão diminuto é o mercado de capitais interno. Muito se fala das reservas de gás não convencional de Vaca Morta. O tempo dirá se são tão importantes como se diz ou se é outra fantasia que inventamos nós, os argentinos.
O certo é que, para além do verdadeiro potencial da jazida, ninguém pensa que os investimentos necessários para explorá-la podem ser feitos com a poupança interna. Todos pensam em investidores de fora do país, com acesso fácil ao mercado externo de capitais. Bem, se a poupança interna não é suficiente para financiar os investimentos em Vaca Morta, muito menos para financiar o gigantesco déficit fiscal em que incorremos em cada uma das festas populistas que elevam o gasto público a níveis exorbitantes.
Não é por casualidade, então, que os argentinos vivemos destruindo nossos signos monetários e dando calote. É o alto nível de gasto público que requer financiamento extra, emissão monetária e endividamento externo, até chegar a um ponto em que a inflação dispara, destruindo por completo a moeda e tornando a dívida impagável.
Nosso problema não é o juiz Thomas Griesa, nem a cláusula Rufo, nem o stay (liminar) nem os holdouts (os que não aceitaram os termos da renegociação). Nosso problema é o gasto público, que requer níveis de financiamento que, chegando a determinado ponto, nos levam ao calote e à inflação, megainflação e hiperinflação, porque nessa matéria também tivemos de tudo.
Obviamente, o gasto cresce porque boa parte da liderança política nos vendeu que ela tem o monopólio da bondade e solidariedade, e assim deve elevar o gasto para redistribuir, fazer planos que chamam de sociais e contratar legiões de burocratas que nada fazem de produtivo. Mas se dedicam a entorpecer os que produzem. Entre os funcionários públicos nacionais, estaduais e municipais e os que vivem dos chamados planos sociais são cada vez mais os que consomem sem produzir e cada vez menos os que produzem para sustentar o aparato estatal.
Quem leu “Rebelión de Atlas”, de Ayn Rand, pode chegar a pensar se o livro não foi escrito para a Argentina atual. Porque, como ocorre com ele, finalmente as pessoas produtivas se cansam de ser exploradas por burocratas e param de produzir ou buscam outros países para o fazer.
Nosso problema é que temos um Estado que não só gasta fortunas de forma ineficiente, mas também se encarrega de complicar a vida dos que produzem e pagam impostos. Com isto, o gasto público termina sendo não financiável e, de tempos em tempos, fazemos alguma labareda inflacionária para baixá-lo em termos reais e/ou caloteamos a dívida. Na realidade, nos encanta fazer uma combinação de ambas.
Já estamos em níveis brutais de carga tributária. Não há poupança interna que possa financiar este nível de gasto. Cada vez se torna mais difícil cobrar do povo o imposto inflacionário e não temos acesso ao mercado de crédito externo. Tudo isto quer dizer que, com Griesa ou sem ele, com ou sem Rufo, o nível do gasto público chegou a um ponto que já não se pode financiar e que as atuais regras do jogo são insustentáveis.
Desde a criação do Banco Central, em 1935, a Argentina já destruiu cinco símbolos monetários corroídos pela inflação
O calote não é inédito para a economia argentina. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país interrompeu pagamentos mais de 50% do tempo em quatro períodos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, desde que foi criado o banco central (BCRA), em 1935, a Argentina destruiu cinco signos monetários. O peso moeda nacional, o peso lei 18.188, o peso argentino, o austral e este que está agonizando.
A pergunta é: por que tantos calotes e destruições monetárias? A resposta é muito simples: o gasto público não parou de crescer durante todo o século XX e no XXI até agora, e por isso o aumento da pressão fiscal a níveis de confisco é insuficiente para financiá-lo. Dito de outra maneira, o populismo imperante na Argentina há décadas fez disparar o gasto público a tal ponto que o déficit fiscal requereu o endividamento público externo (por isso a dívida pública e os frequentes calotes) para financiar o desequilíbrio das contas públicas.
E por que a dívida em moeda estrangeira? Porque as diferentes moedas que tivemos nunca o foram no sentido estrito da palavra, já que não foram reserva de valor. A inflação as assemelha a barras de gelo que se derretem. Mas, o mais importante, os ataques persistentes à propriedade privada, fundamentalmente via sistema impositivo, fizeram com que a poupança dos argentinos fugisse para o exterior em busca de segurança jurídica, razão pela qual o mercado interno de capitais sempre foi muito reduzido.
Há pouca oferta de poupança interna porque os que poupam preferem fazê-lo no exterior, em busca de segurança jurídica. Recordemos que a poupança é a contrapartida do crédito: sem aquela, que é a renda não consumida, não existe crédito. De forma que um país como a Argentina, submetida a décadas de populismo, gerou escassa riqueza, isto é, renda. Como esta é reduzida, a poupança também, e boa parte foge para o exterior.
Portanto, a oferta de poupança interna é tão reduzida que, se o Estado entrar no mercado para tomar créditos para financiar o gasto público, deslocará rapidamente o setor privado, elevará os juros e vai gerar recessão. Um exemplo simples pode nos dar ideia de quão diminuto é o mercado de capitais interno. Muito se fala das reservas de gás não convencional de Vaca Morta. O tempo dirá se são tão importantes como se diz ou se é outra fantasia que inventamos nós, os argentinos.
O certo é que, para além do verdadeiro potencial da jazida, ninguém pensa que os investimentos necessários para explorá-la podem ser feitos com a poupança interna. Todos pensam em investidores de fora do país, com acesso fácil ao mercado externo de capitais. Bem, se a poupança interna não é suficiente para financiar os investimentos em Vaca Morta, muito menos para financiar o gigantesco déficit fiscal em que incorremos em cada uma das festas populistas que elevam o gasto público a níveis exorbitantes.
Não é por casualidade, então, que os argentinos vivemos destruindo nossos signos monetários e dando calote. É o alto nível de gasto público que requer financiamento extra, emissão monetária e endividamento externo, até chegar a um ponto em que a inflação dispara, destruindo por completo a moeda e tornando a dívida impagável.
Nosso problema não é o juiz Thomas Griesa, nem a cláusula Rufo, nem o stay (liminar) nem os holdouts (os que não aceitaram os termos da renegociação). Nosso problema é o gasto público, que requer níveis de financiamento que, chegando a determinado ponto, nos levam ao calote e à inflação, megainflação e hiperinflação, porque nessa matéria também tivemos de tudo.
Obviamente, o gasto cresce porque boa parte da liderança política nos vendeu que ela tem o monopólio da bondade e solidariedade, e assim deve elevar o gasto para redistribuir, fazer planos que chamam de sociais e contratar legiões de burocratas que nada fazem de produtivo. Mas se dedicam a entorpecer os que produzem. Entre os funcionários públicos nacionais, estaduais e municipais e os que vivem dos chamados planos sociais são cada vez mais os que consomem sem produzir e cada vez menos os que produzem para sustentar o aparato estatal.
Quem leu “Rebelión de Atlas”, de Ayn Rand, pode chegar a pensar se o livro não foi escrito para a Argentina atual. Porque, como ocorre com ele, finalmente as pessoas produtivas se cansam de ser exploradas por burocratas e param de produzir ou buscam outros países para o fazer.
Nosso problema é que temos um Estado que não só gasta fortunas de forma ineficiente, mas também se encarrega de complicar a vida dos que produzem e pagam impostos. Com isto, o gasto público termina sendo não financiável e, de tempos em tempos, fazemos alguma labareda inflacionária para baixá-lo em termos reais e/ou caloteamos a dívida. Na realidade, nos encanta fazer uma combinação de ambas.
Já estamos em níveis brutais de carga tributária. Não há poupança interna que possa financiar este nível de gasto. Cada vez se torna mais difícil cobrar do povo o imposto inflacionário e não temos acesso ao mercado de crédito externo. Tudo isto quer dizer que, com Griesa ou sem ele, com ou sem Rufo, o nível do gasto público chegou a um ponto que já não se pode financiar e que as atuais regras do jogo são insustentáveis.
Agenda carregada - CELSO MING
O ESTADÃO - 03/08
Os debates eleitorais mal começaram e já dá para verificar que o governo não quer admitir ter cometido erros graves na condução da política econômica.
Na sabatina realizada em Brasília por iniciativa do jornal Folha de S.Paulo e nos debates realizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a presidente Dilma insistiu em que nada há de especialmente errado com a inflação e que o baixo crescimento econômico deve ser debitado à crise global, e não a coisas nossas. Ao contrário do que vem espalhando o cordão de pessimistas, afirma a presidente, as finanças públicas estão sob controle e mais superávit não dá para fazer porque, afinal, outros países também não conseguem.
Alguns observadores vêm advertindo de que, se vencer as eleições, a presidente Dilma insistirá compulsivamente na linha de política econômica do primeiro mandato. Será – dizem estes – mais do mesmo. No entanto, as distorções que pedem correção imediata são tão grandes que parece impossível evitar mudanças mais profundas na política econômica, mesmo com a presidente Dilma sendo reconduzida a um novo mandato.
O Banco Central não poderá, por exemplo, continuar a despejar cerca de US$ 90 bilhões (em sete meses) em swaps no câmbio futuro apenas para evitar novas desvalorizações do real. É um preço alto demais, em desalinhamento dos preços relativos em relação aos internacionais e em perda de competitividade da indústria, apenas para evitar um ou dois pontos a mais de inflação.
Também não dá para manter indefinidamente represados os preços de produtos e serviços públicos, como energia elétrica, combustíveis e transportes urbanos (veja gráfico no Confira).
Ainda que não seja por meio de tarifaços, como garante a presidente Dilma, será preciso corrigi-los e, mais do que isso, será preciso definir critérios claros para correções subsequentes. Até agora, dependeram da vontade da autoridade superior.
Também não é possível manter os juros básicos a 11% ao ano ou até puxar para novas altitudes para tentar conter a inflação, quando o resto do mundo convive hoje com juros rastejantes.
Mesmo que a opção do governo for pelo gradualismo – o que não parece a melhor solução -, essas correções, por sua vez, exigirão mais austeridade na condução das contas públicas, portanto, a obtenção de um superávit primário (sobra de arrecadação) bem maior, destinado a conter o endividamento e a criação excessiva de demanda interna descolada do aumento da produção.
E, por falar em produção, não é possível garantir um avanço sustentável do PIB sem recuperação ampla da confiança, sem forte impulsão dos investimentos e sem incentivos ao aumento da poupança interna, o que aparentemente só será possível com a reforma da Previdência Social.
Tudo isso não poderá se limitar a uma simples troca da hoje desacreditada equipe econômica nem a uma cirurgia plástica apenas para fins estéticos. Exigirá mudanças bem mais radicais. Se vitoriosa nas urnas, ou a presidente Dilma enfrenta essa agenda e, nesse caso, terá boa possibilidade de garantir uma virada na economia ou, então, não a enfrenta e corre grave risco de inviabilizar a administração da política econômica brasileira.
Os debates eleitorais mal começaram e já dá para verificar que o governo não quer admitir ter cometido erros graves na condução da política econômica.
Na sabatina realizada em Brasília por iniciativa do jornal Folha de S.Paulo e nos debates realizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a presidente Dilma insistiu em que nada há de especialmente errado com a inflação e que o baixo crescimento econômico deve ser debitado à crise global, e não a coisas nossas. Ao contrário do que vem espalhando o cordão de pessimistas, afirma a presidente, as finanças públicas estão sob controle e mais superávit não dá para fazer porque, afinal, outros países também não conseguem.
Alguns observadores vêm advertindo de que, se vencer as eleições, a presidente Dilma insistirá compulsivamente na linha de política econômica do primeiro mandato. Será – dizem estes – mais do mesmo. No entanto, as distorções que pedem correção imediata são tão grandes que parece impossível evitar mudanças mais profundas na política econômica, mesmo com a presidente Dilma sendo reconduzida a um novo mandato.
O Banco Central não poderá, por exemplo, continuar a despejar cerca de US$ 90 bilhões (em sete meses) em swaps no câmbio futuro apenas para evitar novas desvalorizações do real. É um preço alto demais, em desalinhamento dos preços relativos em relação aos internacionais e em perda de competitividade da indústria, apenas para evitar um ou dois pontos a mais de inflação.
Também não dá para manter indefinidamente represados os preços de produtos e serviços públicos, como energia elétrica, combustíveis e transportes urbanos (veja gráfico no Confira).
Ainda que não seja por meio de tarifaços, como garante a presidente Dilma, será preciso corrigi-los e, mais do que isso, será preciso definir critérios claros para correções subsequentes. Até agora, dependeram da vontade da autoridade superior.
Também não é possível manter os juros básicos a 11% ao ano ou até puxar para novas altitudes para tentar conter a inflação, quando o resto do mundo convive hoje com juros rastejantes.
