ESTADÃO - 19/01
Presidente da Câmara poderia ter sido mais preciso no tempo verbal utilizado. Faz muito tempo que a Justiça desorganizou – e continua a desorganizar – o País
Ao comentar o imbróglio jurídico envolvendo a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que a interferência excessiva do Poder Judiciário prejudica o País. “Acho que isso está desorganizando o Brasil. Esse protagonismo excessivo do Judiciário não é bom para o Brasil”, disse Rodrigo Maia, durante viagem a Washington. Na realidade, o presidente da Câmara poderia ter sido mais preciso no tempo verbal utilizado. Faz muito tempo que a Justiça desorganizou – e continua a desorganizar – o País.
Recentemente, ocorreram duas ingerências do Judiciário, especialmente graves, envolvendo medidas provisórias (MPs). Em cada caso, a Justiça conseguiu de uma só vez intrometer-se tanto na competência do Executivo, a quem cabe editar as medidas provisórias, como na do Legislativo, a quem compete analisar tais atos presidenciais.
No mês de janeiro, o juiz da 6.ª Vara Federal de Pernambuco suspendeu os efeitos da MP 814/17, que autoriza o processo de privatização da Eletrobrás e suas subsidiárias. Na decisão, o juiz levantou dúvidas se o assunto era urgente o suficiente para ser tratado por medida provisória. Como se sabe, não cabe à Justiça analisar a urgência de uma medida provisória. Trata-se de matéria de competência exclusiva do Executivo e do Legislativo.
Em dezembro de 2017, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), já havia suspendido a MP 805/17, que altera os aumentos salariais de servidores públicos. Via-se, assim, mais um caso de interferência da Justiça na administração dos recursos públicos.
No caso comentado por Rodrigo Maia, o juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói (RJ) suspendeu um ato privativo do presidente da República, a nomeação de um ministro de Estado, por entender que a escolha de Michel Temer desrespeitava o princípio da moralidade administrativa. Segundo o juiz, Cristiane Brasil, por ter sido condenada numa ação trabalhista, não teria condições de assumir o Ministério do Trabalho.
Observa-se uma explícita inversão na hierarquia do Direito. O juiz fez com que a sua opinião política prevalecesse sobre o que manda a Constituição. O art. 84, I da Carta Magna diz que “compete privativamente ao presidente da República nomear e exonerar os ministros de Estado”. E o pior é que, até o momento, as instâncias do Poder Judiciário que analisaram o caso confirmaram a intromissão do juiz de Niterói em seara que não lhe compete. Como disse Rodrigo Maia, “estão bloqueando uma decisão do presidente da República. Independente do que as pessoas acham, se deveria ou não nomear a Cristiane, é um absurdo que a Justiça interfira nisso”.
O papel da Justiça é assegurar o cumprimento do Direito. A primeira tarefa do Judiciário é, portanto, respeitar as competências de cada Poder, previstas na Constituição. Queiram os juízes ou não, vigora no País o princípio da separação dos Poderes, fundamental para a organização do Estado e para a proteção da democracia. Num Estado Democrático de Direito, quem não recebeu votos não pode decidir questões políticas, como é o caso dos juízes e dos promotores. Não cabe ao Judiciário fazer escolhas sobre o orçamento do Estado. De outra forma, o povo ficaria privado de exercer o seu controle político sobre esse tipo de decisão, pois não se demite um juiz depois de uma decisão equivocada.
Irresponsável politicamente, esse voluntarismo judicial tem causado graves transtornos. Por exemplo, parte do atual desequilíbrio fiscal estrutural do poder público é resultado de decisões do Judiciário. Nesse sentido, a Justiça tem sido, com frequência, parte do problema. Rever esse posicionamento, retornando aos limites da lei, é medida de extrema urgência, pois não faz sentido que juízes – servidores públicos, cujos salários são pagos com recursos do contribuinte – dificultem, com suas decisões, o desenvolvimento institucional, econômico e social do País.
sexta-feira, janeiro 19, 2018
Esquerda autoritária e direita de chanchada só estão histéricas com a quarta-feira porque Lula lidera pesquisas - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 19/01
A histeria que toma conta da esquerda autoritária e da direita de chanchada com o julgamento, no dia 24, pelo TRF-4, do recurso de Lula tem só uma explicação: ele lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Se o PT e seu líder maior vivessem vicissitudes ao menos semelhantes às de 2016, quem se importaria?
Os dois lados estão com medo.
Comecemos pelos "companheiros". Embora Lula tenha condições, caso não possa ser candidato, de pôr no segundo turno um ungido seu, é certo que a escolha recairia sobre alguém com um potencial de votos muito menor. Sem o líder máximo, a perda de musculatura do PT no Congresso tende a ser muito maior.
Se o ex-presidente, pessoalmente, demonstra uma espantosa resiliência, o mesmo não se verifica com o partido. Já conversei com pessoas que veem a legenda como "um bando de ladrões". Mas seu candidato à Presidência é... Lula! Até porque, emendam, "ninguém presta mesmo; todo mundo é igual!" E essa é a hora em que o petismo deveria ser grato, apesar de tudo, a Rodrigo Janot, Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
A paúra da direita circense decorre do fato de que ela alimentou seus sectários com uma penca de estelionatos políticos, morais e existenciais. O antipetismo e o antilulismo se tornaram uma profissão de vigaristas. E das mais rentáveis. Se Lula vence a eleição, haverá uma horda em busca de emprego -em alguns casos, do primeiro emprego. A eventual vitória de um petista já lhes seria um desastre considerável.
"Ora, Reinaldo, seria uma tragédia para o país." Também acho! Mas tanto pior para quem alimentou as forças que, sob o pretexto de combater a corrupção, resolveram atacar fundamentos da própria democracia. Brandindo a bandeira da "nova política", chocaram o ovo do velho estatismo bocó, atrasado, reacionário, que é a seiva que alimenta o petismo.
Essa direita não se deu conta de que o discurso contra a política, nas circunstâncias do Brasil, não conduziria ao novo, mas nos devolveria ao velho. Os conservadores brasileiros nunca entenderam Lula e o PT -tanto é que insistem no suposto caráter bolivariano do partido, o que é uma asnice. O autoritarismo do partido é de outra cepa e convive muito bem com banqueiros, empreiteiros e empresários bem-aquinhoados por juros, obras, subsídios e renúncias fiscais.
Os tontos não perceberam que a liquefação da política e dos fundamentos do Estado de Direito, promovida pela Lava Jato, não abriu caminho para o redentor "outsider do futuro". O que se fez foi ressuscitar o "outsider do passado", em cujo governo, com efeito, milhões de eleitores pobres viveram dias melhores. "Mas os petistas quebraram o país." É verdade! Vai lá, então, debater macroeconomia com Sua Excelência o Pobre! Cuidado! Ele tem uma arma: a geladeira microeconômica!
E que se note: se a sentença de Moro for confirmada pelo TRF-4, o tribunal estará dizendo que Lula é o dono não declarado do tal tríplex de Guarujá, fruto de propina, mas, segundo o juiz, não oriunda da Petrobras, embora seja isso a constar da denúncia. Ocorre que a Justiça do Distrito Federal penhorou o imóvel como um bem da OAS. Vale dizer: um mesmo sistema judicial reconhece que o apartamento é e não é de Lula. Hospício ou circo?
