O GLOBO - 01/02
Integrantes do núcleo político do governo Dilma temem o efeito eleitoral da inevitável inflação de produtos e serviços estimulada pela vinda de torcedores estrangeiros na Copa. Os aumentos de preços já ocorrem nas cidades-sede, sobretudo no Rio. Não é à toa que o ministro Gastão Vieira (Turismo) e o presidente da Embratur, Flávio Dino, fazem constantes críticas aos abusos do comércio.
Quem sabe faz a hora
O ministro Gilberto Carvalho anunciou ontem que o governo fará campanha publicitária para falar dos benefícios da Copa no Brasil. E que essa providência estaria atrasada. Mas ela não saiu ainda por orientação de João Santana, responsável pelo marketing do governo. Com base em pesquisas, que mostravam forte rejeição à Copa, Santana sustentou que não havia chegado a hora de realizá-la. Por isso, tal campanha, já sugerida pelo ministro Aldo Rebelo (Esportes), não saiu. O chefe do marketing do ex-presidente FH, Nizan Guanaes, quando esteve com Dilma, propôs o mesmo e é dele a frase "A Copa das Copas", adotada como mantra pela presidente.
"Ou a presidente Dilma vai no palanque de todos ou não vai no de nenhum. Já fiz, mas não posso mais fazer declaração de amor sem reciprocidade"
Carlos Lupi Presidente do PDT, sobre as eleições para os governos estaduais
A costura
O PSDB e o DEM chegaram a entendimento pelo lançamento de Paulo Souto (PSDB) ao governo da Bahia. Agora, os dois partidos trabalham para convencer Geddel Vieira Lima (PMDB) a concorrer ao Senado, porque querem evitar duas candidaturas de oposição. Usam como argumento o fato de ser tradição na Bahia o governador eleger o senador.
Agora é oficial
O candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, acertou ontem com Paulo Vasconcelos, da Vitória CI, que ele será o coordenador de marketing de sua campanha. Ele comandou as três eleições do PSDB para o governo mineiro.
Perdidos no espaço
Um integrante da Executiva Nacional do PT anda falando por aí que o objetivo do partido é ampliar sua bancada no Senado em outubro. E que a meta é pular de 12 para 24 senadores. Mas, até o momento, só seis candidatos são competitivos.
De volta?
O general Gonçalves Dias, chefe da segurança pessoal do ex-presidente Lula, pode voltar ao Planalto. Ele foi afastado pela presidente Dilma em 2012, mas ela ficou assustada com protestos quando chegava à Arena das Dunas, em Natal. Carros da comitiva foram apedrejados. Dilma tem reclamado da proximidade dos manifestantes.
Acredite se quiser
Em conversa, um membro do staff da candidatura Eduardo Campos afirma: "A nossa grande preocupação é com a desidratação do Aécio". E depois pergunta: "Você acha que o Lula vai apoiar quem: esta Dilma ou o galeguinho (Eduardo)?". Cai o pano.
Jogo pesado
A Abert está preocupada com agressões a repórteres, fotógrafos e cinegrafistas em protestos na Copa. Em 2012, houve 52 casos. Ano passado, 136. A Associação quer a garantia dos governos de que os profissionais serão respeitados.
O JORNALISTA EDUARDO OINEGUE vai comandar o marketing da campanha do candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha.
sábado, fevereiro 01, 2014
Imagina na eleição - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 01/02
A arrecadação de R$ 1 milhão em menos de dez dias por Delúbio Soares para pagar a multa imposta pela Justiça no processo do mensalão chamou a atenção dos partidos. O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), usa o caso como argumento para dinamitar a proposta em discussão no STF que permite apenas doações de pessoas físicas em campanhas. "Só o PT vai ter dinheiro. Se da cadeia ele arruma isso, imagine o PT na Esplanada", dispara o aliado.
Vantagem
Além disso, pondera o deputado, só o PT tem militantes em número suficiente para arrecadar grandes quantias. "Por isso o PT apoia o financiamento público, para dominar as futuras eleições sozinho."
Pendente
No ano passado, o STF começou a analisar a ação proposta pela OAB que propõe a proibição de doações de empresas a campanhas, mas suspendeu o julgamento após pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
Topa?
Após a bem-sucedida campanha para arrecadar fundos para José Genoino, um grupo do PT paulista convidou o advogado do ex-deputado, Luiz Fernando Pacheco, para ser candidato a deputado federal.
Melhor não
O criminalista, no entanto, recusou o convite e esclareceu que não é filiado a nenhum partido. "Sou um advogado que, circunstancialmente, defende um grande petista."
Jogral 1
A coordenação da campanha de Dilma Rousseff se reuniu em Brasília anteontem para discutir a participação dela e de Lula nos programas estaduais do PT que vão ao ar em fevereiro.
Jogral 2
A ideia é que a dupla faça falas específicas de acordo com os cenários das disputas estaduais.
Logística
Além disso, a campanha terá um escritório em Brasília e outro em São Paulo, onde Lula deverá passar a maior parte do tempo.
Nossa vez Dilma deve conversar com Michel Temer na segunda-feira sobre a reforma ministerial. O vice-presidente tem recebido queixas de peemedebistas pela demora da presidente em definir o espaço da legenda na nova configuração da Esplanada.
Coadjuvante 1
Rui Falcão planeja um giro pela região Norte na próxima semana para acertar o apoio do PT a candidatos a governador de outros partidos. O roteiro inclui o Amapá, onde a sigla articula uma aliança com Camilo Capiberibe (PSB).
Coadjuvante 2
Falcão também deve passar pelo Pará. A direção nacional quer apoiar Helder Barbalho (PMDB), filho de Jader Barbalho, ao governo do Estado.
Alô Aécio Neves (PSDB) ligou para parabenizar Eduardo Campos (PSB), seu provável adversário na disputa presidencial, pelo nascimento do filho Miguel. O tucano deve visitar o pernambucano nos próximos dias.
Vai...
Aliados de Campos dizem que ele não vai se envolver diretamente na campanha do neoaliado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) à reeleição para o Senado.
... que é sua
O pessebista não gostaria de ter seu nome associado a uma candidatura que será carimbada como inimiga de Lula. "Eduardo fará como o Faustão: dirá a Jarbas que se vire nos 30", diz um observador da cena política pernambucana.
Sem feudos
Prestes a concretizar a reforma de seu secretariado, Geraldo Alckmin (PSDB) sinalizou a auxiliares que não vai deixar o governo nas mãos de secretários-adjuntos cujas indicações sejam meramente políticas. Ele pede nomes técnicos.
tiroteio
"As previsões econômicas de Alexandre Tombini para a economia transformam o país de gigante em anão adormecido."
DO DEPUTADO VAZ DE LIMA (PSDB-SP), sobre as previsões do presidente do Banco Central, diante das perspectivas de crescimento do PIB de 2% em 2014.
contraponto
Voto vencedor
Em 1978, enquanto cursava direito na Uerj, o hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso editava o jornal da universidade, chamado "Andaime", que se opunha ao regime militar. Em entrevista ao tabloide, o jurista Sobral Pinto declarou ser contra a mulher trabalhar e disse que a ala progressista da Igreja queria "batizar o marxismo".
A redação se dividiu, e muitos estudantes defendiam que a entrevista não fosse publicada. Barroso opinou:
--Discordo das posições do doutor Sobral, mas, se somos contra a censura, não podemos ser censores.
Sua opinião prevaleceu, e a polêmica entrevista saiu.
A arrecadação de R$ 1 milhão em menos de dez dias por Delúbio Soares para pagar a multa imposta pela Justiça no processo do mensalão chamou a atenção dos partidos. O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), usa o caso como argumento para dinamitar a proposta em discussão no STF que permite apenas doações de pessoas físicas em campanhas. "Só o PT vai ter dinheiro. Se da cadeia ele arruma isso, imagine o PT na Esplanada", dispara o aliado.
Vantagem
Além disso, pondera o deputado, só o PT tem militantes em número suficiente para arrecadar grandes quantias. "Por isso o PT apoia o financiamento público, para dominar as futuras eleições sozinho."
Pendente
No ano passado, o STF começou a analisar a ação proposta pela OAB que propõe a proibição de doações de empresas a campanhas, mas suspendeu o julgamento após pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
Topa?
Após a bem-sucedida campanha para arrecadar fundos para José Genoino, um grupo do PT paulista convidou o advogado do ex-deputado, Luiz Fernando Pacheco, para ser candidato a deputado federal.
Melhor não
O criminalista, no entanto, recusou o convite e esclareceu que não é filiado a nenhum partido. "Sou um advogado que, circunstancialmente, defende um grande petista."
Jogral 1
A coordenação da campanha de Dilma Rousseff se reuniu em Brasília anteontem para discutir a participação dela e de Lula nos programas estaduais do PT que vão ao ar em fevereiro.
Jogral 2
A ideia é que a dupla faça falas específicas de acordo com os cenários das disputas estaduais.
Logística
Além disso, a campanha terá um escritório em Brasília e outro em São Paulo, onde Lula deverá passar a maior parte do tempo.
Nossa vez Dilma deve conversar com Michel Temer na segunda-feira sobre a reforma ministerial. O vice-presidente tem recebido queixas de peemedebistas pela demora da presidente em definir o espaço da legenda na nova configuração da Esplanada.
Coadjuvante 1
Rui Falcão planeja um giro pela região Norte na próxima semana para acertar o apoio do PT a candidatos a governador de outros partidos. O roteiro inclui o Amapá, onde a sigla articula uma aliança com Camilo Capiberibe (PSB).
Coadjuvante 2
Falcão também deve passar pelo Pará. A direção nacional quer apoiar Helder Barbalho (PMDB), filho de Jader Barbalho, ao governo do Estado.
Alô Aécio Neves (PSDB) ligou para parabenizar Eduardo Campos (PSB), seu provável adversário na disputa presidencial, pelo nascimento do filho Miguel. O tucano deve visitar o pernambucano nos próximos dias.
Vai...
Aliados de Campos dizem que ele não vai se envolver diretamente na campanha do neoaliado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) à reeleição para o Senado.
... que é sua
O pessebista não gostaria de ter seu nome associado a uma candidatura que será carimbada como inimiga de Lula. "Eduardo fará como o Faustão: dirá a Jarbas que se vire nos 30", diz um observador da cena política pernambucana.
Sem feudos
Prestes a concretizar a reforma de seu secretariado, Geraldo Alckmin (PSDB) sinalizou a auxiliares que não vai deixar o governo nas mãos de secretários-adjuntos cujas indicações sejam meramente políticas. Ele pede nomes técnicos.
tiroteio
"As previsões econômicas de Alexandre Tombini para a economia transformam o país de gigante em anão adormecido."
DO DEPUTADO VAZ DE LIMA (PSDB-SP), sobre as previsões do presidente do Banco Central, diante das perspectivas de crescimento do PIB de 2% em 2014.
contraponto
Voto vencedor
Em 1978, enquanto cursava direito na Uerj, o hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso editava o jornal da universidade, chamado "Andaime", que se opunha ao regime militar. Em entrevista ao tabloide, o jurista Sobral Pinto declarou ser contra a mulher trabalhar e disse que a ala progressista da Igreja queria "batizar o marxismo".
A redação se dividiu, e muitos estudantes defendiam que a entrevista não fosse publicada. Barroso opinou:
--Discordo das posições do doutor Sobral, mas, se somos contra a censura, não podemos ser censores.
Sua opinião prevaleceu, e a polêmica entrevista saiu.
Vem para mesa, vem! - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 01/02
PSB e Rede lançarão, na terça-feira, em Brasília, as diretrizes do programa de governo que Eduardo Campos apresentará durante a disputa para o Palácio do Planalto, em outubro. Apesar de todas as divergências ideológicas e políticas, esse é o menor dos problemas. A crise se instalará, de fato, depois de terça-feira.
A partir daí, os socialistas farão uma imersão partidária para definir o que querem em cada estado: onde pretendem ter candidatura própria, onde farão coligações e com quem dividirão os palanques. Uma análise exclusiva do PSB.
Fechado esse diagnóstico, virá a etapa mais complicada. Os pessebistas mostrarão para Marina Silva e os sonháticos o que pensam sobre a disputa eleitoral deste ano. Deve haver muito barulho e ranger de dentes.
Quem vai comigo
Pré-candidata do PT ao governo do Paraná, a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann — pelo menos até segunda-feira, quando passa o cargo para Aloizio Mercadante —, vai levar para ajudá-la na campanha a assessora especial da pasta, Daiane Hirt, e o chefe de gabinete, Leones Dallgnol.
Já era assim antes, viu?
Aliados de Gleisi reclamam das informações de que, a partir de agora, com a chegada de Aloizio Mercadante, a Casa Civil ganhará contornos mais políticos. “Em 2013, ela (Gleisi) ajudou a Ideli (Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais) nas reuniões com os aliados. E também cansou de se encontrar com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e o líder do PMDB na Casa, Eduardo Cunha (RJ)”, diz um aliado.
Ao que parece…
Apesar de algumas pressões externas, que se avolumam com a demora da presidente Dilma Rousseff em definir novos nomes da reforma ministerial, é praticamente certo que o atual presidente do Incra, Carlos Guedes, substituirá Pepe Vargas (PT-RS) no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Popular
O Checkplaca, lançado pela Secretaria Nacional da Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp-MJ), foi o aplicativo para celular e computador mais baixado na loja da Apple no Brasil na última quinta-feira e o 14º com maior número de downloads no mundo. A ferramenta permite que o cidadão verifique se um veículo foi furtado ou roubado.
Simples assim
Basta digitar a placa para o aplicativo informar o modelo, as características e a situação do carro na base de dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Sinesp).
Ainda não é…/ Em 2 de janeiro, essa coluna informou que PSB e Rede poderiam negociar, em conjunto, a candidatura do vereador e empresário Ricardo Young (PPS) ao governo de São Paulo. Pois bem, ele confirmou que concorrerá ao Palácio dos Bandeirantes, em um jantar na noite de quinta-feira.
…o que pretendemos/ Mas, por enquanto, o jogo só está amarrado com os aliados de Marina (foto). O PSB paulista ainda não absorveu a ideia. Tanto que, na semana que passou, um dos pré-coordenadores da campanha do presidenciável Eduardo Campos, o ex-ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra Coelho, desembarcou na terra da garoa para tentar aplacar os ânimos dos correligionários do cacique do PSB, ainda dispostos a uma aliança com Geraldo Alckmin (PSDB).
Sambando/ Pouco depois da confirmação da saída de Helena Chagas da Secretaria de Comunicação do governo, o novo ministro, Thomas Traumann, que toma posse na segunda-feira, postou em uma rede social: “Na vitrola mental, Wilson das Neves cantando ‘se me chamar, ô sorte!’”.
Se a economia vai mal, mude-se a comunicação - ROLF KUNTZ
O Estado de S.Paulo - 01/02
O governo gastou demais, desperdiçou bilhões com incentivos errados, ajeitou as contas com receitas extraordinárias e chega a fevereiro sem meta fiscal e com perspectiva de mais um ano de baixo crescimento, inflação alta e resultado pífio no setor externo. Mas a presidente mostra-se muito menos preocupada com a qualidade e os resultados da administração federal do que com a imagem de sua política e, é claro, com os arranjos eleitorais. Todos os ministros substituídos, exceto um, saem do governo para cuidar de suas candidaturas. A exceção é a ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação (Secom). Seu sucessor será o atual porta-voz do Executivo, Thomas Traumann, escolhido, segundo se informa em Brasília, para enfrentar com mais vigor as notícias negativas e cuidar melhor dos interesses partidários. Esta mudança é a mais, com perdão da palavra, emblemática. A ideia, tudo indica, é transformar a Secom num Ministério da Imagem. Os principais condutores da fracassada política econômica permanecerão nos postos.
É cedo para dizer como funcionará no dia a dia o novo Ministério da Imagem, como serão distribuídas as verbas publicitárias, como serão orientados os blogueiros chapa-branca e como se apresentará o próprio ministro, mas um ponto é certo: nenhum esforço de comunicação será suficiente para neutralizar os efeitos reais de uma política econômica abaixo de medíocre. Não há como imputar à ministra Helena Chagas a inflação de 5,91%, o déficit em conta corrente de US$ 81,4 bilhões, a estagnação da indústria, o investimento ainda inferior a 20% do produto interno bruto (PIB) e a baixa disposição dos empresários, indicada em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de investir neste ano.
Para muitos desses empresários, a ministra Helena Chagas e seu sucessor devem ser figuras desconhecidas ou vagamente lembradas. Mas com certeza todos são capazes de citar o nome do ministro da Fazenda, dos presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do Banco Central (BC) e de outras personagens associadas, para o bem ou para o mal, às condições, em geral ruins, da economia brasileira. Os muito atentos talvez até se lembrem do assim chamado ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Mas quem vinculará os percalços econômicos do País à Secom?
Há, de fato, problemas de imagem e de credibilidade, associados, por exemplo, à famosa contabilidade criativa, à promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais, ao desastrado controle de preços e de tarifas e ao uso - discutibilíssimo, embora legal - das exportações fictícias de plataformas de petróleo para reforçar o saldo comercial. Sem esse expediente o resultado do comércio de 2013 teria sido um déficit de US$ 5,18 bilhões, em vez de um superávit de US$ 2,56 bilhões. A perda de credibilidade expõe o Brasil ao risco de rebaixamento de sua nota de crédito. Essa é uma das preocupações evidentes da presidente Dilma Rousseff e foi uma das motivações de sua viagem a Davos, depois de três anos esnobando o Fórum Econômico Mundial.
Mas nenhuma estratégia de informação ou propaganda apagará os números publicados pelo governo ou descobertos por analistas ou repórteres atentos. O último relatório do BC sobre as contas fiscais, divulgado na sexta-feira, confirma a redução do superávit primário do setor público de 2,39% do PIB em 2012 para 1,9% em 2013, a menor proporção da série iniciada em 2001. O déficit nominal (incluída, portanto, a conta de juros) aumentou de 2,48% para 3,28% do PIB.
As contas do Tesouro divulgadas no dia anterior são igualmente ruins. O resultado primário de R$ 77,07 bilhões só foi obtido com grande volume de receitas extraordinárias, ou atípicas, como R$ 22,07 bilhões correspondentes a bônus de concessões. A soma de todos os extras chega a 79% do superávit primário, isto é, do dinheiro destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Não houve, de fato, economia para a geração desse resultado. A despesa do governo central foi 13,6% maior que a do ano anterior, enquanto a receita líquida, isto é, descontadas as transferências a Estados e municípios, cresceu 12,5%.