Mesmo que a opção do governo for pelo gradualismo – o que não parece a melhor solução -, essas correções, por sua vez, exigirão mais austeridade na condução das contas públicas, portanto, a obtenção de um superávit primário (sobra de arrecadação) bem maior, destinado a conter o endividamento e a criação excessiva de demanda interna descolada do aumento da produção.
E, por falar em produção, não é possível garantir um avanço sustentável do PIB sem recuperação ampla da confiança, sem forte impulsão dos investimentos e sem incentivos ao aumento da poupança interna, o que aparentemente só será possível com a reforma da Previdência Social.
Tudo isso não poderá se limitar a uma simples troca da hoje desacreditada equipe econômica nem a uma cirurgia plástica apenas para fins estéticos. Exigirá mudanças bem mais radicais. Se vitoriosa nas urnas, ou a presidente Dilma enfrenta essa agenda e, nesse caso, terá boa possibilidade de garantir uma virada na economia ou, então, não a enfrenta e corre grave risco de inviabilizar a administração da política econômica brasileira.
O Banco Central não é vítima - SILVIO FIGER
O GLOBO - 03/08
BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, instituição tem a obrigação de mudar o discurso e denunciar à sociedade
Inflação em alta, com metas de inflação descontroladas, é hora de banqueiros centrais — no cargo, ou fora dele — entoarem o seu mantra: o BC é uma vítima indefesa do desequilíbrio das contas públicas. Fossem estas equilibradas e a inflação estaria sempre no centro da meta. Falso.
Quem estabelece as metas, com inteira liberdade, é o BC que, ao estabelecê-las, está ciente do desequilíbrio fiscal, declarado no Orçamento elaborado pelo Executivo, e aprovado pelo Legislativo. No mínimo, errou, e continua errando, no cálculo da meta.
Além disso, quem disse que descontrole fiscal gera inflação? O déficit público é financiado pela emissão de dívida pública pelo Tesouro, que, ao colocar esta dívida no mercado, recebe reais dos investidores, e entrega os títulos. O meio circulante não se altera em um centavo sequer — onde está o efeito inflacionário? Nem poderia ser de outra maneira, posto que o Tesouro não emite moeda, que é função atribuída pelo governo, em caráter de monopólio, ao BC.
A inflação ocorre a partir do momento em que o BC compra (monetiza) esta dívida dos investidores. Aí o processo se inverte, com o BC recebendo os títulos e entregando reais — que ele emite. Está colocado em marcha um processo inflacionário, de exclusiva criação do BC.
Isto, por outro lado, revela o absoluto poder do BC de fazer cessar qualquer inflação, em curto prazo. Basta uma circular: “A partir desta data o BC manterá congelados os saldos de sua carteira de títulos públicos e privados, somente renovando os valores vencidos.” Foi com esta circular que Hjalmar Schacht, o lendário banqueiro central da Alemanha, em 1924 (sem computadores, nem sofisticados modelos macroeconômicos), derrubou um violento ataque cambial contra o marco, que retomou sua estabilidade em exatos 57 dias. E estamos sofrendo, há décadas, para estabilizar o real, sem sucesso!
E por que o BC não exerce o seu poder? Por duas simples razões. A primeira porque congelar a carteira de títulos públicos agride a missão estatutária do BC de garantir a liquidez da dívida pública. Seria negar a sua natureza, de agente do governo, portanto, necessariamente conivente.
A segunda porque congelar a carteira de títulos privados, apesar de mínima no Brasil, sinalizaria, de forma irreversível, a morte de programas demagógicos como o Minha Casa Minha Vida, cartões BNDES e financiamentos imobiliários em 30 anos, com uma moeda cujo futuro não se enxerga além dos próximos seis meses! Mas isso exporia a fragilidade dos banqueiros centrais no papel de fomentadores do PIB.
Em síntese, utilizar o crédito, e não o juro, como instrumento anti-inflacionário, liquidaria, junto com a inflação, a demagogia do crédito farto, construída pelo BC a partir de 2008, na vã tentativa de criar uma marolinha, destinada a mostrar que “nunca antes na história do mundo etc”.
Portanto, discursar sobre a culpa dos outros, sem jamais assumir a sua exclusiva responsabilidade, oculta o fundamental: o BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, tem a obrigação de mudar o discurso, e denunciar à sociedade a irresponsabilidade de se emitir moeda lastreada em dívida pública, que é a expressão do descontrole fiscal. O BC, longe de ser a vítima, é o próprio agente da inflação.
BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, instituição tem a obrigação de mudar o discurso e denunciar à sociedade
Inflação em alta, com metas de inflação descontroladas, é hora de banqueiros centrais — no cargo, ou fora dele — entoarem o seu mantra: o BC é uma vítima indefesa do desequilíbrio das contas públicas. Fossem estas equilibradas e a inflação estaria sempre no centro da meta. Falso.
Quem estabelece as metas, com inteira liberdade, é o BC que, ao estabelecê-las, está ciente do desequilíbrio fiscal, declarado no Orçamento elaborado pelo Executivo, e aprovado pelo Legislativo. No mínimo, errou, e continua errando, no cálculo da meta.
Além disso, quem disse que descontrole fiscal gera inflação? O déficit público é financiado pela emissão de dívida pública pelo Tesouro, que, ao colocar esta dívida no mercado, recebe reais dos investidores, e entrega os títulos. O meio circulante não se altera em um centavo sequer — onde está o efeito inflacionário? Nem poderia ser de outra maneira, posto que o Tesouro não emite moeda, que é função atribuída pelo governo, em caráter de monopólio, ao BC.
A inflação ocorre a partir do momento em que o BC compra (monetiza) esta dívida dos investidores. Aí o processo se inverte, com o BC recebendo os títulos e entregando reais — que ele emite. Está colocado em marcha um processo inflacionário, de exclusiva criação do BC.
Isto, por outro lado, revela o absoluto poder do BC de fazer cessar qualquer inflação, em curto prazo. Basta uma circular: “A partir desta data o BC manterá congelados os saldos de sua carteira de títulos públicos e privados, somente renovando os valores vencidos.” Foi com esta circular que Hjalmar Schacht, o lendário banqueiro central da Alemanha, em 1924 (sem computadores, nem sofisticados modelos macroeconômicos), derrubou um violento ataque cambial contra o marco, que retomou sua estabilidade em exatos 57 dias. E estamos sofrendo, há décadas, para estabilizar o real, sem sucesso!
E por que o BC não exerce o seu poder? Por duas simples razões. A primeira porque congelar a carteira de títulos públicos agride a missão estatutária do BC de garantir a liquidez da dívida pública. Seria negar a sua natureza, de agente do governo, portanto, necessariamente conivente.
A segunda porque congelar a carteira de títulos privados, apesar de mínima no Brasil, sinalizaria, de forma irreversível, a morte de programas demagógicos como o Minha Casa Minha Vida, cartões BNDES e financiamentos imobiliários em 30 anos, com uma moeda cujo futuro não se enxerga além dos próximos seis meses! Mas isso exporia a fragilidade dos banqueiros centrais no papel de fomentadores do PIB.
Em síntese, utilizar o crédito, e não o juro, como instrumento anti-inflacionário, liquidaria, junto com a inflação, a demagogia do crédito farto, construída pelo BC a partir de 2008, na vã tentativa de criar uma marolinha, destinada a mostrar que “nunca antes na história do mundo etc”.
Portanto, discursar sobre a culpa dos outros, sem jamais assumir a sua exclusiva responsabilidade, oculta o fundamental: o BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, tem a obrigação de mudar o discurso, e denunciar à sociedade a irresponsabilidade de se emitir moeda lastreada em dívida pública, que é a expressão do descontrole fiscal. O BC, longe de ser a vítima, é o próprio agente da inflação.
A força dos fatos - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 03/08
A eclosão da crise global gerou análises em setores importantes no Brasil de que ela significava a falência do sistema de livre mercado e a vitória definitiva do intervencionismo governamental não só via regulação, que era necessária, mas, também, via ação direta na economia, com aumento do gasto público para impulsionar a atividade e intervenção no sistema de preços, entre outras medidas.
Essa visão, porém, não prevaleceu nos EUA e no Reino Unido, epicentros da crise, que, sintomaticamente, se recuperam melhor que os países intervencionistas.
Nos EUA, a nova regulação dos mercados reduziu o risco de crédito dos bancos e limitou a intervenção governamental ao apertar o controle das agências de crédito imobiliário paraestatais. O Congresso aprovou ainda dura contenção de gastos do governo, que não levou ao temido abismo fiscal, pelo contrário.
A economia dos EUA cresceu a taxa anualizada de 4% no segundo trimestre, uma recuperação consistente, fundamentada pela maior solidez fiscal, pelos ajustes nas empresas e pela liberdade para empreender e inovar.
Já o Reino Unido elegeu um governo conservador. Ele promoveu forte contenção fiscal, reduziu os riscos do mercado e, nas palavras de seu ministro da Fazenda, George Osborne, é desavergonhadamente pró-negócios. Resultado: o país cresceu a taxa anualizada de 3,1% no segundo trimestre.
Enquanto isso, países com tradição intervencionista, como a Itália e a França, têm economias estagnadas e dificuldades de conciliar a postura de Estado forte com a necessidade de promover investimentos privados e mais empreendedorismo.
O entendimento claro do cenário global é fundamental quando discutimos os caminhos para a retomada do crescimento no Brasil. Aqui na região, países com forte ação intervencionista enfrentam desafios ainda maiores que o resto do mundo. O exemplo mais claro é a Argentina, ameaçada de recessão e de mais crise após a controvérsia do calote técnico, que deve aumentar suas dificuldades cambiais. Já Colômbia, Chile e Peru, com economias mais abertas, crescem a taxas saudáveis.
Importante notar que o maior risco da economia global hoje vem de uma possível ação governamental do Fed (o banco central dos EUA) no mercado, com manutenção de juros muito baixos e excesso de liquidez. Esperemos que o Fed não repita os erros vistos anteriormente.
Em resumo: com o passar dos anos e dos fatos, o quadro da economia global deu uma resposta suficientemente enfática às conclusões precipitadas de alguns analistas depois da crise 2007-2008. Precisamos tomar cuidado para não seguir o caminho de alguns "hermanos".
A eclosão da crise global gerou análises em setores importantes no Brasil de que ela significava a falência do sistema de livre mercado e a vitória definitiva do intervencionismo governamental não só via regulação, que era necessária, mas, também, via ação direta na economia, com aumento do gasto público para impulsionar a atividade e intervenção no sistema de preços, entre outras medidas.
Essa visão, porém, não prevaleceu nos EUA e no Reino Unido, epicentros da crise, que, sintomaticamente, se recuperam melhor que os países intervencionistas.
Nos EUA, a nova regulação dos mercados reduziu o risco de crédito dos bancos e limitou a intervenção governamental ao apertar o controle das agências de crédito imobiliário paraestatais. O Congresso aprovou ainda dura contenção de gastos do governo, que não levou ao temido abismo fiscal, pelo contrário.
A economia dos EUA cresceu a taxa anualizada de 4% no segundo trimestre, uma recuperação consistente, fundamentada pela maior solidez fiscal, pelos ajustes nas empresas e pela liberdade para empreender e inovar.
Já o Reino Unido elegeu um governo conservador. Ele promoveu forte contenção fiscal, reduziu os riscos do mercado e, nas palavras de seu ministro da Fazenda, George Osborne, é desavergonhadamente pró-negócios. Resultado: o país cresceu a taxa anualizada de 3,1% no segundo trimestre.
Enquanto isso, países com tradição intervencionista, como a Itália e a França, têm economias estagnadas e dificuldades de conciliar a postura de Estado forte com a necessidade de promover investimentos privados e mais empreendedorismo.
O entendimento claro do cenário global é fundamental quando discutimos os caminhos para a retomada do crescimento no Brasil. Aqui na região, países com forte ação intervencionista enfrentam desafios ainda maiores que o resto do mundo. O exemplo mais claro é a Argentina, ameaçada de recessão e de mais crise após a controvérsia do calote técnico, que deve aumentar suas dificuldades cambiais. Já Colômbia, Chile e Peru, com economias mais abertas, crescem a taxas saudáveis.
Importante notar que o maior risco da economia global hoje vem de uma possível ação governamental do Fed (o banco central dos EUA) no mercado, com manutenção de juros muito baixos e excesso de liquidez. Esperemos que o Fed não repita os erros vistos anteriormente.
Em resumo: com o passar dos anos e dos fatos, o quadro da economia global deu uma resposta suficientemente enfática às conclusões precipitadas de alguns analistas depois da crise 2007-2008. Precisamos tomar cuidado para não seguir o caminho de alguns "hermanos".
