segunda-feira, agosto 01, 2016

Para combater o terrorismo, é preciso aprender a respeitar os terroristas - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 01/08

Outro dia ouvia uma famosa música cantada por uma famosa cantora e escrita por um famoso compositor que dizia mais ou menos o seguinte: "Nada nunca se conseguiu nem se conseguirá com violência...".

Parei e me perguntei: como fulano, compositor e cantor tão competente, pode escrever uma coisa idiota como essa?

Daí me lembrei que esse tipo de dificuldade cognitiva é comum em artistas, intelectuais e afins (gente que julga o mundo pelos dois livros que leu ou pela música que escreveu ou pela tese que defendeu na universidade).

Você também tem dificuldade de ver a realidade? Também projeta sobre ela essa doce autoimagem de pessoa boa e preocupada com os refugiados na Europa?

Ou é capaz de lembrar que, apesar de ser a favor das leis trabalhistas, demite sua empregada quando o FGTS fica caro? Eis um bom teste de caráter. És capaz de reconhecer isso, ou omites tal fato diante das câmeras e dos jantares inteligentes?

A ideia de que nada nunca se conseguiu ou se conseguirá com violência é de um tal absurdo que apenas um grave retardo mental pode levar uma pessoa a pensar isso.

Nem tudo, mas grande parte do que se conseguiu na história do sapiens foi conseguido com violência. Inclusive coisas que os bonitinhos se derretem e acham tão valiosas, como direitos humanos, democracia, liberdades individuais, ciência. O "diálogo" consegue muita coisa enquanto as pessoas não começam a brigar a sério por nada.

Aliás, um pequeno reparo profético: estou seguro de que, no futuro, olharão para nossa fé obsessiva na democracia como olhamos para os medievais e sua fé na leitura das vísceras dos animais. Rirão de como pudemos, um dia, levar tão a sério a soberania popular. No dia em que descobrirmos como limitar o poder (maior ganho efetivo da democracia) sem perder tempo com a soberania popular, a democracia acaba.

De volta à ideia absurda de que nunca nada se conseguiu ou se conseguirá com violência. Como diz um amigo meu esquisito, esquecemos que, para se sair dando "bom dia!" por aí, muito sangue correu na história da humanidade. A civilização é um exercício contínuo de violência, com ou sem sangue, sobre as pessoas e seus grupos de pertencimento.

Em tempos de terrorismo na Europa (ainda que a imprensa alemã minta, evitando reconhecer o terrorismo em seu território, com medo, justificado, de que isso cause pânico social diante dos milhões de refugiados sírios que a Alemanha acabou de importar), muita gente começa a despertar do longo delírio que foi esse parque temático humanista europeu das últimas décadas. A primeira coisa a ser feita no combate ao terrorismo é aprender a respeitar os terroristas e não vê-los como "vítimas sociais".

Os europeus esqueceram que o humanismo moderno é uma peça de publicidade oriunda de um debate teológico acerca do pecado original nos séculos 16 e 17. Nem a natureza humana "pecadora" existe nem a natureza humana "boa" do humanismo existe. A história é, sim, feita de sangue. E, muitas vezes, por "boas causas".

Antes que algum inteligentinho diga que sou a favor da violência, lembremo-nos de algo. Não se trata de ser a favor ou contra nada, trata-se de olhar a história e a vida real e perceber que, para que você desfile na Paulista de bike, no Iguatemi com seu Visa ou na Vila Madalena com seu Buda, muito sangue correu, corre e correrá no mundo.

Os intelectuais e afins, que deveriam nos ajudar a compreender o mundo, estão há décadas pregando concepções de mundo por aí, alheios à realidade das pessoas reais.

Ocupados com sua vaidade moral evidente, querem passar a ideia de que são pessoas boas e com bons sentimentos. Mentira. Por exemplo, ninguém detesta mais "o povo" do que artistas e intelectuais. Um professor de universidade que seja obrigado a conviver com o povo tomaria remédio contra náuseas todos os dias.

Desistimos, nós intelectuais, há décadas, de compreender o mundo. Optamos por vender ideias que façam as pessoas pensarem boas coisas de si mesmas. De certa forma, grande parte de nós produz autoajuda empacotada com palavras bonitas e elegantes.


Temer, 2018 e um detalhe - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

ESTADÃO - 01/08

Peemedebista não pode cogitar reeleição antes de garantir 2016 – e sobreviver a 2017



Mal a manchete do Estado foi ao ar, Michel Temer já estava divulgando nota de resposta. Declarou-se honrado com “a lembrança” de seu nome como candidato a presidente em 2018, mas disse não cogitar disputar “reeleição”. Reagia à entrevista do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que afirmara que, se o interino for efetivado pelo Senado e se sair bem, ele seria o candidato natural do “nosso campo”. No mesmo dia, reportagem na Folha de S.Paulo atribuía a ministros idêntico prognóstico.

Pode ter sido um acesso coletivo de servilismo para agradar o chefe, pode ter sido excesso de imaginação, pode ter sido até uma tentativa premeditada de vender otimismo em momento de incerteza. A intenção importa menos do que a consequência. A pronta negativa evidenciou o instável equilíbrio no qual se assenta o governo interino. Temer não pode nem mesmo cogitar 2018 antes de garantir 2016 – e sobreviver a 2017.