Para encerrar: como a capacidade dos ditos "conservadores" nativos de fazer e dizer besteira não reconhece limites, eles são os primeiros a declarar a "falência" do nosso sistema político, com o que concordam, é claro!, Janio de Freitas (neste espaço), Roberto Barroso (o mais esquerdista dos ministros do Supremo) e, ora vejam!, o próprio Lula. Mais uma vez, as agendas da direita e da esquerda se unem contra o Estado de Direito. E que resposta dar nesse caso? Ora, o chefão petista já começou a falar em uma nova Constituinte.
No fundo do poço, pois, o alçapão.
Lula não foi... "preso amanhã". Deixado por conta do eleitor, seria eleito amanhã. A direita xucra está de parabéns. Que obra!
A histeria que toma conta da esquerda autoritária e da direita de chanchada com o julgamento, no dia 24, pelo TRF-4, do recurso de Lula tem só uma explicação: ele lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Se o PT e seu líder maior vivessem vicissitudes ao menos semelhantes às de 2016, quem se importaria?
Os dois lados estão com medo.
Comecemos pelos "companheiros". Embora Lula tenha condições, caso não possa ser candidato, de pôr no segundo turno um ungido seu, é certo que a escolha recairia sobre alguém com um potencial de votos muito menor. Sem o líder máximo, a perda de musculatura do PT no Congresso tende a ser muito maior.
Se o ex-presidente, pessoalmente, demonstra uma espantosa resiliência, o mesmo não se verifica com o partido. Já conversei com pessoas que veem a legenda como "um bando de ladrões". Mas seu candidato à Presidência é... Lula! Até porque, emendam, "ninguém presta mesmo; todo mundo é igual!" E essa é a hora em que o petismo deveria ser grato, apesar de tudo, a Rodrigo Janot, Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
A paúra da direita circense decorre do fato de que ela alimentou seus sectários com uma penca de estelionatos políticos, morais e existenciais. O antipetismo e o antilulismo se tornaram uma profissão de vigaristas. E das mais rentáveis. Se Lula vence a eleição, haverá uma horda em busca de emprego -em alguns casos, do primeiro emprego. A eventual vitória de um petista já lhes seria um desastre considerável.
"Ora, Reinaldo, seria uma tragédia para o país." Também acho! Mas tanto pior para quem alimentou as forças que, sob o pretexto de combater a corrupção, resolveram atacar fundamentos da própria democracia. Brandindo a bandeira da "nova política", chocaram o ovo do velho estatismo bocó, atrasado, reacionário, que é a seiva que alimenta o petismo.
Essa direita não se deu conta de que o discurso contra a política, nas circunstâncias do Brasil, não conduziria ao novo, mas nos devolveria ao velho. Os conservadores brasileiros nunca entenderam Lula e o PT -tanto é que insistem no suposto caráter bolivariano do partido, o que é uma asnice. O autoritarismo do partido é de outra cepa e convive muito bem com banqueiros, empreiteiros e empresários bem-aquinhoados por juros, obras, subsídios e renúncias fiscais.
Os tontos não perceberam que a liquefação da política e dos fundamentos do Estado de Direito, promovida pela Lava Jato, não abriu caminho para o redentor "outsider do futuro". O que se fez foi ressuscitar o "outsider do passado", em cujo governo, com efeito, milhões de eleitores pobres viveram dias melhores. "Mas os petistas quebraram o país." É verdade! Vai lá, então, debater macroeconomia com Sua Excelência o Pobre! Cuidado! Ele tem uma arma: a geladeira microeconômica!
E que se note: se a sentença de Moro for confirmada pelo TRF-4, o tribunal estará dizendo que Lula é o dono não declarado do tal tríplex de Guarujá, fruto de propina, mas, segundo o juiz, não oriunda da Petrobras, embora seja isso a constar da denúncia. Ocorre que a Justiça do Distrito Federal penhorou o imóvel como um bem da OAS. Vale dizer: um mesmo sistema judicial reconhece que o apartamento é e não é de Lula. Hospício ou circo?
Para encerrar: como a capacidade dos ditos "conservadores" nativos de fazer e dizer besteira não reconhece limites, eles são os primeiros a declarar a "falência" do nosso sistema político, com o que concordam, é claro!, Janio de Freitas (neste espaço), Roberto Barroso (o mais esquerdista dos ministros do Supremo) e, ora vejam!, o próprio Lula. Mais uma vez, as agendas da direita e da esquerda se unem contra o Estado de Direito. E que resposta dar nesse caso? Ora, o chefão petista já começou a falar em uma nova Constituinte.
No fundo do poço, pois, o alçapão.
Lula não foi... "preso amanhã". Deixado por conta do eleitor, seria eleito amanhã. A direita xucra está de parabéns. Que obra!
Primeiro, estranha-se; depois, estranha-se - VALENTINA DE BOTAS
REVISTA VEJA
Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter na época em que Lula e Dilma desgovernavam
A Suécia não tem graça. Coisa modorrenta assolada por paisagens de quebra-cabeças com castelos e lagos; mesmice iluminada por Ingrid, dirigida pelo grande Ingmar e musicada pelo ABBA (com uma das dicções mais perfeitas do inglês); sem-gracice de um país sem sol onde o sol nasce para todos; aquele tédio de nações sem corrupção, sem selvageria urbana, sem balas perdidas encontradas em corpos de inocentes, sem analfabetos nem desdentados. Acabo de ler “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial, 336 páginas, 2014), da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora lá há um tempão. O livro é consistente e, para analisar a robustez da democracia e da cidadania na belíssima Suécia, faz uma retrospectiva sobre a passagem do poder da monarquia para a sociedade na figura do parlamento. Há pouco mais de 100 anos, o país era tão animado quanto o Brasil, sem sol nascendo para todos e nem cantava “The Winner Takes it All”, mas compensava tudo com a corrupção generalizada, baixa educação da população e alta criminalidade, o que a tornava um dos países mais atrasados da Europa.
Os suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público; se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao valor de mercado do aluguel.
Mas quem pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó” de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público, no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros. Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas. Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.
Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade, estes são protegidos se ele for extinto.
Mendes é execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é positivo.
Lula permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para “evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando, por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma chance mesmo num país estranho.
“Currículo incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né, Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.
Não compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270 mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?
A Suécia não tem graça. Coisa modorrenta assolada por paisagens de quebra-cabeças com castelos e lagos; mesmice iluminada por Ingrid, dirigida pelo grande Ingmar e musicada pelo ABBA (com uma das dicções mais perfeitas do inglês); sem-gracice de um país sem sol onde o sol nasce para todos; aquele tédio de nações sem corrupção, sem selvageria urbana, sem balas perdidas encontradas em corpos de inocentes, sem analfabetos nem desdentados. Acabo de ler “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial, 336 páginas, 2014), da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora lá há um tempão. O livro é consistente e, para analisar a robustez da democracia e da cidadania na belíssima Suécia, faz uma retrospectiva sobre a passagem do poder da monarquia para a sociedade na figura do parlamento. Há pouco mais de 100 anos, o país era tão animado quanto o Brasil, sem sol nascendo para todos e nem cantava “The Winner Takes it All”, mas compensava tudo com a corrupção generalizada, baixa educação da população e alta criminalidade, o que a tornava um dos países mais atrasados da Europa.