Filme velho - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/07
O Brasil está vivendo nesta eleição o que já tínhamos superado em 2002: temores do mercado e oscilação de ativos em função das pesquisas. Em 2006 e 2010, as simpatias pelos candidatos se distribuíram de maneira natural, porque o primeiro governo Lula havia mitigado o temor de que a vitória de uma corrente política significasse risco econômico. O velho clima voltou.
Em 2002, o eleitorado queria mudança após dois mandatos com o mesmo partido, mas desde que isso não significasse a perda de conquistas, como a estabilização da moeda. O primeiro programa do então candidato Lula veio com as velhas e amalucadas ideias de auditoria na dívida interna e externa, revogação de privatização, centralização cambial. O Partido dos Trabalhadores pagava, na época, o preço de suas próprias atitudes ao ficar contra o Plano Real e todos os seus avanços, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quanto mais Lula subia nas pesquisas, mais o dólar disparava.
A Carta aos Brasileiros, a atuação do ministro Palocci, o trabalho cooperativo na transição e a escolha dos nomes da primeira equipe econômica permitiram ao país dar um passo importante no seu amadurecimento institucional. Ficou claro que o mercado financeiro poderia gostar de qualquer um dos candidatos, mas a vitória do outro não representaria risco de adoção de uma política econômica que levasse à instabilidade.
O curioso é: por que voltou agora esse clima, se ele se concentra na continuidade e não na mudança para um governante novo? A atual administração acumulou uma série de erros na condução da política econômica e não esclareceu o que pretende fazer num segundo mandato para corrigir os desequilíbrios. Nas entrevistas, a presidente Dilma repete frases de efeito, faz afirmações que os fatos não confirmam, sustenta números discutíveis. Na quarta-feira, por exemplo, ela elogiou sua política industrial e, na sexta-feira, saíram dados de queda forte da indústria. Dilma deveria esclarecer seus projetos porque está na frente das pesquisas e seus métodos de governar são bem conhecidos.
O episódio da demissão de uma analista do Santander é patético. Primeiro porque ela fez uma análise binária. De fato a Bolsa tem oscilado na razão inversa da intenção de voto da presidente. Segundo, porque o governo tratou o fato de forma histriônica, como se fosse uma “inadmissível” interferência estrangeira. Terceiro, porque o banco se curvou, pediu desculpas, demitiu a analista.
É assim, de forma subserviente, que se comportam os chamados agentes econômicos. A presença do governo sempre foi grande na economia e isso aumentou no atual mandato. Os bancos ganham muito dinheiro, o setor elétrico está sendo socorrido, as indústrias têm redução de imposto e empréstimo subsidiado. Todos temem o governo porque dele dependem. Na preparação de mais uma rodada do empréstimo ao setor elétrico, alguns bancos disseram que não iriam participar. O governo os enquadrou e eles ficaram. Foi apenas atendido o pedido de jogar a maior parte do peso sobre os bancos públicos.
Esse empréstimo é obviamente uma insanidade que seria reprovada por qualquer modelo independente de risco bancário. O tomador não tem ativos, é uma câmara de empresários. Já recebeu a exorbitância de R$ 11,2 bilhões em créditos. O dinheiro foi todo entregue às distribuidoras. A garantia bancária é apenas um documento do órgão regulador autorizando a cobrança do empréstimo e juros na conta a ser enviada ao consumidor a partir do ano que vem. O dinheiro não foi suficiente e o governo pediu mais R$ 6,5 bilhões.
A ação da Petrobras sobe e desce conforme os ventos eleitorais. Isso acontece por que no mercado há mentes malévolas conspirando contra a empresa ou porque a atual administração impôs uma política de preços que dá prejuízo à estatal?
A lista é extensa, mas a matriz é a mesma e tem produzido efeitos negativos: o país não está crescendo, a inflação é alta, há preços represados, piora dos números fiscais, queda da corrente de comércio externo e uma confusão no setor elétrico. O ano de 2015 será de ajuste. A ansiedade maior recai sobre o que fará a presidente Dilma para corrigir o que foi feito em sua administração. Ela ainda não disse. Pelo contrário, tem defendido as escolhas que fez.
O terror da penhora on-line - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 03/08
Reza ditado antigo de Roma: "Se o devedor se obriga, seus bens respondem" (pela dívida não paga). Avalistas, fiadores e garantes são categorias de pessoas que se obrigam por dívidas de terceiros. Pois bem, entre os devedores devemos destacar aqueles que estão sujeitados ao poder de execução imediata, um tipo de ação que se inicia pela penhora dos bens do devedor para garantir o credor exequente e que pode ser direcionada aos garantes.
Constranger dessa forma o patrimônio do devedor/executado exige do credor um título de dívida líquida e certa. Que títulos são esses? Primeiro existem os títulos judiciais baseados em sentenças transitadas em julgado, em valor certo. Depois temos os títulos extrajudiciais ou consensuais, porquanto o direito supõe que as partes sabem da sua força executiva, caso não sejam honrados: cheques emitidos, notas promissórias, letras de câmbio, entre outros. Aqui, se o devedor não paga no vencimento, o credor executa o título. Finalmente, têm-se as CDAs (Certidões de Dívida Ativa) da União, dos estados e dos municípios e suas autarquias. Quando os contribuintes pagam a menor ou não pagam - muitas vezes, por ser a dívida tributária abusiva, ilegal ou inconstitucional -, a Fazenda Pública abre processo administrativo, sumário, para extrair a CDA, que é um título executivo capaz de pôr em risco o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas.
Vulgarizou-se no Brasil - ao contrário do que ocorria quando fui juiz federal - a penhora on-line. O juiz ordena (convênio do Banco Central com os governos) ao banco em que o contribuinte devedor tem conta o repasse ao Fisco dos fundos existentes, pouco importando se o dinheiro depositado é para pagar fornecedores, o próprio Fisco, os empregados etc. Isso deveria ser a última coisa a se decretar, mas virou a primeira, desrespeitando dois dispositivos civilizados do Código de Processo Civil (CPC). O art. 591 garante o direito do credor "cum modus in rebus", ou seja, com moderação, e o art. 620, o direito do devedor de ser executado da forma "menos gravosa", desrespeitado, no caso em exame.
Os juízes dizem que "dinheiro de contado" é a melhor forma de garantir o juízo (às vezes o processo dura anos). A preferência do legislador favorece o Fisco, que passa a mão no dinheiro no dia seguinte, de graça. Mas isso não encerra a questão da comodidade do devedor nas grandes sociedades de massa. O devedor tem nome, cara, negócios, família e responsabilidades societárias e sociais. Merece respeito, bem como o seu direito de propriedade (não é raro ter razão e direito).
Há anos, luta-se nas execuções fiscais para os juízes aceitarem fianças bancárias e seguros-fiança, que são hoje muito onerosas, em lugar de dinheiro vivo. Essas garantias são uma espécie de seguro. Surgiram com a edição da Circular Susep nº 232, de 2003, e foram inseridas no art. 656, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, com o advento da Lei nº 11.382, de 2006. A Circular Susep nº 477, de 2013, trouxe diversas novidades quanto às distintas modalidades de seguro garantia, fazendo menção à sua utilização em sede de execução fiscal. Entre as vantagens desse seguro frente às tradicionais formas de caução, destacam-se o menor custo de manutenção, a ausência de impacto negativo no balanço das empresas e a confiabilidade do mercado securitário brasileiro.
Na execução fiscal, o exercício do direito de defesa do contribuinte depende da garantia do crédito tributário, em desprestígio aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Para se defender, é necessária a prévia garantia da dívida. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se mostrando firme nas turmas da 1ª Seção no sentido da impossibilidade de uso do seguro garantia judicial, sob o argumento de que ele não estaria expressamente previsto no rol do art. 9º da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).
Apesar de a matéria não ter sido analisada sob a afetação dos recursos repetitivos, tem se observado que os tribunais de Justiça e tribunais regionais federais (TRFs) vêm seguindo o entendimento do STJ. Quatro projetos de lei visam a incluir essas novas garantias na Lei de Execuções Fiscais (em relação à possibilidade de uso do seguro garantia como forma de caução). O primeiro e o mais completo é do senador Edison Lobão.
Mas o que importa mesmo é a publicação do novo Código de Processo Civil, a equiparar a fiança bancária e o seguro-garantia a dinheiro de contado.
Gritem, comentem, pressionem as entidades de classe para que os projetos sejam votados em consonância com o CPC. O Executivo - claro - é contra. Mais vale a cidadania do que o Fisco. "O Brasil não pode mais ser extorquido." As empresas fenecem, os governos apropriam-se da poupança privada, necessária ao crescimento da economia, e malversam os recursos arrecadados. Acorda, Brasil! Vamos tirar poder do Estado - leviatã. Novos dias, novos tempos.
Constranger dessa forma o patrimônio do devedor/executado exige do credor um título de dívida líquida e certa. Que títulos são esses? Primeiro existem os títulos judiciais baseados em sentenças transitadas em julgado, em valor certo. Depois temos os títulos extrajudiciais ou consensuais, porquanto o direito supõe que as partes sabem da sua força executiva, caso não sejam honrados: cheques emitidos, notas promissórias, letras de câmbio, entre outros. Aqui, se o devedor não paga no vencimento, o credor executa o título. Finalmente, têm-se as CDAs (Certidões de Dívida Ativa) da União, dos estados e dos municípios e suas autarquias. Quando os contribuintes pagam a menor ou não pagam - muitas vezes, por ser a dívida tributária abusiva, ilegal ou inconstitucional -, a Fazenda Pública abre processo administrativo, sumário, para extrair a CDA, que é um título executivo capaz de pôr em risco o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas.
Vulgarizou-se no Brasil - ao contrário do que ocorria quando fui juiz federal - a penhora on-line. O juiz ordena (convênio do Banco Central com os governos) ao banco em que o contribuinte devedor tem conta o repasse ao Fisco dos fundos existentes, pouco importando se o dinheiro depositado é para pagar fornecedores, o próprio Fisco, os empregados etc. Isso deveria ser a última coisa a se decretar, mas virou a primeira, desrespeitando dois dispositivos civilizados do Código de Processo Civil (CPC). O art. 591 garante o direito do credor "cum modus in rebus", ou seja, com moderação, e o art. 620, o direito do devedor de ser executado da forma "menos gravosa", desrespeitado, no caso em exame.
Os juízes dizem que "dinheiro de contado" é a melhor forma de garantir o juízo (às vezes o processo dura anos). A preferência do legislador favorece o Fisco, que passa a mão no dinheiro no dia seguinte, de graça. Mas isso não encerra a questão da comodidade do devedor nas grandes sociedades de massa. O devedor tem nome, cara, negócios, família e responsabilidades societárias e sociais. Merece respeito, bem como o seu direito de propriedade (não é raro ter razão e direito).
Há anos, luta-se nas execuções fiscais para os juízes aceitarem fianças bancárias e seguros-fiança, que são hoje muito onerosas, em lugar de dinheiro vivo. Essas garantias são uma espécie de seguro. Surgiram com a edição da Circular Susep nº 232, de 2003, e foram inseridas no art. 656, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, com o advento da Lei nº 11.382, de 2006. A Circular Susep nº 477, de 2013, trouxe diversas novidades quanto às distintas modalidades de seguro garantia, fazendo menção à sua utilização em sede de execução fiscal. Entre as vantagens desse seguro frente às tradicionais formas de caução, destacam-se o menor custo de manutenção, a ausência de impacto negativo no balanço das empresas e a confiabilidade do mercado securitário brasileiro.
Na execução fiscal, o exercício do direito de defesa do contribuinte depende da garantia do crédito tributário, em desprestígio aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Para se defender, é necessária a prévia garantia da dívida. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se mostrando firme nas turmas da 1ª Seção no sentido da impossibilidade de uso do seguro garantia judicial, sob o argumento de que ele não estaria expressamente previsto no rol do art. 9º da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).
Apesar de a matéria não ter sido analisada sob a afetação dos recursos repetitivos, tem se observado que os tribunais de Justiça e tribunais regionais federais (TRFs) vêm seguindo o entendimento do STJ. Quatro projetos de lei visam a incluir essas novas garantias na Lei de Execuções Fiscais (em relação à possibilidade de uso do seguro garantia como forma de caução). O primeiro e o mais completo é do senador Edison Lobão.
Mas o que importa mesmo é a publicação do novo Código de Processo Civil, a equiparar a fiança bancária e o seguro-garantia a dinheiro de contado.
Gritem, comentem, pressionem as entidades de classe para que os projetos sejam votados em consonância com o CPC. O Executivo - claro - é contra. Mais vale a cidadania do que o Fisco. "O Brasil não pode mais ser extorquido." As empresas fenecem, os governos apropriam-se da poupança privada, necessária ao crescimento da economia, e malversam os recursos arrecadados. Acorda, Brasil! Vamos tirar poder do Estado - leviatã. Novos dias, novos tempos.