Os destinatários inominados da nota foram Aécio Neves e Geraldo Alckmin, que guardavam lugar na fila presidencial de 2018 antes de Temer nem sequer sonhar em sair da penumbra da vice-presidência da República. No grande acordo do impeachment, ele prometeu-lhes que jamais seria candidato.

Até aí pode-se enumerar tudo o que Temer disse sobre a inviabilidade do impeachment de Dilma Rousseff para lembrar que, como profeta político, o interino é um grande poeta. Mas Temer depende dos votos do PSDB para garantir a condenação de Dilma e sua efetivação. Depois, necessitará dos tucanos para aprovar as reformas que diz serem essenciais. Logo, não é questão de compromisso, mas de pragmatismo.

Por isso, talvez o “lançamento” simultâneo da candidatura Temer 2018 tenha mirado outros alvos – não externos, como Alckmin e Aécio, mas de dentro do próprio governo. Nove entre dez emas do Palácio do Alvorada apostam que tanto José Serra (Itamaraty) quanto Henrique Meirelles (Fazenda) sonham refazer a trajetória de Fernando Henrique para chegar à Presidência. Ambos expandem seus feudos para ampliar seu poder dentro do governo.

O “Temer 2018” serve para lembrá-los de que, se tudo der certo, eles não são os únicos que se beneficiarão do eventual sucesso. Há o detalhe de que, hoje, Temer é inelegível, mas quem tem Gilmar Mendes do seu lado não se preocupa com detalhes.

Detalhe mais difícil de superar é mesmo a realidade das urnas. Pesquisa do instituto Ipsos mostrou que a avaliação do presidente em exercício piorou de junho para julho. Novos cruzamentos da sondagem, divulgados aqui com exclusividade, revelam o que pegou mais para a população nesse período de interinidade de Temer: inflação, desemprego e corrupção.

Em um mês, cresceu de 40% para 56% a taxa dos que desaprovam a maneira como Temer combate o aumento continuado de preços. Não é a única causa do aumento da impopularidade presidencial que cai na conta do ministro da Fazenda. A desaprovação sobre como o governo interino está combatendo o desemprego pulou de 44% para 59% – a maior taxa de desaprovação entre todos os itens pesquisados. É injusto despejar tudo em Meirelles, porém.

Outras taxas de desaprovação cresceram muito: no combate à corrupção, subiu 16 pontos; no combate à violência, 15; na reforma política, 14. Mas a economia é a que guarda relação mais estreita com a popularidade. Daí que pioras de avaliação sobre inflação e desemprego tendem a aumentar a tensão entre a área política (PMDB) e a econômica (Meirelles).

O pior para Temer é se continuar o jogo de empurra-empurra entre as duas alas: uma diz que a retomada econômica depende de o Congresso aprovar reformas, e a outra responde que a Fazenda não faz nada além de ameaçar com mais impostos. Nesse passo, Temer não precisa mesmo cogitar 2018 porque mal chegará lá.

Olimpíadas de alto risco - ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

ESTADÃO - 01/08

Brasil teve sete anos para tomar as medidas necessárias para fazer um evento exemplar; não aproveitamos a chance quando o País ia bem e tinha dinheiro em caixa


No dia cinco acontece a abertura dos Jogos Olímpicos de 2016. Nunca na história recente uma edição das Olimpíadas esteve tão ameaçada. Nem mesmo Munique, que assistiu chocada ao trágico atentado contra a delegação israelense, ao começar, sabia de ameaças como as do Rio de Janeiro.

O Brasil teve sete anos para tomar as medidas necessárias para fazer um evento exemplar. Não aproveitamos a chance quando o País ia bem e tinha dinheiro em caixa. Ao contrário, as coisas foram atrasando e, quando olhamos, os jogos estavam aí, sem que tivéssemos feito parte importante da lição de casa.

O resultado é que já passamos vexames constrangedores. Muito antes da queda da ciclovia, os atrasos já apontavam problemas eventualmente sérios, capazes de comprometer os Jogos. Muito do que deveria ser feito sequer começou. O melhor exemplo é a limpeza da Baía de Guanabara, onde as coisas não foram feitas nem no papel. Não há notícia de uma única ação significativa para ao menos minimizar a poluição. Continua tudo como sempre, com dejetos, esgoto e lixo, jogados na baía como se fosse uma enorme cloaca a céu aberto, feita especificamente para armazenar a poluição da cidade. Mas o quadro vai muito mais longe. De verdade, ninguém coloca a mão no fogo pela Lagoa Rodrigo de Freitas. Como ninguém coloca a mão no fogo pela qualidade e resistência das obras que foram feitas para sediar os Jogos.

Os problemas, se Deus quiser, se limitarão a atrasos. Um acidente causado pelo desmoronamento parcial ou total de uma das instalações pode ter consequências dramáticas para os atletas, o público e, principalmente, a imagem do Brasil.

Mas o quadro negativo vai além: as epidemias de zika, dengue e chikungunya continuam aí, correndo soltas, nas asas e ferrões dos mosquitos, que não diminuíram porque as ações do governo deram certo, mas porque no inverno o frio mata parte deles, diminuindo a quantidade de mosquitos voando e zunindo sobre as cabeças dos milhões de pessoas que estarão no Rio durante as três semanas da Olimpíada.