Os suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público; se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao valor de mercado do aluguel.
Mas quem pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó” de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público, no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros. Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas. Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.
Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade, estes são protegidos se ele for extinto.
Mendes é execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é positivo.
Lula permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para “evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando, por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma chance mesmo num país estranho.
“Currículo incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né, Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.
Não compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270 mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?
Perdendo as estribeiras - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 19/01
Gleisi convoca ‘gente’ a morrer por Lula, Bolsonaro come ‘gente’ à nossa custa
Em que mundo estão a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o deputado e presidenciável Jair Bolsonaro, quase PSL, que representam os dois polos das eleições de 2018 e estão perdendo as estribeiras?
Estridente integrante da tropa de choque do ex-presidente Lula, o líder das pesquisas, Gleisi disse ao site Poder360 que, “para prender Lula, vai ter de matar gente”.
E, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro, por ora principal concorrente de Lula, admitiu por que recebe o auxílio-moradia da Câmara, de R$ 4.253,00, se tem imóvel em Brasília: “Pra comer gente, tá?”.
Depois de defender, até internacionalmente, a ditadura agora sanguinária de Nicolás Maduro na Venezuela, Gleisi joga gasolina na fogueira e convoca petistas e agregados para incendiar o País no julgamento de Lula, dia 24, pelo TRF-4. Péssimo para o País e não ajuda Lula em nada.
Quem é a “gente matada” de Gleisi Hoffmann? E quem é a “gente comida” de Jair Bolsonaro? A gente que estuda, trabalha, rala na fila do ônibus e amarga o desemprego, ou produz, vende, sofre com a economia e se escandaliza com a política? Será que é essa gente que vive ou morre por Lula? E será que é essa gente que Bolsonaro “come” à custa de dinheiro público?
A declaração de Gleisi é tão irresponsável como foi sua defesa do regime Maduro, que leva os cidadãos e cidadãs venezuelanos ao desespero, ao desamparo, ao desabastecimento e à desesperança. Em vez de se aliar com a gente que sofre, ela se alinhou com a gente que impõe o sofrimento. E por mera questão ideológica. E, no caso de Lula, ela tenta jogar o mundo petista, nada mais, nada menos, contra a Justiça brasileira. E deixa a dúvida: e se o TRF-4 absolver Lula? Quem é a favor da prisão também pode matar ou morrer?
Já Bolsonaro vai se revelando, além de um político reacionário, com ideias deseducativas, também um poço de contradições. A principal é se dizer antipolítico. Como assim? Não bastasse estar no sétimo mandato de deputado federal, elegeu a ex-mulher duas vezes vereadora no Rio e meteu três filhos na política: Eduardo é deputado federal, Flávio, estadual, e Carlos, vereador.
Foi como políticos que os quatro Bolsonaro amealharam ao menos R$ 15 milhões em imóveis. E é também como político que o patriarca pode usufruir de auxílio-moradia para “comer gente”. Isso é que é rejeição à política?!
As declarações estapafúrdias da senadora e do deputado são chocantes, mas reforçam o quanto o Brasil está mudando e o quanto os próprios políticos estão esperneando, se surpreendendo e correndo atrás do prejuízo. Nisso, perdem o senso, extrapolam e falam o que não podem, nem devem.
O próprio fato de o ex-presidente mais popular da redemocratização estar sendo denunciado, julgado e até condenado em primeira instância já é uma mudança e tanto. Mas há muito mais: o que dizer de um presidente no exercício do mandato que sofreu duas denúncias da PGR no mesmo ano e tem agora de responder a questionário de 50 perguntas “desrespeitosas e ofensivas”, segundo ele, da Polícia Federal?
E o ex-poderoso governador do Rio que foi preso, condenado a dezenas de anos e ontem transferido de penitenciária para não desfrutar de regalias? E as intervenções na Petrobrás e, nesta semana, na CEF? E a prisão de Paulo Maluf? Símbolo da corrupção por mais de 30 anos, ele virou o maior troféu do oposto, do combate à corrupção.
A declaração de Gleisi é um esperneio e a de Bolsonaro é um alerta para o risco de enganação e retrocesso. Gente que não mata e não morre contra a Justiça e que não “come” nem é “comida” com dinheiro público ouve essas coisas, reflete e confirma: é preciso avançar e aprofundar a fantástica mudança do Brasil.
Gleisi convoca ‘gente’ a morrer por Lula, Bolsonaro come ‘gente’ à nossa custa
Em que mundo estão a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o deputado e presidenciável Jair Bolsonaro, quase PSL, que representam os dois polos das eleições de 2018 e estão perdendo as estribeiras?
Estridente integrante da tropa de choque do ex-presidente Lula, o líder das pesquisas, Gleisi disse ao site Poder360 que, “para prender Lula, vai ter de matar gente”.
E, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro, por ora principal concorrente de Lula, admitiu por que recebe o auxílio-moradia da Câmara, de R$ 4.253,00, se tem imóvel em Brasília: “Pra comer gente, tá?”.
Depois de defender, até internacionalmente, a ditadura agora sanguinária de Nicolás Maduro na Venezuela, Gleisi joga gasolina na fogueira e convoca petistas e agregados para incendiar o País no julgamento de Lula, dia 24, pelo TRF-4. Péssimo para o País e não ajuda Lula em nada.
Quem é a “gente matada” de Gleisi Hoffmann? E quem é a “gente comida” de Jair Bolsonaro? A gente que estuda, trabalha, rala na fila do ônibus e amarga o desemprego, ou produz, vende, sofre com a economia e se escandaliza com a política? Será que é essa gente que vive ou morre por Lula? E será que é essa gente que Bolsonaro “come” à custa de dinheiro público?
A declaração de Gleisi é tão irresponsável como foi sua defesa do regime Maduro, que leva os cidadãos e cidadãs venezuelanos ao desespero, ao desamparo, ao desabastecimento e à desesperança. Em vez de se aliar com a gente que sofre, ela se alinhou com a gente que impõe o sofrimento. E por mera questão ideológica. E, no caso de Lula, ela tenta jogar o mundo petista, nada mais, nada menos, contra a Justiça brasileira. E deixa a dúvida: e se o TRF-4 absolver Lula? Quem é a favor da prisão também pode matar ou morrer?
Já Bolsonaro vai se revelando, além de um político reacionário, com ideias deseducativas, também um poço de contradições. A principal é se dizer antipolítico. Como assim? Não bastasse estar no sétimo mandato de deputado federal, elegeu a ex-mulher duas vezes vereadora no Rio e meteu três filhos na política: Eduardo é deputado federal, Flávio, estadual, e Carlos, vereador.
Foi como políticos que os quatro Bolsonaro amealharam ao menos R$ 15 milhões em imóveis. E é também como político que o patriarca pode usufruir de auxílio-moradia para “comer gente”. Isso é que é rejeição à política?!
As declarações estapafúrdias da senadora e do deputado são chocantes, mas reforçam o quanto o Brasil está mudando e o quanto os próprios políticos estão esperneando, se surpreendendo e correndo atrás do prejuízo. Nisso, perdem o senso, extrapolam e falam o que não podem, nem devem.