Funcionários do Ministério da Fazenda têm consultado especialistas do mercado financeiro sobre a meta fiscal desejável e crível para este ano. Um superávit primário equivalente a 2% do PIB deve parecer adequado, segundo avaliações divulgadas nos últimos dias. Mas ainda é incerto se a presidente Dilma Rousseff estará disposta a assumir um compromisso dessa proporção.
Ao tomar a decisão, a presidente levará em conta, quase certamente, as agências de classificação de risco, os interesses eleitorais e os perigos associados às novas condições do mercado financeiro, resultantes da redução gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos. A política de comunicação poderá influenciar uma parte do eleitorado. Mas dificilmente afetará as avaliações dos especialistas e do público mais informado. Além do mais, as informações - espera-se - continuarão disponíveis.
Parte dessas informações é de origem oficial. O BC continua prevendo inflação bem acima da meta pelo menos até o próximo ano. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornecerá, se nada mudar, informações mensais sobre produção industrial, emprego, renda e consumo, e a cada trimestre deverá atualizar os dados do PIB. Especialistas do setor privado serão consultados semanalmente pelo BC sobre suas previsões. Por enquanto, são ruins: crescimento econômico próximo de 2%, inflação perto de 6% e contas externas fracas. O governo da presidente Cristina Kirchner tem sido mais direto. Além de pressionar a imprensa e proibir a divulgação de cálculos privados de inflação, interferiu nas estatísticas oficiais. Deve haver em Brasília defensores desse modelo. Terão sucesso?
O governo gastou demais, desperdiçou bilhões com incentivos errados, ajeitou as contas com receitas extraordinárias e chega a fevereiro sem meta fiscal e com perspectiva de mais um ano de baixo crescimento, inflação alta e resultado pífio no setor externo. Mas a presidente mostra-se muito menos preocupada com a qualidade e os resultados da administração federal do que com a imagem de sua política e, é claro, com os arranjos eleitorais. Todos os ministros substituídos, exceto um, saem do governo para cuidar de suas candidaturas. A exceção é a ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação (Secom). Seu sucessor será o atual porta-voz do Executivo, Thomas Traumann, escolhido, segundo se informa em Brasília, para enfrentar com mais vigor as notícias negativas e cuidar melhor dos interesses partidários. Esta mudança é a mais, com perdão da palavra, emblemática. A ideia, tudo indica, é transformar a Secom num Ministério da Imagem. Os principais condutores da fracassada política econômica permanecerão nos postos.
É cedo para dizer como funcionará no dia a dia o novo Ministério da Imagem, como serão distribuídas as verbas publicitárias, como serão orientados os blogueiros chapa-branca e como se apresentará o próprio ministro, mas um ponto é certo: nenhum esforço de comunicação será suficiente para neutralizar os efeitos reais de uma política econômica abaixo de medíocre. Não há como imputar à ministra Helena Chagas a inflação de 5,91%, o déficit em conta corrente de US$ 81,4 bilhões, a estagnação da indústria, o investimento ainda inferior a 20% do produto interno bruto (PIB) e a baixa disposição dos empresários, indicada em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de investir neste ano.
Para muitos desses empresários, a ministra Helena Chagas e seu sucessor devem ser figuras desconhecidas ou vagamente lembradas. Mas com certeza todos são capazes de citar o nome do ministro da Fazenda, dos presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do Banco Central (BC) e de outras personagens associadas, para o bem ou para o mal, às condições, em geral ruins, da economia brasileira. Os muito atentos talvez até se lembrem do assim chamado ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Mas quem vinculará os percalços econômicos do País à Secom?
Há, de fato, problemas de imagem e de credibilidade, associados, por exemplo, à famosa contabilidade criativa, à promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais, ao desastrado controle de preços e de tarifas e ao uso - discutibilíssimo, embora legal - das exportações fictícias de plataformas de petróleo para reforçar o saldo comercial. Sem esse expediente o resultado do comércio de 2013 teria sido um déficit de US$ 5,18 bilhões, em vez de um superávit de US$ 2,56 bilhões. A perda de credibilidade expõe o Brasil ao risco de rebaixamento de sua nota de crédito. Essa é uma das preocupações evidentes da presidente Dilma Rousseff e foi uma das motivações de sua viagem a Davos, depois de três anos esnobando o Fórum Econômico Mundial.
Mas nenhuma estratégia de informação ou propaganda apagará os números publicados pelo governo ou descobertos por analistas ou repórteres atentos. O último relatório do BC sobre as contas fiscais, divulgado na sexta-feira, confirma a redução do superávit primário do setor público de 2,39% do PIB em 2012 para 1,9% em 2013, a menor proporção da série iniciada em 2001. O déficit nominal (incluída, portanto, a conta de juros) aumentou de 2,48% para 3,28% do PIB.
As contas do Tesouro divulgadas no dia anterior são igualmente ruins. O resultado primário de R$ 77,07 bilhões só foi obtido com grande volume de receitas extraordinárias, ou atípicas, como R$ 22,07 bilhões correspondentes a bônus de concessões. A soma de todos os extras chega a 79% do superávit primário, isto é, do dinheiro destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Não houve, de fato, economia para a geração desse resultado. A despesa do governo central foi 13,6% maior que a do ano anterior, enquanto a receita líquida, isto é, descontadas as transferências a Estados e municípios, cresceu 12,5%.
Funcionários do Ministério da Fazenda têm consultado especialistas do mercado financeiro sobre a meta fiscal desejável e crível para este ano. Um superávit primário equivalente a 2% do PIB deve parecer adequado, segundo avaliações divulgadas nos últimos dias. Mas ainda é incerto se a presidente Dilma Rousseff estará disposta a assumir um compromisso dessa proporção.
Ao tomar a decisão, a presidente levará em conta, quase certamente, as agências de classificação de risco, os interesses eleitorais e os perigos associados às novas condições do mercado financeiro, resultantes da redução gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos. A política de comunicação poderá influenciar uma parte do eleitorado. Mas dificilmente afetará as avaliações dos especialistas e do público mais informado. Além do mais, as informações - espera-se - continuarão disponíveis.
Parte dessas informações é de origem oficial. O BC continua prevendo inflação bem acima da meta pelo menos até o próximo ano. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornecerá, se nada mudar, informações mensais sobre produção industrial, emprego, renda e consumo, e a cada trimestre deverá atualizar os dados do PIB. Especialistas do setor privado serão consultados semanalmente pelo BC sobre suas previsões. Por enquanto, são ruins: crescimento econômico próximo de 2%, inflação perto de 6% e contas externas fracas. O governo da presidente Cristina Kirchner tem sido mais direto. Além de pressionar a imprensa e proibir a divulgação de cálculos privados de inflação, interferiu nas estatísticas oficiais. Deve haver em Brasília defensores desse modelo. Terão sucesso?
Apenas 20 anos - KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP - 01/02
O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, mas na condição social do brasileiro
Neste começo de 2014, uma pequena pausa nas vertigens do cotidiano me fez lembrar que está fazendo agora 20 anos que comecei minha vida sindical, lá em Gurupi, no interior do Tocantins. Foi impossível não me entregar às recordações e conectá-las com a vida presente, a minha vida, a agricultura e o Brasil.
Quanta vida se passou entre um tempo e outro! Como as coisas mudaram e quantos sonhos se tornaram realidade.
Em 1994, no começo atribulado da minha vida, decidi que, mais do que ser uma boa e bem-sucedida produtora rural, devia também doar uma boa parte de mim ao serviço da comunidade rural brasileira. Não alimentava nenhuma ambição política nem sonhava em sair dos humildes limites do meu sindicato rural e da minha cidade.
Por uma circunstância do destino, há 20 anos eu comecei uma nova vida que segue até os dias atuais. Também o Brasil, nesse mesmo período, tornou-se um novo país, numa trajetória que prossegue até hoje, porque deixou de lado os preconceitos históricos e a compreensão equivocada dos processos econômicos.
Na minha leitura desses 20 anos, pude perceber com mais clareza os efeitos da revolução agrícola brasileira sobre as novas configurações de nossa sociedade. Fala-se sempre, e eu também, dos avanços da produção e da produtividade do setor rural, da expansão de nossas exportações do agronegócio, da nossa participação no PIB e no emprego. Mas agricultura no Brasil foi principalmente progresso social.
O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, por maior que tenha sido. Foi na condição social dos brasileiros.
Nenhum país desenvolvido chegou a essa situação antes que a agricultura nacional fosse capaz de alimentar a sua população a pre- ços baixos. E os numerosos países ainda pobres são aqueles em que a produção rural é insuficiente ou improdutiva.
O Brasil é um dos únicos casos em que um país ainda relativamente não desenvolvido foi capaz de erguer uma agropecuária altamente desenvolvida, abundante e barata, capaz de alimentar toda a população e gerar grandes excedentes.
Entre 1950 e 1979, os preços dos alimentos no Brasil cresceram sempre em torno de 10% acima das demais mercadorias. É fácil imaginar o efeito devastador de preços tão elevados na vida das famílias de baixa renda, em cujo orçamento a alimentação consome a maior parte. Isso significava uma enorme limitação ao mercado interno. Quando não resultava, por efeito da insuficiência alimentar, em mais mortalidade infantil, doenças crônicas e morte precoce da população adulta.
Após a nossa revolução agrícola, as coisas se inverteram completamente. Entre o final dos anos 1970 e 2005, o custo no varejo de uma ampla cesta de alimentos, na cidade de São Paulo, caiu, em média, mais de 5% ao ano. Uma queda dessa dimensão, e por tanto tempo, só foi possível graças ao impressionante aumento da produtividade agrícola. A redução no custo da alimentação permitiu que todos as classes sociais se alimentassem adequadamente e essa é uma das causas da melhoria da saúde da população.
O outro efeito foi liberar o poder de compra das classes de baixa renda para outros bens e serviços, proporcionando bem-estar e criando mercado doméstico para os demais setores da economia.
Tudo isso somado, torna-se imperativo reconhecer que a revolução agrícola brasileira está na linha de frente dos fatores que diminuíram a desigualdade entre nós e promoveram a ascensão de grandes contingentes de brasileiros à classe média.
Olhando hoje para trás, cresce em mim a certeza de que o Brasil tem os meios e a força para crescer e fazer justiça a todos os seus cidadãos. E cresce também a certeza de que a nossa luta pela defesa da agricultura e dos agricultores brasileiros é uma boa luta. Uma luta que tem tudo para dar sentido a uma vida.
O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, mas na condição social do brasileiro
Neste começo de 2014, uma pequena pausa nas vertigens do cotidiano me fez lembrar que está fazendo agora 20 anos que comecei minha vida sindical, lá em Gurupi, no interior do Tocantins. Foi impossível não me entregar às recordações e conectá-las com a vida presente, a minha vida, a agricultura e o Brasil.
Quanta vida se passou entre um tempo e outro! Como as coisas mudaram e quantos sonhos se tornaram realidade.
Em 1994, no começo atribulado da minha vida, decidi que, mais do que ser uma boa e bem-sucedida produtora rural, devia também doar uma boa parte de mim ao serviço da comunidade rural brasileira. Não alimentava nenhuma ambição política nem sonhava em sair dos humildes limites do meu sindicato rural e da minha cidade.
Por uma circunstância do destino, há 20 anos eu comecei uma nova vida que segue até os dias atuais. Também o Brasil, nesse mesmo período, tornou-se um novo país, numa trajetória que prossegue até hoje, porque deixou de lado os preconceitos históricos e a compreensão equivocada dos processos econômicos.
Na minha leitura desses 20 anos, pude perceber com mais clareza os efeitos da revolução agrícola brasileira sobre as novas configurações de nossa sociedade. Fala-se sempre, e eu também, dos avanços da produção e da produtividade do setor rural, da expansão de nossas exportações do agronegócio, da nossa participação no PIB e no emprego. Mas agricultura no Brasil foi principalmente progresso social.
O bem maior que a revolução agrícola brasileira realizou não foi na economia, por maior que tenha sido. Foi na condição social dos brasileiros.
Nenhum país desenvolvido chegou a essa situação antes que a agricultura nacional fosse capaz de alimentar a sua população a pre- ços baixos. E os numerosos países ainda pobres são aqueles em que a produção rural é insuficiente ou improdutiva.
O Brasil é um dos únicos casos em que um país ainda relativamente não desenvolvido foi capaz de erguer uma agropecuária altamente desenvolvida, abundante e barata, capaz de alimentar toda a população e gerar grandes excedentes.
Entre 1950 e 1979, os preços dos alimentos no Brasil cresceram sempre em torno de 10% acima das demais mercadorias. É fácil imaginar o efeito devastador de preços tão elevados na vida das famílias de baixa renda, em cujo orçamento a alimentação consome a maior parte. Isso significava uma enorme limitação ao mercado interno. Quando não resultava, por efeito da insuficiência alimentar, em mais mortalidade infantil, doenças crônicas e morte precoce da população adulta.
Após a nossa revolução agrícola, as coisas se inverteram completamente. Entre o final dos anos 1970 e 2005, o custo no varejo de uma ampla cesta de alimentos, na cidade de São Paulo, caiu, em média, mais de 5% ao ano. Uma queda dessa dimensão, e por tanto tempo, só foi possível graças ao impressionante aumento da produtividade agrícola. A redução no custo da alimentação permitiu que todos as classes sociais se alimentassem adequadamente e essa é uma das causas da melhoria da saúde da população.
O outro efeito foi liberar o poder de compra das classes de baixa renda para outros bens e serviços, proporcionando bem-estar e criando mercado doméstico para os demais setores da economia.
Tudo isso somado, torna-se imperativo reconhecer que a revolução agrícola brasileira está na linha de frente dos fatores que diminuíram a desigualdade entre nós e promoveram a ascensão de grandes contingentes de brasileiros à classe média.
Olhando hoje para trás, cresce em mim a certeza de que o Brasil tem os meios e a força para crescer e fazer justiça a todos os seus cidadãos. E cresce também a certeza de que a nossa luta pela defesa da agricultura e dos agricultores brasileiros é uma boa luta. Uma luta que tem tudo para dar sentido a uma vida.
O principal - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 01/02
Na estratégia do biquíni, que mostra tudo, mas esconde o principal, o governo vai seguir dizendo que apresentou excelentes resultados na administração das contas públicas de 2013: um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,9% do PIB, lição de casa que poucos países vêm entregando. Essa avaliação oficial não deixa de ter sua parcela de verdade.
O governo entregou um superávit primário de apenas 1,9% do PIB. A promessa feita no início do ano foi de cumprir 3,1% do PIB. Depois, revisou a meta para baixo, a 2,3% do PIB, mas o final de jogo foi mais baixo.
Outro modo de ver as coisas é o de que esses resultados estão baixando ano a ano, com a agravante de que, no ano passado, contou com arrecadações excepcionais, que não se repetirão. Como está no gráfico ao lado, quando se incluem as despesas com juros o resultado não é mais o primário; é o nominal e não há saldo positivo; há rombo, de 3,3% do PIB. E esse rombo tende a crescer não só porque os juros da dívida aumentaram em relação aos que eram praticados nos anos anteriores, mas, também, porque seguirão aumentando.
O governo diz que faz tudo o que pode. A questão mais importante é que o sacrifício desse novilho aos deuses pode não ser suficiente para evitar a fúria dos elementos. O momento é delicado nas duas frentes: interna e externa. A política econômica não passa confiança, o crescimento econômico medíocre compromete a arrecadação, as despesas públicas seguem crescendo mais que as receitas, a inflação está alta demais e o País dá sinais de desarranjo também nas contas externas, que são liquidadas em dólares.
Enquanto a economia mundial desfrutou de abundância nunca vista de moeda e de disponibilidade de crédito, as grandes distorções da economia brasileira passaram despercebidas. Mas o jogo está virando, os tempos prometem escassez de recursos e a dose dos ajustes empregados pela política econômica do governo brasileiro mostra-se insuficiente para enfrentar as turbulências anunciadas nas telas de radar. O discurso oficial recorrente, de que a economia brasileira é altamente resistente a tormentas assim, não bate com a insistência com que o governo culpa a crise externa pelas mazelas que nos afligem.
Desde abril do ano passado, o Banco Central passou a restringir a oferta interna de moeda (alta dos juros) para combater a inflação. Mas falta mais disciplina nas contas públicas para melhorar a qualidade do ajuste da economia.
Na semana passada, a presidente Dilma deu a entender que reforçará os cortes orçamentários para melhorar as contas públicas e, assim, não deixar todo o serviço a cargo do Banco Central. É um passo que contraria os interesses imediatos dos políticos que em anos normais adoram gastar, mas que, em anos de eleições, querem gastar compulsivamente. A presidente Dilma deve estar agora avaliando qual a resposta de maior custo político: a da leniência com as contas públicas ou a austeridade fiscal.
Não basta prometer um superávit primário mais alto; é preciso acompanhar a promissória com garantias reais que afastem o risco de não cumprimento.
Na estratégia do biquíni, que mostra tudo, mas esconde o principal, o governo vai seguir dizendo que apresentou excelentes resultados na administração das contas públicas de 2013: um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,9% do PIB, lição de casa que poucos países vêm entregando. Essa avaliação oficial não deixa de ter sua parcela de verdade.
O governo entregou um superávit primário de apenas 1,9% do PIB. A promessa feita no início do ano foi de cumprir 3,1% do PIB. Depois, revisou a meta para baixo, a 2,3% do PIB, mas o final de jogo foi mais baixo.
Outro modo de ver as coisas é o de que esses resultados estão baixando ano a ano, com a agravante de que, no ano passado, contou com arrecadações excepcionais, que não se repetirão. Como está no gráfico ao lado, quando se incluem as despesas com juros o resultado não é mais o primário; é o nominal e não há saldo positivo; há rombo, de 3,3% do PIB. E esse rombo tende a crescer não só porque os juros da dívida aumentaram em relação aos que eram praticados nos anos anteriores, mas, também, porque seguirão aumentando.
O governo diz que faz tudo o que pode. A questão mais importante é que o sacrifício desse novilho aos deuses pode não ser suficiente para evitar a fúria dos elementos. O momento é delicado nas duas frentes: interna e externa. A política econômica não passa confiança, o crescimento econômico medíocre compromete a arrecadação, as despesas públicas seguem crescendo mais que as receitas, a inflação está alta demais e o País dá sinais de desarranjo também nas contas externas, que são liquidadas em dólares.
Enquanto a economia mundial desfrutou de abundância nunca vista de moeda e de disponibilidade de crédito, as grandes distorções da economia brasileira passaram despercebidas. Mas o jogo está virando, os tempos prometem escassez de recursos e a dose dos ajustes empregados pela política econômica do governo brasileiro mostra-se insuficiente para enfrentar as turbulências anunciadas nas telas de radar. O discurso oficial recorrente, de que a economia brasileira é altamente resistente a tormentas assim, não bate com a insistência com que o governo culpa a crise externa pelas mazelas que nos afligem.