De outro lado, a violência está solta. O governo não conseguiu pacificar a cidade. Ao contrário, comunidades anteriormente ocupadas pelas “polícias pacificadoras” foram retomadas pelo crime organizado. Balas perdidas em tiroteios entre policiais e bandidos matam pessoas que não têm nada com o assunto. Arrastões acontecem com enorme regularidade. A venda de drogas acontece praticamente sem repressão e por aí vamos.

Como se não bastasse, o sistema de saúde pública está superlotado e reconhecidamente despreparado para um evento como a Olimpíada.

Para completar, ao contrário do que afirmou o ministro da Justiça, o fato dos 10 aprendizes de terroristas presos serem amadores não melhora em nada o quadro de um atentado durante a Olimpíada. Não porque o Brasil seja um alvo importante, mas porque o terrorismo necessita visibilidade para ser eficiente. Mais de um bilhão de pessoas ao redor do planeta estarão assistindo aos jogos, ao vivo e em cores, pela televisão. É uma oportunidade rara para levar pânico e horror para o mundo. Então, a ameaça de um ataque é concreta e precisa ser levada a sério.

É neste cenário complicado que a partir de 5 de agosto acontecem os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Brasil. Sem uma ampla e sofisticada rede de seguros eles não seriam possíveis. Os valores atingem a casa dos bilhões de dólares apenas em investimentos diretos. Além deles, há todo o custo com sua realização. Os custos de transmissão. De eventual não acontecimento de provas e competições. De danos a terceiros. Terrorismo. Epidemias e surtos de doenças. Intoxicações e envenenamentos coletivos. Acidentes com atletas, delegações, espectadores, turistas, funcionários, etc.

Provavelmente não acontecerá nada, mas se acontecer, os jogos estão protegidos por programas de seguros altamente sofisticados. O ideal é que não seja necessário utilizá-los, mas eles estão aí para isso.

Marina e Ciro - CELSO ROCHA DE BARROS

FOLHA DE SP - 01/08

Ainda é cedo para discutir a eleição de 2018. Como a jornalista Renata Lo Prete vem dizendo, mal sabemos quem estará em condições jurídicas de ter seu nome na urna eletrônica.

Mas já é possível dizer que Ciro Gomes e Marina Silva saíram na frente na disputa pelo legado da esquerda brasileira. Cada um representa uma ala da esquerda e uma atitude frente ao Lulismo.

Ciro Gomes parece ter se posicionado para herdar a esquerda que continuou com o PT mais ou menos até o final, mas que não tem necessariamente vontade de fazer passeata pedindo libertação de dirigente petista preso. Ciro foi firme na denúncia do impeachment e tem um histórico de críticas à aliança PT-PMDB que agora parecem proféticas.

Ciro foi o primeiro governador eleito pelo PSDB e o sucessor de FHC como ministro da Fazenda no começo do Plano Real. Afastou-se dos tucanos e conseguiu razoável projeção nos anos 90 como esboço de terceira via entre PT e PSDB.

Suspeito que o espectro de um candidato como Ciro tomando a liderança da esquerda após 1998 tenha sido um dos incentivos que levaram o PT a moderar seu discurso para 2002.

Apoiou o governo Lula e construiu, com Eduardo Campos, um PSB nordestino bastante expressivo (que agora não existe mais). Se o PT tivesse sabido ceder mais cabeças de chapa para o PSB de Ciro e Eduardo, suspeito que sua vida teria sido mais fácil: essa versão do PSB talvez tivesse sido o aliado mais ao centro que sempre faltou aos governos petistas.

Mas Ciro ainda precisa mostrar que não é só um excelente entrevistado, o sujeito que sempre vai dizer algo interessante que ninguém mais teve coragem de dizer. Precisa saber conciliar seu passado de tucano "fase heroica" com sua experiência no Lulismo, posicionando-se mais como modernização da esquerda petista do que como terapeuta dos petistas revoltados com o impeachment.

Não sabemos se estará à altura da tarefa, nem se a esquerda ainda estará interessada nele se estiver.

Marina Silva, por sua vez, incorpora a esquerda que não conseguiu se encaixar direito no Lulismo: os ambientalistas, a centro-esquerda que não se interessa por populismo econômico, movimentos sociais que não aceitaram as alianças com a política tradicional brasileira. Já disse o que acho de Marina na coluna 5 de outubro do ano passado, em que recomendei "Comprar Marina".

Marina é uma anti-Marta Suplicy: rompeu com o PT no auge do Lulismo, quando os governos do PT tinham altíssimas taxas de popularidade, e rompeu por princípio (discordâncias sobre a política para a Amazônia).

Enquanto Marta foi ainda mais fundo do que o PT política brasileira tradicional adentro, Marina tentou, aos trancos e barrancos, fundar um novo partido.

O deficit de clareza e definição política de Marina uma hora precisará ser sanado. Marina terá que reconstruir muitas pontes à esquerda: apoiou Aécio no segundo turno de 2014, apoiou o impeachment. Mas os ataques dos puxa-sacos de Temer quando Marina apareceu como favorita para novas eleições pode ter restaurado parte de seu brilho.