O Brasil cresce pouco? - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP -03/08
Achar normal o Brasil crescer 2% é aceitar que não reduzamos nossa distância de bem-estar para os ricos
As últimas revisões que fizemos no Ibre/FGV sugerem que o crescimento do Brasil em 2014 será de só 0,6%. Forte piora no cenário. Consolida-se um crescimento abaixo de 2% ao ano no quadriênio da presidente Dilma. Se o 0,6% se confirmar, o crescimento médio no primeiro mandato de Dilma será de 1,7% ao ano.
Quatro anos não é pouco tempo. É difícil argumentar que somente fatores ligados ao ciclo econômico explicam esse desempenho.
O debate público brasileiro tem alinhavado duas explicações para os motivos do baixo crescimento. Em geral, uma delas é preferida pelos analistas que apoiam o atual regime de política econômica, enquanto a outra é da predileção dos críticos.
A coluna no "Valor" de quarta-feira passada do professor titular da UFRJ José Luís Fiori, bem como a entrevista dada no início de julho ao jornal "Brasil Econômico" pelo professor do Departamento de Economia da Unicamp Fernando Nogueira da Costa, são dois exemplos do primeiro ponto de vista.
O segundo ponto de vista é bem expresso pelo conteúdo que tenho defendido neste espaço. É útil tentarmos entender as diferenças.
O ponto de partida é lembrarmos que no período FHC crescíamos abaixo da economia mundial, mas acompanhávamos a América Latina. No período Lula, passamos a crescer aproximadamente no mesmo ritmo da economia mundial e da América Latina. No quadriênio de Dilma, cresceremos abaixo de ambos.
O debate é se a América Latina é um bom grupo de referência para avaliarmos as possibilidades e o desempenho da economia brasileira.
A argumentação de Fiori e de Nogueira da Costa é que as economias da América Latina não constituem um grupo de referência adequado para avaliarmos a nossa economia. O motivo é que a estrutura produtiva e a escala da economia brasileira são distintas da maior parte das economias latino-americanas.
Além de sermos muito grandes, somos uma economia que completou a urbanização, a transição demográfica e a industrialização. Essas dinâmicas, que não são independentes, ocorreram ao longo das cinco décadas de 1930 a 1980. A transição demográfica se completa na segunda década deste século, com o fim do bônus demográfico.
Ou seja, não faz sentido, segundo Fiori e Nogueira da Costa, compararmos o crescimento brasileiro aos de Chile, Peru e Colômbia, por exemplo, pequenas economias exportadoras de commodities.
Para eles, o grupo de referência correto para avaliar as possibilidades de nossa economia são os países industrializados e grandes em termos absolutos. Esses países apresentam estrutura produtiva --isto é, participação na produção dos diversos setores (agropecuária, indústria e serviços)-- semelhante à do Brasil.
Ou seja, dado que os países maiores --incluindo EUA, Alemanha, França e Japão-- crescem a 2% ao ano, o crescimento de 2% ao ano é o novo padrão normal de economias grandes em termos absolutos e, portanto, trata-se do nosso atual padrão normal. Dessa forma, não podemos considerar o 1,7% de crescimento na atual conjuntura como sendo pouco.
Diferentemente dos dois autores, minha visão é que o fator mais importante para diferenciar as economias, do ponto de vista de bem-estar e do ponto de vista das possibilidades de crescimento, é a produtividade do trabalho.
A hora trabalhada nos países latino-americanos produz de 1/6 a 1/4 da hora trabalhada nos EUA.
Como argumentei ao longo de diversas colunas, penso que dois são os principais fatores que explicam a baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Primeiro, a péssima qualidade do sistema público de educação básica, e, segundo, a pior qualidade do marco institucional e legal.
Como, em relação à América Latina, temos não só níveis semelhantes de produtividade do trabalho como grande paralelismo nas trajetórias de desenvolvimento histórico e institucional, além de dificuldades semelhantes em construir sistemas públicos de educação com qualidade, penso que os países da região formam um bom grupo de referência para olharmos nossa trajetória e nossas possibilidades.
Por outro lado, considerar que 2% de crescimento ao ano seja nosso novo normal por ser o crescimento das economias do G10 representa aceitar normal que nunca reduzamos nossa distância de bem-estar com relação às economias desenvolvidas.
Cessar fogo - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 03/08
Ante a iminência de o governador Geraldo Alckmin ganhar a eleição no primeiro turno e prejudicar a já complicada situação da presidente Dilma Rousseff em São Paulo, foi estabelecido um cessar fogo entre PT e PMDB no maior colégio eleitoral do País.
Nada escrito nem formalizado, mas um acerto tácito com base na evidência de que o estica e puxa entre as campanhas de Paulo Skaf e Alexandre Padilha em torno da resistência do pemedebista em apoiar Dilma e da insistência dos petistas em obrigá-lo a abrir espaço para a presidente só tende a favorecer ainda mais o adversário de fato, o PSDB.
A avaliação do vice-presidente, segundo interlocutores, é a de que não haverá chance de ocorrer um segundo turno em São Paulo se os dois partidos não se unirem na tentativa de reduzir as intenções de voto de Alckmin, hoje em 50%.
Temer não analisa o quadro baseado em pesquisas, mas na política: não são poucos os prefeitos e as lideranças do PMDB que já querem se bandear para o lado do presumido vencedor. Se acontecer, a oposição ganha reforço para as candidaturas presidenciais de Aécio Neves e até de Eduardo Campos, pois o PSB está na vice de Alckmin.
O ambiente de briga aliado à queda de Skaf nas pesquisas só estimula esse movimento de migração e dificulta o trabalho de contenção. O candidato do PMDB já chegou a ter 21% das intenções de voto no mês de junho; agora está com 10%.
A temperatura entre os dois partidos chegou ao ponto de fervura na semana passada quando, diante da resistência de Skaf e de mais alguns dirigentes do PMDB regional em apoiar Dilma por causa da rejeição dela no Estado, o PT reagiu com faca nos dentes.
Circularam notícias de que poderia haver uma intervenção do PMDB nacional e que Michel Temer estaria pronto para enquadrar Skaf, obrigando-o a declarar-se cabo eleitoral da presidente.
Era um exagero ou precipitação. Temer preferiu fazer as coisas ao seu modo, contornando os obstáculos sem gestos impositivos, de forma a não deixar o candidato em situação de constrangimento diante do eleitorado.
Na quinta-feira Temer teve uma conversa séria com o candidato em que expôs os argumentos pelos quais seria altamente desvantajoso para ele mesmo e para o grupo político como um todo tratar o PT como inimigo.
"O PT é um concorrente na disputa, mas não um adversário", disse Temer, aconselhando Skaf a não levar em conta só as ponderações do marqueteiro, mas observar com atenção o cenário político.
E o quadro, na opinião dele, agora aponta para a necessidade de se construir uma chance de haver segundo turno. Se for eleito no primeiro, Geraldo Alckmin mais a tropa do PSDB e aliados em São Paulo estarão livres para trabalhar contra Dilma Rousseff.
Ficou, portanto, acertado o seguinte: o PMDB em São Paulo não abraça, mas também não afasta a candidatura da presidente. Ela não precisa ser o eixo da campanha de Skaf. Ao contrário, o ponto central do candidato será o Estado, a população e seus problemas; transportes, segurança, abastecimento de água e tudo o que afeta o dia a dia do cidadão.
Skaf não está obrigado a falar na presidente. Mas também não deverá renegá-la. A tarefa de fazer menção a ela e pontuar a "boa relação" do partido com o governo federal ficará com Michel Temer.
Em contrapartida, o PT para de cobrar do candidato do PMDB uma posição mais explícita; esse papel no plano estadual é do petista Alexandre Padilha.
Moral da história: o combinado não sai caro.
Lição do abismo. Do caso do aeroporto construído em terras da família Neves, fica ao senador Aécio a seguinte constatação: não cabe ao candidato a presidente julgar o que seja relevante ou não; a ele cabe responder com clareza, e presteza, o que lhe é perguntado.
Ou então questões irrelevantes acabam se tornando absolutamente desgastantes.
Ante a iminência de o governador Geraldo Alckmin ganhar a eleição no primeiro turno e prejudicar a já complicada situação da presidente Dilma Rousseff em São Paulo, foi estabelecido um cessar fogo entre PT e PMDB no maior colégio eleitoral do País.
Nada escrito nem formalizado, mas um acerto tácito com base na evidência de que o estica e puxa entre as campanhas de Paulo Skaf e Alexandre Padilha em torno da resistência do pemedebista em apoiar Dilma e da insistência dos petistas em obrigá-lo a abrir espaço para a presidente só tende a favorecer ainda mais o adversário de fato, o PSDB.
A avaliação do vice-presidente, segundo interlocutores, é a de que não haverá chance de ocorrer um segundo turno em São Paulo se os dois partidos não se unirem na tentativa de reduzir as intenções de voto de Alckmin, hoje em 50%.
Temer não analisa o quadro baseado em pesquisas, mas na política: não são poucos os prefeitos e as lideranças do PMDB que já querem se bandear para o lado do presumido vencedor. Se acontecer, a oposição ganha reforço para as candidaturas presidenciais de Aécio Neves e até de Eduardo Campos, pois o PSB está na vice de Alckmin.
O ambiente de briga aliado à queda de Skaf nas pesquisas só estimula esse movimento de migração e dificulta o trabalho de contenção. O candidato do PMDB já chegou a ter 21% das intenções de voto no mês de junho; agora está com 10%.
A temperatura entre os dois partidos chegou ao ponto de fervura na semana passada quando, diante da resistência de Skaf e de mais alguns dirigentes do PMDB regional em apoiar Dilma por causa da rejeição dela no Estado, o PT reagiu com faca nos dentes.
Circularam notícias de que poderia haver uma intervenção do PMDB nacional e que Michel Temer estaria pronto para enquadrar Skaf, obrigando-o a declarar-se cabo eleitoral da presidente.
Era um exagero ou precipitação. Temer preferiu fazer as coisas ao seu modo, contornando os obstáculos sem gestos impositivos, de forma a não deixar o candidato em situação de constrangimento diante do eleitorado.
Na quinta-feira Temer teve uma conversa séria com o candidato em que expôs os argumentos pelos quais seria altamente desvantajoso para ele mesmo e para o grupo político como um todo tratar o PT como inimigo.
"O PT é um concorrente na disputa, mas não um adversário", disse Temer, aconselhando Skaf a não levar em conta só as ponderações do marqueteiro, mas observar com atenção o cenário político.
E o quadro, na opinião dele, agora aponta para a necessidade de se construir uma chance de haver segundo turno. Se for eleito no primeiro, Geraldo Alckmin mais a tropa do PSDB e aliados em São Paulo estarão livres para trabalhar contra Dilma Rousseff.
Ficou, portanto, acertado o seguinte: o PMDB em São Paulo não abraça, mas também não afasta a candidatura da presidente. Ela não precisa ser o eixo da campanha de Skaf. Ao contrário, o ponto central do candidato será o Estado, a população e seus problemas; transportes, segurança, abastecimento de água e tudo o que afeta o dia a dia do cidadão.
Skaf não está obrigado a falar na presidente. Mas também não deverá renegá-la. A tarefa de fazer menção a ela e pontuar a "boa relação" do partido com o governo federal ficará com Michel Temer.
Em contrapartida, o PT para de cobrar do candidato do PMDB uma posição mais explícita; esse papel no plano estadual é do petista Alexandre Padilha.
Moral da história: o combinado não sai caro.
Lição do abismo. Do caso do aeroporto construído em terras da família Neves, fica ao senador Aécio a seguinte constatação: não cabe ao candidato a presidente julgar o que seja relevante ou não; a ele cabe responder com clareza, e presteza, o que lhe é perguntado.
Ou então questões irrelevantes acabam se tornando absolutamente desgastantes.
Sem líderes nem partidos - SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JR.
GAZETA DO POVO - PR - 03/08
A política, salvo honrosas e raríssimas exceções, é vista como um antro de desonestidade, clientelismo e corrupção. Ocorre que nem sempre foi assim; houve um tempo em que ser político representava alta intelectualidade, honradez e decência inquebrantável. Algo mudou, e parece que para pior. Mas quais seriam as causas da vertiginosa decadência da vida pública nacional? Ora, todo fenômeno complexo não possui apenas uma única explicação. Aliás, é justamente o somatório de causas e concausas que materializam a complexidade de uma dada situação. Logo, em vez de explicações rasteiras, precisamos da profundidade do pensamento crítico.