Desde abril do ano passado, o Banco Central passou a restringir a oferta interna de moeda (alta dos juros) para combater a inflação. Mas falta mais disciplina nas contas públicas para melhorar a qualidade do ajuste da economia.
Na semana passada, a presidente Dilma deu a entender que reforçará os cortes orçamentários para melhorar as contas públicas e, assim, não deixar todo o serviço a cargo do Banco Central. É um passo que contraria os interesses imediatos dos políticos que em anos normais adoram gastar, mas que, em anos de eleições, querem gastar compulsivamente. A presidente Dilma deve estar agora avaliando qual a resposta de maior custo político: a da leniência com as contas públicas ou a austeridade fiscal.
Não basta prometer um superávit primário mais alto; é preciso acompanhar a promissória com garantias reais que afastem o risco de não cumprimento.
A hora é de cautela - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 01/02
Há uma transição na política monetária americana, saíram US$ 12 bilhões dos países emergentes em janeiro, o pior número desde 2011. Nós estamos sendo colocados na lista dos vulneráveis. Nesses momentos, as autoridades devem ter em mente o cenário pior e torcer pelo melhor. E a equipe econômica está acreditando no melhor e desprezando os sinais de risco.
As avaliações otimistas das autoridades da área econômica ocupam largos espaços nos jornais. Espera-se que isso seja parte apenas do jogo de convencimento dos formadores de opinião; mas que eles estejam, na verdade, avaliando o que fazer se a turbulência for mais grave do que eles disseram que ela será.
Um transatlântico está fazendo uma manobra forte e isso provoca ondas. Temos vantagens e fragilidades diante da volatilidade das moedas e bolsas. O foco do governo tem que ser nas fragilidades; e o objetivo é como diminuí-las. Em vez disso, o governo está exagerando as vantagens, menosprezando os pontos fracos e repetindo o quanto somos diferentes de outros países que estão também sendo chacoalhados como Turquia, Índia, África do Sul.
Somos todos diferentes, mas o fato é que estamos sendo colocados no grupo dos países mais frágeis. Dois ou três dias de valorização da moeda não mudam o fato de que temos estado entre os mais voláteis. E não é sem motivo.
O Brasil teve um déficit em transações correntes de 3,6% do PIB em 2013. Não é o maior da história em percentual do PIB, mas em números absolutos, sim: US$ 81 bilhões. Isso é quase 50% maior do que o do ano anterior. O país teve um superávit comercial mínimo, o menor em uma década, e isso com a ajuda de exportações gráficas, que na verdade não ocorreram, de plataformas de petróleo.
As contas públicas fecharam com o menor superávit recente e não se cumpriu a meta, apesar de ela ter sido diminuída e ter contado com a ajuda de receitas extraordinárias, como Refis, concessões e o leilão do super campo de petróleo Libra. O Brasil está com bons dados no mercado de trabalho, mesmo assim há mistérios, como o gasto de R$ 44 bilhões de seguro-desemprego e abono salarial; a despesa tem sido crescente. Os gastos públicos cresceram 13,6% e as receitas 12,5%. Mas as autoridades falam que estão sendo austeras e contracionistas. A dívida pública bruta caiu um pouco, de 59% para 58,5% do PIB, mas estava em 53% em dezembro de 2010.
O Brasil está na lista dos países com inflação alta, sem contar os casos extravagantes da Argentina e Venezuela, que têm taxas que não fazem sentido no mundo de hoje. Índia, 9,9%; Indonésia, 8,4%; Turquia, 7,4%; Brasil, 5,9%; África do Sul, 5,4%; e México, 4%. No Brasil, o resultado só não foi maior porque o governo represou tarifas públicas. Isso teve custos. O Tesouro teve que abrir mão de R$ 11 bilhões de receitas da Cide para não subir a gasolina; outros R$ 11 bi em desonerações do IPI e outros impostos; teve que gastar US$ 10 bilhões para garantir a redução do preço da energia. O ano de 2014 começou com problemas na energia: choveu pouco em janeiro e os preços no mercado livre dispararam, o que pode elevar a conta do Tesouro.
A turbulência não é do tamanho da crise de 2008, longe disso. Nossas reservas são abundantes. Temos superávit primário, coisa que vários países não têm. Mas o mais eficiente é olhar os pontos fracos e se fortalecer, para enfrentar o sacolejar das ondas nesse momento. É ano eleitoral. É preferível que a economia não produza ruídos para que o eleitor faça sua escolha num debate sobre políticas públicas. Em ambiente assim, menosprezar o risco é um risco a mais.
Há uma transição na política monetária americana, saíram US$ 12 bilhões dos países emergentes em janeiro, o pior número desde 2011. Nós estamos sendo colocados na lista dos vulneráveis. Nesses momentos, as autoridades devem ter em mente o cenário pior e torcer pelo melhor. E a equipe econômica está acreditando no melhor e desprezando os sinais de risco.
As avaliações otimistas das autoridades da área econômica ocupam largos espaços nos jornais. Espera-se que isso seja parte apenas do jogo de convencimento dos formadores de opinião; mas que eles estejam, na verdade, avaliando o que fazer se a turbulência for mais grave do que eles disseram que ela será.
Um transatlântico está fazendo uma manobra forte e isso provoca ondas. Temos vantagens e fragilidades diante da volatilidade das moedas e bolsas. O foco do governo tem que ser nas fragilidades; e o objetivo é como diminuí-las. Em vez disso, o governo está exagerando as vantagens, menosprezando os pontos fracos e repetindo o quanto somos diferentes de outros países que estão também sendo chacoalhados como Turquia, Índia, África do Sul.
Somos todos diferentes, mas o fato é que estamos sendo colocados no grupo dos países mais frágeis. Dois ou três dias de valorização da moeda não mudam o fato de que temos estado entre os mais voláteis. E não é sem motivo.
O Brasil teve um déficit em transações correntes de 3,6% do PIB em 2013. Não é o maior da história em percentual do PIB, mas em números absolutos, sim: US$ 81 bilhões. Isso é quase 50% maior do que o do ano anterior. O país teve um superávit comercial mínimo, o menor em uma década, e isso com a ajuda de exportações gráficas, que na verdade não ocorreram, de plataformas de petróleo.
As contas públicas fecharam com o menor superávit recente e não se cumpriu a meta, apesar de ela ter sido diminuída e ter contado com a ajuda de receitas extraordinárias, como Refis, concessões e o leilão do super campo de petróleo Libra. O Brasil está com bons dados no mercado de trabalho, mesmo assim há mistérios, como o gasto de R$ 44 bilhões de seguro-desemprego e abono salarial; a despesa tem sido crescente. Os gastos públicos cresceram 13,6% e as receitas 12,5%. Mas as autoridades falam que estão sendo austeras e contracionistas. A dívida pública bruta caiu um pouco, de 59% para 58,5% do PIB, mas estava em 53% em dezembro de 2010.
O Brasil está na lista dos países com inflação alta, sem contar os casos extravagantes da Argentina e Venezuela, que têm taxas que não fazem sentido no mundo de hoje. Índia, 9,9%; Indonésia, 8,4%; Turquia, 7,4%; Brasil, 5,9%; África do Sul, 5,4%; e México, 4%. No Brasil, o resultado só não foi maior porque o governo represou tarifas públicas. Isso teve custos. O Tesouro teve que abrir mão de R$ 11 bilhões de receitas da Cide para não subir a gasolina; outros R$ 11 bi em desonerações do IPI e outros impostos; teve que gastar US$ 10 bilhões para garantir a redução do preço da energia. O ano de 2014 começou com problemas na energia: choveu pouco em janeiro e os preços no mercado livre dispararam, o que pode elevar a conta do Tesouro.
A turbulência não é do tamanho da crise de 2008, longe disso. Nossas reservas são abundantes. Temos superávit primário, coisa que vários países não têm. Mas o mais eficiente é olhar os pontos fracos e se fortalecer, para enfrentar o sacolejar das ondas nesse momento. É ano eleitoral. É preferível que a economia não produza ruídos para que o eleitor faça sua escolha num debate sobre políticas públicas. Em ambiente assim, menosprezar o risco é um risco a mais.
Os profetas do caos cambial - NATHAN BLANCHE
O Estado de S.Paulo - 01/02
O governo, em vez de fazer uma autocrítica e aceitar o esgotamento da nova matriz econômica, atribui a culpa do fracasso aos outros. Em 2011 e 2012 foram os países ricos com a guerra cambial; em 2013, a guerra psicológica dos analistas, empresas de rating e agentes econômicos. E em 2014, quem será a Geni? Provavelmente o Fed, que está alterando sua política monetária, além de analistas e empresas de rating novamente.
A responsabilidade pelo mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos deve ser atribuída ao modelo de política econômica adotado, que gera desequilíbrios que resultam em maior incerteza quanto à evolução da economia, menor dinamismo dos investimentos e, consequentemente, crescimento mais baixo do PIB. O PIB em dólares deste ano já deve ser 4% abaixo do registrado em 2013.
Diante disso, enquanto o mais sensato seria a retomada da política econômica baseada em metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, aponta-se que a solução seria a depreciação do câmbio.
Ao final de 2013, alguns renomados economistas voltaram a apontar a desvalorização da taxa de câmbio como a saída para o fim de todas as mazelas da indústria e da economia nacional. Em resumo, propõem uma desvalorização de cerca de 30%. Cogita-se, ainda, criar um novo regime cambial, fazendo o câmbio flutuar em torno de uma denominada taxa de equilíbrio industrial.
Tais propostas surpreendem, pois se sabe que a taxa de câmbio de equilíbrio no médio prazo depende unicamente dos termos de troca baseados na produtividade e na eficiência das economias. As taxas de juros e câmbio são resultado, ou seja, não se deve manipulá-las por decreto.
Ao longo das últimas décadas, todas as intervenções e buscas de soluções fáceis para superar nossas necessidades de financiamento nas contas externas conduziram a crises cambiais.
Algumas simulações mostram que uma desvalorização cambial de 30% elevaria o IPCA do ano (projetado em 6%) para 6,75%, sem, porém, contabilizar impactos em alguns preços administrados, como combustíveis. Com tal depreciação cambial, a defasagem dos preços externo e interno da gasolina passaria de 26% para 63%. No caso do diesel, subiria de 16% para 43,5%. Se a Petrobrás corrigisse integralmente a defasagem do preço da gasolina, os preços na bomba subiriam 44% e o impacto no IPCA seria de 1,7 ponto porcentual, o que elevaria a inflação a 8,45%.
Qual seria a reação do Banco Central (BC) nesse novo cenário? Certamente a taxa de juros seria elevada e isso teria impactos negativos em atividade, mercado de trabalho e massa de rendimentos, levando a um desempenho econômico pior ainda.
Com os sinais de mudança na política monetária americana e a pressão na taxa de câmbio, especialmente a partir de maio de 2013, o BC precisou vender, até dezembro, US$ 85 bilhões de swaps cambiais em termos líquidos, além de utilizar US$ 17 bilhões das reservas em linhas de financiamentos, para evitar uma depreciação ainda maior (que foi de 14% em 2013). Neste ano, até o dia 31 de janeiro, o BC já colocou mais US$ 15 bilhões em swap, cerca de US$ 4 bilhões acima do montante a vencer no início de fevereiro, totalizando uma exposição próxima a 28% das reservas internacionais.
O número de contratos em aberto evidencia a busca de proteção para os passivos cambiais, dado o temor de uma depreciação mais acentuada do câmbio, sobretudo quando se leva em conta a necessidade de financiamento externo crescente (que deve ser de US$ 150 bilhões neste ano, ante US$ 137 bilhões em 2013).
A falta de transparência e confiança nos dados, especialmente fiscais, deve continuar a resultar em perda de credibilidade pelos investidores, que devem penalizar o País, principalmente num contexto de liquidez mais restrita. Desta vez, a taxa de câmbio não deveria ser usada para salvar o País. A saída seria a adoção do tripé macroeconômico abandonado, no entanto, por uma nova equipe econômica. O desgaste e a baixa credibilidade da atual equipe econômica exigiriam a implementação dessa agenda por novos atores.
O governo, em vez de fazer uma autocrítica e aceitar o esgotamento da nova matriz econômica, atribui a culpa do fracasso aos outros. Em 2011 e 2012 foram os países ricos com a guerra cambial; em 2013, a guerra psicológica dos analistas, empresas de rating e agentes econômicos. E em 2014, quem será a Geni? Provavelmente o Fed, que está alterando sua política monetária, além de analistas e empresas de rating novamente.
A responsabilidade pelo mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos deve ser atribuída ao modelo de política econômica adotado, que gera desequilíbrios que resultam em maior incerteza quanto à evolução da economia, menor dinamismo dos investimentos e, consequentemente, crescimento mais baixo do PIB. O PIB em dólares deste ano já deve ser 4% abaixo do registrado em 2013.
Diante disso, enquanto o mais sensato seria a retomada da política econômica baseada em metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, aponta-se que a solução seria a depreciação do câmbio.
Ao final de 2013, alguns renomados economistas voltaram a apontar a desvalorização da taxa de câmbio como a saída para o fim de todas as mazelas da indústria e da economia nacional. Em resumo, propõem uma desvalorização de cerca de 30%. Cogita-se, ainda, criar um novo regime cambial, fazendo o câmbio flutuar em torno de uma denominada taxa de equilíbrio industrial.
Tais propostas surpreendem, pois se sabe que a taxa de câmbio de equilíbrio no médio prazo depende unicamente dos termos de troca baseados na produtividade e na eficiência das economias. As taxas de juros e câmbio são resultado, ou seja, não se deve manipulá-las por decreto.
Ao longo das últimas décadas, todas as intervenções e buscas de soluções fáceis para superar nossas necessidades de financiamento nas contas externas conduziram a crises cambiais.
Algumas simulações mostram que uma desvalorização cambial de 30% elevaria o IPCA do ano (projetado em 6%) para 6,75%, sem, porém, contabilizar impactos em alguns preços administrados, como combustíveis. Com tal depreciação cambial, a defasagem dos preços externo e interno da gasolina passaria de 26% para 63%. No caso do diesel, subiria de 16% para 43,5%. Se a Petrobrás corrigisse integralmente a defasagem do preço da gasolina, os preços na bomba subiriam 44% e o impacto no IPCA seria de 1,7 ponto porcentual, o que elevaria a inflação a 8,45%.
Qual seria a reação do Banco Central (BC) nesse novo cenário? Certamente a taxa de juros seria elevada e isso teria impactos negativos em atividade, mercado de trabalho e massa de rendimentos, levando a um desempenho econômico pior ainda.
Com os sinais de mudança na política monetária americana e a pressão na taxa de câmbio, especialmente a partir de maio de 2013, o BC precisou vender, até dezembro, US$ 85 bilhões de swaps cambiais em termos líquidos, além de utilizar US$ 17 bilhões das reservas em linhas de financiamentos, para evitar uma depreciação ainda maior (que foi de 14% em 2013). Neste ano, até o dia 31 de janeiro, o BC já colocou mais US$ 15 bilhões em swap, cerca de US$ 4 bilhões acima do montante a vencer no início de fevereiro, totalizando uma exposição próxima a 28% das reservas internacionais.
O número de contratos em aberto evidencia a busca de proteção para os passivos cambiais, dado o temor de uma depreciação mais acentuada do câmbio, sobretudo quando se leva em conta a necessidade de financiamento externo crescente (que deve ser de US$ 150 bilhões neste ano, ante US$ 137 bilhões em 2013).
A falta de transparência e confiança nos dados, especialmente fiscais, deve continuar a resultar em perda de credibilidade pelos investidores, que devem penalizar o País, principalmente num contexto de liquidez mais restrita. Desta vez, a taxa de câmbio não deveria ser usada para salvar o País. A saída seria a adoção do tripé macroeconômico abandonado, no entanto, por uma nova equipe econômica. O desgaste e a baixa credibilidade da atual equipe econômica exigiriam a implementação dessa agenda por novos atores.
O trem das onze -JOSÉ HORTA MANZANO
CORREIO BRAZILIENSE - 01/02
Desde que Nostradamus escreveu suas centúrias, faz meio milênio, profecias passaram de moda. Técnicas previsionais vêm evoluindo, mas ainda não são infalíveis. A curto prazo, é até fácil prever. A médio prazo, a margem de incerteza se amplia e a coisa se complica. A longo prazo, é missão quase impossível. Mais fácil tirar a sorte grande do que predizer a situação do planeta daqui a 10 anos.
Em outubro de 2006, com a oportuna desistência da Argentina, do Chile e da Colômbia, a candidatura brasileira a sediar a Copa do Mundo de 2014 foi sacramentada pela Fifa. Faz mais de 7 anos. Pareceu a todos - por que negá-lo? - uma excelente perspectiva. O tempo era de vacas gordas, obesas até. Tudo era sorrisos. Nosso povo, embevecido, acreditava que o futuro tinha chegado, que estávamos no Primeiro Mundo, que a pobreza tinha desaparecido. Semicerrando os olhos, dava até para ouvir o silvo de trens-bala cortando montes e cerrados.
A euforia era tamanha que nossos descuidados dirigentes sapecaram seu jamegão numa Lei Geral da Copa, demandada pela Fifa, em que abandonávamos parte de nossa soberania. Afinal, o privilégio de sediar o evento justificava um que outro arranhão em nossa legislação. Nossos mandachuvas já antegozavam a consagração suprema de seu peculiar modo de governar.
No entanto... A vida reserva surpresas. Nenhum guru foi capaz de prever que, um ano antes da Copa, num certo junho, o gigante adormecido estremeceria e daria sinal de vida. Não vale a pena repisar aqui o susto que o Brasil e o mundo levaram. Aconteceu.
De lá para cá, um incômodo concurso de circunstâncias arrefeceu a euforia. Economia em perdição, corrupção às escâncaras, desmandos, volta da inflação trouxeram desalento. Black blocs, rolezinhos, acidentes em estádios, atraso nas construções, gente graúda na cadeia, nós logísticos encruados atiçaram o fogaréu. Parece que as coisas teimam em não dar certo. E essas redes sociais, então! Desprezando soberbamente o empenho do governo em manter discrição sobre fatos desagradáveis, botam a boca no trombone. Todo o mundo fica sabendo de tudo! Um desplante e uma dor de cabeça.
Uma semana atrás, o gigante mostrou que continua a se mexer na cama. Manifestações violentas voltaram. Nossa presidente, em viagem ao exterior na companhia de comitiva pletórica, teve de escafeder-se para evitar cobranças embaraçantes.