Enfim, forças semelhantes às que compuseram a chapa Eduardo/Marina em 2013 parecem ter se posicionado para competir pelo legado do PT. Parte da disputa será decidida por quem conseguir incorporar cautelosamente parte do repertório do outro. A briga será boa.

Esperar, mas até quando? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 01/08

A maior ameaça ao bom desempenho de Temer seria postergar as reformas em busca de popularidade, de olho na reeleição


O julgamento do impeachment da presidente afastada ocorrerá finalmente entre 29 de agosto e 2 de setembro. É compreensível que toda a articulação política do presidente interino esteja no momento mobilizada para assegurar o seu mandato, e não para encaminhar reformas que pudessem rachar sua base de sustentação. Apenas quando garantido seu mandato, seria então disparada a incontornável agenda de reformas. Seriam examinados pelo Congresso a reforma política, o teto de gastos públicos, os ajustes na Previdência Social e na legislação trabalhista.

Há entre os governistas quem defenda que se espere ainda as eleições de outubro antes de deflagrar o ciclo das reformas, evitando perder votos pela adoção de medidas impopulares. “Perdido” agosto com a finalização do ritual de impeachment, “perde-se” também setembro em busca de expressivas vitórias eleitorais contra partidários de um populismo que arrasou financeiramente o país. Seriam postergados nessa estratégia eleitoral os ajustes na Previdência Social e na legislação trabalhista. Já o anúncio de uma reforma política para estancar a roubalheira a céu aberto e um pacto federativo norteando a proposta de teto dos gastos públicos seriam extremamente populares. Menos dinheiro na engrenagem estatal de administração centralizada e mais dinheiro para saúde, segurança, saneamento e educação. Pois o dinheiro tem de ir para onde o povo está, nos municípios, onde haverá eleições, e não para Brasília.

O pacto federativo conduziria a reforma administrativa do Estado, com férreos controles sobre o governo central e gradual descentralização de recursos fiscais. Essa descentralização das políticas públicas coloca um eixo republicano na busca de sustentação parlamentar e na própria gestão dos recursos públicos. É preciso desmontar a engrenagem de administração centralizada, que alimenta piratas privados e políticos corruptos. Mesmo as reformas da legislação trabalhista e do sistema previdenciário poderiam ser construtivamente abordadas nas eleições. Pois a rigidez nas negociações salariais e os encargos excessivos estão na raiz do desemprego em massa. A maior ameaça ao bom desempenho de Temer na Presidência seria postergar as necessárias reformas em busca de popularidade, de olho na reeleição.


Cogitações do mês do desgosto - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 01/08

Agosto, dizem, é o mês do desgosto. O que começa hoje será motivo de amargura para Dilma Rousseff e Eduardo Cunha, mas vai trazer angústia a muita gente boa da política. Afinal, a Lava Jato, depois do recesso de julho, deve voltar a agitar as nossas manhãs.

No mês do cachorro louco, a presidente Dilma pode começar a sair de cena em definitivo e corre o risco de virar um dos maiores casos de ostracismo da política brasileira.

A proximidade deste desfecho faz alguns aliados do presidente interino, Michel Temer, lançarem a candidatura dele à reeleição. Alguns, com boas intenções. Outros, dentro da estratégia de sepultar tal hipótese, pois são candidatos ao posto de Temer.

O detalhe é que o presidente, na busca de se afastar da tentação, solta uma nota e diz: "Não cogito disputar a reeleição". Como bem define o Houaiss, cogitar é pensar com insistência a respeito de algo. Não chega a ser um não peremptório.

Talvez seja apenas o estilo rebuscado de Michel Temer, mas pode esconder outras cogitações, inapropriadas se postas antes do julgamento do impeachment de Dilma.

Na mira do desconsolo de agosto, Eduardo Cunha não só cogita como age para jogar a votação de sua cassação para depois do processo da petista, num sonho de sobrevivência.

Conta com o apoio de aliados no governo, temerosos de que, cassado, o ainda deputado caia atirando e tumultue o que é visto como certo, o impedimento definitivo da petista.

Não se assustem se der certo. Muitos desejam escapar de suas garras.

Ainda no campo das meditações, boa parte do PT já não suporta mais a novela do afastamento da presidente. A turma petista nunca gostou muito dela. Ganhou mais motivos depois que Dilma jogou para o PT a responsabilidade pelo pagamento de seu marqueteiro com caixa dois.

Enfim, agosto promete gerar muita desolação. Mas pode também limpar a área para o Brasil voltar à normalidade. A conferir, com aflição.


Saúde precisa de mais atenção - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 01/08

O aumento do número de multas e de autuações às operadoras de planos de saúde registrado no semestre passado mostra que o Brasil ainda está longe de ter um sistema privado de assistência que atenda a contento seus beneficiários. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), foram 6.344 notificações nos seis primeiros meses deste ano, contra um total 6.430 registradas em todo o ano de 2015. Um aumento considerável, mas que, antes de ser visto como uma conquista dos consumidores, é o retrato de que o setor precisa de mais ajustes em seu funcionamento.