Nesse contexto, entre as variadas causas do problema, destacam-se dois aspectos de maior relevo: a falência dos partidos e a ausência de lideranças. Na verdade, tais aspectos são inter-relacionados, pois, sabidamente, a falta de líderes de envergadura gera o ocaso partidário. Em outras palavras, sem bons políticos não há bons partidos. E sem bons partidos a política vira um cinzento desfile de mediocridades insossas. Sobre o ponto, cabe lembrar que o partido é uma espécie de escola da vida pública, ou seja, é o local onde se deve preparar o político em forma bruta, selecionar os mais vocacionados e estimular uma prática política alta, digna e voltada aos melhores interesses da nação.
Acontece que, infelizmente, nossas lideranças e personalidades superiores abandonaram a seara política. Sem cortinas, o desenvolvimento do mercado acabou por atrair os mais capazes à vida privada, abrindo um vácuo cultural na vida pública. A questão é que mercado e política não são líquidos imiscíveis, mas ativas forças complementares. Por consequência, uma política bem exercida finca as bases institucionais necessárias para um progresso econômico duradouro. Agora, quando a política fica fútil, a economia passa a viver de ganhos baratos.
Portanto, precisamos resgatar a participação política de nossas lideranças intelectuais. A democracia, além de um sistema político plural, é substancialmente um valor moral que procura resguardar a liberdade e alargar a conscientização cultural do povo. Dessa forma, enquanto os mais capazes se omitirem do dever de participar efetivamente dos assuntos públicos de nosso país, os desafortunados e oprimidos seguirão sendo presas fáceis para governos tacanhos que fazem da mentira uma arma de perpetuação no poder. Até quando, então, alguns poucos mal-intencionados prejudicarão o futuro de muitos cidadãos inocentes?
A política, salvo honrosas e raríssimas exceções, é vista como um antro de desonestidade, clientelismo e corrupção. Ocorre que nem sempre foi assim; houve um tempo em que ser político representava alta intelectualidade, honradez e decência inquebrantável. Algo mudou, e parece que para pior. Mas quais seriam as causas da vertiginosa decadência da vida pública nacional? Ora, todo fenômeno complexo não possui apenas uma única explicação. Aliás, é justamente o somatório de causas e concausas que materializam a complexidade de uma dada situação. Logo, em vez de explicações rasteiras, precisamos da profundidade do pensamento crítico.
Nesse contexto, entre as variadas causas do problema, destacam-se dois aspectos de maior relevo: a falência dos partidos e a ausência de lideranças. Na verdade, tais aspectos são inter-relacionados, pois, sabidamente, a falta de líderes de envergadura gera o ocaso partidário. Em outras palavras, sem bons políticos não há bons partidos. E sem bons partidos a política vira um cinzento desfile de mediocridades insossas. Sobre o ponto, cabe lembrar que o partido é uma espécie de escola da vida pública, ou seja, é o local onde se deve preparar o político em forma bruta, selecionar os mais vocacionados e estimular uma prática política alta, digna e voltada aos melhores interesses da nação.
Acontece que, infelizmente, nossas lideranças e personalidades superiores abandonaram a seara política. Sem cortinas, o desenvolvimento do mercado acabou por atrair os mais capazes à vida privada, abrindo um vácuo cultural na vida pública. A questão é que mercado e política não são líquidos imiscíveis, mas ativas forças complementares. Por consequência, uma política bem exercida finca as bases institucionais necessárias para um progresso econômico duradouro. Agora, quando a política fica fútil, a economia passa a viver de ganhos baratos.
Portanto, precisamos resgatar a participação política de nossas lideranças intelectuais. A democracia, além de um sistema político plural, é substancialmente um valor moral que procura resguardar a liberdade e alargar a conscientização cultural do povo. Dessa forma, enquanto os mais capazes se omitirem do dever de participar efetivamente dos assuntos públicos de nosso país, os desafortunados e oprimidos seguirão sendo presas fáceis para governos tacanhos que fazem da mentira uma arma de perpetuação no poder. Até quando, então, alguns poucos mal-intencionados prejudicarão o futuro de muitos cidadãos inocentes?
A rua, o eleitor e os candidatos - GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADÃO - 03/08
Os conselhos de Quinto, suportando a corrosão de mais de dois milênios, chegam incólumes ao cenário eleitoral brasileiro, sendo receita eficaz aos 24.979 candidatos que disputarão, em outubro, 1709 vagas para a presidência da República, os Executivos dos 26 Estados e do Distrito Federal, as representações no Senado, Câmara Federal e Assembléias legislativas. O tufão que inundou as ruas, ano passado, com grupos em passeatas e depredações, cujas marolas ainda se fazem presentes, aqui e ali, servem como biruta para mostrar aos candidatos a direção a seguir: ruas, becos, bairros, cidades. Tal apontamento se ancora no espírito do tempo, este vetor que tende a imprimir aos ciclos eleitorais características peculiares, agendas condizentes com o ânimo social, discursos alinhados ao cotidiano. A lógica é cristalina: se o povo está nas ruas, os candidatos devem ir ao seu encontro. Milton Nascimento, na bela música Nos Bailes da Vida, canta: “com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir aonde o povo está”. Candidatos são os artistas do palco político. Cada eleição possui sua índole. A deste ano é a campanha de rua.
O barulho social bate nas portas dos poderes. O eco se espraia pelas teias organizadas por setores e categorias profissionais, organizações não-governamentais e, mais importante, sob o empuxo da elevação do nível de conscientização política de participantes de todas as classes, até mesmo das margens. Sob o clamor geral, aos candidatos se impõe a lição de casa: conhecer os problemas regionais; absorver as prioridades de cada compartimento da pirâmide e dar respostas adequadas e factíveis às reivindicações (demonstrando como realizarão as promessas). A diferença de outros pleitos se escancara. Hoje, a percepção do eleitor é mais aguda, situação apontada não apenas pelo ajuntamento de conglomerados eleitorais, mas pela baixa avaliação que faz de governos e candidatos.
O que motiva a contundente expressão social? Entre as hipóteses, alinham-se: o sentimento da nova classe média (C) de que não alcançou o mesmo patamar de sua vizinha de cima, a classe B; a sensação de que os ganhos obtidos se esvaem no ralo da inflação das ruas; a precariedade dos serviços públicos; o receio de voltar ao andar de baixo da pirâmide; a maré enchente de escândalos, desvios e corrupção, que estende o fosso entre o universo político e o eleitor; em suma, a sensação generalizada de que o país gira em torno de si mesmo, tateando sofregamente na trilha esburacada de grandes deficiências. Não é exagero aduzir que a comunidade nacional grita em uníssono: basta de mesmice!
A indignação é solfejada por um conjunto formado por tipos variados de eleitores, entre os quais se incluem amorfos, emotivos, pragmáticos, locais, religiosos, esclarecidos/racionais. Grupamentos de baixo nível de conscientização, que tendem a estender braços ao populismo, habitam principalmente o território que agrega 54% (72 milhões) dos 142 milhões de eleitores que não chegaram a concluir o 1º grau. Constata-se, porém, que mesmo na terra desse eleitorado, ouve-se acentuado teor crítico, a denotar menor dispersão e olhar atento. O fato é que os currais das turbas ignaras vão se fechando. Veja-se a pressão de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. O voto segmentado, direcionado, será mais volumoso que o de ontem, a refletir a organicidade social do país. Um bloco em ascensão é o do voto religioso; até comporta candidato próprio, na demonstração de que os credos evangélicos e o mercado da fé, endinheirados, passam a ser parceiros poderosos da política. O bolo eleitoral incha com o fermento das redes sociais, formando exércitos de ataque e de defesa em torno dos atores políticos. A virulência verbal recrudesce. Até grupos tradicionalmente alheios à política, como os jovens, se envolvem na malha eletrônica, que passa a exercer papel importante no debate nacional.
Resta, por último, retratar a galeria de candidatos. O perfil predominante acaba de sair do forno do TSE: homem, branco, casado, sem ter concluído o ensino superior. Se considerarmos que a população brasileira é constituída, segundo o PNAD, por 47% de pessoas brancas, 43% de pardas e 8% de negras, a proporção de candidatos brancos supera o conjunto. As mulheres entram na arena eleitoral com apenas 29,7% do total de candidatos (7.410), apesar de constituírem maioria da população (51,5%). O painel de profissões mostra fatia maior de candidatos que se dizem empresários (9,3%), advogados (5,5%), comerciantes e políticos (deputados, vereadores). O circo eleitoral abre suas cortinas para os olimpianos da cultura de massa – artistas e ex-jogadores de futebol -, que tentarão atrair as massas com sua fama. Sem o sucesso de outrora. Ao fundo, o eleitor insatisfeito parece gritar: “até quando, candidatos, abusareis de nossa paciência?”
Dois pesos e duas medidas é aberração - YOEL BARNEA
FOLHA DE SP - 03/08
Ricardo Melo e o MTST já resolveram os problemas dos sem-teto e, por isso, têm tempo para contribuir com a questão israelo-palestina?
A solução para o conflito entre israelenses e palestinos proposta pelo colunista Ricardo Melo nesta Folha em 28 de julho com o artigo "Israel é aberração; os judeus, não" é a mesma proposta pelo Hamas e por sua carta constitutiva. É a mesma solução preconizada por outras organizações terroristas palestinas (e não pelos palestinos, representados pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas) e pelo Irã.
Críticas a Israel e à sua política são totalmente aceitáveis e é parte da discussão na mídia e entre nações. Preconizar e apoiar a ideia do fim de um Estado que tem todo o direito de existir, como o Brasil tem, é um ato de violência verbal. Soluções construtivas e positivas não incluem aniquilar um Estado ou sugerir seu desaparecimento.
O antissionismo exposto no artigo do colunista --a oposição à existência de Israel, que é a manifestação do movimento de liberação nacional do povo judeu-- é o modelo e a versão atualizada do antissemitismo, que hoje não está na moda e que não é "politicamente correto". Quando alguém diz que tem muitos conhecidos judeus e que não é antissemita é a melhor prova de que temos um antissemita diante de nós. E se, como faz o colunista, acrescenta comentários que não têm nada a ver com o tema em discussão, sobre o bairro Higienópolis, em São Paulo, por exemplo, são claras também as suas visões antijudaicas.
Israel não tem a mínima intenção de se suicidar para satisfazer a vontade do colunista, do Hamas ou do Irã e, assim, contribuir para tornar esse sonho realidade.
Junto de Ricardo Melo, poderíamos colocar o colunista Guilherme Boulos, que no seu artigo de 31 de julho ("A Palestina apagada do mapa") no site da Folha, com intenção e linguagem agressivas e agitadoras, comete vários erros e confusões históricas (intencionais ou por ignorância?) que, com o tamanho deste artigo, não conseguiria retificar. Boulos adere à visão de que não se deve confundir o leitor com fatos e realidades, mas tem que deturpá-los para fundamentar sua posição destrutiva e ignorante.
Ricardo Melo e os integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) já resolveram os graves problemas prioritários dos brasileiros sem-teto e, por isso, têm tempo, recursos e conselhos para contribuir negativamente com a questão israelo-palestina? Ficamos felizes! Ou não seria a vontade de "pegar carona" em qualquer tema conflituoso que permitiria repudio, manifestações, agitação e a oportunidade de exteriorizar visões que transgridem claramente os limites da livre expressão, princípio aceito por países democráticos como Brasil e Israel e rejeitado rotundamente por países autoritários e por organizações extremistas, como o Hamas.
O principal inimigo dos palestinos é o Hamas, que sacrifica a vida de seus cidadãos no altar da proteção de seus mísseis, explosivos e túneis, cujo objetivo é assassinar sem distinção israelenses (20% dos quais são árabes), civis, homens mulheres e crianças.
Israel investe em mísseis defensivos e refúgios para proteger sua população civil e o Hamas "investe" e sacrifica descaradamente a vida de sua população civil, para proteger seus mísseis ofensivos.
Por muitas vezes neste conflito atual Israel propôs um cessar-fogo, mas o Hamas não aceitou --parece não estar interessado em poupar vidas palestinas em Gaza. É o culto da morte do terrorismo palestino (não de todos os palestinos) frente ao culto à vida e sua proteção por parte de Israel.
A solução do conflito entre israelenses e palestinos reside na proposta de dois Estados para dois povos e na constituição de um Estado palestino, ao lado de Israel, e não em vez de Israel, como propõem os dois colunistas aqui mencionados e também o Hamas e o Irã. Dois Estados que convivam em boa vizinhança, cooperação, bem-estar e progresso comuns para a prosperidade e a paz de seus povos e de todo o Oriente Médio.
Ricardo Melo e o MTST já resolveram os problemas dos sem-teto e, por isso, têm tempo para contribuir com a questão israelo-palestina?