Os ventos estão soprando desnorteados. Promessas já não parecem mais surtir efeito. Um clima pré-anárquico se insinua. E pensar que, daqui a pouco mais de quatro meses, um pontapé marcará o início da "Copa das Copas". Que fazer? Como fugir ao vexame que se prenuncia - em transmissão direta a bilhões de telespectadores? Mais que isso: terminada a Copa, como assegurar o apaziguamento dos ânimos?
À primeira vista, parece que não tem mais jeito. Mas sejamos otimistas. O que passou, passou - não dá para voltar atrás. Ainda resta uma esperança de evitar o pior. No apuro, é respirar fundo, arregaçar as mangas, fazer das tripas coração e dar ao povo o que ele reclama. Um Brasil esgarçado por anos de desleixo não se transfigurará em quatro meses. Mas resta um último recurso para acalmar o gigante.
Todos sabem o que transtorna os brasileiros: corrupção, compadrio, malfeitos, promiscuidade entre o público e o privado, permissividade, fiscalidade extorsiva, desleixo no trato da coisa pública, nível de instrução cronicamente baixo. Discursos e palavrório não servem mais. Convocação de plebiscito, tampouco. Mas os mesmos congressistas que foram capazes de costurar, tim-tim por tim-tim, os mais de 100 artigos da Lei Geral da Copa ainda têm tempo hábil para alinhavar uma Lei Geral do Brasil Decente - um elenco de normas apto a repor o país nos trilhos. E dentro do "padrão Fifa", faz favor!
As próximas semanas são cruciais e não podem, sob nenhum pretexto, ser descuradas. Uma legislação nova e rígida tem de ser preparada, discutida, votada, aprovada e sancionada no mais curto prazo possível. Que respeitem a Constituição, mas que não nos venham com promessas. De pactos não cumpridos, estamos até aqui. E que trabalhem a toque de caixa, que faltam cinco para a meia-noite.
O momento é grave. Esta é a chance derradeira, senhoras e senhores do andar de cima! É o trem das onze - e já está apitando a partida. Se bobear, só amanhã de manhã. Se houver amanhã.
Em outubro de 2006, com a oportuna desistência da Argentina, do Chile e da Colômbia, a candidatura brasileira a sediar a Copa do Mundo de 2014 foi sacramentada pela Fifa. Faz mais de 7 anos. Pareceu a todos - por que negá-lo? - uma excelente perspectiva. O tempo era de vacas gordas, obesas até. Tudo era sorrisos. Nosso povo, embevecido, acreditava que o futuro tinha chegado, que estávamos no Primeiro Mundo, que a pobreza tinha desaparecido. Semicerrando os olhos, dava até para ouvir o silvo de trens-bala cortando montes e cerrados.
A euforia era tamanha que nossos descuidados dirigentes sapecaram seu jamegão numa Lei Geral da Copa, demandada pela Fifa, em que abandonávamos parte de nossa soberania. Afinal, o privilégio de sediar o evento justificava um que outro arranhão em nossa legislação. Nossos mandachuvas já antegozavam a consagração suprema de seu peculiar modo de governar.
No entanto... A vida reserva surpresas. Nenhum guru foi capaz de prever que, um ano antes da Copa, num certo junho, o gigante adormecido estremeceria e daria sinal de vida. Não vale a pena repisar aqui o susto que o Brasil e o mundo levaram. Aconteceu.
De lá para cá, um incômodo concurso de circunstâncias arrefeceu a euforia. Economia em perdição, corrupção às escâncaras, desmandos, volta da inflação trouxeram desalento. Black blocs, rolezinhos, acidentes em estádios, atraso nas construções, gente graúda na cadeia, nós logísticos encruados atiçaram o fogaréu. Parece que as coisas teimam em não dar certo. E essas redes sociais, então! Desprezando soberbamente o empenho do governo em manter discrição sobre fatos desagradáveis, botam a boca no trombone. Todo o mundo fica sabendo de tudo! Um desplante e uma dor de cabeça.
Uma semana atrás, o gigante mostrou que continua a se mexer na cama. Manifestações violentas voltaram. Nossa presidente, em viagem ao exterior na companhia de comitiva pletórica, teve de escafeder-se para evitar cobranças embaraçantes.
Os ventos estão soprando desnorteados. Promessas já não parecem mais surtir efeito. Um clima pré-anárquico se insinua. E pensar que, daqui a pouco mais de quatro meses, um pontapé marcará o início da "Copa das Copas". Que fazer? Como fugir ao vexame que se prenuncia - em transmissão direta a bilhões de telespectadores? Mais que isso: terminada a Copa, como assegurar o apaziguamento dos ânimos?
À primeira vista, parece que não tem mais jeito. Mas sejamos otimistas. O que passou, passou - não dá para voltar atrás. Ainda resta uma esperança de evitar o pior. No apuro, é respirar fundo, arregaçar as mangas, fazer das tripas coração e dar ao povo o que ele reclama. Um Brasil esgarçado por anos de desleixo não se transfigurará em quatro meses. Mas resta um último recurso para acalmar o gigante.
Todos sabem o que transtorna os brasileiros: corrupção, compadrio, malfeitos, promiscuidade entre o público e o privado, permissividade, fiscalidade extorsiva, desleixo no trato da coisa pública, nível de instrução cronicamente baixo. Discursos e palavrório não servem mais. Convocação de plebiscito, tampouco. Mas os mesmos congressistas que foram capazes de costurar, tim-tim por tim-tim, os mais de 100 artigos da Lei Geral da Copa ainda têm tempo hábil para alinhavar uma Lei Geral do Brasil Decente - um elenco de normas apto a repor o país nos trilhos. E dentro do "padrão Fifa", faz favor!
As próximas semanas são cruciais e não podem, sob nenhum pretexto, ser descuradas. Uma legislação nova e rígida tem de ser preparada, discutida, votada, aprovada e sancionada no mais curto prazo possível. Que respeitem a Constituição, mas que não nos venham com promessas. De pactos não cumpridos, estamos até aqui. E que trabalhem a toque de caixa, que faltam cinco para a meia-noite.
O momento é grave. Esta é a chance derradeira, senhoras e senhores do andar de cima! É o trem das onze - e já está apitando a partida. Se bobear, só amanhã de manhã. Se houver amanhã.
O Graal de Tarso Genro - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 01/02
Democracia é o regime no qual governantes não podem tudo --e aí está o problema do Brasil, na opinião dele
O Santo Graal dos comunistas foi a URSS e seu sistema de "repúblicas populares". As insurreições na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980) secaram o poço do encantamento. A queda do Muro de Berlim e a implosão da URSS quebraram o cálice sagrado. No último quarto de século, desorientados, os filhos do "socialismo real" empreendem a busca por um novo Graal. Como tantos outros, Tarso Genro encontrou-o na China (em "Uma perspectiva de esquerda para o Quinto Lugar", artigo escrito numa língua estranha, longinquamente aparentada com o português). As suas elucubrações teóricas não têm interesse intelectual, mas merecem um exame político.
O governador do Rio Grande do Sul enxerga na experiência recente da China uma inspiração para a marcha do Brasil rumo ao estatuto de potência mundial. O que a China tem de especial? Um "sujeito político (Partido-Estado)" que "cria o mercado e suas relações", num processo em que "estas relações novas recriam o sujeito (Partido-Estado), que será permanentemente outro". É isso, explica-nos, que falta ao Brasil: um ente de poder capaz de reinventar a sociedade e guiar o povo até o futuro.
Décadas atrás, um tanto tristonhos, incontáveis socialistas deploravam o poder totalitário do Partido Comunista da URSS, mas o justificavam como um mal necessário pois, no fim das contas, aquele era o motor político da economia socialista. Genro, pelo contrário, não apela ao socialismo (uma "fantasia histórica") para justificar o poder absoluto do Partido-Estado: basta-lhe um horizonte "chinês" de crescimento econômico e progresso social. E a democracia? A China triunfa graças a um "regime político não democrático para os nossos olhos", ensina o líder petista, reproduzindo os argumentos oficiais do Partido Comunista Chinês, que justifica a tirania pela invocação ritual da cultura e da tradição.
A democracia é o regime no qual os governantes não podem tudo --e aí está o problema do Brasil, na opinião de Genro. Na sua descrição, o "mercado" malvado sabota a redução dos juros, a abominável "grande imprensa" bloqueia o aumento do IPTU e os demoníacos "cronistas no neoliberalismo abrigados na grande mídia" manipulam a opinião pública. A expressão política de opiniões conflitantes e interesses divergentes que nos acostumamos a chamar de democracia representa, aos olhos de Genro, uma intolerável balbúrdia. É preciso, para libertar a "utopia concreta presa com âncoras pesadas no fundo real da sociedade capitalista", instaurar uma ordem nova na qual o sujeito da História (o "Partido-Estado") possa conduzir a nação até o futuro redentor.
O "levantar âncoras", propõe Genro, encontra-se na convocação de "uma nova Assembleia Nacional Constituinte no bojo de um amplo movimento político inspirado pelas jornadas de junho", mas "com partidos à frente". Esqueça, por um momento, que as "jornadas de junho" não seriam as "jornadas de junho" se tivessem "partidos à frente". Nosso pequeno, mas esperançoso, pretendente a Duce sonha com uma "marcha sobre Brasília" liderada pelo partido que exerce o poder.
"Penso que as esquerdas no país devem abordar programaticamente estas novas exigências para o futuro, já neste processo eleitoral". Genro sabe perfeitamente que sua "utopia concreta" terá impacto nulo sobre a campanha de Dilma, que continuará focada em firmar alianças com o PMDB, o PP e o PSD, renovar os compromissos com as altas finanças e reforçar a parceria com os "movimentos sociais" estatizados. O vinho de seu cálice sagrado destina-se, exclusivamente, ao consumo interno do PT e de sua área de influência militante: é um antídoto ideológico contra as imprecações lançadas por correntes esquerdistas inquietas com o "giro à direita" do lulismo. Mas serve, ainda, para iluminar o lado escuro da alma do partido que nos governa.
Democracia é o regime no qual governantes não podem tudo --e aí está o problema do Brasil, na opinião dele
O Santo Graal dos comunistas foi a URSS e seu sistema de "repúblicas populares". As insurreições na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980) secaram o poço do encantamento. A queda do Muro de Berlim e a implosão da URSS quebraram o cálice sagrado. No último quarto de século, desorientados, os filhos do "socialismo real" empreendem a busca por um novo Graal. Como tantos outros, Tarso Genro encontrou-o na China (em "Uma perspectiva de esquerda para o Quinto Lugar", artigo escrito numa língua estranha, longinquamente aparentada com o português). As suas elucubrações teóricas não têm interesse intelectual, mas merecem um exame político.
O governador do Rio Grande do Sul enxerga na experiência recente da China uma inspiração para a marcha do Brasil rumo ao estatuto de potência mundial. O que a China tem de especial? Um "sujeito político (Partido-Estado)" que "cria o mercado e suas relações", num processo em que "estas relações novas recriam o sujeito (Partido-Estado), que será permanentemente outro". É isso, explica-nos, que falta ao Brasil: um ente de poder capaz de reinventar a sociedade e guiar o povo até o futuro.
Décadas atrás, um tanto tristonhos, incontáveis socialistas deploravam o poder totalitário do Partido Comunista da URSS, mas o justificavam como um mal necessário pois, no fim das contas, aquele era o motor político da economia socialista. Genro, pelo contrário, não apela ao socialismo (uma "fantasia histórica") para justificar o poder absoluto do Partido-Estado: basta-lhe um horizonte "chinês" de crescimento econômico e progresso social. E a democracia? A China triunfa graças a um "regime político não democrático para os nossos olhos", ensina o líder petista, reproduzindo os argumentos oficiais do Partido Comunista Chinês, que justifica a tirania pela invocação ritual da cultura e da tradição.
A democracia é o regime no qual os governantes não podem tudo --e aí está o problema do Brasil, na opinião de Genro. Na sua descrição, o "mercado" malvado sabota a redução dos juros, a abominável "grande imprensa" bloqueia o aumento do IPTU e os demoníacos "cronistas no neoliberalismo abrigados na grande mídia" manipulam a opinião pública. A expressão política de opiniões conflitantes e interesses divergentes que nos acostumamos a chamar de democracia representa, aos olhos de Genro, uma intolerável balbúrdia. É preciso, para libertar a "utopia concreta presa com âncoras pesadas no fundo real da sociedade capitalista", instaurar uma ordem nova na qual o sujeito da História (o "Partido-Estado") possa conduzir a nação até o futuro redentor.
O "levantar âncoras", propõe Genro, encontra-se na convocação de "uma nova Assembleia Nacional Constituinte no bojo de um amplo movimento político inspirado pelas jornadas de junho", mas "com partidos à frente". Esqueça, por um momento, que as "jornadas de junho" não seriam as "jornadas de junho" se tivessem "partidos à frente". Nosso pequeno, mas esperançoso, pretendente a Duce sonha com uma "marcha sobre Brasília" liderada pelo partido que exerce o poder.
"Penso que as esquerdas no país devem abordar programaticamente estas novas exigências para o futuro, já neste processo eleitoral". Genro sabe perfeitamente que sua "utopia concreta" terá impacto nulo sobre a campanha de Dilma, que continuará focada em firmar alianças com o PMDB, o PP e o PSD, renovar os compromissos com as altas finanças e reforçar a parceria com os "movimentos sociais" estatizados. O vinho de seu cálice sagrado destina-se, exclusivamente, ao consumo interno do PT e de sua área de influência militante: é um antídoto ideológico contra as imprecações lançadas por correntes esquerdistas inquietas com o "giro à direita" do lulismo. Mas serve, ainda, para iluminar o lado escuro da alma do partido que nos governa.
Supostos e suspeitos na ordem do dia - DEONÍSIO DA SILVA
O GLOBO - 01/02
A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está em questão o interesse público, é bom lembrar que no passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara
Vários profissionais estão desconcertados com o português de boa parte da mídia, mas não apenas com erros de ortografia, mais leves; ou de sintaxe, mais graves, por ferirem a lógica e confundirem os leitores. Sua perplexidade é com ataques absurdos como o seguinte: o bandido é flagrado com arma na mão, confessa o crime diante de câmeras e microfones, sem nenhum tipo de coação, e, às vezes, reconhece, orgulhosamente, que o sujeito filmado pelos sistemas de vigilância de lojas ou residências é ele, sim, o meliante. E ainda assim boa parte da mídia o denomina “suposto assaltante”, “suspeito de crime” e outras delicadezas.
Escrever bem começa pelo seguinte: dar às coisas o nome que as coisas têm. E não é só em relação a assaltantes e gatunos, não. São assustadoras as indulgências concedidas a esses políticos corruptos. Elas são mais perigosas do que aquelas dadas aos bandidos comuns. Quando vão parar nos presídios, irrompe na cena a cara de pau adicional de simular esmolas recebidas para lhes custear as multas aplicadas pela autoridade competente. Esmolas de meio milhão de reais! O Brasil acaba de criar o mendigo de elite, que é o bandido político.
Gozam dos benefícios dos eufemismos citados também políticos de outros países. “Suposto” e “suspeito” vêm sendo palavras curingas e têm servido para tudo, principalmente para substituir o que significa outra coisa.
Suposto quer dizer admitido por hipótese. Deixamos a palavra ali embaixo de “posto”, aguardando que a verdade seja apurada. Suspeito tem o significado de alguém do qual desconfiamos, que tenha feito algo que ele até pode negar. Porém, quando supostos e suspeitos admitem ou confessam, sem coação nenhuma, que foram os autores do que lhes é atribuído, eles não são mais suspeitos nem supostos.
Podemos fazer pouco, mas podemos ao menos contar ao distinto público as coisas como as coisas são. E para isso as palavras são outras, a sintaxe é outra, a lógica é outra.
É preciso que profissionais da fala e da escrita voltem aos bancos escolares ou ao menos façam algumas oficinas que lhes ensinem a escrever! Eles lidam com uma ferramenta, já caracterizada também como arma, cujos poderes foram reconhecidos por generais que se destacaram em batalhas memoráveis, algumas das quais mudaram o mundo. Eles diziam temer mais a pena do que a espada!
A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está em questão o dinheiro público ou o interesse público, daí é bom lembrar que no passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara. Um destes casos resultou no filme “Escândalo” (1989). Na Inglaterra dos anos 60, John Profumo era ministro da Guerra e namorava a modelo e corista Christine Keeller, que dormia também com o adido militar russo naquele país, Yevgeny Ivanov. Alertado pelo Serviço Secreto Inglês, Profumo deu fim ao caso, escrevendo à amante.
Ela seguiu sua vida. Posou pelada para uma revista e ganhou algum dinheiro. E aconteceu uma coisa curiosa: quem ficou mais famosa e vendeu bastante dali por diante foi a cadeira em que ela foi fotografada, a chaise 3107, do arquiteto e decorador dinamarquês Arne Jacobsen, por esconder seios e baixo ventre da moça e assim respeitar os códigos da censura daquela época. Ele renunciou à política e foi trabalhar de faxineiro em serviços comunitários.
Hoje não seria assim. Depois de receber mesadas vindas do dinheiro público, amantes de políticos influentes, do Executivo e do Legislativo, seguem gozando dos benefícios da impunidade. Delas mesmas e de seus protetores. Eles, quando ameaçados de perder o mandato, renunciam. E depois voltam ao antigo posto ou a um novo, consagrados pelo voto! A culpa é dos eleitores? Não é só deles. É de boa parte da mídia, que em muitos casos não contou as coisas como as coisas foram.
O tempora, o mores (que tempos, que costumes!), exclamou o orador Cícero, de quem no passado todos sabíamos de cor o seguinte trecho de um de seus discursos contra o senador Catilina: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?).
Resposta: todos os Catilinas do Brasil vão continuar abusando sempre, ao que parece. Mas aparência e essência não são a mesma coisa. Se fossem, a ciência seria desnecessária e nós não precisaríamos saber de nada!
A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está em questão o interesse público, é bom lembrar que no passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara
Vários profissionais estão desconcertados com o português de boa parte da mídia, mas não apenas com erros de ortografia, mais leves; ou de sintaxe, mais graves, por ferirem a lógica e confundirem os leitores. Sua perplexidade é com ataques absurdos como o seguinte: o bandido é flagrado com arma na mão, confessa o crime diante de câmeras e microfones, sem nenhum tipo de coação, e, às vezes, reconhece, orgulhosamente, que o sujeito filmado pelos sistemas de vigilância de lojas ou residências é ele, sim, o meliante. E ainda assim boa parte da mídia o denomina “suposto assaltante”, “suspeito de crime” e outras delicadezas.