Para a ANS, o crescimento do número e do valor arrecadado em multas - chegou este ano a R$ 612,6 milhões - é reflexo também da Resolução Normativa 388/2015, em vigor desde fevereiro, que estabeleceu novas normas para a prestação de serviço aos segurados. A falta de qualidade no atendimento e a demora na solução de questionamentos, como a autorização de procedimentos, passaram a ser punidas com mais rigor.

Pouco mais de 6,4 mil ocorrências pode parecer número pequeno no universo de mais de 40 milhões de associados aos planos de saúde. Mas outros indicadores reforçam a necessidade de se respeitar os direitos do usuário. Há pelo menos quatro anos os planos de saúde lideram o ranking de reclamações no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Reajustes abusivos estão entre as queixas mais frequentes dos cidadãos que sacrificam a renda para ter um serviço médico de qualidade.

Infelizmente, o brasileiro enfrenta um paradoxo cruel em relação à saúde, um dos principais - se não o maior - motivos de preocupação cotidiana. O sucateamento da rede pública impede uma assistência de qualidade, e se associar às seguradoras passou a ser a saída para se ter acesso a médicos, exames e hospitais da rede particular, sempre muito caros. As mensalidades dos planos de saúde refletem o alto custo desse atendimento.

Os segurados gastam muito dinheiro com as mensalidades e nem sempre o retorno oferecido pelos planos era o adequado. A resistência na autorização de tratamentos e a limitação da rede conveniada sempre marcaram a relação entre as partes. Essa situação vem se revertendo aos poucos, principalmente pela pressão dos usuários e dos órgãos de defesa do consumidor e da Justiça, mas ainda está muito longe do ideal. É imperiosa uma ação mais efetiva da ANS, agência responsável pela regulamentação e fiscalização do setor. Melhorar o atendimento e facilitar ainda mais o acesso do usuário aos canais para solução dos problemas, além de agilizar as respostas às demandas, são condições fundamentais para garantir a segurança dos associados.

Há também que se punir com mais rigor os desvios e os abusos das empresas que operam no setor. A redução drástica do quadro de médicos, de hospitais e de laboratórios conveniados constitui uma das principais reclamações dos usuários e deve ser acompanhada com maior atenção.

O consumidor brasileiro paga muito caro pelos serviços e precisa estar mais bem assistido pelos planos de saúde e também pelo Estado, em sua função de fiscalizar e de corrigir erros. O crescimento do número de multas é o maior indício de que há graves falhas na prestação de serviços e no acompanhamento feito pelos órgãos responsáveis pela vigilância.


Enfrentar distorções - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/08

Por mais circunstanciais que sejam as crises, os efeitos delas decorrentes podem ter consequências pontuais, tratáveis no âmbito de ações mais imediatas, ou de longo prazo, mais duradouras — se não, permanentes. Produzem, neste caso, contenciosos que precisam ser enfrentados com soluções estruturais. A atual crise fiscal do Estado brasileiro, por sua dimensão — a mais grave da História do país, pelo menos desde o início da República —, não passará sem que sejam resolvidas demandas nestes dois aspectos.

A urgência da crise pede ações imediatas. Ao mesmo tempo, pelo fato de a debacle fiscal (gerada na fase final dos últimos 13 anos, de domínio lulopetista sobre o aparelho de Estado) se assentar também em questões crônicas, não resolvidas a seu tempo, superá-la implica iniciativas que livrem o país de antigas distorções, agravadas pela falta de dinheiro.

É com esse pano de fundo que se deve travar o debate sobre o fim do ensino gratuito nas universidades públicas. Antes de tudo, é preciso encarar a questão sem as paixões que levam ao desvio do verdadeiro foco — como associar a cobrança de mensalidades a uma alegada “privatização” do ensino nas unidades de nível superior. O que se pretende com esse princípio, de resto uma forma de corrigir distorções sociais na ponta do funil de acesso às faculdades públicas, não é transferir a administração das unidades para a iniciativa privada. Por correto e justo, o que se defende é ressarcir o Estado — por extensão, a sociedade — pelo serviço que presta a quem pode pagar.

A crise mostra elevados déficits fiscais, frutos de acentuada queda de receitas, em todos os níveis da administração pública, o que se contrapõe a despesas engessadas por lei. O orçamento das universidades, federais e estaduais, mantidas pelo repasse de impostos, é impactado diretamente por esse colapso. A USP, situada no topo do ranking das unidades de ensino superior do país, é o exemplo mais notório. Ela recebe 5% do ICMS que entra no caixa do governo paulista; e com a arrecadação em baixa, caem os repasses.

A isso junta-se outra circunstância — a má gestão da universidade. De forma geral, esse não é um problema restrito à USP; é o panorama nas principais universidades públicas.

Crise à parte, manter a gratuidade, diferentemente do que reza a cartilha de quem a defende, corresponde a preservar um instrumento de deformação social. Uma pesquisa da “Folha de S.Paulo” mostrou que 60% dos alunos da USP têm condições de pagar mensalidades na faixa do que é cobrado nas unidades privadas. É um fenômeno óbvio: estudantes de famílias de renda mais alta cursam, no ensino médio, escolas particulares com melhor nível de ensino, mas caras. Entram, portanto, na disputa por uma vaga na faculdade mais bem preparados que os candidatos de faixas de renda menores.