O próprio fato de o ex-presidente mais popular da redemocratização estar sendo denunciado, julgado e até condenado em primeira instância já é uma mudança e tanto. Mas há muito mais: o que dizer de um presidente no exercício do mandato que sofreu duas denúncias da PGR no mesmo ano e tem agora de responder a questionário de 50 perguntas “desrespeitosas e ofensivas”, segundo ele, da Polícia Federal?
E o ex-poderoso governador do Rio que foi preso, condenado a dezenas de anos e ontem transferido de penitenciária para não desfrutar de regalias? E as intervenções na Petrobrás e, nesta semana, na CEF? E a prisão de Paulo Maluf? Símbolo da corrupção por mais de 30 anos, ele virou o maior troféu do oposto, do combate à corrupção.
A declaração de Gleisi é um esperneio e a de Bolsonaro é um alerta para o risco de enganação e retrocesso. Gente que não mata e não morre contra a Justiça e que não “come” nem é “comida” com dinheiro público ouve essas coisas, reflete e confirma: é preciso avançar e aprofundar a fantástica mudança do Brasil.
Argumento fraudulento - MERVAL PEREIRA
O Globo - 19/01
Um julgamento em que o único resultado aceito é a absolvição do réu não passa de uma fraude. A declarada disposição dos petistas, através de seus mais destacados membros, de considerar golpe a confirmação da condenação de Lula no julgamento do dia 24 do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4) é mais um passo para a confrontação, que seria apenas política se ficasse na retórica, e não passasse ao desrespeito a uma decisão judicial ou ao incitamento às “lutas de rua”, como fez o senador Lindbergh Farias.
Da mesma maneira que a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, disse que ao afirmar que para prender Lula teriam “que matar muita gente” estava usando “uma força de expressão”, também Lindbergh disse que ao chamar os militantes petistas para o “enfrentamento, as lutas de rua” estava se referindo ao “embate político”.
O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio, criticou no Twitter o senador petista, classificando sua declaração de conclamação “de grupos de pessoas para atos de violência”. O uso, premeditado ou não, de palavras ou expressões marcadas por violência pode ser irresponsável ou malicioso, dependendo do entendimento de cada um, mas nunca um instrumento normal da política.
No caso de Lindbergh, ele afirma ainda que o PT e seus militantes não devem mesmo aceitar uma nova condenação de Lula, pois ele é inocente. Em uma democracia, não há maneira de não aceitar uma decisão da Justiça, e portanto o senador petista está sugerindo ações fora da lei, mesmo que essa não seja, como diz, sua intenção. A tentativa do PT de desqualificar a decisão dos juízes do TRF-4 é despropositada e necessariamente não democrática.
Não é posição de um partido que disputa pelas regras democráticas, disposto a respeitar as leis. Lula vai fazer tudo para ganhar tempo com os recursos cabíveis, em duas frentes. O mais importante no primeiro momento é, se a condenação for confirmada, ter um voto favorável para permitir os chamados embargos infringentes, que retardariam uma virtual prisão, consequência natural da condenação.
O procurador da República Maurício Gotardo Gerum, que vai pedir o aumento da pena para Lula no julgamento por considerar que ele cometeu três crimes diferentes e não apenas um, desmentiu que pedirá sua prisão cautelar. Qualquer medida relativa ao cumprimento da pena seguirá o andamento normal da execução penal, disse ele, indicando que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) será seguida, só levando à prisão ao final dos recursos.
Na questão eleitoral, somente a partir das convenções partidárias oficiais, até 5 de agosto, é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina a inelegibilidade do candidato condenado em segunda instância, com base na Lei da Ficha Limpa. Depois disso, o impugnado pode recorrer ao STJ e ao STF e, dependendo do ritmo dos processos, Lula pode conseguir chegar ao dia 20 de setembro em condições de registrar seu nome na urna eletrônica.
Antes disso,nporém, até o dia 17, Lula poderá renunciar e nomear um substituto, e essa será uma indicação claríssima do ânimo que o embala. Se apresentar um substituto, demonstrará que está disposto a continuar jogando o jogo democrático. Se insistir em ter seu nome na urna, pode estar criando uma crise institucional brutal pois, se perder o recurso final, os votos dados a ele serão anulados pela Justiça Eleitoral.
Os recursos, de acordo com a Lei das Inelegibilidades, terão prioridade sobre todos os demais processos, justamente para tentar impedir a protelação da decisão final. O ideal é que nesses 43 dias entre 5 de agosto e 17 de setembro os tribunais superiores se pronunciem para não deixar margem a uma crise institucional por falha da legislação. A tentativa do PT de desqualificar a decisão dos juízes do TRF-4 é despropositada e necessariamente não democrática O senador Lindbergh Farias disse que ao chamar os militantes petistas para o “enfrentamento, as lutas de rua” estava se referindo ao “embate político” O juiz Marcelo Bretas criticou o senador petista, classificando sua declaração de conclamação “de grupos de pessoas para atos de violência”
Um julgamento em que o único resultado aceito é a absolvição do réu não passa de uma fraude. A declarada disposição dos petistas, através de seus mais destacados membros, de considerar golpe a confirmação da condenação de Lula no julgamento do dia 24 do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4) é mais um passo para a confrontação, que seria apenas política se ficasse na retórica, e não passasse ao desrespeito a uma decisão judicial ou ao incitamento às “lutas de rua”, como fez o senador Lindbergh Farias.
Da mesma maneira que a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, disse que ao afirmar que para prender Lula teriam “que matar muita gente” estava usando “uma força de expressão”, também Lindbergh disse que ao chamar os militantes petistas para o “enfrentamento, as lutas de rua” estava se referindo ao “embate político”.
O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio, criticou no Twitter o senador petista, classificando sua declaração de conclamação “de grupos de pessoas para atos de violência”. O uso, premeditado ou não, de palavras ou expressões marcadas por violência pode ser irresponsável ou malicioso, dependendo do entendimento de cada um, mas nunca um instrumento normal da política.
No caso de Lindbergh, ele afirma ainda que o PT e seus militantes não devem mesmo aceitar uma nova condenação de Lula, pois ele é inocente. Em uma democracia, não há maneira de não aceitar uma decisão da Justiça, e portanto o senador petista está sugerindo ações fora da lei, mesmo que essa não seja, como diz, sua intenção. A tentativa do PT de desqualificar a decisão dos juízes do TRF-4 é despropositada e necessariamente não democrática.
Não é posição de um partido que disputa pelas regras democráticas, disposto a respeitar as leis. Lula vai fazer tudo para ganhar tempo com os recursos cabíveis, em duas frentes. O mais importante no primeiro momento é, se a condenação for confirmada, ter um voto favorável para permitir os chamados embargos infringentes, que retardariam uma virtual prisão, consequência natural da condenação.
O procurador da República Maurício Gotardo Gerum, que vai pedir o aumento da pena para Lula no julgamento por considerar que ele cometeu três crimes diferentes e não apenas um, desmentiu que pedirá sua prisão cautelar. Qualquer medida relativa ao cumprimento da pena seguirá o andamento normal da execução penal, disse ele, indicando que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) será seguida, só levando à prisão ao final dos recursos.