Escrever bem começa pelo seguinte: dar às coisas o nome que as coisas têm. E não é só em relação a assaltantes e gatunos, não. São assustadoras as indulgências concedidas a esses políticos corruptos. Elas são mais perigosas do que aquelas dadas aos bandidos comuns. Quando vão parar nos presídios, irrompe na cena a cara de pau adicional de simular esmolas recebidas para lhes custear as multas aplicadas pela autoridade competente. Esmolas de meio milhão de reais! O Brasil acaba de criar o mendigo de elite, que é o bandido político.
Gozam dos benefícios dos eufemismos citados também políticos de outros países. “Suposto” e “suspeito” vêm sendo palavras curingas e têm servido para tudo, principalmente para substituir o que significa outra coisa.
Suposto quer dizer admitido por hipótese. Deixamos a palavra ali embaixo de “posto”, aguardando que a verdade seja apurada. Suspeito tem o significado de alguém do qual desconfiamos, que tenha feito algo que ele até pode negar. Porém, quando supostos e suspeitos admitem ou confessam, sem coação nenhuma, que foram os autores do que lhes é atribuído, eles não são mais suspeitos nem supostos.
Podemos fazer pouco, mas podemos ao menos contar ao distinto público as coisas como as coisas são. E para isso as palavras são outras, a sintaxe é outra, a lógica é outra.
É preciso que profissionais da fala e da escrita voltem aos bancos escolares ou ao menos façam algumas oficinas que lhes ensinem a escrever! Eles lidam com uma ferramenta, já caracterizada também como arma, cujos poderes foram reconhecidos por generais que se destacaram em batalhas memoráveis, algumas das quais mudaram o mundo. Eles diziam temer mais a pena do que a espada!
A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está em questão o dinheiro público ou o interesse público, daí é bom lembrar que no passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara. Um destes casos resultou no filme “Escândalo” (1989). Na Inglaterra dos anos 60, John Profumo era ministro da Guerra e namorava a modelo e corista Christine Keeller, que dormia também com o adido militar russo naquele país, Yevgeny Ivanov. Alertado pelo Serviço Secreto Inglês, Profumo deu fim ao caso, escrevendo à amante.
Ela seguiu sua vida. Posou pelada para uma revista e ganhou algum dinheiro. E aconteceu uma coisa curiosa: quem ficou mais famosa e vendeu bastante dali por diante foi a cadeira em que ela foi fotografada, a chaise 3107, do arquiteto e decorador dinamarquês Arne Jacobsen, por esconder seios e baixo ventre da moça e assim respeitar os códigos da censura daquela época. Ele renunciou à política e foi trabalhar de faxineiro em serviços comunitários.
Hoje não seria assim. Depois de receber mesadas vindas do dinheiro público, amantes de políticos influentes, do Executivo e do Legislativo, seguem gozando dos benefícios da impunidade. Delas mesmas e de seus protetores. Eles, quando ameaçados de perder o mandato, renunciam. E depois voltam ao antigo posto ou a um novo, consagrados pelo voto! A culpa é dos eleitores? Não é só deles. É de boa parte da mídia, que em muitos casos não contou as coisas como as coisas foram.
O tempora, o mores (que tempos, que costumes!), exclamou o orador Cícero, de quem no passado todos sabíamos de cor o seguinte trecho de um de seus discursos contra o senador Catilina: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?).
Resposta: todos os Catilinas do Brasil vão continuar abusando sempre, ao que parece. Mas aparência e essência não são a mesma coisa. Se fossem, a ciência seria desnecessária e nós não precisaríamos saber de nada!
Loucuras do verão - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF
CORREIO BRAZILIENSE - 01/02
Este verão absurdamente quente revelou mistérios. Os black blocs, por exemplo, ficaram sozinhos quebrando vidraças, agências bancárias e lojas de automóveis. Eles perderam o apoio da população, que se voltou para os rolezinhos dos adolescentes em férias. E rapidamente foram produzidas diversas teorias quase tão profundas quanto as da Escola de Frankfurt para explicar o fenômeno.
O problema de 2014 é o verão. A presidente Dilma fugiu para o frio de Davos, na Suíça, onde tentou explicar os caminhos da economia brasileira. Se foi feliz, não sei. Os jornais ingleses dizem que o Brasil foi o perdedor naquele conclave. O vencedor teria sido o México, que anunciou novos grandes investimentos e inauguração de indústrias. E, claro, a cereja do bolo, que foi a privatização da Pemex, o que abre nova perspectiva para o capital estrangeiro nas generosas jazidas localizadas no Golfo do México.
A canícula está por aí, fazendo vítimas. Nas últimas semanas, Porto Alegre teve temperatura mais elevada que Manaus. Belém está uma beleza, em torno dos 25 graus centígrados, muito diferente do forno carioca, cuja sensação térmica chega a 50 graus, o que faz o preço do coco gelado, à beira da praia, alcançar R$ 6. Era R$ 1 há coisa de um ano. E haja passeata. Contra tudo e contra todos. Todo mundo protesta.
Os políticos estão dispersos pelo planeta. Vão começar a chegar a Brasília na próxima semana. A partir daí, os problemas serão mais objetivos e concretos. É a reforma ministerial que já se iniciou e ainda vai se desdobrar em sofridos capítulos até o fim de fevereiro. Não esquecer que o carnaval, neste ano, cai na primeira semana de março. Depois do tríduo momesco, o país deveria estar pronto para funcionar. Difícil. A presidente estará cercada pelos parlamentares que desejam cargos e verbas e por descontentes que vão pulular em todos os estados.
Sorte que o calor deverá estar mais ameno. Os assuntos serão mais sérios. A composição da aliança PT e PMDB é difícil em toda sua extensão. Nos estados e na União. No Rio, a situação é de conflito aberto. Além deles, os demais partidos políticos que deveriam estar unidos em torno da candidatura Dilma Rousseff manifestam insatisfações de todos os tipos. É impossível contentar a todos. Nem o carisma do ex-presidente Lula consegue acalmar a turma. Haverá dissidências.
O que importa é que o verão está terminando. A presidente parou em Lisboa e mandou uma bacalhoada. Ela diz que cada um pagou a sua comida. Bom argumento. Parece que bastava encher o tanque do avião e seguir viagem. Não era necessário fazer a escala. Mas a caminho de Cuba e do calor de Havana, faz sentido descansar e desfrutar de bom vinho português. Enfrentar os irmãos Castro, que mandam na ilha há 50 anos, não é fácil para ninguém.
E ainda inaugurar um porto como de Mariel, que será o maior do Caribe. Todo construído por empresas brasileiras, fornecedores brasileiros, técnicos brasileiros e dinheiro brasileiro. A questão é qual será a utilização a ser dada pelos cubanos para tamanha instalação. Cuba não produz nada além de açúcar e charutos. O espaço parece ser construído sob medida para utilização dos chineses. Pode vir a ser um grande entreposto da carga que, vindo pelo Canal do Panamá, vá ser armazenada ou beneficiada ali. Destino: América.
A crise da economia argentina é muita séria. Crise cambial, ensinava Mário Henrique Simonsen, derruba governos. E os nossos vizinhos estão com o caixa baixíssimo. O povo lá está batendo panela dia e noite. O calor em Buenos Aires está de rachar catedrais. Se os hermanos falirem, lá se vai um dos principais compradores de produtos industrializados brasileiros. O outro é a Venezuela, que, embora milionária em petróleo, comprometeu sua renda jogando dinheiro pela janela. Falta até papel higiênico. O presidente Maduro reza por Chávez todas as noites, mas o milagre não acontece.
A América Latina é fantástica. O verão de 2014, quentíssimo, ficará na memória como o momento das grandes loucuras - financeiras, econômicas, políticas e futebolísticas. Mas, em Brasília, que também fez calor, as pessoas estão em situação de expectativa. Muita água ainda vai correr debaixo da ponte da política antes das eleições. O resultado da Copa vai interferir na eleição. A cotação do dólar, que não para de subir, também. E a inflação vai incomodar. América Latina é surrealista em qualquer tempo. No verão escaldante é ainda mais imprevisível.
As masmorras consentidas - MIGUEL REALE JÚNIOR
O Estado de S.Paulo - 01/02
A pena privativa de liberdade é vivenciada pelo condenado como castigo, e nem poderia ser diferente. A sociedade, por sua vez, também reconhece na pena um gravame ao qual se acrescenta o juízo negativo do preso, etiquetado como "fora da lei".
Esse caráter retributivo inafastável não deve consistir em que à perda da liberdade se venha a acrescer a perda da dignidade, na promiscuidade de celas diminutas ocupadas por vários reclusos, sem trabalho, em nociva e desesperante ociosidade. Destarte, a pena não pode, de modo algum, ser tão só imposição de sofrimento. Deve-se tentar proporcionar que, no retorno à liberdade, possa o condenado superar os fatores que o levaram a delinquir, objetivo a ser alcançado graças ao trabalho, à educação e à assistência social e psicológica. Como disse Mariz de Oliveira nesta página, investir na prisão, e não na liberdade, aumenta a criminalidade. O passo primeiro, todavia, está em eliminar as condições desumanas do encarceramento, sem o que só há embrutecimento.
Há 30 anos entrava em vigor a Lei de Execução Penal, que constituía um ponto de partida, e não um ponto de chegada, ao estabelecer metas a serem alcançadas visando a minimizar os malefícios naturais do cumprimento da pena privativa de liberdade. Essa lei define as características dos estabelecimentos prisionais, dispõe sobre o trabalho prisional, os deveres e direitos dos presos, a disciplina, as diversas assistências a serem prestadas aos encarcerados, inclusive depois de sair da prisão, auxiliando a sua volta à liberdade.
As medidas preconizadas na lei não foram aplicadas. Os órgãos da execução penal deixaram de fiscalizar os estabelecimentos penais e de promover a melhoria das condições do cárcere, até mesmo para atender às necessidades básicas dos presos.
O caos do sistema penitenciário voltou às manchetes graças ao celular irregularmente introduzido no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, trazendo a lume cenas terríveis que perenizam o horror praticado. Ao enviar a filmagem da barbárie ao mundo exterior, denunciaram a realidade tenebrosa em que estão jogados e esquecidos como feras.
Se os governos estaduais criaram masmorras, houve também omissão grave dos órgãos da execução penal, do juiz e do promotor ao Conselho Penitenciário Nacional, enfraquecido pelo governo, que se fizeram de cegos, ignorando o dever legal de visitar os presídios mensalmente, como impõe a lei. Grassou a indiferença ante a situação sub-humana a que estão entregues os reclusos.
Esse descaso das autoridades se percebe também na superpopulação carcerária. Conforme o censo penitenciário de 2012, havia no Brasil 521 mil pessoas encarceradas para 311 mil vagas: 260 mil no regime fechado e 51 mil no semiaberto. Os números revelam a impossibilidade numérica de passagem do regime fechado para o semiaberto, ficando a população carcerária estrangulada no sistema fechado. Se há, portanto, déficit no sistema fechado, a grande falha, todavia, está na falta de presídios semiabertos, de construção mais barata, no formato de institutos agrícolas ou industriais destituídos de muralhas.
De outra parte, a humanização da reclusão exige a existência de trabalho, que salva a higidez mental, reduz a pena e concede pecúlio; a assistência judiciária, que tranquiliza a desesperança do recluso; o auxílio ao egresso para facilitar, no retorno à liberdade, não tomar o caminho de novo delito, como demonstram os elevados índices de reincidência. Essas medidas, infelizmente, são raras nos presídios brasileiros. Quando se viola a dignidade humana de quem quer que seja, somos todos atingidos. Maior se mostra essa afronta, porém, ao se lesionar a dignidade de quem se acha submisso inteiramente à administração estatal por estar sob custódia.
Dessa maneira, o quadro trágico da superpopulação carcerária e da ausência de qualquer tipo de assistência ao preso impôs uma reação do Conselho Federal da OAB, que, com apoio do Instituto dos Advogados de São Paulo, decidiu debruçar-se sobre o sistema prisional e criar a Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário. A iniciativa do presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho atende às atribuições da OAB, à qual incumbe a defesa dos direitos humanos e da Constituição consagradora do valor primordial da dignidade humana. Caberá, então, a essa coordenação analisar a situação em cada Estado e ajuizar ações civis públicas cobrando dos governos melhorias nas condições dos presídios, para que haja não só alojamento sem promiscuidade, mas também possibilidade de o preso trabalhar e de ter assistência judiciária.
Ao pugnar pela exata aplicação da Lei de Execução Penal, a OAB pode atuar de imediato em duas frentes: controlar a ida mensal de juízes e promotores aos presídios, fator importante para impedimento dos abusos já habituais, bem como exigir a criação dos Conselhos de Comunidade. Esses conselhos, compostos por representante da OAB e do Conselho dos Assistentes Sociais, são organismos capazes de arejar e controlar a execução penal, como uma janela por via da qual se estabelece o contato do meio prisional e do preso com a sociedade. Tarefa primordial do Conselho de Comunidade é incentivar e organizar a assistência ao egresso.
O condenado, ao retornar à sociedade, não sabe mais andar por suas próprias pernas, esgarçado em sua capacidade de iniciativa e sujeito à rejeição mesmo dos mais próximos, precisando de fisioterapia de alma e de intermediações que ajudem sua reinserção social. Assim, para reduzir a reincidência, superior a 60%, é vital promover, além de educação e de assistência psicológica, a assistência ao egresso, visando a facilitar sua volta à vida livre.
Há imenso caminho pela frente nessa grande cruzada que a OAB se dispõe a realizar em defesa da dignidade humana.
A pena privativa de liberdade é vivenciada pelo condenado como castigo, e nem poderia ser diferente. A sociedade, por sua vez, também reconhece na pena um gravame ao qual se acrescenta o juízo negativo do preso, etiquetado como "fora da lei".
Esse caráter retributivo inafastável não deve consistir em que à perda da liberdade se venha a acrescer a perda da dignidade, na promiscuidade de celas diminutas ocupadas por vários reclusos, sem trabalho, em nociva e desesperante ociosidade. Destarte, a pena não pode, de modo algum, ser tão só imposição de sofrimento. Deve-se tentar proporcionar que, no retorno à liberdade, possa o condenado superar os fatores que o levaram a delinquir, objetivo a ser alcançado graças ao trabalho, à educação e à assistência social e psicológica. Como disse Mariz de Oliveira nesta página, investir na prisão, e não na liberdade, aumenta a criminalidade. O passo primeiro, todavia, está em eliminar as condições desumanas do encarceramento, sem o que só há embrutecimento.
Há 30 anos entrava em vigor a Lei de Execução Penal, que constituía um ponto de partida, e não um ponto de chegada, ao estabelecer metas a serem alcançadas visando a minimizar os malefícios naturais do cumprimento da pena privativa de liberdade. Essa lei define as características dos estabelecimentos prisionais, dispõe sobre o trabalho prisional, os deveres e direitos dos presos, a disciplina, as diversas assistências a serem prestadas aos encarcerados, inclusive depois de sair da prisão, auxiliando a sua volta à liberdade.
As medidas preconizadas na lei não foram aplicadas. Os órgãos da execução penal deixaram de fiscalizar os estabelecimentos penais e de promover a melhoria das condições do cárcere, até mesmo para atender às necessidades básicas dos presos.
O caos do sistema penitenciário voltou às manchetes graças ao celular irregularmente introduzido no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, trazendo a lume cenas terríveis que perenizam o horror praticado. Ao enviar a filmagem da barbárie ao mundo exterior, denunciaram a realidade tenebrosa em que estão jogados e esquecidos como feras.
Se os governos estaduais criaram masmorras, houve também omissão grave dos órgãos da execução penal, do juiz e do promotor ao Conselho Penitenciário Nacional, enfraquecido pelo governo, que se fizeram de cegos, ignorando o dever legal de visitar os presídios mensalmente, como impõe a lei. Grassou a indiferença ante a situação sub-humana a que estão entregues os reclusos.
Esse descaso das autoridades se percebe também na superpopulação carcerária. Conforme o censo penitenciário de 2012, havia no Brasil 521 mil pessoas encarceradas para 311 mil vagas: 260 mil no regime fechado e 51 mil no semiaberto. Os números revelam a impossibilidade numérica de passagem do regime fechado para o semiaberto, ficando a população carcerária estrangulada no sistema fechado. Se há, portanto, déficit no sistema fechado, a grande falha, todavia, está na falta de presídios semiabertos, de construção mais barata, no formato de institutos agrícolas ou industriais destituídos de muralhas.
De outra parte, a humanização da reclusão exige a existência de trabalho, que salva a higidez mental, reduz a pena e concede pecúlio; a assistência judiciária, que tranquiliza a desesperança do recluso; o auxílio ao egresso para facilitar, no retorno à liberdade, não tomar o caminho de novo delito, como demonstram os elevados índices de reincidência. Essas medidas, infelizmente, são raras nos presídios brasileiros. Quando se viola a dignidade humana de quem quer que seja, somos todos atingidos. Maior se mostra essa afronta, porém, ao se lesionar a dignidade de quem se acha submisso inteiramente à administração estatal por estar sob custódia.
Dessa maneira, o quadro trágico da superpopulação carcerária e da ausência de qualquer tipo de assistência ao preso impôs uma reação do Conselho Federal da OAB, que, com apoio do Instituto dos Advogados de São Paulo, decidiu debruçar-se sobre o sistema prisional e criar a Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário. A iniciativa do presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho atende às atribuições da OAB, à qual incumbe a defesa dos direitos humanos e da Constituição consagradora do valor primordial da dignidade humana. Caberá, então, a essa coordenação analisar a situação em cada Estado e ajuizar ações civis públicas cobrando dos governos melhorias nas condições dos presídios, para que haja não só alojamento sem promiscuidade, mas também possibilidade de o preso trabalhar e de ter assistência judiciária.
Ao pugnar pela exata aplicação da Lei de Execução Penal, a OAB pode atuar de imediato em duas frentes: controlar a ida mensal de juízes e promotores aos presídios, fator importante para impedimento dos abusos já habituais, bem como exigir a criação dos Conselhos de Comunidade. Esses conselhos, compostos por representante da OAB e do Conselho dos Assistentes Sociais, são organismos capazes de arejar e controlar a execução penal, como uma janela por via da qual se estabelece o contato do meio prisional e do preso com a sociedade. Tarefa primordial do Conselho de Comunidade é incentivar e organizar a assistência ao egresso.
O condenado, ao retornar à sociedade, não sabe mais andar por suas próprias pernas, esgarçado em sua capacidade de iniciativa e sujeito à rejeição mesmo dos mais próximos, precisando de fisioterapia de alma e de intermediações que ajudem sua reinserção social. Assim, para reduzir a reincidência, superior a 60%, é vital promover, além de educação e de assistência psicológica, a assistência ao egresso, visando a facilitar sua volta à vida livre.
Há imenso caminho pela frente nessa grande cruzada que a OAB se dispõe a realizar em defesa da dignidade humana.