Acabar com a gratuidade será um ato criterioso de correção dessa injustiça: cobra-se de quem pode pagar (ao mesmo tempo em que se equilibram os orçamentos deficitários das universidades) e criam-se mecanismos (bolsas etc.) para os alunos de baixa renda cursar a faculdade.


O custo da corrupção - LUÍS EDUARDO ASSIS

O ESTADO DE S. PAULO - 01/08

O combate a este mal é um dever moral fundamental e incondicional, que prescinde de justificativa econômica

Com o entusiasmo de quem acredita ter as convicções certas, a procuradora explica numa entrevista à TV as dez medidas que oMinistério Público Federal propõe e espera ver convertidas em lei. Entusiasmada, a entrevistada vai além e avança o argumento que lhe parece definitivo: estudos demonstram que o ganho com o fim da corrupção pode alcançar R$ 200 bilhões. Nada mal. Quer dizer, então, que, acabando com a corrupção, o ajuste fiscal poderia ser feito de forma suave, sem alterar direitos, sem impor perdas, apenas coibindo o que está errado? Será mesmo? Há copiosa literatura econômica sobre a tentativa de medir o impacto econômico da corrupção.

Desde o estudo pioneiro de Paolo Mauro em 1995 (Corruption and Growth, Quarterly Journal of Economics), muitos outros economistas desenvolveram modelos quantitativos que buscam essa mensuração. Estudo mais recente de Axel Dreher e Thomas Herzfeld (The Economic Costs of Corruption: A Survey and New Evidence, 2005) sugere, por exemplo, que um aumento de 1 ponto porcentual na corrupção implica uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,13%. O tema, no entanto, é tão espinhoso quanto controverso. A própria definição de corrupção não é trivial. Um hábito moralmente aceito em algum país asiático, por exemplo, pode ser considerado prática delituosa na Escandinávia. Problema ainda maior é como medir a corrupção.

A alternativa mais comum é aferir não a corrupção propriamente dita, o que é impraticável, mas sua percepção - e acreditar que essas duas variáveis têm comportamento paralelo. Mas isso não é verdade quando, por exemplo, um país passa por uma fase de grandes escândalos, o que pode provocar um aumento na percepção de corrupção, ao mesmo tempo que sua prática fica mais difícil e menos provável. Este é o caso do Brasil hoje. A Transparência Internacional publica anualmente o Índice de Percepção de Corrupção, talvez o mais conhecido desses índices. Em 2015, o Brasil ficou em 76.º lugar numa lista de 168 países, com 38 pontos numa escala de 0 a 100 (a Dinamarca ficou em primeiro lugar, com 91 pontos).

Em 2012, o Brasil estava em 66.º lugar, com 43 pontos. No ano passado, ficamos na mesma colocação que Burkina Faso, Tunísia e Zâmbia e atrás de Ruanda, El Salvador e Senegal. Um otimista afeito à linguagem adocicada dos livros de autoajuda corporativa diria que "há muitas oportunidades de melhoria". Na verdade, é uma tragédia. Os modelos que tentam medir quantitativamente o impacto da corrupção apuram, para um conjunto de países num determinado ano, a relação estatística entre índice de percepção de corrupção e o desempenho econômico. Concluem, em geral, que essa relação está negativamente correlacionada e, portanto, uma queda de x% na corrupção pode induzir a um crescimento de y% no PIB.

Há, aqui, várias questões metodológicas. Essa relação pode ser alterada, por exemplo, variando o número de países no painel ou o ano de apuração. Pode, também, mudar pela especificação do modelo, linear ou exponencial. Os resultados variam muito e podem até mesmo apontar uma correlação positiva. Em artigo publicado em 2001, Raul Barreto, da Universidade de Adelaide, Austrália (Endogenous Corruption, Inequality and Growth: Econometric Evidence), usa um modelo com três equações simultâ- neas calculadas pelo método de mínimos quadrados em dois estágios para concluir que a corrupção pode estar positivamente correlacionada com o crescimento da economia (mais corrupção implica mais crescimento), o que fere o senso comum. Outra complicação metodológica que afeta a confiabilidade destes modelos é a necessidade de isolar a corrupção de outras variáveis. Pode-se argumentar sem dificuldade que a corrupção é sintoma da fragilidade das instituições que asseguram o império da lei e que é essa debilidade, não a corrupção, que explica o entrave ao crescimento econômico.

Os economistas respondem com modelos mais sofisticados, sem, no entanto, dissipar a controvérsia. A conclusão, aqui, é dupla. A primeira é que medir o custo da corrupção é tema polêmico e seus resultados são inconclusivos. A segunda é que isso não tem importância. A corrupção é um mal e seu combate é um objetivo meritório em si mesmo; não é preciso descobrir nenhuma funcionalidade para justificá-lo. Aqui cabe a distinção clássica de Kant entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O combate à corrupção é um dever moral fundamental e incondicional, que prescinde de justificativa econômica.

Não é um meio para atingir um objetivo; é um objetivo em si mesmo. Ajuste. Acreditar na funcionalidade econômica do combate à corrupção traz, ainda, um potencial efeito deletério. Pode estimular a crença de que o ajuste fiscal que se procrastina seria indolor. Não será. O equacionamento do crescente déficit público exige necessariamente a escolha de perdedores. O equilíbrio das contas do governo exigirá uma engenhosa combinação entre redução de gastos públicos (logo, por definição, de receitas privadas) e aumento de impostos (de novo, aqui, onerando o setor privado).