A solução para o conflito entre israelenses e palestinos proposta pelo colunista Ricardo Melo nesta Folha em 28 de julho com o artigo "Israel é aberração; os judeus, não" é a mesma proposta pelo Hamas e por sua carta constitutiva. É a mesma solução preconizada por outras organizações terroristas palestinas (e não pelos palestinos, representados pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas) e pelo Irã.
Críticas a Israel e à sua política são totalmente aceitáveis e é parte da discussão na mídia e entre nações. Preconizar e apoiar a ideia do fim de um Estado que tem todo o direito de existir, como o Brasil tem, é um ato de violência verbal. Soluções construtivas e positivas não incluem aniquilar um Estado ou sugerir seu desaparecimento.
O antissionismo exposto no artigo do colunista --a oposição à existência de Israel, que é a manifestação do movimento de liberação nacional do povo judeu-- é o modelo e a versão atualizada do antissemitismo, que hoje não está na moda e que não é "politicamente correto". Quando alguém diz que tem muitos conhecidos judeus e que não é antissemita é a melhor prova de que temos um antissemita diante de nós. E se, como faz o colunista, acrescenta comentários que não têm nada a ver com o tema em discussão, sobre o bairro Higienópolis, em São Paulo, por exemplo, são claras também as suas visões antijudaicas.
Israel não tem a mínima intenção de se suicidar para satisfazer a vontade do colunista, do Hamas ou do Irã e, assim, contribuir para tornar esse sonho realidade.
Junto de Ricardo Melo, poderíamos colocar o colunista Guilherme Boulos, que no seu artigo de 31 de julho ("A Palestina apagada do mapa") no site da Folha, com intenção e linguagem agressivas e agitadoras, comete vários erros e confusões históricas (intencionais ou por ignorância?) que, com o tamanho deste artigo, não conseguiria retificar. Boulos adere à visão de que não se deve confundir o leitor com fatos e realidades, mas tem que deturpá-los para fundamentar sua posição destrutiva e ignorante.
Ricardo Melo e os integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) já resolveram os graves problemas prioritários dos brasileiros sem-teto e, por isso, têm tempo, recursos e conselhos para contribuir negativamente com a questão israelo-palestina? Ficamos felizes! Ou não seria a vontade de "pegar carona" em qualquer tema conflituoso que permitiria repudio, manifestações, agitação e a oportunidade de exteriorizar visões que transgridem claramente os limites da livre expressão, princípio aceito por países democráticos como Brasil e Israel e rejeitado rotundamente por países autoritários e por organizações extremistas, como o Hamas.
O principal inimigo dos palestinos é o Hamas, que sacrifica a vida de seus cidadãos no altar da proteção de seus mísseis, explosivos e túneis, cujo objetivo é assassinar sem distinção israelenses (20% dos quais são árabes), civis, homens mulheres e crianças.
Israel investe em mísseis defensivos e refúgios para proteger sua população civil e o Hamas "investe" e sacrifica descaradamente a vida de sua população civil, para proteger seus mísseis ofensivos.
Por muitas vezes neste conflito atual Israel propôs um cessar-fogo, mas o Hamas não aceitou --parece não estar interessado em poupar vidas palestinas em Gaza. É o culto da morte do terrorismo palestino (não de todos os palestinos) frente ao culto à vida e sua proteção por parte de Israel.
A solução do conflito entre israelenses e palestinos reside na proposta de dois Estados para dois povos e na constituição de um Estado palestino, ao lado de Israel, e não em vez de Israel, como propõem os dois colunistas aqui mencionados e também o Hamas e o Irã. Dois Estados que convivam em boa vizinhança, cooperação, bem-estar e progresso comuns para a prosperidade e a paz de seus povos e de todo o Oriente Médio.
Silêncio eloquente - JOÃO BOSCO RABELLO
O ESTADÃO - 03/08
A Petrobrás teve 11 ex-diretores responsabilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) pela operação comercial de compra de uma refinaria nos Estados Unidos, sob a suspeita de servir a um esquema de desvio de recursos para fins ainda investigados.
Apenas nesse caso a operação envolve a quantia de 712 milhões de dólares que o TCU pretende estornar para os cofres da empresa. Os bens dos 11 ex-diretores estão bloqueados, inclusive os do seu ex-presidente, Sérgio Gabrielli. A sua sucessora, Graça Foster, poderá ir pelo mesmo caminho.
Um dos alcançados pela decisão do tribunal, Paulo Roberto Costa, está preso. E a Polícia Federal investiga a participação de seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef, ambos réus por desvio de dinheiro da refinaria Abreu e Lima, como sócio da estatal em um terceiro empreendimento - a usina termelétrica de Suape.
Nesta, Youssef estava associado ao ex-deputado José Janene na empresa CSA Project Finance, investigada por lavagem de dinheiro do mensalão, repassado pelo publicitário Marcos Valério. É Janene o padrinho político de Paulo Roberto Costa na Petrobrás, formando um elo que aproxima as investigações de desvios para campanhas eleitorais.
São casos que já ultrapassaram o estágio das denúncias e geraram ações policiais e judiciais, com bloqueios de bens e prisões. Sua consistência se mede também pela antecipação da presidente Dilma Rousseff ao seu desfecho policial, declarando-se inocente de uma decisão da empresa que sabia, mais tarde, incriminadora.
No entanto, tanto Dilma, à época presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, quanto seu antecessor, Lula, presidente da República, calam sobre o desdobramento desses casos. A presidente satisfez-se com a não inclusão do Conselho na decisão do TCU, que a isenta, por ora, da responsabilidade imposta aos ex- diretores.
Já o ex-presidente, em cuja gestão ocorreram os fatos, os inclui no roteiro cirúrgico que cumpre como cabo eleitoral da afilhada - um script que o mantém em cena apenas como advogado do governo da sucessora, omitindo-se de qualquer tema incômodo com origem no seu.
A ideia é que seu governo figure na campanha quando for conveniente avaliar os 14 anos do PT no poder para atenuar a crise econômica atual. E separando as duas gestões na maior parte do tempo, como convém ao ex-presidente, para não macular a popularidade com a qual voltou à planície.
Mas o escândalo da Petrobrás é um vínculo de alto teor explosivo a unir criador e criatura, juntos à época como chefe e subordinada. O que torna o silêncio de ambos. sobre os escândalos, eloquente.
A Petrobrás teve 11 ex-diretores responsabilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) pela operação comercial de compra de uma refinaria nos Estados Unidos, sob a suspeita de servir a um esquema de desvio de recursos para fins ainda investigados.
Apenas nesse caso a operação envolve a quantia de 712 milhões de dólares que o TCU pretende estornar para os cofres da empresa. Os bens dos 11 ex-diretores estão bloqueados, inclusive os do seu ex-presidente, Sérgio Gabrielli. A sua sucessora, Graça Foster, poderá ir pelo mesmo caminho.
Um dos alcançados pela decisão do tribunal, Paulo Roberto Costa, está preso. E a Polícia Federal investiga a participação de seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef, ambos réus por desvio de dinheiro da refinaria Abreu e Lima, como sócio da estatal em um terceiro empreendimento - a usina termelétrica de Suape.
Nesta, Youssef estava associado ao ex-deputado José Janene na empresa CSA Project Finance, investigada por lavagem de dinheiro do mensalão, repassado pelo publicitário Marcos Valério. É Janene o padrinho político de Paulo Roberto Costa na Petrobrás, formando um elo que aproxima as investigações de desvios para campanhas eleitorais.
São casos que já ultrapassaram o estágio das denúncias e geraram ações policiais e judiciais, com bloqueios de bens e prisões. Sua consistência se mede também pela antecipação da presidente Dilma Rousseff ao seu desfecho policial, declarando-se inocente de uma decisão da empresa que sabia, mais tarde, incriminadora.
No entanto, tanto Dilma, à época presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, quanto seu antecessor, Lula, presidente da República, calam sobre o desdobramento desses casos. A presidente satisfez-se com a não inclusão do Conselho na decisão do TCU, que a isenta, por ora, da responsabilidade imposta aos ex- diretores.
Já o ex-presidente, em cuja gestão ocorreram os fatos, os inclui no roteiro cirúrgico que cumpre como cabo eleitoral da afilhada - um script que o mantém em cena apenas como advogado do governo da sucessora, omitindo-se de qualquer tema incômodo com origem no seu.
A ideia é que seu governo figure na campanha quando for conveniente avaliar os 14 anos do PT no poder para atenuar a crise econômica atual. E separando as duas gestões na maior parte do tempo, como convém ao ex-presidente, para não macular a popularidade com a qual voltou à planície.
Mas o escândalo da Petrobrás é um vínculo de alto teor explosivo a unir criador e criatura, juntos à época como chefe e subordinada. O que torna o silêncio de ambos. sobre os escândalos, eloquente.
Falta sentimento democrático - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O ESTADÃO - 03/08
Ainda é cedo, mas há fortes indícios de que o PT perderá as próximas eleições. Em que estado com muitos eleitores seus candidatos a governador se mostram competitivos? Talvez em um. No total os petistas aparecem bem situados apenas em quatro estados, se tanto, três deles com não muitos eleitores. Quanto aos aliados, especialmente o principal, o PMDB, parece que andam em franca debandada em vários estados. Também, pudera, como pedir fidelidade no apoio à reeleição quando, além do pouco embalo da chapa presidencial, os candidatos da oposição e do próprio PMDB aos governos estaduais aparecem bem à frente dos candidatos do PT?
As taxas de rejeição da presidenta estão nas nuvens, não só em São Paulo, onde nem o céu é o limite. Também crescem nos pequenos municípios do Norte e do Nordeste para onde, nas asas das Bolsas Família, migraram os apoios do partido que nasceu com os trabalhadores urbanos. As raízes deste quadro se abeberam em vários mananciais: o das dificuldades econômicas, da tragédia das políticas energéticas (vale prêmio Nobel derrubar ao mesmo tempo o valor de bolsa da Petrobras e as chances do etanol e ainda encalacrar as empresas de energia elétrica), da confusão administrativa, do pântano das corrupções e assim por diante. Culpa da presidenta? Não necessariamente.
Há tempo, escrevi um artigo nesta coluna com o título de “Herança Maldita”. Fazia ironia, obviamente, com o estigma que petistas ilustres quiserem impingir a meu governo. No artigo indicava que a origem das dificuldades não estava no atual governo, vinha de seu predecessor. A cada oportunidade que tenho procuro separar a figura da presidenta, seu comportamento passado e atual, digno de consideração, dos erros que, eventualmente atribuo ora a ela, ora ao estilo petista de governar.
Mas, francamente, é demais não reconhecer que há motivos reais, objetivos, para o mal-estar que envolve a atual política brasileira sob hegemonia petista. Abro ao acaso os jornais desta semana: os europeus advertem que a produtividade do país está estagnada; o humor do varejo em São Paulo é o pior em três anos; a produção industrial e a confiança dos industriais não param de cair; o FMI publica documento oficial assinalando que nossa economia é das mais vulneráveis a uma mudança no cenário internacional e ajusta mais uma vez para baixo a projeção de crescimento do PIB brasileiro em 2014, para 1,3% (seriam otimistas?); o boletim Focus, do BC, prevê um crescimento ainda menor, de 0,9% (seriam os pessimistas?); o juro para a pessoa física atinge seu maior patamar em três anos; a geração de empregos é a menor para o mês de junho em 16 anos; para não falar na decisão do TCU de bloquear os bens dos dirigentes da Petrobras ao responsabilizá-los por prejuízos causados aos cofres públicos na compra da refinaria de Pasadena.
Espanta, portanto, que a remessa de análise conjuntural feita por analistas de um banco a seus clientes haja provocado reações tão inusitadas. O mercado não deve se intrometer na política, protestaram governo e petistas. Talvez. Mas se intromete rotineiramente e quando o vento está a favor os governos se deixam embalar por seu sopro. Então, por que agora e por que de forma tão desproporcional ao fato, presidenta?
Não creio que seja por desconhecimento da situação nem muito menos por ingenuidade. Trata-se de estratégia: o ataque é a melhor defesa. E nisso Lula é mestre. Lá vêm aí de novo com as “zelites” (da qual faz parte) contra o povo pobre. Até aí, táticas eleitorais. Mas me preocupa a insistência em tapar o sol com a peneira. Talvez queiram esconder o acúmulo de dificuldades que estão se avolumando para o próximo mandato: inflação subindo, com tarifas públicas e preço da gasolina represados; contas públicas que nem malabarismos fiscais conseguem ajustar; o BNDES com um duto ligado ao Tesouro, numa espécie de orçamento paralelo, como no passado remoto; as tarifas elétricas rebaixadas fora de hora e agora o Tesouro bancando os custos da manobra populista, e assim por diante. Em algum momento o próximo governo, mesmo se for o do PT, terá de pôr cobro a tanto desatino. Mas, creem os governistas, enquanto der, vamos empurrando com a barriga.