Na questão eleitoral, somente a partir das convenções partidárias oficiais, até 5 de agosto, é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina a inelegibilidade do candidato condenado em segunda instância, com base na Lei da Ficha Limpa. Depois disso, o impugnado pode recorrer ao STJ e ao STF e, dependendo do ritmo dos processos, Lula pode conseguir chegar ao dia 20 de setembro em condições de registrar seu nome na urna eletrônica.
Antes disso,nporém, até o dia 17, Lula poderá renunciar e nomear um substituto, e essa será uma indicação claríssima do ânimo que o embala. Se apresentar um substituto, demonstrará que está disposto a continuar jogando o jogo democrático. Se insistir em ter seu nome na urna, pode estar criando uma crise institucional brutal pois, se perder o recurso final, os votos dados a ele serão anulados pela Justiça Eleitoral.
Os recursos, de acordo com a Lei das Inelegibilidades, terão prioridade sobre todos os demais processos, justamente para tentar impedir a protelação da decisão final. O ideal é que nesses 43 dias entre 5 de agosto e 17 de setembro os tribunais superiores se pronunciem para não deixar margem a uma crise institucional por falha da legislação. A tentativa do PT de desqualificar a decisão dos juízes do TRF-4 é despropositada e necessariamente não democrática O senador Lindbergh Farias disse que ao chamar os militantes petistas para o “enfrentamento, as lutas de rua” estava se referindo ao “embate político” O juiz Marcelo Bretas criticou o senador petista, classificando sua declaração de conclamação “de grupos de pessoas para atos de violência”
Os carrascos de hoje podem ser facilmente as vítimas de amanhã - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 19/01
Saio do cinema depois de assistir a "Roda Gigante", o filme mais recente de Woody Allen. Então penso, aterrorizado com minhas próprias dúvidas: será que eu fiz a escolha acertada? Assistir a um filme de Woody Allen é contribuir para o seu sucesso como diretor?
Por que motivo não fui solidário com as vítimas de agressão sexual, repudiando Woody e a sua obra?
Mentira, leitor. Não pensei nada disso. Melhor, pensei. Mas depois dei instruções à família para que me internem na eventualidade de um dia eu pensar mesmo isso.
Eis o problema: em 2014, em carta para o "New York Times", Dylan Farrow, a filha adotiva de Woody Allen, acusou o pai de a ter molestado sexualmente na infância.
A história era conhecida desde 1992. Mas também era conhecido o veredito da justiça: Woody Allen estava inocente.
Pior: o irmão de Dylan acusou Mia Farrow, então em pleno divórcio litigioso com Woody, de ter manipulado a filha para que esta acusasse o pai desse repugnante crime.
Fim de história?
Longe disso: Hollywood descobriu agora que Woody Allen, 25 anos depois, tem lepra. Perdi a conta aos atores —passados e presentes— que rasgam as vestes em público e mostram arrependimento por terem trabalhado com ele.
Outros, preventivamente, declararam que jamais trabalharão com o diretor. Desse coro, Alec Baldwin foi uma exceção: depois de relembrar que Woody Allen foi ilibado das acusações, o ator declarou que ter trabalhado com ele foi das melhores coisas da sua carreira. (E foi, Alec.)
Entenda, leitor: a questão não está em saber se o abuso de crianças é coisa séria. Claro que é. Mais: é um crime invulgarmente repugnante, que deve ser punido com uma dureza exemplar.
A questão é outra: será que devemos abandonar os princípios básicos de um Estado de Direito e linchar em público alguém que foi acusado por outro de uma conduta reprovável?
Cuidado com a resposta. Se ela é afirmativa, esse é um mundo em que eu não quero viver. Até porque eu conheço esse mundo: é o mundo típico dos regimes totalitários, que executava "dissidentes" sem provas, sem julgamento, sem nada.
É um mundo destrutivo, sim. Mas também é um mundo autodestrutivo: faz parte da dinâmica totalitária devorar os seus próprios filhos.
Os jacobinos souberam disso durante o Terror da Revolução Francesa. Os bolcheviques também com as purgas de Stálin na década de 1930.
Por outras palavras: os carrascos de hoje podem ser facilmente as vítimas de amanhã. Basta que alguém, algures, siga os mesmos métodos duvidosos.
E, quando esse momento chegar, a que tipo de defesa terão direito? "Presunção de inocência"? Mas como, se eles aboliram essa presunção com seus comportamentos histéricos?
Tentar acabar com o abuso reinante na indústria de cinema é um objetivo meritório. Um objetivo que, convém lembrar, vem com anos de atraso, depois do secretismo covarde e provavelmente criminoso de muitos puritanos de agora.
Mas ao lado dessa luta ergue-se uma outra guilhotina: uma lâmina sinistra que cai sobre qualquer cabeça só porque alguém soltou um grito.
Só mais uma coisa: "Roda Gigante" é excelente. E bastante apropriado ao tema em análise: às vezes, o pior castigo que pode existir é a roda dar uma volta completa para nos apanhar no final.
A agropecuária precisa pedir desculpas? - JOÃO MARTINS DA SILVA JUNIOR
ESTADÃO - 19/01
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e perdas
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e perdas
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
O desprezo pelo conhecimento - JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR - 19/01
Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou
Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.
Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.
O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens
Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.
O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.
Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.
Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).
Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou
Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.
Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.
O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens
Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.
O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.
Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.
Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).
Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
DEPUTADOS CONDICIONAM REFORMA A QUEDA DE JUROS
Para apoiar a reforma da Previdência, deputados governistas estão exigindo medidas “compensatórias” populares, como a redução dos juros e lucros bancários. “É um escândalo o que acontece no Brasil”, diz o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), inconformado com os juros, considerados os mais elevados do sistema financeiro mundial, que garantem lucros recordes aos bancos.
JUROS CRIMINOSOS
A inflação do Brasil em 2017 ficou em 2,95%, mas os bancos cobraram em média mais 323% de juros no cheque especial, por exemplo.
USURA EM CARTÕES
Os juros nos cartões de crédito são ainda mais criminosos: em média, 333% foram impostos aos brasileiros, em 2017. E já foi pior.
DÁ CÁ, TOMA LÁ
Para Fábio Ramalho, com o fim dos privilégios dos bancos, cujos lucros batem recorde, haverá apoio para acabar regalias no setor público.
CHEGA
A posição de Fábio Ramalho, que não é isolada, fez o governo tomar a iniciativa de negociar com os bancos a redução dos juros.
AFIF DIZ QUE HÁ CONSENSO CONTRA O VETO AO REFIS
O presidente do Sebrae Nacional, Guilherme Afif, reuniu-se com 25 entidades de representação empresarial e parlamentares para articular apoio à derrubada do veto do presidente Michel Temer à Lei do Refis, que refinancia dívidas tributárias de pequenas e microempresas. Já são 208 os deputados favoráveis à derrubada do veto. Segundo estima o Sebrae, sem o Refis 600 mil empresas terão de fechar as portas.
ATÉ NA LAVA JATO
“Grandes empresas, até enroladas na Lava Jato, foram beneficiadas com o Refis. Como se explica isso? Cadê a isonomia?”, questiona Afif.
PRÓXIMO PASSO
O próximo passo, diz o presidente do Sebrae, é tentar o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira.
‘LÍDERES’ DA BANCADA
Os deputados Otávio Leite (PSDB-RJ), Jorginho Mello (PR-SC), Carlos Melles (DEM-MG) e o senador José Pimentel (PT-CE) querem o Refis.