Não há mágica. A questão - política, por definição - é escolher quem pagará a conta. Grupos beneficiados se articulam para vender a ideia de que o problema fiscal pode até ser importante, mas "não é comigo". Melhor apontar outros candidatos a pagarem a conta do ajuste ou sonhar com a solução idílica de que basta combater a corrupção, os privilégios e o desperdício. Convém não misturar as coisas. Combater a corrupção é urgente, necessário e essencial. Mas o ajuste das contas públicas só virá quando formos capazes de engendrar um novo pacto fiscal, o que, na ausência de uma liderança política incontroversa, parece ainda distante.

*ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP

Exercício de cidadania - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 01/08

O país começa a viver o clima das eleições municipais com a realização das convenções partidárias dos últimos dias. Por várias razões, os pleitos de outubro prometem emoções novas.

De um lado, mudaram as regras de financiamento de campanha, juntamente com o tempo mais reduzido para sua realização. Por outro, esse será o primeiro grande teste das urnas após a grave crise política e econômica que alcançou o Brasil nos últimos dois anos. Tudo converge para uma eleição diferente de qualquer outra.

Nunca foi tão importante tratar das cidades. Cerca de 85% dos brasileiros vivem nelas. Há muitos problemas comuns a todas elas, como habitação, saneamento, coleta de lixo, segurança, saúde pública e, especialmente nas capitais, a questão da mobilidade e do transporte coletivo (o estopim das manifestações de 2013).

São esses desafios do cotidiano que ganham relevância nos debates municipais. O cidadão eleitor quer ver o seu voto transformado em serviços públicos de maior qualidade.

O momento não poderia ser pior para a municipalidade. Com a bancarrota econômica promovida pelo petismo, as prefeituras faliram, milhares de pequenos e médios negócios, no comércio e indústria, fecharam suas portas e pararam de pagar impostos.

Estudo recente da Firjan aponta que apenas 42 dos 5.568 municípios do Brasil arrecadam o suficiente para pagar o funcionalismo. O país quebrou e levou para as cordas também as contas públicas municipais.

Frente a esse cenário complexo, as cidades precisam ser repensadas de forma inovadora, a partir de gestões transparentes, responsáveis e comprometidas com resultados.

Sem o financiamento empresarial para as campanhas e, portanto, sem recursos para um marketing mais oneroso, os candidatos terão de se aproximar mais dos eleitores.

É importante ter um histórico de credibilidade nas relações com a comunidade, de forma a entender as prioridades de cada região, de cada grupo social. E propostas claras, apresentadas sem o artifício de grandes tecnologias midiáticas. Sai na frente quem tem conteúdo, de fato.

Tudo isso é fundamental para dialogar com uma população não só castigada pela crise econômica e social mas também descrente da política.

Restaurar a confiança na representação partidária implica reconhecer a importância do pacto democrático que a sociedade brasileira vem construindo, com tanto esforço.

Isso só será alcançado com a emergência de um discurso político renovado, capaz de compreender as transformações ocorridas no país e de assimilar as expectativas de uma opinião pública atenta e crítica.

É hora de recomeçar pela base e mostrar que é possível fazer diferente.


Pior do que parece - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 01/08

Examinada pelos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a situação financeira da maioria dos Estados é muito ruim



Examinada pelos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a situação financeira da maioria dos Estados é muito ruim. No ano passado, 17 deles, além do Distrito Federal, registraram gastos com pessoal superiores aos limites de prudência estabelecidos pela legislação. Mas, na prática, em muitos Estados a situação pode ser ainda pior do que aparenta, pois, por meio de interpretação criativa, despesas que devem ser lançadas como gastos com pessoal são contabilizadas em outras rubricas. O resultado é que, se já parecia escasso, o volume de recursos de que os governos estaduais podem dispor para aplicar na melhoria, modernização e expansão dos serviços públicos é menor do que se imaginava.

Benefícios conhecidos dos servidores públicos, como auxílio-paletó (este utilizado sobretudo por parlamentares), auxílio-combustível, auxílio-moradia, precatórios relativos a alimentação, além de pensões e aposentadorias estão entre os gastos não contabilizados como despesas com pessoal. Também estão fora da lista os pagamentos a terceirizados e a prestadores de serviços contratados por meio de organização social.

Para especialistas em finanças públicas, não é simples caracterizar essas práticas como ilegais. Algumas foram aprovadas por Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) e outras, reconhecidas pela Justiça como legítimas. Assim, as demonstrações contábeis e financeiras que os governos estaduais precisam enviar regularmente para o Tesouro Nacional, para comprovar o cumprimento dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, excluem diversas despesas dos gastos com pessoal.

“O que temos nos Estados é a pior das contabilidades criativas”, disse ao Estado o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Isso porque práticas que distorcem as demonstrações são referendadas pelos TCEs ou pela justiça – em alguns, o próprio Tesouro Nacional as autoriza.

A LRF estabelece que os gastos com a folha de pessoal não podem ultrapassar determinada porcentagem da receita corrente líquida. O limite é de 50% para o governo federal e de 60% para Estados e municípios. Como medida para evitar que esses limites sejam alcançados, a lei criou dois outros limites inferiores, considerados prudenciais, que, se superados, exigem a adoção de medidas de correção. O primeiro desses limites corresponde a 90% do teto; o segundo, a 95%.