Que fez o governo do PSDB quando as pesquisas eleitorais de 2002 apontavam possível vitória do PT da época? Elevou os juros, antes mesmo das eleições, reduzindo as próprias chances eleitorais. Sustentou mundo afora, antes e depois das eleições, que não haveria perigo de irresponsabilidades, pois as leis e a cultura do país haviam mudado. Pediu um empréstimo ao FMI, com a prévia anuência pública de todos os candidatos a presidente, inclusive e especificamente do candidato do PT. O dinheiro seria desembolsado e utilizado pelo governo a ser eleito para acalmar os mercados, que temiam um descontrole cambial e inflacionário e mesmo uma moratória com a vitória de Lula. Aprovamos ainda uma lei para dar tempo e condições ao novo governo de se inteirar da situação e se organizar antes mesmo de tomar posse.
Agora, na eventualidade de vitória oposicionista (e, repito, é cedo para assegurá-la) que fazem os detentores do poder? Previnem-se ameaçando: faremos o controle social da mídia; criaremos um governo paralelo, com comissões populares sob a batuta da Casa Civil que dará os rumos à sociedade; amedrontam bancos que apenas dizem o que todos sabem etc. Sei que são mais palavras equívocas do que realidades impositivas. Mas denotam um estado de espírito. Em lugar de se prepararem para “aceitar o outro”, como em qualquer transição democrática decente, estigmatizam os adversários e ameaçam com um futuro do qual os outros estarão excluídos.
Vejo fantasmas? Pode ser, mas é melhor cuidar do que não lhes dar atenção. A democracia entre nós, já disseram melhor outros personagens, é como uma planta tenra que tem que ser cuidada e regada com exemplos, pensamentos, palavras e ações todos os dias. Cuidemos dela, pois.
Ainda é cedo, mas há fortes indícios de que o PT perderá as próximas eleições. Em que estado com muitos eleitores seus candidatos a governador se mostram competitivos? Talvez em um. No total os petistas aparecem bem situados apenas em quatro estados, se tanto, três deles com não muitos eleitores. Quanto aos aliados, especialmente o principal, o PMDB, parece que andam em franca debandada em vários estados. Também, pudera, como pedir fidelidade no apoio à reeleição quando, além do pouco embalo da chapa presidencial, os candidatos da oposição e do próprio PMDB aos governos estaduais aparecem bem à frente dos candidatos do PT?
As taxas de rejeição da presidenta estão nas nuvens, não só em São Paulo, onde nem o céu é o limite. Também crescem nos pequenos municípios do Norte e do Nordeste para onde, nas asas das Bolsas Família, migraram os apoios do partido que nasceu com os trabalhadores urbanos. As raízes deste quadro se abeberam em vários mananciais: o das dificuldades econômicas, da tragédia das políticas energéticas (vale prêmio Nobel derrubar ao mesmo tempo o valor de bolsa da Petrobras e as chances do etanol e ainda encalacrar as empresas de energia elétrica), da confusão administrativa, do pântano das corrupções e assim por diante. Culpa da presidenta? Não necessariamente.
Há tempo, escrevi um artigo nesta coluna com o título de “Herança Maldita”. Fazia ironia, obviamente, com o estigma que petistas ilustres quiserem impingir a meu governo. No artigo indicava que a origem das dificuldades não estava no atual governo, vinha de seu predecessor. A cada oportunidade que tenho procuro separar a figura da presidenta, seu comportamento passado e atual, digno de consideração, dos erros que, eventualmente atribuo ora a ela, ora ao estilo petista de governar.
Mas, francamente, é demais não reconhecer que há motivos reais, objetivos, para o mal-estar que envolve a atual política brasileira sob hegemonia petista. Abro ao acaso os jornais desta semana: os europeus advertem que a produtividade do país está estagnada; o humor do varejo em São Paulo é o pior em três anos; a produção industrial e a confiança dos industriais não param de cair; o FMI publica documento oficial assinalando que nossa economia é das mais vulneráveis a uma mudança no cenário internacional e ajusta mais uma vez para baixo a projeção de crescimento do PIB brasileiro em 2014, para 1,3% (seriam otimistas?); o boletim Focus, do BC, prevê um crescimento ainda menor, de 0,9% (seriam os pessimistas?); o juro para a pessoa física atinge seu maior patamar em três anos; a geração de empregos é a menor para o mês de junho em 16 anos; para não falar na decisão do TCU de bloquear os bens dos dirigentes da Petrobras ao responsabilizá-los por prejuízos causados aos cofres públicos na compra da refinaria de Pasadena.
Espanta, portanto, que a remessa de análise conjuntural feita por analistas de um banco a seus clientes haja provocado reações tão inusitadas. O mercado não deve se intrometer na política, protestaram governo e petistas. Talvez. Mas se intromete rotineiramente e quando o vento está a favor os governos se deixam embalar por seu sopro. Então, por que agora e por que de forma tão desproporcional ao fato, presidenta?
Não creio que seja por desconhecimento da situação nem muito menos por ingenuidade. Trata-se de estratégia: o ataque é a melhor defesa. E nisso Lula é mestre. Lá vêm aí de novo com as “zelites” (da qual faz parte) contra o povo pobre. Até aí, táticas eleitorais. Mas me preocupa a insistência em tapar o sol com a peneira. Talvez queiram esconder o acúmulo de dificuldades que estão se avolumando para o próximo mandato: inflação subindo, com tarifas públicas e preço da gasolina represados; contas públicas que nem malabarismos fiscais conseguem ajustar; o BNDES com um duto ligado ao Tesouro, numa espécie de orçamento paralelo, como no passado remoto; as tarifas elétricas rebaixadas fora de hora e agora o Tesouro bancando os custos da manobra populista, e assim por diante. Em algum momento o próximo governo, mesmo se for o do PT, terá de pôr cobro a tanto desatino. Mas, creem os governistas, enquanto der, vamos empurrando com a barriga.
Que fez o governo do PSDB quando as pesquisas eleitorais de 2002 apontavam possível vitória do PT da época? Elevou os juros, antes mesmo das eleições, reduzindo as próprias chances eleitorais. Sustentou mundo afora, antes e depois das eleições, que não haveria perigo de irresponsabilidades, pois as leis e a cultura do país haviam mudado. Pediu um empréstimo ao FMI, com a prévia anuência pública de todos os candidatos a presidente, inclusive e especificamente do candidato do PT. O dinheiro seria desembolsado e utilizado pelo governo a ser eleito para acalmar os mercados, que temiam um descontrole cambial e inflacionário e mesmo uma moratória com a vitória de Lula. Aprovamos ainda uma lei para dar tempo e condições ao novo governo de se inteirar da situação e se organizar antes mesmo de tomar posse.
Agora, na eventualidade de vitória oposicionista (e, repito, é cedo para assegurá-la) que fazem os detentores do poder? Previnem-se ameaçando: faremos o controle social da mídia; criaremos um governo paralelo, com comissões populares sob a batuta da Casa Civil que dará os rumos à sociedade; amedrontam bancos que apenas dizem o que todos sabem etc. Sei que são mais palavras equívocas do que realidades impositivas. Mas denotam um estado de espírito. Em lugar de se prepararem para “aceitar o outro”, como em qualquer transição democrática decente, estigmatizam os adversários e ameaçam com um futuro do qual os outros estarão excluídos.
Vejo fantasmas? Pode ser, mas é melhor cuidar do que não lhes dar atenção. A democracia entre nós, já disseram melhor outros personagens, é como uma planta tenra que tem que ser cuidada e regada com exemplos, pensamentos, palavras e ações todos os dias. Cuidemos dela, pois.
Nulos e brancos - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/08
A presidente Dilma Rousseff tem um caminho bem mais acidentado para conseguir a reeleição do que teve em 2010, especialmente pelo desejo de mudança que as pesquisas eleitorais vêm captando entre cerca de 70% dos eleitores.Mas a oposição também não tem tido capacidade, até o momento, de atrair esse eleitorado descontente, o que faz com que Dilma permaneça na liderança da corrida presidencial e o índice de votos brancos e nulos se apresente extremamente alto para esta época da campanha, beneficiando quem está à frente da corrida, pois precisará de menos votos válidos para vencer.
Na pesquisa realizada em julho pelo Ibope, o índice de votos brancos e nulos ficou em torno de 16%, mais que o dobro do encontrado na mesma época em 2010, no registro da diretora daquele instituto, Marcia Cavallari. Não é à toa, portanto, que os oposicionistas começam a se preocupar com essa tendência, que pode representar tanto falta de interesse pelas eleições como desencanto com a política.
A não identificação dos eleitores com os candidatos oposicionistas é uma questão a ser atacada nas propagandas eleitorais de rádio e televisão, mas o candidato tucano Aécio Neves prepara-se para fazer uma campanha especial contra o voto nulo e branco, esclarecendo que ele beneficia geralmente os candidatos contra quem se quer protestar, na suposição de que o protesto sempre será em maior escala contra os que estão no governo.
Segundo Marcia Cavalari em entrevista ao "Estadão", os eleitores que hoje dizem ter intenção de votar em branco ou nulo são mais escolarizados, possuem renda familiar mais elevada e vivem em grandes centros urbanos, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, um perfil bastante semelhante ao dos manifestantes de 2013. "Portanto, eles podem sim, ao longo da campanha, mudar para os candidatos de oposição", analisa Cavalari, para quem a probabilidade desse tipo de eleitor votar na presidente Dilma "é bem mais baixa'.
Outra questão difícil para a presidente Dilma é o jogo do segundo turno, já que os índices do governo não facilitam a possibilidade de vencer a eleição no primeiro turno.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1998 em meio a grandes dificuldades econômicas, a ponto de ter sido obrigado a desvalorizar o Real imediatamente após a vitória nas urnas.
Mas naquele momento o ambiente político era favorável à continuidade do Plano Real, e a permanência de FHC à frente do governo era uma garantia do projeto econômico, que tinha o apoio generalizado no Congresso e na população, tanto que a reeleição foi aprovada de maneira quase consensual na sociedade. Mas ele temia que, num segundo turno, o desgaste do governo aumentasse.
Hoje, um segundo turno será mais apertado do que se supunha, segundo as pesquisas, e a chance de vitória de qualquer um da oposição é real. O apoio da maioria dos eleitores de Eduardo Campos a Aécio contra Dilma num segundo turno acontecerá naturalmente, e será difícil a ele ficar em cima do muro, como Marina fez em 2010 e provavelmente fará este ano, pois na campanha sua ação será sempre contra Dilma e o PT, preservando o ex-presidente Lula. Segundo as pesquisas, 55% dos eleitores de Campos declaram preferir Aécio, enquanto apenas 26% votariam em Dilma.
O apoio do eleitorado de Aécio Neves a Campos também será natural. Os eleitores do pastor Everaldo, do PSC, também estarão naturalmente na oposição, pelo tom que ele está dando à sua campanha, e sua perspectiva eleitoral é muito boa, garantindo- lhe espaço político nas negociações do segundo turno.
E a presidente Dilma tem ainda problemas a resolver no eleitorado de extrema-esquerda, que pelo visto prefere uma derrota do PT: 64% dos eleitores do PSOL votam Aécio num segundo turno, assim como metade dos eleitores do PSTU.
Na pesquisa realizada em julho pelo Ibope, o índice de votos brancos e nulos ficou em torno de 16%, mais que o dobro do encontrado na mesma época em 2010, no registro da diretora daquele instituto, Marcia Cavallari. Não é à toa, portanto, que os oposicionistas começam a se preocupar com essa tendência, que pode representar tanto falta de interesse pelas eleições como desencanto com a política.
A não identificação dos eleitores com os candidatos oposicionistas é uma questão a ser atacada nas propagandas eleitorais de rádio e televisão, mas o candidato tucano Aécio Neves prepara-se para fazer uma campanha especial contra o voto nulo e branco, esclarecendo que ele beneficia geralmente os candidatos contra quem se quer protestar, na suposição de que o protesto sempre será em maior escala contra os que estão no governo.
Segundo Marcia Cavalari em entrevista ao "Estadão", os eleitores que hoje dizem ter intenção de votar em branco ou nulo são mais escolarizados, possuem renda familiar mais elevada e vivem em grandes centros urbanos, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, um perfil bastante semelhante ao dos manifestantes de 2013. "Portanto, eles podem sim, ao longo da campanha, mudar para os candidatos de oposição", analisa Cavalari, para quem a probabilidade desse tipo de eleitor votar na presidente Dilma "é bem mais baixa'.
Outra questão difícil para a presidente Dilma é o jogo do segundo turno, já que os índices do governo não facilitam a possibilidade de vencer a eleição no primeiro turno.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1998 em meio a grandes dificuldades econômicas, a ponto de ter sido obrigado a desvalorizar o Real imediatamente após a vitória nas urnas.