ALÔ, POLÍCIA
Seguem os aumentos criminosos de planos de saúde, garantidos pela cumplicidade da “agência reguladora” ANS: a Unimed aumentou sua mensalidade em 32%, mesmo com a inflação anual de 2,95% no País.
MÃO NO VESPEIRO
Sobre a reforma da Previdência, o ministro Carlos Marun resume: “Se não tivéssemos a mais absoluta certeza de que a reforma é necessária, estaríamos mexendo com uma coisa tão polêmica quanto esta?”
FHC DECEPCIONA ARTHUR
O ex-senador e prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, pré-candidato a presidente, ficou triste ontem com a posição de FHC. O ex-presidente ignorou a postulação do tucano, ex-líder e ex-ministro do seu governo, para apoiar Geraldo Alckmin, que sempre torceu o nariz para FHC.
PASSOS DE TARTARUGA
A Aeronáutica finalmente vai divulgar nesta segunda-feira (22) o relatório final sobre o acidente com que há exatos 365 dias vitimou o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).
TÁ FEIA A COISA
Sérgio Moro é conhecido pelo rigor técnico de suas sentenças, mas a defesa de Lula segue a estratégia de hostilizá-lo e até aos juízes do TRF-4, que vão julgar o ex-presidente cuja situação só piora.
NINGUEM MERECE
Saúde é caótica até na rede privada. Leitora de Brasília precisou fazer exame de endoscopia, mas só encontrou disponibilidade em clínicas desconhecidas, sem referências. Ainda assim, pagando R$400 pela consulta e R$600 pelo exame. E R$100 pelo frasco do laboratório.
PREJUÍZO BILIONÁRIO
Em São Paulo agora é lei: 3 de agosto será o Dia de Combate ao Contrabando. Desde 2015, o Brasil perdeu R$345 bilhões para esse crime, segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).
NOVA PRESIDENTE
A deputada Tereza Cristina (MS), que trocou o PSB pelo DEM, assumirá em 20 de fevereiro a presidência da Frente Parlamentar Agropecuária. Vai suceder ao deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).
PENSANDO BEM...
...falta coragem ao presidente para desconvidar Cristiane Brasil, tanto quanto para extinguir o Ministério do Trabalho, de gritante inutilidade.
Para apoiar a reforma da Previdência, deputados governistas estão exigindo medidas “compensatórias” populares, como a redução dos juros e lucros bancários. “É um escândalo o que acontece no Brasil”, diz o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), inconformado com os juros, considerados os mais elevados do sistema financeiro mundial, que garantem lucros recordes aos bancos.
JUROS CRIMINOSOS
A inflação do Brasil em 2017 ficou em 2,95%, mas os bancos cobraram em média mais 323% de juros no cheque especial, por exemplo.
USURA EM CARTÕES
Os juros nos cartões de crédito são ainda mais criminosos: em média, 333% foram impostos aos brasileiros, em 2017. E já foi pior.
DÁ CÁ, TOMA LÁ
Para Fábio Ramalho, com o fim dos privilégios dos bancos, cujos lucros batem recorde, haverá apoio para acabar regalias no setor público.
CHEGA
A posição de Fábio Ramalho, que não é isolada, fez o governo tomar a iniciativa de negociar com os bancos a redução dos juros.
AFIF DIZ QUE HÁ CONSENSO CONTRA O VETO AO REFIS
O presidente do Sebrae Nacional, Guilherme Afif, reuniu-se com 25 entidades de representação empresarial e parlamentares para articular apoio à derrubada do veto do presidente Michel Temer à Lei do Refis, que refinancia dívidas tributárias de pequenas e microempresas. Já são 208 os deputados favoráveis à derrubada do veto. Segundo estima o Sebrae, sem o Refis 600 mil empresas terão de fechar as portas.
ATÉ NA LAVA JATO
“Grandes empresas, até enroladas na Lava Jato, foram beneficiadas com o Refis. Como se explica isso? Cadê a isonomia?”, questiona Afif.
PRÓXIMO PASSO
O próximo passo, diz o presidente do Sebrae, é tentar o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira.
‘LÍDERES’ DA BANCADA
Os deputados Otávio Leite (PSDB-RJ), Jorginho Mello (PR-SC), Carlos Melles (DEM-MG) e o senador José Pimentel (PT-CE) querem o Refis.
ALÔ, POLÍCIA
Seguem os aumentos criminosos de planos de saúde, garantidos pela cumplicidade da “agência reguladora” ANS: a Unimed aumentou sua mensalidade em 32%, mesmo com a inflação anual de 2,95% no País.
MÃO NO VESPEIRO
Sobre a reforma da Previdência, o ministro Carlos Marun resume: “Se não tivéssemos a mais absoluta certeza de que a reforma é necessária, estaríamos mexendo com uma coisa tão polêmica quanto esta?”
FHC DECEPCIONA ARTHUR
O ex-senador e prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, pré-candidato a presidente, ficou triste ontem com a posição de FHC. O ex-presidente ignorou a postulação do tucano, ex-líder e ex-ministro do seu governo, para apoiar Geraldo Alckmin, que sempre torceu o nariz para FHC.
PASSOS DE TARTARUGA
A Aeronáutica finalmente vai divulgar nesta segunda-feira (22) o relatório final sobre o acidente com que há exatos 365 dias vitimou o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).
TÁ FEIA A COISA
Sérgio Moro é conhecido pelo rigor técnico de suas sentenças, mas a defesa de Lula segue a estratégia de hostilizá-lo e até aos juízes do TRF-4, que vão julgar o ex-presidente cuja situação só piora.
NINGUEM MERECE
Saúde é caótica até na rede privada. Leitora de Brasília precisou fazer exame de endoscopia, mas só encontrou disponibilidade em clínicas desconhecidas, sem referências. Ainda assim, pagando R$400 pela consulta e R$600 pelo exame. E R$100 pelo frasco do laboratório.
PREJUÍZO BILIONÁRIO
Em São Paulo agora é lei: 3 de agosto será o Dia de Combate ao Contrabando. Desde 2015, o Brasil perdeu R$345 bilhões para esse crime, segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).
NOVA PRESIDENTE
A deputada Tereza Cristina (MS), que trocou o PSB pelo DEM, assumirá em 20 de fevereiro a presidência da Frente Parlamentar Agropecuária. Vai suceder ao deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).
PENSANDO BEM...
...falta coragem ao presidente para desconvidar Cristiane Brasil, tanto quanto para extinguir o Ministério do Trabalho, de gritante inutilidade.
A fonte dos déficits - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 19/01
As garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas dos Estados à rápida queda das receitas
A profunda crise em que o País foi lançado pela irresponsável política econômica e fiscal do governo Dilma Rousseff corroeu as receitas tributárias, mas a perda de arrecadação é apenas um dos fatores que levaram as contas dos Estados a passar de superávits nominais de R$ 16 bilhões em 2015 para um rombo de R$ 60 bilhões no ano passado. O que se conclui do levantamento feito a pedido do Estado pelo economista Raul Velloso, um dos mais respeitados especialistas em finanças do setor público, é que, em tempos de crise, as garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas à rápida queda das receitas.