A lei também estabelece limites para cada um dos Poderes. No caso do Poder Executivo federal, o teto para gastos com pessoal é de 40,9% da receita corrente líquida; para os Executivos estaduais, de 49%; e para as prefeituras, de 54%. Desse modo, para o Poder Executivo estadual, o primeiro limite de gastos com pessoal (de 90% do teto) é de 44,1% da receita líquida e o segundo (95% do teto), de 46,55%.

Considerados os gastos dos Três Poderes, já no ano passado seis Estados – Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Goiás e Rio de Janeiro – romperam o limite de 60% de despesas com o funcionalismo, de acordo com relatório elaborado há algum tempo pelo Ministério da Fazenda. O estudo mostra que, nos últimos anos, os gastos com pessoal nos Estados sempre cresceram mais do que a arrecadação tributária.

A soma dos gastos normalmente contabilizados com a folha com aqueles que continuam ocultos nas demonstrações financeiras certamente mostraria uma situação muito mais dramática do que aquela que aparece nos relatórios convencionais. A secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa – que busca apresentar ao público demonstrações financeiras mais confiáveis –, estima que os gastos com o pessoal podem superar 80% da receita líquida. Sobra muito pouco para outras atividades.

Excessos de contratações e de generosidade na concessão de aumentos e benefícios armaram uma bomba-relógio nas contas dos Estados. Mas, por causa das falhas de registro dessas despesas, não há certeza sobre o potencial destrutivo do artefato.

Juntos para sempre - RICARDO NOBLAT

O Globo - 01/08

“Todo político pilhado na corrupção diz que é perseguido político”.
Modesto Carvalhosa, jurista


O que restará da imagem de Lula esculpida com esmero ao longo dos últimos 30 anos por artesãos voluntários, no início, e depois por artistas pagos a preço de ouro e dotados do talento de transformar o feio em bonito? Sobreviverá aos graves danos que lhe reserva o desfecho próximo da Lava-Jato? Ou tombará como em Moscou tombou uma estátua de Lenin às primícias da dissolução da União Soviética?


O LENIN DE Moscou cedeu à fúria de manifestantes, assim como a gigantesca estátua do ditador iraquiano Sadam Hussein que enfeava uma praça no centro de Bagdá. Há pouco mais de quatro meses, na Ucrânia, um Lenin de 20 metros de altura que resistira, ali, à demolição de mais de mil réplicas suas, foi finalmente removido durante celebração transmitida ao vivo pelo YouTube.

QUANTO A Lula... O político que mais se destacou na história recente do país parece ter perdido em definitivo a chance de um dia ser imortalizado em bronze ou em pedra como foi padre Cícero, cuja estátua de 27 metros de altura atrai levas de romeiros a Juazeiro do Norte, Ceará. Embora cultuado no Nordeste, Lula já não controla o seu próprio destino. A Justiça é quem controla. 

NA SEMANA passada, pela primeira vez, Lula virou réu em um processo no qual é acusado de ter tentado obstruir a Justiça ao conspirar com o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS) para impedir a delação de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Na denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, ele é apresentado como a peça principal de uma organização criminosa.

ALVO ATÉ agora de seis investigações, Lula deverá em breve ser denunciado por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. A Lava-Jato reuniu indícios e provas de que ele é dono do apartamento da praia do Guarujá e do sítio de Atibaia, em São Paulo, reformados de graça pelas empreiteiras OAS e Odebrecht — ambas envolvidas na roubalheira da Petrobras. Há mais coisas por vir.

BASTA QUE Lula seja condenado por um juiz de primeira instância como Sérgio Moro, por exemplo, e em seguida por um tribunal de segundo instância, para que se torne um ficha-suja. Como tal, ficará impedido de disputar qualquer eleição à espera do julgamento em última instância. Seria o trágico fim da carreira política do primeiro operário a chegar por aqui à Presidência da República.

QUEDA vertiginosa, essa que Lula vive. Há dois anos, líderes de quase todos os partidos e donos de grandes fortunas o pressionavam para que se lançasse candidato no lugar de Dilma. Seria a volta triunfal do pai dos pobres e da mãe dos ricos. Sabia-se de sobra por que os pobres queriam o seu retorno. Somente agora, sabe-se por que tantos ricos também queriam.

FALTOU coragem a Lula para peitar Dilma. Sobrou atrevimento a Dilma para confrontar seu criador e arrastá-lo escada abaixo. Lula culpa Dilma por sua desgraça. Dilma culpa Lula por ter lhe deixado uma herança de corrupção. Cada um fala mal do outro pelas costas. Querem se ver logo pelas costas. E, no futuro, nem pelas costas querem mais se ver. Até nunca!

NÃO IMPORTA. São inseparáveis. Foram cúmplices em tudo o que fizeram para o bem e para o mal. O carismático ex-líder operário pode ser preso a qualquer momento, a não ser que fuja para o exterior. A executiva portadora de falso conhecimento econômico está às vésperas de ser deposta. À espera dela, processos e mais processos. E — quem sabe? — cadeia.