Falta de educação - PAULO SARDINHA
O GLOBO - 01/02
Levantamento indica que 38% dos nossos universitários são analfabetos funcionais
Entre os desafios atuais da gestão com pessoas está o de contribuir para o aumento da produtividade das organizações. Como produzir melhor é uma questão urgente, ainda mais quando pesquisas como a do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) apontam que somente com uma alta média de 3% ao ano na produtividade do trabalho será possível a economia brasileira crescer na casa de 4% ao ano. Para piorar esse cenário, há estudos que colocam o país entre os últimos na América Latina neste quesito.
Para as empresas, o dilema é visto do seguinte ângulo: como implementar uma cultura de alto desempenho? Desafios assim exigem rapidez de resposta das organizações, principalmente para aquelas que querem aproveitar as oportunidades que surgem com a Copa e as Olimpíadas. Entretanto, a mudança cultural passa necessariamente pelo sucesso do engajamento das pessoas.
Não há como negar que o desempenho da empresa está diretamente relacionado ao comprometimento dos funcionários. Fazer com que as pessoas deem o melhor de si — porque são estimuladas pelos objetivos da empresa, facilitando, assim, o trabalho no regime de colaboração e integração — é vital para alcançar os resultados desejados.
Entretanto, a produtividade não depende apenas de engajamento, mas também da capacidade de cada profissional. Por mais que as empresas invistam em ferramentas e programas que valorizem os colaboradores, a falta de mão de obra qualificada tornou-se um dos principais empecilhos para o aumento da produtividade.
Há iniciativas para tentar minimizar esse cenário. As próprias empresas vêm, cada vez mais, investindo em qualificação, seja financiando a graduação ou pós-graduação de funcionários, a concretização de parcerias com faculdades, a criação de suas universidades corporativas, além da realização periódica de cursos de atualização profissional.
Infelizmente, as deficiências são ainda mais básicas em um país que tem, segundo o IBGE, 13,2 milhões de analfabetos. E levantamento do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa indica que 38% de nossos estudantes universitários são analfabetos funcionais. São pessoas que entram no mercado de trabalho com dificuldade para realizar tarefas simples como a leitura e compreensão de um texto ou um cálculo matemático.
Por maior que seja o comprometimento dos setores de RH com os resultados que as empresas devem alcançar — e esse será justamente um dos pontos do RH Rio, em maio —, as ações terão resultados limitados enquanto a educação persistir como um dos principais problemas no país. Enquanto nossos índices continuarem próximos dos de países subdesenvolvidos, não haverá engajamento suficiente que impulsione o crescimento das organizações.
Levantamento indica que 38% dos nossos universitários são analfabetos funcionais
Entre os desafios atuais da gestão com pessoas está o de contribuir para o aumento da produtividade das organizações. Como produzir melhor é uma questão urgente, ainda mais quando pesquisas como a do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) apontam que somente com uma alta média de 3% ao ano na produtividade do trabalho será possível a economia brasileira crescer na casa de 4% ao ano. Para piorar esse cenário, há estudos que colocam o país entre os últimos na América Latina neste quesito.
Para as empresas, o dilema é visto do seguinte ângulo: como implementar uma cultura de alto desempenho? Desafios assim exigem rapidez de resposta das organizações, principalmente para aquelas que querem aproveitar as oportunidades que surgem com a Copa e as Olimpíadas. Entretanto, a mudança cultural passa necessariamente pelo sucesso do engajamento das pessoas.
Não há como negar que o desempenho da empresa está diretamente relacionado ao comprometimento dos funcionários. Fazer com que as pessoas deem o melhor de si — porque são estimuladas pelos objetivos da empresa, facilitando, assim, o trabalho no regime de colaboração e integração — é vital para alcançar os resultados desejados.
Entretanto, a produtividade não depende apenas de engajamento, mas também da capacidade de cada profissional. Por mais que as empresas invistam em ferramentas e programas que valorizem os colaboradores, a falta de mão de obra qualificada tornou-se um dos principais empecilhos para o aumento da produtividade.
Há iniciativas para tentar minimizar esse cenário. As próprias empresas vêm, cada vez mais, investindo em qualificação, seja financiando a graduação ou pós-graduação de funcionários, a concretização de parcerias com faculdades, a criação de suas universidades corporativas, além da realização periódica de cursos de atualização profissional.
Infelizmente, as deficiências são ainda mais básicas em um país que tem, segundo o IBGE, 13,2 milhões de analfabetos. E levantamento do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa indica que 38% de nossos estudantes universitários são analfabetos funcionais. São pessoas que entram no mercado de trabalho com dificuldade para realizar tarefas simples como a leitura e compreensão de um texto ou um cálculo matemático.
Por maior que seja o comprometimento dos setores de RH com os resultados que as empresas devem alcançar — e esse será justamente um dos pontos do RH Rio, em maio —, as ações terão resultados limitados enquanto a educação persistir como um dos principais problemas no país. Enquanto nossos índices continuarem próximos dos de países subdesenvolvidos, não haverá engajamento suficiente que impulsione o crescimento das organizações.
Jogando com a corrupção - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP- 01/02
SÃO PAULO - É quase uma unanimidade entre os chamados operadores do direito que a Lei Anticorrupção (nº 12.846/13), que entrou em vigor nesta semana, representa um importante avanço legislativo. Concordo com a avaliação.
A novidade do diploma é que ele prevê que toda empresa é objetivamente responsável por ilícitos que a beneficiem. Isso significa que a firma poderá ser multada, impedida de contratar com o poder público ou até extinta se for provado que algum funcionário, mesmo que terceirizado, cometeu ato de corrupção que a favoreceu. Não é preciso demonstrar que a propina foi autorizada pela direção. A responsabilização é administrativa e não exclui (nem exige) ações penais contra os envolvidos.
Tudo isso pode parecer tecnicalidades. A corrupção, afinal, sempre foi ilegal. Acrescentar um novo diploma a reforçar essa ideia seria, por esse raciocínio, redundante. A diferença é que a 12.846, ainda que sutilmente, muda a lógica das coisas.
Fazendo um pouco de teoria dos jogos vemos que, pelas regras anteriores, em que era baixo o risco de a empresa ser punida, interessava às firmas que seus funcionários e colaboradores fizessem tudo a seu alcance para maximizar os lucros, mesmo que infringindo a lei. Se a tramoia fosse descoberta, sanções dificilmente atingiriam outros que não o indivíduo que se deixou apanhar.
Agora, sob a nova legislação, passa a ser interesse das empresas que nenhum de seus prepostos se lance em aventuras, a menos, é claro, que seja um esquema infalível, algo difícil de garantir. O resultado esperado das medidas, já testadas em outros países, é que as próprias firmas inibam os apetites de seus quadros. Isso tende a ser muito mais efetivo do que a vigilância por autoridades.
Para não ficar apenas em loas, vejo com preocupação a parte da lei que permite punir ilícitos cometidos em outros países. Acho que isso é alongar demais o poder do Estado.
SÃO PAULO - É quase uma unanimidade entre os chamados operadores do direito que a Lei Anticorrupção (nº 12.846/13), que entrou em vigor nesta semana, representa um importante avanço legislativo. Concordo com a avaliação.
A novidade do diploma é que ele prevê que toda empresa é objetivamente responsável por ilícitos que a beneficiem. Isso significa que a firma poderá ser multada, impedida de contratar com o poder público ou até extinta se for provado que algum funcionário, mesmo que terceirizado, cometeu ato de corrupção que a favoreceu. Não é preciso demonstrar que a propina foi autorizada pela direção. A responsabilização é administrativa e não exclui (nem exige) ações penais contra os envolvidos.
Tudo isso pode parecer tecnicalidades. A corrupção, afinal, sempre foi ilegal. Acrescentar um novo diploma a reforçar essa ideia seria, por esse raciocínio, redundante. A diferença é que a 12.846, ainda que sutilmente, muda a lógica das coisas.
Fazendo um pouco de teoria dos jogos vemos que, pelas regras anteriores, em que era baixo o risco de a empresa ser punida, interessava às firmas que seus funcionários e colaboradores fizessem tudo a seu alcance para maximizar os lucros, mesmo que infringindo a lei. Se a tramoia fosse descoberta, sanções dificilmente atingiriam outros que não o indivíduo que se deixou apanhar.
Agora, sob a nova legislação, passa a ser interesse das empresas que nenhum de seus prepostos se lance em aventuras, a menos, é claro, que seja um esquema infalível, algo difícil de garantir. O resultado esperado das medidas, já testadas em outros países, é que as próprias firmas inibam os apetites de seus quadros. Isso tende a ser muito mais efetivo do que a vigilância por autoridades.
Para não ficar apenas em loas, vejo com preocupação a parte da lei que permite punir ilícitos cometidos em outros países. Acho que isso é alongar demais o poder do Estado.
Tempo esgotado - SÉRGIO MAGALHÃES
O GLOBO - 01/02
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos
Recente acidente de descarrilamento paralisou os trens metropolitanos do Rio por 13 horas. Chico Caruso resumiu o episódio em uma charge no GLOBO na qual o governador e o vice se encontram amarrados aos trilhos, sob riso do secretário de Transportes, enquanto se aproxima um trem com os principais candidatos de oposição ao governo do estado.
O desenho reflete um quadro de fragilidade institucional do país, que se caracteriza por conferir a personas o arbítrio sobre quase tudo.
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos, desde a escala nacional até detalhes da vida comunitária. Alçados à condição de super-homens, os políticos brasileiros acreditaram nesse papel. Trataram de criar os instrumentos que lhes permitissem ficar bem na foto.
No caso urbano, os sistemas de planejamento e projeto foram desconstruídos nos âmbitos federal, estaduais e municipais. Os governos ficaram sem estruturas permanentes de estudo sobre a cidade, mas ganharam muito dinheiro. Pensaram que, livres das “amarras” do planejamento, poderiam ainda mais. Aumentou-se a discricionariedade dos gestores, inclusive na contratação de obras públicas, que já não precisam de projeto para serem licitadas.
Hoje, um governante resolve construir uma grande obra, digamos: uma linha de metrô, que não está nos planos da cidade nem tem projeto. O que faz? Encomenda o projeto ao futuro construtor da obra. Outro dia, precisa de determinado apoio político; dos entendimentos partidários passa a existir uma nova obra, antes imprevista, ou um novo serviço público.
(O Brasil aspira a ser um país respeitado, mas inventa empreiteira como autora de projetos e simultaneamente construtora. O resultado são obras de discutível prioridade, baixa qualidade, alto custo e grande possibilidade de desvio de recursos.)
A complexidade de nossas cidades pede um sistema de gestão que garanta continuidade de programas e confiabilidade nas decisões, e que seja integrante estável da estrutura de Estado. Sobretudo, a democracia exige transparência e escuta aos interessados.
Ninguém melhor do que os políticos para tratar de políticas públicas. Mas eles não devem continuar como gestores plenipotenciários, auxiliados por uma multidão de correligionários alheios ao tema em que se envolvem. A resposta que as cidades esperam não se alcançará com comando comissionado, com agência reguladora comissionada, com terceirização comissionadora.
(Quem sabe nas eleições de 2014 possa ser debatida a recriação de sistemas de planejamento e de projeto das cidades e das metrópoles? Quem sabe resulte abolida a promiscuidade entre projeto e construção de obra pública?)
A charge de Chico Caruso é representativa do quadro de fragilidade institucional brasileira porque ilustra o paradoxo do poder que pode tudo — e que está na iminência de ser atropelado. A falta de investimentos no sistema de trens urbanos, comparativamente com altos investimentos em obras de menor interesse social, não passa despercebida do público e do olhar arguto do artista.
Mas, certamente, a solução é mais complexa do que a troca de maquinista. O tempo de salvadores da pátria já se esgotou.
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos
Recente acidente de descarrilamento paralisou os trens metropolitanos do Rio por 13 horas. Chico Caruso resumiu o episódio em uma charge no GLOBO na qual o governador e o vice se encontram amarrados aos trilhos, sob riso do secretário de Transportes, enquanto se aproxima um trem com os principais candidatos de oposição ao governo do estado.
O desenho reflete um quadro de fragilidade institucional do país, que se caracteriza por conferir a personas o arbítrio sobre quase tudo.
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos, desde a escala nacional até detalhes da vida comunitária. Alçados à condição de super-homens, os políticos brasileiros acreditaram nesse papel. Trataram de criar os instrumentos que lhes permitissem ficar bem na foto.
No caso urbano, os sistemas de planejamento e projeto foram desconstruídos nos âmbitos federal, estaduais e municipais. Os governos ficaram sem estruturas permanentes de estudo sobre a cidade, mas ganharam muito dinheiro. Pensaram que, livres das “amarras” do planejamento, poderiam ainda mais. Aumentou-se a discricionariedade dos gestores, inclusive na contratação de obras públicas, que já não precisam de projeto para serem licitadas.
Hoje, um governante resolve construir uma grande obra, digamos: uma linha de metrô, que não está nos planos da cidade nem tem projeto. O que faz? Encomenda o projeto ao futuro construtor da obra. Outro dia, precisa de determinado apoio político; dos entendimentos partidários passa a existir uma nova obra, antes imprevista, ou um novo serviço público.
(O Brasil aspira a ser um país respeitado, mas inventa empreiteira como autora de projetos e simultaneamente construtora. O resultado são obras de discutível prioridade, baixa qualidade, alto custo e grande possibilidade de desvio de recursos.)
A complexidade de nossas cidades pede um sistema de gestão que garanta continuidade de programas e confiabilidade nas decisões, e que seja integrante estável da estrutura de Estado. Sobretudo, a democracia exige transparência e escuta aos interessados.
Ninguém melhor do que os políticos para tratar de políticas públicas. Mas eles não devem continuar como gestores plenipotenciários, auxiliados por uma multidão de correligionários alheios ao tema em que se envolvem. A resposta que as cidades esperam não se alcançará com comando comissionado, com agência reguladora comissionada, com terceirização comissionadora.
(Quem sabe nas eleições de 2014 possa ser debatida a recriação de sistemas de planejamento e de projeto das cidades e das metrópoles? Quem sabe resulte abolida a promiscuidade entre projeto e construção de obra pública?)
A charge de Chico Caruso é representativa do quadro de fragilidade institucional brasileira porque ilustra o paradoxo do poder que pode tudo — e que está na iminência de ser atropelado. A falta de investimentos no sistema de trens urbanos, comparativamente com altos investimentos em obras de menor interesse social, não passa despercebida do público e do olhar arguto do artista.
Mas, certamente, a solução é mais complexa do que a troca de maquinista. O tempo de salvadores da pátria já se esgotou.
Política contra a corrupção - BETO ALBUQUERQUE
ZERO HORA - 01/02
A partir deste mês de fevereiro, não apenas servidores públicos poderão ser punidos por corrupção. Entra em vigor a lei que pune empresas corruptoras (12.846/13), permitindo ao gestor público aplicar às empresas multa de até 20% do faturamento bruto por corromper servidores, financiar crimes, usar laranjas para obter benefícios ou fraudar licitações.
Mas para fechar o “cerco” legal anticorrupção ainda precisamos aprimorar o comando constitucional. Os 250 artigos da Constituição Federal e os outros 97 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias registram apenas um dispositivo com o termo “corrupção”.
Por esta razão, apresentei a Proposta de Emenda Constitucional que cria o Conselho Nacional de Combate à Corrupção (PEC nº 362/2013). De acordo com a proposta, o colegiado ficará responsável pela fiscalização das entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O Conselho será um órgão independente, acima dos poderes e governos, formado pela sociedade e por agentes públicos envolvidos com o combate à corrupção. Eles terão, entre suas funções, a responsabilidade de desenvolver mecanismos para prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas no país, além de estipular estratégias de combate à impunidade.
Estudo realizado pela organização não governamental Transparência Internacional, intitulado Índice de Percepção da Corrupção 2013, coloca o Brasil em 72º lugar no ranking mundial de corrupção entre 177 países avaliados. A edição conferiu ao Brasil a nota 42, em uma escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto). Em 2012, o país ocupava a 69ª posição.
Por consequência, é grande a insatisfação da população brasileira, que cobra a aplicação correta do dinheiro público, o fim da impunidade e uma representação política ética e moral. Entidades que monitoram a moralidade pública apontam que o Brasil perde, anualmente, de R$ 40 bilhões a R$ 69 bilhões com a corrupção. A corrupção também tira a competitividade do país e das empresas. O ambiente jurídico-institucional é um indicador que é considerado por investidores econômicos internacionais.
Portanto, precisamos de um grande esforço da cidadania e do Estado brasileiro para afastar a imagem de que a corrupção é tradição no país. E nada melhor do que consagrarmos um dispositivo que independe da vontade do governante de ocasião, mas da mobilização da sociedade para atacar um problema que se alastra como uma pandemia e ameaça a credibilidade das instituições e do próprio sistema democrático.
A partir deste mês de fevereiro, não apenas servidores públicos poderão ser punidos por corrupção. Entra em vigor a lei que pune empresas corruptoras (12.846/13), permitindo ao gestor público aplicar às empresas multa de até 20% do faturamento bruto por corromper servidores, financiar crimes, usar laranjas para obter benefícios ou fraudar licitações.
Mas para fechar o “cerco” legal anticorrupção ainda precisamos aprimorar o comando constitucional. Os 250 artigos da Constituição Federal e os outros 97 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias registram apenas um dispositivo com o termo “corrupção”.
Por esta razão, apresentei a Proposta de Emenda Constitucional que cria o Conselho Nacional de Combate à Corrupção (PEC nº 362/2013). De acordo com a proposta, o colegiado ficará responsável pela fiscalização das entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O Conselho será um órgão independente, acima dos poderes e governos, formado pela sociedade e por agentes públicos envolvidos com o combate à corrupção. Eles terão, entre suas funções, a responsabilidade de desenvolver mecanismos para prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas no país, além de estipular estratégias de combate à impunidade.
Estudo realizado pela organização não governamental Transparência Internacional, intitulado Índice de Percepção da Corrupção 2013, coloca o Brasil em 72º lugar no ranking mundial de corrupção entre 177 países avaliados. A edição conferiu ao Brasil a nota 42, em uma escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto). Em 2012, o país ocupava a 69ª posição.
Por consequência, é grande a insatisfação da população brasileira, que cobra a aplicação correta do dinheiro público, o fim da impunidade e uma representação política ética e moral. Entidades que monitoram a moralidade pública apontam que o Brasil perde, anualmente, de R$ 40 bilhões a R$ 69 bilhões com a corrupção. A corrupção também tira a competitividade do país e das empresas. O ambiente jurídico-institucional é um indicador que é considerado por investidores econômicos internacionais.