Os gastos com o sistema previdenciário dos Estados, as despesas obrigatórias definidas pela legislação e os custos da folha de pessoal tornam o atual regime fiscal insustentável ao longo do tempo. Nesse regime, os gastos crescem sempre, independentemente da situação econômica do País, enquanto a receita – quando não há aumento deliberado da carga tributária – está condicionada à evolução da produção, da renda e do consumo.
Para mostrar o que aconteceu nos Estados, Velloso se baseou em dados do Tesouro Nacional. De 22 unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas, apenas 5 melhoraram seus resultados fiscais desde 2015. São os Estados de Alagoas, Paraná, Ceará, Maranhão e Piauí. A situação de São Paulo manteve-se praticamente a mesma no período. Em todos os demais Estados o desequilíbrio financeiro se acentuou.
Afetado por greves, inclusive de policiais – o que resultou em onda de violência no final do ano passado –, e protestos de servidores que não recebem os vencimentos em dia, o Rio Grande do Norte foi o Estado em que o quadro fiscal se agravou mais nos últimos três anos. De um superávit de R$ 4 bilhões que alcançou entre 2011 e 2014, o governo do Rio Grande do Norte passou a enfrentar sérias dificuldades financeiras, cujo resultado é um déficit de R$ 2,8 bilhões acumulado de 2015 a 2017 (até outubro).
Para comparar a evolução da situação fiscal dos Estados sem a distorção que poderia decorrer da disparidade dos valores de receitas e despesas entre eles, o economista Raul Velloso utilizou a relação entre déficit (ou superávit) e receita líquida. Para o Rio Grande do Norte, essa relação passou de 8,3 para -9,1 entre 2015 e 2017. Ou seja, a variação foi de -17,4 pontos no período, a pior de todas as unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas.
O que mais preocupa é o fato de que “há uma fila de Estados prontos para passarem por uma crise aguda (como a do Rio Grande do Norte)”, como disse ao Estado o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim. Cite-se, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, cujo governo, como o do Rio Grande do Norte, viu-se obrigado a atrasar salários por falta de recursos em caixa. A lista é formada ainda por Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e Sergipe, que estão entre os mal avaliados pelo Tesouro Nacional quanto à capacidade de pagamento.
Em todos eles, e também nos que não apresentam quadro fiscal tão preocupante, uma das principais fontes de desequilíbrio, talvez a principal, é a folha de pagamentos. De um lado, o custo do pessoal tem grande resistência a cortes, em razão das garantias de que dispõem os servidores e da relutância dos dirigentes políticos em reduzir o número de funcionários. De outro, está sujeito a constante crescimento, em razão de aumentos espontâneos ou de incorporação automática de vantagens aos vencimentos.
Além disso, o sistema previdenciário do setor público gera um número crescente de aposentados, em razão do envelhecimento da população, sem que o número de contribuintes cresça no mesmo ritmo.
A tudo isso se juntou a redução dos repasses de recursos da União, igualmente afetada pela crise. Mesmo cortando investimentos, com prejuízo para a população, o déficit continuou a crescer. Trata-se de um regime fiscal socialmente perverso, cujos desequilíbrios só serão corrigidos por meio de reformas, entre as quais as que tratem das regras para o funcionalismo público e de seu sistema previdenciário.
As garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas dos Estados à rápida queda das receitas
A profunda crise em que o País foi lançado pela irresponsável política econômica e fiscal do governo Dilma Rousseff corroeu as receitas tributárias, mas a perda de arrecadação é apenas um dos fatores que levaram as contas dos Estados a passar de superávits nominais de R$ 16 bilhões em 2015 para um rombo de R$ 60 bilhões no ano passado. O que se conclui do levantamento feito a pedido do Estado pelo economista Raul Velloso, um dos mais respeitados especialistas em finanças do setor público, é que, em tempos de crise, as garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas à rápida queda das receitas.
Os gastos com o sistema previdenciário dos Estados, as despesas obrigatórias definidas pela legislação e os custos da folha de pessoal tornam o atual regime fiscal insustentável ao longo do tempo. Nesse regime, os gastos crescem sempre, independentemente da situação econômica do País, enquanto a receita – quando não há aumento deliberado da carga tributária – está condicionada à evolução da produção, da renda e do consumo.
Para mostrar o que aconteceu nos Estados, Velloso se baseou em dados do Tesouro Nacional. De 22 unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas, apenas 5 melhoraram seus resultados fiscais desde 2015. São os Estados de Alagoas, Paraná, Ceará, Maranhão e Piauí. A situação de São Paulo manteve-se praticamente a mesma no período. Em todos os demais Estados o desequilíbrio financeiro se acentuou.
Afetado por greves, inclusive de policiais – o que resultou em onda de violência no final do ano passado –, e protestos de servidores que não recebem os vencimentos em dia, o Rio Grande do Norte foi o Estado em que o quadro fiscal se agravou mais nos últimos três anos. De um superávit de R$ 4 bilhões que alcançou entre 2011 e 2014, o governo do Rio Grande do Norte passou a enfrentar sérias dificuldades financeiras, cujo resultado é um déficit de R$ 2,8 bilhões acumulado de 2015 a 2017 (até outubro).
Para comparar a evolução da situação fiscal dos Estados sem a distorção que poderia decorrer da disparidade dos valores de receitas e despesas entre eles, o economista Raul Velloso utilizou a relação entre déficit (ou superávit) e receita líquida. Para o Rio Grande do Norte, essa relação passou de 8,3 para -9,1 entre 2015 e 2017. Ou seja, a variação foi de -17,4 pontos no período, a pior de todas as unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas.
O que mais preocupa é o fato de que “há uma fila de Estados prontos para passarem por uma crise aguda (como a do Rio Grande do Norte)”, como disse ao Estado o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim. Cite-se, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, cujo governo, como o do Rio Grande do Norte, viu-se obrigado a atrasar salários por falta de recursos em caixa. A lista é formada ainda por Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e Sergipe, que estão entre os mal avaliados pelo Tesouro Nacional quanto à capacidade de pagamento.
Em todos eles, e também nos que não apresentam quadro fiscal tão preocupante, uma das principais fontes de desequilíbrio, talvez a principal, é a folha de pagamentos. De um lado, o custo do pessoal tem grande resistência a cortes, em razão das garantias de que dispõem os servidores e da relutância dos dirigentes políticos em reduzir o número de funcionários. De outro, está sujeito a constante crescimento, em razão de aumentos espontâneos ou de incorporação automática de vantagens aos vencimentos.
Além disso, o sistema previdenciário do setor público gera um número crescente de aposentados, em razão do envelhecimento da população, sem que o número de contribuintes cresça no mesmo ritmo.
A tudo isso se juntou a redução dos repasses de recursos da União, igualmente afetada pela crise. Mesmo cortando investimentos, com prejuízo para a população, o déficit continuou a crescer. Trata-se de um regime fiscal socialmente perverso, cujos desequilíbrios só serão corrigidos por meio de reformas, entre as quais as que tratem das regras para o funcionalismo público e de seu sistema previdenciário.