Mas naquele momento o ambiente político era favorável à continuidade do Plano Real, e a permanência de FHC à frente do governo era uma garantia do projeto econômico, que tinha o apoio generalizado no Congresso e na população, tanto que a reeleição foi aprovada de maneira quase consensual na sociedade. Mas ele temia que, num segundo turno, o desgaste do governo aumentasse.
Hoje, um segundo turno será mais apertado do que se supunha, segundo as pesquisas, e a chance de vitória de qualquer um da oposição é real. O apoio da maioria dos eleitores de Eduardo Campos a Aécio contra Dilma num segundo turno acontecerá naturalmente, e será difícil a ele ficar em cima do muro, como Marina fez em 2010 e provavelmente fará este ano, pois na campanha sua ação será sempre contra Dilma e o PT, preservando o ex-presidente Lula. Segundo as pesquisas, 55% dos eleitores de Campos declaram preferir Aécio, enquanto apenas 26% votariam em Dilma.
O apoio do eleitorado de Aécio Neves a Campos também será natural. Os eleitores do pastor Everaldo, do PSC, também estarão naturalmente na oposição, pelo tom que ele está dando à sua campanha, e sua perspectiva eleitoral é muito boa, garantindo- lhe espaço político nas negociações do segundo turno.
E a presidente Dilma tem ainda problemas a resolver no eleitorado de extrema-esquerda, que pelo visto prefere uma derrota do PT: 64% dos eleitores do PSOL votam Aécio num segundo turno, assim como metade dos eleitores do PSTU.
A indústria dá o troco - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 03/08
BRASÍLIA - Há uma relação direta entre dois anúncios cheios de significado: a produção da indústria caiu em 21 de 26 setores em junho; a arrecadação da campanha de Dilma Rousseff caiu em relação a 2010.
A lógica é elementar, comprovando que, se o mar não está para peixe, o ambiente industrial não está muito animado com a reeleição e isso reflete nas doações de campanha.
No primeiro mês oficial da eleição, a arrecadação de Dilma foi bem menor do que a do mesmo período de 2010 e está equiparada à do tucano Aécio Neves --que foi mais que o dobro do que José Serra recebeu quatro anos atrás. Aécio, aliás, foi o que mais atraiu recursos na largada. Campos não está mal, mas tem o fantasma de Marina.
O empresariado aposta suas fichas e dá o troco em Dilma pelo desempenho industrial, que embicou para baixo, e pelos indicadores da economia, um pior que o outro.
Só na semana passada: 1) o governo gasta demais e está muito longe de cumprir a própria meta de economia para o ano; 2) as exportações melhoraram em julho, com as tais plataformas de petróleo, e nem isso reverte o déficit comercial no ano, de US$ 916 milhões; 3) o IBGE detecta o recuo da indústria pelo quarto mês seguido. Pobre PIB...
Quem pode estar feliz? Sem felicidade, não há ânimo para a reeleição.
Dilma saiu da condição de "poste" para a vitória de 2010 embalada por uma popularidade recorde de Lula e por um crescimento econômico de 7,5%. Tudo fazia sentido.
Em 2014, Lula anda meio sumido, a popularidade da presidente é sofrível, a previsão de crescimento é de mísero 1% e o efeito da política econômica desses três anos e meio desaba no empresariado e no eleitorado na pior hora.
O dia 19 vem aí e a proporção do tempo na TV é bem mais favorável a Dilma do que a das doações de campanha. Mas para falar da era Lula e esquecer a era Dilma. Com a TV, ou vai ou racha --inclusive os aliados.
BRASÍLIA - Há uma relação direta entre dois anúncios cheios de significado: a produção da indústria caiu em 21 de 26 setores em junho; a arrecadação da campanha de Dilma Rousseff caiu em relação a 2010.
A lógica é elementar, comprovando que, se o mar não está para peixe, o ambiente industrial não está muito animado com a reeleição e isso reflete nas doações de campanha.
No primeiro mês oficial da eleição, a arrecadação de Dilma foi bem menor do que a do mesmo período de 2010 e está equiparada à do tucano Aécio Neves --que foi mais que o dobro do que José Serra recebeu quatro anos atrás. Aécio, aliás, foi o que mais atraiu recursos na largada. Campos não está mal, mas tem o fantasma de Marina.
O empresariado aposta suas fichas e dá o troco em Dilma pelo desempenho industrial, que embicou para baixo, e pelos indicadores da economia, um pior que o outro.
Só na semana passada: 1) o governo gasta demais e está muito longe de cumprir a própria meta de economia para o ano; 2) as exportações melhoraram em julho, com as tais plataformas de petróleo, e nem isso reverte o déficit comercial no ano, de US$ 916 milhões; 3) o IBGE detecta o recuo da indústria pelo quarto mês seguido. Pobre PIB...
Quem pode estar feliz? Sem felicidade, não há ânimo para a reeleição.
Dilma saiu da condição de "poste" para a vitória de 2010 embalada por uma popularidade recorde de Lula e por um crescimento econômico de 7,5%. Tudo fazia sentido.
Em 2014, Lula anda meio sumido, a popularidade da presidente é sofrível, a previsão de crescimento é de mísero 1% e o efeito da política econômica desses três anos e meio desaba no empresariado e no eleitorado na pior hora.
O dia 19 vem aí e a proporção do tempo na TV é bem mais favorável a Dilma do que a das doações de campanha. Mas para falar da era Lula e esquecer a era Dilma. Com a TV, ou vai ou racha --inclusive os aliados.
A tropa petista vai ao ataque - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 03/08
A presidente Dilma Rousseff, seu estafe e grão-petistas em geral têm reagido de forma agressiva e autoritária a todo tipo de reparo sobre o modo como o País vem sendo governado. Relatórios e análises que desmintam o cenário róseo descrito pela propaganda oficial logo são desqualificados pelas autoridades federais, como se os críticos - ainda que pertencentes a instituições internacionais importantes - fossem despreparados ou estivessem apenas movidos por má-fé.
É óbvio que os nervos afloram em época de campanha eleitoral, mas o que se espera da presidente é serenidade, pois ela ainda é a responsável pela administração do País. O que se tem notado, no entanto, é um crescente destempero.
O caso mais recente envolveu um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que colocou o Brasil entre as cinco economias emergentes mais suscetíveis de sofrer os efeitos de outra crise financeira global. As demais seriam Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul. Segundo o relatório, esses países estariam vulneráveis em razão de inflação alta e rombo nas contas internas e externas, entre outros problemas. No caso específico do Brasil, a situação das contas externas é qualificada de "moderadamente frágil".
A resposta do governo a essa análise correta dos fatos foi truculenta. "Não faz sentido a conclusão desse relatório", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para ele, uma instituição respeitável não faria uma análise dessas e o estudo só pode ter sido elaborado "por uma equipe do FMI que eu não sei quem é".
O ímpeto petista para desqualificar os críticos já chegou às raias do ridículo. Em fevereiro, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) propôs um voto de censura contra o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) depois que este incluiu o Brasil entre as economias vulneráveis. Segundo Gleisi, o relatório do Fed usou uma metodologia inadequada "para se chegar a conclusões confiáveis". Na mesma sessão do Senado, outro petista, José Pimentel (CE), resumiu tudo ao dizer que o Fed é simplesmente incompetente.
Esse estilo arrogante é o mesmo que marcou a reação ao já famoso boletim do Santander, no qual o banco alertava os clientes que, se Dilma subir nas pesquisas, poderá haver "deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos".
Embora apenas retratasse o ambiente carregado do mercado e dos investidores graças aos sucessivos erros cometidos pelo governo, o texto foi tratado por indignados petistas como "terrorismo eleitoral". Descontrolado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a exigir a demissão da analista que elaborou o boletim, recorrendo a palavrões para desqualificá-la.
Já a presidente Dilma, em lugar de apaziguar os ânimos, seguiu toada semelhante, ao dizer que vai tomar uma "atitude bastante clara em relação ao banco" - ameaça que ficou pairando no ar - e acusou o Santander de "interferência" no processo eleitoral. O desequilíbrio é evidente.
Outro caso recente em que o governo tratou de desmerecer informações que contradizem o alardeado sucesso de suas políticas ocorreu na divulgação, pela ONU, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que envolve expectativa de vida, escolaridade e renda média. Segundo a organização, o Brasil aparece em 79.º lugar entre 187 países, tendo subido apenas uma posição em relação ao ano anterior. O ligeiro avanço foi encarado pelo governo como uma ofensa.
Nada menos que três ministros convocaram a imprensa para contestar os números usados pela ONU. Se os dados estivessem atualizados, disseram eles, o Brasil apareceria em 67.º lugar. Não é a primeira vez que o atual governo critica as contas do IDH - para as autoridades, se o índice não refletir os extraordinários avanços sociais patrocinados pelo lulopetismo, então ele só pode estar errado.
Diante desses casos, fica claro que o governo não pretende se limitar a rebater avaliações e números negativos. A tropa petista está de prontidão para ir além, desacreditando com agressividade todo aquele que representar o contraditório. Recordando Dilma: "Nós podemos fazer o diabo na hora da eleição".
A presidente Dilma Rousseff, seu estafe e grão-petistas em geral têm reagido de forma agressiva e autoritária a todo tipo de reparo sobre o modo como o País vem sendo governado. Relatórios e análises que desmintam o cenário róseo descrito pela propaganda oficial logo são desqualificados pelas autoridades federais, como se os críticos - ainda que pertencentes a instituições internacionais importantes - fossem despreparados ou estivessem apenas movidos por má-fé.
É óbvio que os nervos afloram em época de campanha eleitoral, mas o que se espera da presidente é serenidade, pois ela ainda é a responsável pela administração do País. O que se tem notado, no entanto, é um crescente destempero.
O caso mais recente envolveu um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que colocou o Brasil entre as cinco economias emergentes mais suscetíveis de sofrer os efeitos de outra crise financeira global. As demais seriam Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul. Segundo o relatório, esses países estariam vulneráveis em razão de inflação alta e rombo nas contas internas e externas, entre outros problemas. No caso específico do Brasil, a situação das contas externas é qualificada de "moderadamente frágil".
A resposta do governo a essa análise correta dos fatos foi truculenta. "Não faz sentido a conclusão desse relatório", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para ele, uma instituição respeitável não faria uma análise dessas e o estudo só pode ter sido elaborado "por uma equipe do FMI que eu não sei quem é".
O ímpeto petista para desqualificar os críticos já chegou às raias do ridículo. Em fevereiro, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) propôs um voto de censura contra o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) depois que este incluiu o Brasil entre as economias vulneráveis. Segundo Gleisi, o relatório do Fed usou uma metodologia inadequada "para se chegar a conclusões confiáveis". Na mesma sessão do Senado, outro petista, José Pimentel (CE), resumiu tudo ao dizer que o Fed é simplesmente incompetente.
Esse estilo arrogante é o mesmo que marcou a reação ao já famoso boletim do Santander, no qual o banco alertava os clientes que, se Dilma subir nas pesquisas, poderá haver "deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos".
Embora apenas retratasse o ambiente carregado do mercado e dos investidores graças aos sucessivos erros cometidos pelo governo, o texto foi tratado por indignados petistas como "terrorismo eleitoral". Descontrolado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a exigir a demissão da analista que elaborou o boletim, recorrendo a palavrões para desqualificá-la.
Já a presidente Dilma, em lugar de apaziguar os ânimos, seguiu toada semelhante, ao dizer que vai tomar uma "atitude bastante clara em relação ao banco" - ameaça que ficou pairando no ar - e acusou o Santander de "interferência" no processo eleitoral. O desequilíbrio é evidente.
Outro caso recente em que o governo tratou de desmerecer informações que contradizem o alardeado sucesso de suas políticas ocorreu na divulgação, pela ONU, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que envolve expectativa de vida, escolaridade e renda média. Segundo a organização, o Brasil aparece em 79.º lugar entre 187 países, tendo subido apenas uma posição em relação ao ano anterior. O ligeiro avanço foi encarado pelo governo como uma ofensa.
Nada menos que três ministros convocaram a imprensa para contestar os números usados pela ONU. Se os dados estivessem atualizados, disseram eles, o Brasil apareceria em 67.º lugar. Não é a primeira vez que o atual governo critica as contas do IDH - para as autoridades, se o índice não refletir os extraordinários avanços sociais patrocinados pelo lulopetismo, então ele só pode estar errado.
Diante desses casos, fica claro que o governo não pretende se limitar a rebater avaliações e números negativos. A tropa petista está de prontidão para ir além, desacreditando com agressividade todo aquele que representar o contraditório. Recordando Dilma: "Nós podemos fazer o diabo na hora da eleição".
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