Portanto, precisamos de um grande esforço da cidadania e do Estado brasileiro para afastar a imagem de que a corrupção é tradição no país. E nada melhor do que consagrarmos um dispositivo que independe da vontade do governante de ocasião, mas da mobilização da sociedade para atacar um problema que se alastra como uma pandemia e ameaça a credibilidade das instituições e do próprio sistema democrático.
O ícone do ônibus queimado - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR - 01/02
A canícula ensandece, esquenta a cabeça e as convicções. Os sans-culotte que em julho de 1789 foram à rua tomar a Bastilha não repararam nisso. Muito menos os chefes revolucionários que mudaram o espectro político mundial. A Revolução Russa ocorreu em pleno inverno de 1917, porém, muitas batalhas de rua pelos direitos civis nos EUA e ondas de protestos na Inglaterra e na França travaram-se em pleno verão. A metáfora da primavera como sinônimo de abertura foi criada na Europa em 1848, repetida na Argélia em abril de 1961 com o golpe dos generais aposentados contra De Gaulle, e consagrou-se em Paris e Praga no inesquecível ano de 1968. Hoje, na era das multidisciplinas e da compulsão fenomenológica, talvez existam suficientes informações para relacionar calor e rebeldia, tempo quente e radicalismo.
Em nossa iconografia libertária há muitas espadas desembainhadas, uniformes abotoados, e poucos grilhões arrebentados. A estes símbolos acrescentaram-se nos últimos tempos os ônibus incendiados. Os números são impressionantes: nos 31 dias deste ano, em quatro estados brasileiros, 66 ônibus foram incendiados ou depredados.
Protesto ou pretexto, motim ou manifestação, provocação desestabilizadora ou ação política desesperada, guerrilha das milícias ou da alta delinquência? Irresponsabilidade de lideranças sindicais que priorizam o interesse corporativo sem atentar para o interesse público? Ativismo digital ou mero mimetismo?
Talvez tudo isso e algo mais. Acuadas, as autoridades investigam pistas, acadêmicos especulam sobre teorias conspiratórias e opinionistas desafiados pela folha em branco soltam a imaginação e o verbo. Vale-tudo válido, a perplexidade é legítima. Diante do desconhecido e do inopinado, o caminho mais seguro pode ser a tentativa e a experimentação. Sherlock Holmes, novamente ressuscitado, jamais desprezou suposições, por mais absurdas que parecessem.
A situação é grave, urgente, perturbadora. Uma perigosa conjunção de circunstâncias tanto domésticas como externas, mediatas ou imediatas, próximas ou remotas, em ambientes com sensação térmica de 40º, convertem a imagem do ônibus incendiado num convite a paroxismos.
Em junho passado, pouco antes de as nossas ruas se agitarem, a Turquia levantou-se contra um governo aparentemente popular, empurrada por um protesto contra a especulação imobiliária em Istambul. A imensa Ucrânia tem mais de mil anos de fragmentações e subjugações: já foi Lituânia, Polônia, Rússia, Império Austro-Húngaro, União Soviética e Terceiro Reich nazista. País independente há apenas 23 anos, agora se aferra ao sonho jamais sonhado: quer ser Europa. Talvez consiga: sem queimar ônibus, dá provas de uma formidável impaciência diante de scripts batidos e manjados.
A canícula ensandece, esquenta a cabeça e as convicções. Os sans-culotte que em julho de 1789 foram à rua tomar a Bastilha não repararam nisso. Muito menos os chefes revolucionários que mudaram o espectro político mundial. A Revolução Russa ocorreu em pleno inverno de 1917, porém, muitas batalhas de rua pelos direitos civis nos EUA e ondas de protestos na Inglaterra e na França travaram-se em pleno verão. A metáfora da primavera como sinônimo de abertura foi criada na Europa em 1848, repetida na Argélia em abril de 1961 com o golpe dos generais aposentados contra De Gaulle, e consagrou-se em Paris e Praga no inesquecível ano de 1968. Hoje, na era das multidisciplinas e da compulsão fenomenológica, talvez existam suficientes informações para relacionar calor e rebeldia, tempo quente e radicalismo.
Em nossa iconografia libertária há muitas espadas desembainhadas, uniformes abotoados, e poucos grilhões arrebentados. A estes símbolos acrescentaram-se nos últimos tempos os ônibus incendiados. Os números são impressionantes: nos 31 dias deste ano, em quatro estados brasileiros, 66 ônibus foram incendiados ou depredados.
Protesto ou pretexto, motim ou manifestação, provocação desestabilizadora ou ação política desesperada, guerrilha das milícias ou da alta delinquência? Irresponsabilidade de lideranças sindicais que priorizam o interesse corporativo sem atentar para o interesse público? Ativismo digital ou mero mimetismo?
Talvez tudo isso e algo mais. Acuadas, as autoridades investigam pistas, acadêmicos especulam sobre teorias conspiratórias e opinionistas desafiados pela folha em branco soltam a imaginação e o verbo. Vale-tudo válido, a perplexidade é legítima. Diante do desconhecido e do inopinado, o caminho mais seguro pode ser a tentativa e a experimentação. Sherlock Holmes, novamente ressuscitado, jamais desprezou suposições, por mais absurdas que parecessem.
A situação é grave, urgente, perturbadora. Uma perigosa conjunção de circunstâncias tanto domésticas como externas, mediatas ou imediatas, próximas ou remotas, em ambientes com sensação térmica de 40º, convertem a imagem do ônibus incendiado num convite a paroxismos.
Em junho passado, pouco antes de as nossas ruas se agitarem, a Turquia levantou-se contra um governo aparentemente popular, empurrada por um protesto contra a especulação imobiliária em Istambul. A imensa Ucrânia tem mais de mil anos de fragmentações e subjugações: já foi Lituânia, Polônia, Rússia, Império Austro-Húngaro, União Soviética e Terceiro Reich nazista. País independente há apenas 23 anos, agora se aferra ao sonho jamais sonhado: quer ser Europa. Talvez consiga: sem queimar ônibus, dá provas de uma formidável impaciência diante de scripts batidos e manjados.
Chantagem - RENATO ANDRADE
FOLHA DE SP - 01/02
BRASÍLIA - A missão da Polícia Militar do Distrito Federal é, segundo a própria corporação, "promover a segurança e o bem-estar social por meio da prevenção e repressão imediata da criminalidade e da violência, baseando-se nos direitos humanos e na participação comunitária".
Desde o fim de 2013, parte dos policiais resolveu ignorar o lema para tentar arrancar do governador Agnelo Queiroz um reajuste salarial --de nada menos que 66,8%-- e outras promessas feitas pelo petista durante a campanha eleitoral passada.
O resultado prático, até agora, da autointitulada operação tartaruga é um impressionante saldo de 63 assassinatos em apenas 29 dias.
O nome certo para o que esses policiais estão fazendo é chantagem. Basta consultar um dicionário para ver o significado da palavra.
A bagunça chamou atenção nesta semana porque a violência, tradicionalmente concentrada na periferia brasiliense, chegou aos bairros mais nobres da capital.
Acostumados à tranquilidade da ilha da fantasia do "outback" brasileiro, os moradores da cidade assistiram, num intervalo de poucas horas, cenas pouco usuais: funcionário de supermercado esfaqueado, morador de rua alvejado por policial à paisana na hora do almoço e a morte de um jovem de 29 anos, que recebeu um tiro na nuca quando estacionava seu carro em frente ao prédio em que morava com a mãe.
Depois de fingir que nada acontecia, o governador do Distrito Federal resolveu sentar ontem com o comando da PM para discutir a questão. O resultado foi pouco edificante: oficiais prometeram ir para as ruas fazer o policiamento e colocar as coisas no lugar. É preciso ver para crer.
Em evento no fim do ano passado, um sargento da PM disse ao secretário de Segurança que sem reajuste, o "troco" seria dado durante a Copa do Mundo. Imaginem o que pode acontecer com "black blocs" nas ruas e PMs sentados nos quartéis.
BRASÍLIA - A missão da Polícia Militar do Distrito Federal é, segundo a própria corporação, "promover a segurança e o bem-estar social por meio da prevenção e repressão imediata da criminalidade e da violência, baseando-se nos direitos humanos e na participação comunitária".
Desde o fim de 2013, parte dos policiais resolveu ignorar o lema para tentar arrancar do governador Agnelo Queiroz um reajuste salarial --de nada menos que 66,8%-- e outras promessas feitas pelo petista durante a campanha eleitoral passada.
O resultado prático, até agora, da autointitulada operação tartaruga é um impressionante saldo de 63 assassinatos em apenas 29 dias.
O nome certo para o que esses policiais estão fazendo é chantagem. Basta consultar um dicionário para ver o significado da palavra.
A bagunça chamou atenção nesta semana porque a violência, tradicionalmente concentrada na periferia brasiliense, chegou aos bairros mais nobres da capital.
Acostumados à tranquilidade da ilha da fantasia do "outback" brasileiro, os moradores da cidade assistiram, num intervalo de poucas horas, cenas pouco usuais: funcionário de supermercado esfaqueado, morador de rua alvejado por policial à paisana na hora do almoço e a morte de um jovem de 29 anos, que recebeu um tiro na nuca quando estacionava seu carro em frente ao prédio em que morava com a mãe.
Depois de fingir que nada acontecia, o governador do Distrito Federal resolveu sentar ontem com o comando da PM para discutir a questão. O resultado foi pouco edificante: oficiais prometeram ir para as ruas fazer o policiamento e colocar as coisas no lugar. É preciso ver para crer.
Em evento no fim do ano passado, um sargento da PM disse ao secretário de Segurança que sem reajuste, o "troco" seria dado durante a Copa do Mundo. Imaginem o que pode acontecer com "black blocs" nas ruas e PMs sentados nos quartéis.
Ministério sob medida para palanque eleitoral - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 01/02
Dilma e PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem muita luta. Afinal, muitos interesses se cristalizaram nestes três mandatos consecutivos
Em discurso de improviso para prefeitos paraibanos, em março do ano passado, a presidente Dilma confessou que “podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”, para em seguida ressalvar que, “no exercício do mandato, temos de nos respeitar”(...).
A frase presidencial ganhou o merecido destaque na imprensa, e agora ela volta à lembrança no momento em que Dilma começa a executar a reforma do ministério. O objetivo é adequá-lo às eleições deste ano, um pleito estratégico, quando o PT, depois de completar o recorde de 12 anos no poder por meio do voto direto — Getúlio permaneceu 15 consecutivos, mas com um período ditatorial entre eles —, tenta completar o ciclo de meia geração no Planalto.
Se a presidente começa ou não a “fazer o diabo”, ainda será discutido. Mas ela e o PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem lutar bastante. Afinal, muitos interesses cristalizados nestes três mandatos consecutivos estão em jogo. Apenas em “cargos de confiança” são mais de 22 mil. Há muitos companheiros amparados na máquina pública. Mesmo funcionários concursados.
O afastamento da ministra Helena Chagas da Secretaria de Comunicação serve de barômetro. Sua substituição pelo porta-voz da Presidência, Thomas Trauman, é interpretada como o atrelamento do canal de comunicação do governo com a sociedade — e respectiva verba de publicidade — à campanha. Subordinar o governo às eleições de outubro é o que se deve mesmo esperar.
As mudanças começaram pelo núcleo petista da administração, o qual, é claro, se mantém sob controle do partido: Aloizio Mercadante na Casa Civil, com a saída de Gleisi Hoffmann para disputar o governo do Paraná; Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo, no lugar de Alexandre Padilha, escalado por Lula para conquistar enfim a cidadela tucana do Palácio dos Bandeirantes; e José Paim, petista com experiência em tocar o MEC como secretário-geral desde 2006, em substituição a Mercadante.
A fase da reforma que se inicia agora requer jogo de corpo — não é o forte da presidente —, fígado forte e cérebro ágil. Será a hora de intensas barganhas — no sentido exato da palavra — no balcão de negociações fisiológicas, bastante familiar ao lulopetismo. As contas feitas e refeitas no Planalto consideram os minutos na propaganda eleitoral dita gratuita que poderão ser somados ou subtraídos em função de adesões ou deserções. E no centro do quebra-cabeças está o PMDB, especialista em ter poder sem mandato presidencial. Com cinco ministérios, o partido quer, no mínimo, preservar o espaço. Mas Dilma precisa retribuir a neoaliados, como PROS e PSD. Pelo jeito, haverá choro e ranger de dentes.
PT e presidente não podem cometer erros graves. Pois a conjuntura econômica não é favorável e pela primeira vez, nestes 12 anos, uma dissidência do seu campo político vai às ruas disputar votos. Tensões à frente.
Dilma e PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem muita luta. Afinal, muitos interesses se cristalizaram nestes três mandatos consecutivos
Em discurso de improviso para prefeitos paraibanos, em março do ano passado, a presidente Dilma confessou que “podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”, para em seguida ressalvar que, “no exercício do mandato, temos de nos respeitar”(...).
A frase presidencial ganhou o merecido destaque na imprensa, e agora ela volta à lembrança no momento em que Dilma começa a executar a reforma do ministério. O objetivo é adequá-lo às eleições deste ano, um pleito estratégico, quando o PT, depois de completar o recorde de 12 anos no poder por meio do voto direto — Getúlio permaneceu 15 consecutivos, mas com um período ditatorial entre eles —, tenta completar o ciclo de meia geração no Planalto.
Se a presidente começa ou não a “fazer o diabo”, ainda será discutido. Mas ela e o PT demonstram que não passarão a faixa presidencial sem lutar bastante. Afinal, muitos interesses cristalizados nestes três mandatos consecutivos estão em jogo. Apenas em “cargos de confiança” são mais de 22 mil. Há muitos companheiros amparados na máquina pública. Mesmo funcionários concursados.
O afastamento da ministra Helena Chagas da Secretaria de Comunicação serve de barômetro. Sua substituição pelo porta-voz da Presidência, Thomas Trauman, é interpretada como o atrelamento do canal de comunicação do governo com a sociedade — e respectiva verba de publicidade — à campanha. Subordinar o governo às eleições de outubro é o que se deve mesmo esperar.
As mudanças começaram pelo núcleo petista da administração, o qual, é claro, se mantém sob controle do partido: Aloizio Mercadante na Casa Civil, com a saída de Gleisi Hoffmann para disputar o governo do Paraná; Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo, no lugar de Alexandre Padilha, escalado por Lula para conquistar enfim a cidadela tucana do Palácio dos Bandeirantes; e José Paim, petista com experiência em tocar o MEC como secretário-geral desde 2006, em substituição a Mercadante.
A fase da reforma que se inicia agora requer jogo de corpo — não é o forte da presidente —, fígado forte e cérebro ágil. Será a hora de intensas barganhas — no sentido exato da palavra — no balcão de negociações fisiológicas, bastante familiar ao lulopetismo. As contas feitas e refeitas no Planalto consideram os minutos na propaganda eleitoral dita gratuita que poderão ser somados ou subtraídos em função de adesões ou deserções. E no centro do quebra-cabeças está o PMDB, especialista em ter poder sem mandato presidencial. Com cinco ministérios, o partido quer, no mínimo, preservar o espaço. Mas Dilma precisa retribuir a neoaliados, como PROS e PSD. Pelo jeito, haverá choro e ranger de dentes.
PT e presidente não podem cometer erros graves. Pois a conjuntura econômica não é favorável e pela primeira vez, nestes 12 anos, uma dissidência do seu campo político vai às ruas disputar votos. Tensões à frente.
A piora das contas públicas - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 01/02
Sem grande esforço, o governo conseguiu piorar suas contas, gastar um dinheirão com incentivos fiscais e chegar ao terceiro aniversário com indústria ainda estagnada, inflação maior que a do ano anterior e perspectiva de resultados medíocres em 2014. Mas o balanço fiscal ainda teria sido mais fraco sem a grande contribuição de receitas extraordinárias, como os R$ 22,07 bilhões obtidos com as concessões no setor de infraestrutura e os R$ 21,79 bilhões coletados com o novo Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias. Só a soma desses dois itens - R$ 43,86 bilhões - corresponde a 56,9% do superávit primário de R$ 77,07 bilhões anunciado na sexta-feira pelo governo central e apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como um resultado "importante". Em 2012 o governo central havia conseguido R$ 88,26 bilhões de superávit primário, dinheiro destinado ao pagamento de uma parte dos juros da dívida pública - só uma parte, porque sempre sobra uma boa fatia dos compromissos financeiros do ano.
Mas o resultado de 2012, embora oficialmente superior ao do ano passado, foi obtido graças a uma porção de malabarismos. Os truques ficaram conhecidos internacionalmente como "contabilidade criativa".
O pífio saldo primário do governo central - Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) - resultou da combinação de três fatores: a gastança de sempre, o baixo crescimento econômico e o desperdício representado pela maior parte dos R$ 77,8 bilhões de incentivos fiscais.
Grande parcela desse dinheiro serviu somente para impulsionar o consumo e favorecer alguns segmentos industriais, mas o efeito global foi insignificante. A expansão da oferta foi insuficiente para atender os consumidores, parte da procura foi coberta com aumento de importações e, além disso, houve aumento de preços. A indústria nacional, com baixo investimento e custos muito altos, continuou incapaz de competir com os produtores estrangeiros fora e dentro do País.
Com o fiasco dos incentivos, o Tesouro acumulou dois problemas - o baixo crescimento, o desafio original, e o derivado, a perda representada pelas desonerações inúteis. Quanto à gastança, seguiu o padrão conhecido. A receita líquida do governo central foi 12,5% maior que a de 2012, mas a despesa cresceu 13,6%, segundo o Tesouro.
O resultado geral do setor público - governo central, governos de Estados e municípios e estatais - também foi ruim. Os números da União são um pouco diferentes dos apresentados pelo Tesouro, por causa dos critérios de cálculo. O BC, responsável pelo relatório consolidado, calcula o resultado pelas necessidades de financiamento, sem levar em conta apenas a diferença entre receitas e despesas primárias. Pelas contas do BC, o superávit primário do setor público atingiu R$ 91,3 bilhões, ou 1,9% do PIB. No ano anterior, havia chegado a R$ 105 bilhões, ou 2,39% do produto. Foi, em termos porcentuais, o pior resultado da série iniciada em 2001. Pelas mesmas contas, o saldo primário do governo central ficou em R$ 75,3 bilhões, ou 1,57% do PIB estimado.
São resultados bem inferiores àqueles programados inicialmente pelo governo federal. A meta foi reduzida gradualmente, com descontos de investimentos e de desonerações, e finalmente o Ministério da Fazenda só se comprometeu com o resultado previsto para o governo central. Esse resultado, de R$ 73 bilhões, foi afinal superado, mas somente graças a receitas extraordinárias.