Derrotados pelo mosquito - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 19/01
O “país do futuro”, uma das dez maiores economias do mundo, convive com taxas inaceitáveis de contaminação por doenças das quais o país já tinha se livrado no passado
Depois da dengue, da cikungunya e da zika, o Brasil vive o ressurgimento da febre amarela. A doença, que tem se espalhado em sua versão silvestre, transmitida por mosquitos Haemagogus e Sabethes, ainda não repete os números do surto registrado no início de 2017, mas já causou dezenas de mortes em todo o país, e a população corre para se vacinar – a alta demanda tem levado alguns estados a fracionar a dose padrão para que mais pessoas possam ser imunizadas. A Organização Mundial de Saúde emitiu recomendação para que estrangeiros que visitem o estado de São Paulo tomem a vacina antes de embarcar.
Se há algo que pode servir de consolo, pelo menos há uma vacina para a febre amarela, ao contrário das doenças que o Aedes aegypti vem espalhando pelo país há alguns anos. Mas nossa dificuldade de vencer a luta contra os mosquitos é um sintoma grave de outro mal: nosso subdesenvolvimento – obra de séculos, que não se improvisa, na célebre frase de Nelson Rodrigues. O “país do futuro”, uma das dez maiores economias do mundo, com metrópoles que exercem papel de protagonismo na América Latina, convive com taxas inaceitáveis de contaminação por doenças das quais o país já tinha se livrado no passado.
Os mosquitos prosperam graças à ineficiência estatal, ao desleixo da população e ao desequilíbrio ambiental
O Aedes aegypti – transmissor da dengue, da zika, do chikungunya e da versão urbana da febre amarela – foi considerado erradicado no Brasil em 1955, após décadas de campanhas iniciadas pelo sanitarista Oswaldo Cruz, no início do século passado. Mas o mosquito, que na época colonial tinha vindo da África, nos navios negreiros, ressurgiu como passageiro indesejado dos cargueiros asiáticos na década de 70 e, desde então, vem levando a melhor, contando com a ineficiência estatal e o desleixo da população, que também tem sua parte de culpa quando não adota comportamentos que dificultam a proliferação do mosquito, apesar de ter hoje muito mais informação que na época de Oswaldo Cruz.
E a volta da febre amarela era um desastre anunciado. Desde 2014 o Ministério da Saúde já registrava mortes de macacos contaminados pelo vírus no Centro-Oeste do país e, mais tarde, no Sudeste – um indício de que em breve a doença voltaria a ser mais frequente entre humanos. Como se pode ver desde o surto de 2017, a resposta das autoridades não foi rápida nem intensa o suficiente para proteger a população.
Mais recentemente, outro fator tem jogado a favor dos mosquitos e das doenças por eles transmitidas: o desequilíbrio ambiental, que destrói o habitat natural de outras espécies que também desenvolvem a febre amarela, como os macacos. A bióloga Márcia Chame, da Fiocruz, ainda levantou outra hipótese preocupante: o desastre de Mariana, com o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, provocou mudanças bruscas e drásticas que enfraqueceram a população local de macacos, tornando-os mais suscetíveis à febre amarela e, consequentemente, aumentando o risco de contaminação de humanos que visitam regiões de mata e acabam picados por mosquitos que adquiriram o vírus sugando o sangue de outros animais.
Até o momento, todos os casos da doença são do tipo silvestre, em que mosquitos Haemagogus e Sabethes adquirem o vírus ao picar macacos e o transmitem quanto atacam pessoas que circulam em áreas de mata. Na forma urbana, o Aedes transmite o vírus de uma pessoa para outra, como faz com a dengue, por exemplo. Esse tipo de contaminação não é registrado no país desde 1942, mas, se o país seguir neste ritmo, não seria tão irreal assim imaginar que também essa marca será derrubada, escancarando as nossas falhas individuais e coletivas.
O “país do futuro”, uma das dez maiores economias do mundo, convive com taxas inaceitáveis de contaminação por doenças das quais o país já tinha se livrado no passado
Depois da dengue, da cikungunya e da zika, o Brasil vive o ressurgimento da febre amarela. A doença, que tem se espalhado em sua versão silvestre, transmitida por mosquitos Haemagogus e Sabethes, ainda não repete os números do surto registrado no início de 2017, mas já causou dezenas de mortes em todo o país, e a população corre para se vacinar – a alta demanda tem levado alguns estados a fracionar a dose padrão para que mais pessoas possam ser imunizadas. A Organização Mundial de Saúde emitiu recomendação para que estrangeiros que visitem o estado de São Paulo tomem a vacina antes de embarcar.
Se há algo que pode servir de consolo, pelo menos há uma vacina para a febre amarela, ao contrário das doenças que o Aedes aegypti vem espalhando pelo país há alguns anos. Mas nossa dificuldade de vencer a luta contra os mosquitos é um sintoma grave de outro mal: nosso subdesenvolvimento – obra de séculos, que não se improvisa, na célebre frase de Nelson Rodrigues. O “país do futuro”, uma das dez maiores economias do mundo, com metrópoles que exercem papel de protagonismo na América Latina, convive com taxas inaceitáveis de contaminação por doenças das quais o país já tinha se livrado no passado.
Os mosquitos prosperam graças à ineficiência estatal, ao desleixo da população e ao desequilíbrio ambiental
O Aedes aegypti – transmissor da dengue, da zika, do chikungunya e da versão urbana da febre amarela – foi considerado erradicado no Brasil em 1955, após décadas de campanhas iniciadas pelo sanitarista Oswaldo Cruz, no início do século passado. Mas o mosquito, que na época colonial tinha vindo da África, nos navios negreiros, ressurgiu como passageiro indesejado dos cargueiros asiáticos na década de 70 e, desde então, vem levando a melhor, contando com a ineficiência estatal e o desleixo da população, que também tem sua parte de culpa quando não adota comportamentos que dificultam a proliferação do mosquito, apesar de ter hoje muito mais informação que na época de Oswaldo Cruz.
E a volta da febre amarela era um desastre anunciado. Desde 2014 o Ministério da Saúde já registrava mortes de macacos contaminados pelo vírus no Centro-Oeste do país e, mais tarde, no Sudeste – um indício de que em breve a doença voltaria a ser mais frequente entre humanos. Como se pode ver desde o surto de 2017, a resposta das autoridades não foi rápida nem intensa o suficiente para proteger a população.
Mais recentemente, outro fator tem jogado a favor dos mosquitos e das doenças por eles transmitidas: o desequilíbrio ambiental, que destrói o habitat natural de outras espécies que também desenvolvem a febre amarela, como os macacos. A bióloga Márcia Chame, da Fiocruz, ainda levantou outra hipótese preocupante: o desastre de Mariana, com o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, provocou mudanças bruscas e drásticas que enfraqueceram a população local de macacos, tornando-os mais suscetíveis à febre amarela e, consequentemente, aumentando o risco de contaminação de humanos que visitam regiões de mata e acabam picados por mosquitos que adquiriram o vírus sugando o sangue de outros animais.
Até o momento, todos os casos da doença são do tipo silvestre, em que mosquitos Haemagogus e Sabethes adquirem o vírus ao picar macacos e o transmitem quanto atacam pessoas que circulam em áreas de mata. Na forma urbana, o Aedes transmite o vírus de uma pessoa para outra, como faz com a dengue, por exemplo. Esse tipo de contaminação não é registrado no país desde 1942, mas, se o país seguir neste ritmo, não seria tão irreal assim imaginar que também essa marca será derrubada, escancarando as nossas falhas individuais e coletivas.
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