O governo federal só vai fixar em fevereiro a meta fiscal deste ano e, como preparação, representantes do Ministério da Fazenda estão consultando especialistas do mercado. A decisão final caberá à presidente Dilma Rousseff. Certamente ela tentará combinar os critérios das agências de classificação de crédito (há o risco de rebaixamento da nota do Brasil) e as conveniências eleitorais. Além disso, terá de dar atenção às novas condições do financiamento internacional, afetadas pelo aperto da política monetária americana. Mas uma guinada para a austeridade será uma surpresa. Sem essa mudança, o BC continuará cuidando sozinho do combate à inflação e será difícil evitar novas altas de juros.
Sem grande esforço, o governo conseguiu piorar suas contas, gastar um dinheirão com incentivos fiscais e chegar ao terceiro aniversário com indústria ainda estagnada, inflação maior que a do ano anterior e perspectiva de resultados medíocres em 2014. Mas o balanço fiscal ainda teria sido mais fraco sem a grande contribuição de receitas extraordinárias, como os R$ 22,07 bilhões obtidos com as concessões no setor de infraestrutura e os R$ 21,79 bilhões coletados com o novo Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias. Só a soma desses dois itens - R$ 43,86 bilhões - corresponde a 56,9% do superávit primário de R$ 77,07 bilhões anunciado na sexta-feira pelo governo central e apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como um resultado "importante". Em 2012 o governo central havia conseguido R$ 88,26 bilhões de superávit primário, dinheiro destinado ao pagamento de uma parte dos juros da dívida pública - só uma parte, porque sempre sobra uma boa fatia dos compromissos financeiros do ano.
Mas o resultado de 2012, embora oficialmente superior ao do ano passado, foi obtido graças a uma porção de malabarismos. Os truques ficaram conhecidos internacionalmente como "contabilidade criativa".
O pífio saldo primário do governo central - Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) - resultou da combinação de três fatores: a gastança de sempre, o baixo crescimento econômico e o desperdício representado pela maior parte dos R$ 77,8 bilhões de incentivos fiscais.
Grande parcela desse dinheiro serviu somente para impulsionar o consumo e favorecer alguns segmentos industriais, mas o efeito global foi insignificante. A expansão da oferta foi insuficiente para atender os consumidores, parte da procura foi coberta com aumento de importações e, além disso, houve aumento de preços. A indústria nacional, com baixo investimento e custos muito altos, continuou incapaz de competir com os produtores estrangeiros fora e dentro do País.
Com o fiasco dos incentivos, o Tesouro acumulou dois problemas - o baixo crescimento, o desafio original, e o derivado, a perda representada pelas desonerações inúteis. Quanto à gastança, seguiu o padrão conhecido. A receita líquida do governo central foi 12,5% maior que a de 2012, mas a despesa cresceu 13,6%, segundo o Tesouro.
O resultado geral do setor público - governo central, governos de Estados e municípios e estatais - também foi ruim. Os números da União são um pouco diferentes dos apresentados pelo Tesouro, por causa dos critérios de cálculo. O BC, responsável pelo relatório consolidado, calcula o resultado pelas necessidades de financiamento, sem levar em conta apenas a diferença entre receitas e despesas primárias. Pelas contas do BC, o superávit primário do setor público atingiu R$ 91,3 bilhões, ou 1,9% do PIB. No ano anterior, havia chegado a R$ 105 bilhões, ou 2,39% do produto. Foi, em termos porcentuais, o pior resultado da série iniciada em 2001. Pelas mesmas contas, o saldo primário do governo central ficou em R$ 75,3 bilhões, ou 1,57% do PIB estimado.
São resultados bem inferiores àqueles programados inicialmente pelo governo federal. A meta foi reduzida gradualmente, com descontos de investimentos e de desonerações, e finalmente o Ministério da Fazenda só se comprometeu com o resultado previsto para o governo central. Esse resultado, de R$ 73 bilhões, foi afinal superado, mas somente graças a receitas extraordinárias.
O governo federal só vai fixar em fevereiro a meta fiscal deste ano e, como preparação, representantes do Ministério da Fazenda estão consultando especialistas do mercado. A decisão final caberá à presidente Dilma Rousseff. Certamente ela tentará combinar os critérios das agências de classificação de crédito (há o risco de rebaixamento da nota do Brasil) e as conveniências eleitorais. Além disso, terá de dar atenção às novas condições do financiamento internacional, afetadas pelo aperto da política monetária americana. Mas uma guinada para a austeridade será uma surpresa. Sem essa mudança, o BC continuará cuidando sozinho do combate à inflação e será difícil evitar novas altas de juros.
A nova Lei Anticorrupção - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 01/02
A nova legislação que responsabiliza também as empresas em casos de corrupção, sozinha, não fará milagres; é preciso erradicar a impunidade e a cultura do toma-lá-dá-cá
Não é por falta de leis rigorosas que a corrupção e outros delitos grassam de forma desassombrada no país. A causa é outra: ela deriva da generalizada impunidade que protege corruptos e delinquentes, em geral não alcançados pela polícia ou por outros entes de fiscalização; ou, quando levados à Justiça, a maioria acaba por se livrar das penas à custa de inquéritos malfeitos, de recursos infindos ou de filigranas processuais. É por isso que se diz, com a dose cabível de cinismo, que no Brasil vale a pena cometer crimes, pois não há punição a reprimi-los.
Acaba de entrar em vigor outra lei rigorosa de combate à corrupção, desta feita destinada a punir empresas que cometam atos de corrupção contra a administração pública e não apenas as pessoas físicas de seus dirigentes. Trata-se da Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção – inegavelmente um instrumento legislativo moderno e utilizado com eficácia nas melhores e mais desenvolvidas democracias do mundo.
Mas, como sempre, ela ainda é, na prática, inaplicável, pois depende de decreto que a regulamente. Por exemplo: não se estabeleceram critérios para a dosimetria das penas aplicadas às empresas – isto é, a proporcionalidade da punição em relação aos danos ou à gravidade dos atos de corrupção praticados por entes empresariais. A lei é genérica: fala em aplicar multas variáveis sobre o faturamento das empresas, assim como, dependendo do caso, proibir que continuem mantendo contratos com os governos ou, no extremo, determinar o seu fechamento.
De qualquer forma, a Lei Anticorrupção enriquece o ordenamento jurídico do país e, caso seja aplicada nos seus termos, pode ser o instrumento que faltava para coibir o desastroso histórico de falcatruas de empresas que avançam sobre o dinheiro público e, mesmo denunciados e comprovados seus crimes, continuam exercendo as mesmas atividades. Só a título de exemplo, lembremo-nos da Construtora Delta, acusada de superfaturar obras públicas, mas que, recentemente, foi readmitida no rol das grandes fornecedoras do governo federal. Desconhece-se o destino penal de seus donos e diretores.
Levada a sério, a lei pode ter o condão também de instituir uma nova cultura anticorrupção no seio das próprias organizações privadas. Nem sempre é possível afirmar que os atos de corrupção que em seus nomes se praticam sejam fruto da filosofia empresarial, mas da ganância e da deformação moral de alguns de seus diretores para proveito pessoal. Dadas as rigorosas restrições que possam recair sobre as empresas, caberá a elas próprias criar mecanismos internos para conter a ansiedade pelo dinheiro fácil de funcionários e diretores contratados.
A partir da lei e, sobretudo, após a sua regulamentação, às companhias e corporações privadas se poderá imputar o que se chama de “responsabilidade objetiva”, figura que até agora não constava do aparato legal brasileiro. Com este novo mecanismo, já não será necessário provar que seus executivos determinaram, autorizaram ou sabiam de fatos ilícitos que corriam sob seus narizes. Para ser punida, bastará às autoridades simplesmente comprovar que as empresas foram direta ou indiretamente beneficiadas pelos ilícitos (inclusive quando seus funcionários agirem contrariando orientações expressas da companhia, situação considerada questionável por alguns especialistas). Ou seja, a culpa ou o dolo recairá sobre a pessoa jurídica e não apenas sobre seus funcionários ou executivos. E, em sendo assim, as punições correspondentes recairão também sobre as empresas.
Flagradas em atos ilegais, e, portanto, sujeitas às penas cabíveis, podem as empresas servir-se de um dispositivo previsto na própria lei para as diminuírem: basta que sejam colaborativas – isto é, que contribuam para que as autoridades avancem suas investigações na direção de outros tentáculos, de modo a que o esquema seja desbaratado por completo.
Para complementar a boa notícia da entrada em vigor da Lei Anticorrupção, resta-nos agora a esperança de que também sobre os servidores públicos – das mais altas autoridades ao mais simples fiscal – se apliquem os rigores das tantas leis já existentes para combater seus atos de corrupção. Pois, se há empresas que cometem atos de corrupção contra a administração pública, é porque nela encontram campo fértil.
A nova legislação que responsabiliza também as empresas em casos de corrupção, sozinha, não fará milagres; é preciso erradicar a impunidade e a cultura do toma-lá-dá-cá
Não é por falta de leis rigorosas que a corrupção e outros delitos grassam de forma desassombrada no país. A causa é outra: ela deriva da generalizada impunidade que protege corruptos e delinquentes, em geral não alcançados pela polícia ou por outros entes de fiscalização; ou, quando levados à Justiça, a maioria acaba por se livrar das penas à custa de inquéritos malfeitos, de recursos infindos ou de filigranas processuais. É por isso que se diz, com a dose cabível de cinismo, que no Brasil vale a pena cometer crimes, pois não há punição a reprimi-los.
Acaba de entrar em vigor outra lei rigorosa de combate à corrupção, desta feita destinada a punir empresas que cometam atos de corrupção contra a administração pública e não apenas as pessoas físicas de seus dirigentes. Trata-se da Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção – inegavelmente um instrumento legislativo moderno e utilizado com eficácia nas melhores e mais desenvolvidas democracias do mundo.
Mas, como sempre, ela ainda é, na prática, inaplicável, pois depende de decreto que a regulamente. Por exemplo: não se estabeleceram critérios para a dosimetria das penas aplicadas às empresas – isto é, a proporcionalidade da punição em relação aos danos ou à gravidade dos atos de corrupção praticados por entes empresariais. A lei é genérica: fala em aplicar multas variáveis sobre o faturamento das empresas, assim como, dependendo do caso, proibir que continuem mantendo contratos com os governos ou, no extremo, determinar o seu fechamento.
De qualquer forma, a Lei Anticorrupção enriquece o ordenamento jurídico do país e, caso seja aplicada nos seus termos, pode ser o instrumento que faltava para coibir o desastroso histórico de falcatruas de empresas que avançam sobre o dinheiro público e, mesmo denunciados e comprovados seus crimes, continuam exercendo as mesmas atividades. Só a título de exemplo, lembremo-nos da Construtora Delta, acusada de superfaturar obras públicas, mas que, recentemente, foi readmitida no rol das grandes fornecedoras do governo federal. Desconhece-se o destino penal de seus donos e diretores.
Levada a sério, a lei pode ter o condão também de instituir uma nova cultura anticorrupção no seio das próprias organizações privadas. Nem sempre é possível afirmar que os atos de corrupção que em seus nomes se praticam sejam fruto da filosofia empresarial, mas da ganância e da deformação moral de alguns de seus diretores para proveito pessoal. Dadas as rigorosas restrições que possam recair sobre as empresas, caberá a elas próprias criar mecanismos internos para conter a ansiedade pelo dinheiro fácil de funcionários e diretores contratados.
A partir da lei e, sobretudo, após a sua regulamentação, às companhias e corporações privadas se poderá imputar o que se chama de “responsabilidade objetiva”, figura que até agora não constava do aparato legal brasileiro. Com este novo mecanismo, já não será necessário provar que seus executivos determinaram, autorizaram ou sabiam de fatos ilícitos que corriam sob seus narizes. Para ser punida, bastará às autoridades simplesmente comprovar que as empresas foram direta ou indiretamente beneficiadas pelos ilícitos (inclusive quando seus funcionários agirem contrariando orientações expressas da companhia, situação considerada questionável por alguns especialistas). Ou seja, a culpa ou o dolo recairá sobre a pessoa jurídica e não apenas sobre seus funcionários ou executivos. E, em sendo assim, as punições correspondentes recairão também sobre as empresas.
Flagradas em atos ilegais, e, portanto, sujeitas às penas cabíveis, podem as empresas servir-se de um dispositivo previsto na própria lei para as diminuírem: basta que sejam colaborativas – isto é, que contribuam para que as autoridades avancem suas investigações na direção de outros tentáculos, de modo a que o esquema seja desbaratado por completo.
Para complementar a boa notícia da entrada em vigor da Lei Anticorrupção, resta-nos agora a esperança de que também sobre os servidores públicos – das mais altas autoridades ao mais simples fiscal – se apliquem os rigores das tantas leis já existentes para combater seus atos de corrupção. Pois, se há empresas que cometem atos de corrupção contra a administração pública, é porque nela encontram campo fértil.
Corte de gasto é imperativo - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 01/02
Antes de passar o comando do FED (o banco central dos Estados Unidos) à sua sucessora, Janet Yellen, Ben Bernanke presidiu esta semana mais uma reunião do Comitê do Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), que manteve a decisão de reduzir o programa de estímulos à economia norte-americana. Em vigor desde setembro de 2012, o pacote provocava a desvalorização do dólar, com o aumento da oferta da moeda, por meio da compra mensal de US$ 85 bilhões de títulos em poder do mercado e da manutenção da taxa básica de juros em até 0,25% ao ano.
A clareza dos sinais de que a maior economia do planeta começa a superar a pior crise financeira desde 1929 foi o sinal para desativar gradualmente o programa. Na reunião anterior, o Fomc havia cortado US$ 10 bilhões dessa "ração" mensal. Na semana passada, cortou outros US$ 10 bilhões. Mais do que a velocidade, é a direção da mudança da política monetária que provoca turbulência no mercado financeiro internacional, principalmente nos países emergentes. A lógica do movimento aponta para provável elevação da taxa de remuneração dos bônus do Tesouro americano no fim deste ano ou início de 2015. E, como Janet Yellen era vice de Bernanke e permanece afinada com ele, só novo tropeço da economia norte-americana pode mudar essa direção.
A economia não é ciência exata, mas há máximas que não falham. Uma delas é que, além de não aceitar desaforo, o dinheiro não perde tempo. Bilhões de dólares estão retornando aos EUA, com a mesma velocidade com que de lá haviam fugido da desvalorização da moeda e dos juros que nem sempre cobrem a inflação anual (abaixo de 2%). Foi esse o aviso que os economistas mais experientes e menos entusiasmados com a animação artificial do consumo tentaram dar ao governo nos últimos anos.
Em vão. O Brasil não entra na turbulência provocada pelo FED (e também por uma acomodação de crescimento da China) com fragilidades tão acentuadas quanto a de crises anteriores. Tem reservas de US$ 376 bilhões, o deficit externo e o fiscal (3,7% e 3% do PIB) são crescentes e indesejáveis, mas administráveis. Porém, o país é pego em momento desfavorável, que poderia ter sido evitado.
O governo demorou a subir os juros para conter a inflação. Tivesse feito isso no tempo certo, já teria devolvido a Selic a patamares mais baixos e, hoje, poderia jogar com mais essa arma para atrair e segurar capitais, que querem escapar para Nova York. Em 2013, essa corrida já fez efeito. Os investimentos estrangeiros diretos no Brasil não conseguiram cobrir o desastroso deficit de US$ 81,4 bilhões nas transações correntes com o exterior. E, como nunca, o país precisa ampliar esses ingressos para investir em infraestrutura e destravar a economia.
Daí a importância de o país não perder o carimbo de destino confiável de capitais para investimento. Em 2013, os gastos públicos cresceram mais do que as receitas - 13,6% contra 12,8%, enquanto os investimentos foram apenas 6,4% maiores do que em 2012. Não fossem receitas extraordinárias, as metas fiscais, apesar de baixas, não teriam sido cumpridas. A hora pede a coragem de assinar um corte de pelo menos R$ 40 bilhões nos gastos (os R$ 28 bilhões de 2013 foram insuficientes). A dúvida é se a presidente Dilma fará isso ou dará prioridade ao calendário eleitoral.
A clareza dos sinais de que a maior economia do planeta começa a superar a pior crise financeira desde 1929 foi o sinal para desativar gradualmente o programa. Na reunião anterior, o Fomc havia cortado US$ 10 bilhões dessa "ração" mensal. Na semana passada, cortou outros US$ 10 bilhões. Mais do que a velocidade, é a direção da mudança da política monetária que provoca turbulência no mercado financeiro internacional, principalmente nos países emergentes. A lógica do movimento aponta para provável elevação da taxa de remuneração dos bônus do Tesouro americano no fim deste ano ou início de 2015. E, como Janet Yellen era vice de Bernanke e permanece afinada com ele, só novo tropeço da economia norte-americana pode mudar essa direção.
A economia não é ciência exata, mas há máximas que não falham. Uma delas é que, além de não aceitar desaforo, o dinheiro não perde tempo. Bilhões de dólares estão retornando aos EUA, com a mesma velocidade com que de lá haviam fugido da desvalorização da moeda e dos juros que nem sempre cobrem a inflação anual (abaixo de 2%). Foi esse o aviso que os economistas mais experientes e menos entusiasmados com a animação artificial do consumo tentaram dar ao governo nos últimos anos.
Em vão. O Brasil não entra na turbulência provocada pelo FED (e também por uma acomodação de crescimento da China) com fragilidades tão acentuadas quanto a de crises anteriores. Tem reservas de US$ 376 bilhões, o deficit externo e o fiscal (3,7% e 3% do PIB) são crescentes e indesejáveis, mas administráveis. Porém, o país é pego em momento desfavorável, que poderia ter sido evitado.
O governo demorou a subir os juros para conter a inflação. Tivesse feito isso no tempo certo, já teria devolvido a Selic a patamares mais baixos e, hoje, poderia jogar com mais essa arma para atrair e segurar capitais, que querem escapar para Nova York. Em 2013, essa corrida já fez efeito. Os investimentos estrangeiros diretos no Brasil não conseguiram cobrir o desastroso deficit de US$ 81,4 bilhões nas transações correntes com o exterior. E, como nunca, o país precisa ampliar esses ingressos para investir em infraestrutura e destravar a economia.
Daí a importância de o país não perder o carimbo de destino confiável de capitais para investimento. Em 2013, os gastos públicos cresceram mais do que as receitas - 13,6% contra 12,8%, enquanto os investimentos foram apenas 6,4% maiores do que em 2012. Não fossem receitas extraordinárias, as metas fiscais, apesar de baixas, não teriam sido cumpridas. A hora pede a coragem de assinar um corte de pelo menos R$ 40 bilhões nos gastos (os R$ 28 bilhões de 2013 foram insuficientes). A dúvida é se a presidente Dilma fará isso ou dará prioridade ao calendário eleitoral.
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